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Ciencias Psicológicas

versión impresa ISSN 1688-4094versión On-line ISSN 1688-4221

Cienc. Psicol. vol.16 no.2 Montevideo dic. 2022  Epub 01-Dic-2022

https://doi.org/10.22235/cp.v16i2.2479 

Artigos Originais

Inventários de Conformidade com as Normas Femininas e Masculinas: estrutura fatorial e análises de invariância

Inventarios de Conformidad con las Normas Femeninas y Masculinas: estructura factorial y análisis de invariancia

1 Universidade Salgado de Oliveira, Brasil, juliacaciano@gmail.com

2 Universidade São Francisco, Brasil


Resumo:

O presente estudo teve como objetivos avaliar a estrutura fatorial e analisar a invariância dos parâmetros dos itens do Inventário de Conformidade com as Normas Femininas e do Inventário de Conformidade com as Normas Masculinas no contexto brasileiro. Participaram 724 mulheres e 555 homens, estudantes universitários. Os participantes responderam aos instrumentos e a um questionário sociodemográfico. Por meio de análises fatoriais confirmatórias, as estruturas originais compostas por fatores correlacionados foram testadas e parcialmente corroboradas. Ademais, foram sugeridas modificações para melhoria da qualidade psicométrica dos instrumentos. Por fim, análises fatoriais multigrupos indicaram a invariância fatorial em relação ao estado civil, orientação sexual, área do curso de graduação e modo de aplicação. Estes resultados apresentam evidências iniciais de validade dos instrumentos no Brasil e sustentam sua utilização em estudos futuros envolvendo a temática de gênero.

Palavras-chave: feminilidade; normas de gênero feminino; masculinidade; normas de gênero masculino; análise fatorial; universitários brasileiros

Resumen:

El presente estudio tuvo como objetivo evaluar la estructura factorial y la invarianza factorial del Inventario de Conformidad con las Normas Femeninas y el Inventario de Conformidad con las Normas Masculinas en el contexto brasileño. Participaron 724 mujeres y 555 hombres, estudiantes universitarios. Los participantes respondieron los instrumentos y un cuestionario sociodemográfico. A través de análisis factoriales confirmatorios, las estructuras originales compuestas por factores correlacionados fueron probadas y corroboradas parcialmente. Además, se sugirieron modificaciones para mejorar la calidad psicométrica de los instrumentos. Por último, los análisis factoriales multigrupos indicaron la invarianza factorial en relación con el estado civil, la orientación sexual, zona del curso de graduación y método de aplicación. Estos resultados presentan evidencia inicial de la validez de los instrumentos en Brasil y apoyan su uso en estudios futuros que involucren el tema de género.

Palabras clave: feminidad; normas de género femeninas; masculinidad; normas de género masculinas; análisis factorial; universitarios brasileños

Abstract:

This study aimed to evaluate the factorial structure and analyze the parameter invariance of the items of the Conformity to Feminine Norms Inventory and the Conformity to Masculine Norms Inventory in the Brazilian context. The participants were 724 female and 555 male college students. Participants answered the instruments and a sociodemographic questionnaire. Through confirmatory factor analyses, the original structures composed of first-order correlated factors were tested and partially corroborated. In addition, modifications were suggested to improve the psychometric quality of the instruments. Finally, multigroup factor analyses indicated the factorial invariance with regard to the marital status, sexual orientation, college course area and application mode. These results present initial evidence of the validity of the instruments in Brazil and support their use in future gender studies.

Keywords: femininity; female gender norms; masculinity; masculine gender norms; factorial analysis; brazilian college students

O entendimento sobre gênero sofre influência de condições culturais, educacionais e históricas (Scott, 1995). Na sociedade brasileira, por intermédio da estrutura do patriarcado, os homens detêm uma série de privilégios sociais, implicando na forma como lidam e se relacionam com as mulheres (Rodrigues et al., 2018). No âmbito do casamento, por exemplo, ainda que ambos os parceiros trabalhem, recai sobre a mulher a maioria das tarefas domésticas, como cuidar da casa e das crianças, arrumar, lavar e passar (Jablonski, 2010).

Assim, a adaptação de instrumentos psicométricos para avaliação da concordância com as expectativas sociais em função do gênero deve considerar o uso de diferentes técnicas para a obtenção de evidências de validade em amostras brasileiras (Borsa et al., 2012). Concretamente, as evidências de validade com base na estrutura interna indicam se os itens do instrumento estão adequados ao construto no qual o instrumento é baseado, a partir de três aspectos, quais sejam, dimensionalidade, invariância da medida e fidedignidade. A dimensionalidade verifica se as interrelações entre os itens suportam os resultados obtidos com o instrumento e as inferências efetuadas. Em contrapartida, a invariância da medida indica se as características dos itens são equivalentes entre grupos distintos de respondentes. Por fim, a fidedignidade demonstra o quão consistente são os escores obtidos diante de repetidas aplicações (Rios & Wells, 2014).

Cumpre ressaltar que a invariância da medida permite a redução de vieses, isto é, uma diminuição da tendência a dar uma única resposta ou um certo conjunto de respostas (American Psychological Association (APA), 2015). Além disso, esta técnica favorece a justiça entre os diferentes subgrupos respondentes, possibilitando a adequada comparação (American Educational Research Association (AERA) et al., 2014), entretanto, no Brasil ainda é escasso o número de estudos envolvendo a invariância da medida de instrumentos psicométricos (Damásio, 2013).

O Inventário de Conformidade com as Normas Femininas (Conformity to Feminine Norms Inventory, CFNI; Mahalik et al., 2005) e o Inventário de Conformidade com as Normas Masculinas (Conformity to Masculine Norms Inventory, CMNI; Mahalik et al., 2003) são instrumentos de autorrelato desenvolvidos para avaliar a diferentes atitudes, crenças e comportamentos envolvendo as expectativas sociais direcionadas às mulheres e aos homens.

Para o desenvolvimento do CFNI e do CMNI, foi efetuada uma extensa revisão da literatura sobre feminilidade e masculinidade. Em seguida, foram realizados grupos focais para a construção e o refinamento dos itens. Posteriormente, os instrumentos foram aplicados à uma amostra de universitários. As análises fatoriais exploratórias apresentaram uma solução de 84 itens agrupados em oito fatores para o CFNI e 94 itens agrupados em onze fatores para o CMNI (Mahalik et al., 2003; Mahalik et al., 2005).

Em uma recente revisão sistemática das propriedades psicométricas destes instrumentos (Silva et al., 2020) foi constatado que ambos contêm adaptações transculturais em países como Espanha (Cuéllar-Flores et al., 2011; Sánchez-López et al., 2009) e Chile (Rivas-Diez et al., 2018), além de existirem formas abreviadas de aplicação na Eslováquia (Lyócsa & Lyócsa, 2013), na Suécia (Kling et al., 2017) e na China (Rochelle & Yim, 2015). Tanto nas versões completas quanto nas versões abreviadas, em geral, os instrumentos apresentaram indicadores psicométricos adequados.

Apesar disto, poucos estudos debruçaram-se sobre a estrutura fatorial e analisaram a invariância dos parâmetros dos itens do CFNI e do CMNI. Por exemplo, as análises fatoriais confirmatórias do CFNI conduzidas por Parent e Moradi (2010) evidenciaram que um único fator agrupava dois comportamentos distintos (relacionamento com os demais e busca de manutenção das amizades), o que inviabilizava a adequada mensuração destes comportamentos. Em outro estudo, as análises fatoriais confirmatórias conduzidas indicaram que apenas nove dos onze fatores originais do CMNI eram coerentes (Parent & Moradi, 2009).

Quanto às análises de invariância, estudos desenvolvidos com versões abreviadas do CMNI sugeriram invariância métrica parcial em relação ao gênero e a etnia do respondente (Hsu & Iwamoto, 2014; Parent & Smiler, 2013). Além disso, os achados do estudo de Parent e Moradi (2011) sugeriram invariância métrica parcial entre respondentes brancos e não brancos para uma versão abreviada do CFNI. Mediante o contexto social que perpassa a construção da feminilidade e da masculinidade (Scott, 1995), justifica-se a análise de alguns dos fatores que influenciam na concordância com as expectativas sociais direcionadas às mulheres e aos homens.

Fundamentando-se em tais considerações, o presente estudo teve como objetivos avaliar a estrutura fatorial e analisar a invariância dos parâmetros dos itens dos instrumentos supracitados. Considerando que as estruturas originais subjacentes aos instrumentos eram compostas por fatores correlacionados (Mahalik et al., 2003; Mahalik et al., 2005), formularam-se as seguintes hipóteses: o CFNI e do CMNI apresentariam índices de ajuste ao modelo adequados nas amostras estudadas (H1); seriam observadas correlações positivas e significativas entre as dimensões dos instrumentos (H2).

Com relação à invariância dos parâmetros dos itens, a amostra estudada foi subdividida em relação ao estado civil, orientação sexual, curso de graduação e modo de aplicação (presencial ou online). No contexto dos relacionamentos amorosos, as evidências empíricas demonstraram que para os homens, é mais frequente a omissão de sentimentos quando, por exemplo, estes relacionamentos terminam, ao passo que esta condição pode ser considerada como uma oportunidade para se envolver com outras pessoas (Marcondes et al., 2006).

Para a orientação sexual, entretanto, os estudos sugerem que há certo direcionamento social para que as relações afetivas se deem de maneira heterossexual (Butler, 2003). Assim, as pessoas que vivenciam outros tipos de sexualidades podem apresentar maior dificuldade para contar às suas famílias e obterem suporte social (Silva et al., 2015). No que tange às escolhas profissionais, tem-se verificado múltiplas barreiras que as mulheres enfrentam no acesso aos cursos de ensino superior tipificados como masculinos, como nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação (Queiroz et al., 2014).

Além do mais, a literatura aponta a existência de correlação entre instrumentos aplicados presencialmente e online (Pritchard et al., 2017), entretanto, a verificação dos parâmetros dos itens nestas versões torna mais seguro o uso dos instrumentos. Na versão informatizada, a ausência da presença do aplicador pode trazer prejuízos, por conta das variáveis intervenientes nesta modalidade da aplicação. Em que pesem, porém, estas diferenças, seria desejável que os parâmetros dos itens do CFNI e do CMNI não sofressem alterações nestes diferentes grupos, o que auxiliaria na diminuição dos vieses (Damásio, 2013) e aumentaria a justiça no uso destes instrumentos (AERA et al., 2014). Diante destas considerações, foram formuladas as seguintes hipóteses: os parâmetros dos itens do CFNI e do CMNI seriam invariantes em relação ao estado civil (H3), orientação sexual (H4), curso de graduação (H5) e modo de aplicação (H6).

Método

Participantes

Participaram deste estudo 724 mulheres com idades entre 17 e 62 anos (M= 24,02; DP= 6,66) e 555 homens com idades entre 17 e 58 anos (M= 24,11; DP= 6,54), provenientes, em sua maioria, de quatro regiões do país: Paraná (26 % das mulheres e 21,6 % dos homens), São Paulo (21,4 % das mulheres e 10,8 % dos homens), Rio de Janeiro (17,8 % das mulheres e 32,8 % dos homens) e Minas Gerais (17,4 % das mulheres e 16,9 % dos homens). Em geral, os participantes eram estudantes universitários (75,9 % das mulheres e 82,1 % dos homens), solteiros (81,1 % das mulheres e 83,4 % dos homens) e heterossexuais (78,0 % das mulheres e 84,4 % dos homens).

Instrumentos

Inventário de Conformidade com as Normas Femininas (Conformity to Feminine Norms Inventory, CFNI; Mahalik et al., 2005). O instrumento contém 84 itens agrupados em oito normas femininas que tratam de: investimento na aparência física, cuidado de crianças, cuidados com o lar, evitar chamar atenção para suas qualidades e talentos, relações de amizade, envolvimento em relacionamentos românticos, fidelidade sexual e magreza. As respostas são dadas em uma escala do tipo Likert de quatro pontos, variando de 0 (discordo fortemente) a 3 (concordo fortemente). Exemplo de item da dimensão bons relacionamentos: é importante fazer com que as pessoas saibam que são especiais. A consistência interna no estudo original, avaliada por meio do coeficiente alfa de Cronbach, variou de 0,77 (relacionamentos românticos) até 0,92 (cuidado de crianças).

Inventário de Conformidade com as Normas Masculinas (Conformity to Masculine Norms Inventory, CMNI; Mahalik et al., 2003). O instrumento contém 94 itens agrupados em onze normas masculinas que tratam de: orientar-se a vencer, restrição e supressão emocional, propensão a comportamentos de risco, propensão a confrontos físicos, busca de poder sobre as mulheres, busca de controle sobre as situações em geral, busca de relações sexuais sem compromisso, autossuficiência, importância dada ao trabalho, aversão a ser homossexual ou ser considerado como homossexual e interesse em ser visto como uma pessoa importante. A escala de resposta é igualmente a apresentada no instrumento anterior. Exemplo de item da dimensão controle emocional: é melhor manter suas emoções escondidas. A consistência interna no estudo original, avaliada por meio do coeficiente alfa de Cronbach, variou de 0,72 (status) até 0,91 (controle emocional).

Questionário de informações sociodemográficas. Foi utilizado um questionário contendo perguntas relativas aos seguintes aspectos: sexo, idade, estado civil, orientação sexual, escolaridade, curso de graduação e estado de residência no país.

Procedimentos de coleta de dados e considerações éticas

O processo de adaptação do CFNI e do CMNI à população brasileira seguiu as diretrizes do órgão que regulamenta a profissão (CFP, 2018). Para adaptação idiomática, utilizou-se a tradução reversa (Muñiz et al., 2013), procedimento frequentemente empregado com esta finalidade. Inicialmente, os itens foram traduzidos do inglês para o português por um tradutor independente. Em seguida, os itens traduzidos para o português foram retraduzidos para o inglês por outro tradutor independente. Por fim, os autores efetuaram uma análise semântica dos itens traduzidos comparando-os com a versão original.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição dos autores e aprovada sob o CAAE n.º 71481417.8.0000. A coleta de dados foi realizada nas versões presencial e online. Na versão presencial, os protocolos foram preenchidos de forma coletiva em sala de aula. Na versão online, foi criado um formulário no Google Docs e os convites enviados por e-mail ou redes sociais. Em ambas as versões a aplicação durou em média 20 minutos. Os participantes foram esclarecidos sobre os aspectos éticos da pesquisa e manifestaram sua concordância mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Análise de dados

Para verificar a estrutura fatorial dos instrumentos foram conduzidas análises fatoriais confirmatórias com estimação de máxima verossimilhança no software Mplus, versão 7.11. Os seguintes índices de ajuste ao modelo foram analisados: Qui-quadrado (χ², quanto menor o valor, melhor o ajustamento aos dados), Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA, deve-se situar abaixo de 0,06) com intervalo de confiança de 90 %, Comparative Fit Index (CFI, são considerados aceitáveis valores acima de 0,90) e Tucker-Lewis Index (TLI, são considerados aceitáveis valores acima de 0,90).

Para avaliar a invariância dos parâmetros dos itens em relação ao estado civil, orientação sexual, curso de graduação e modo de aplicação, foram conduzidas análises fatoriais multigrupos (Damásio, 2013). Entretanto, para o CFNI não foi possível a comparação quanto ao modo de aplicação do instrumento, pois o número de participantes em cada um dos subgrupos (presencial e online) estava desequilibrado.

Nesta análise, foram verificados três níveis de invariância da medida: invariância configural, que admite a equivalência quanto à quantidade de fatores e os itens correspondentes; invariância métrica, que admite a equivalência anterior e também a igualdade nas cargas fatoriais dos itens; e invariância escalar, que admite as duas modalidades de equivalência precedentes, assim como a igualdade dos interceptos randômicos (Kline, 2011; Rios & Wells, 2014). De acordo com recomendações existentes na literatura, a invariância da medida é suportada mediante a alteração de no máximo 0,01 nos índices de RMSEA e de CFI (Cheung & Rensvold, 2002).

Resultados

Na análise da estrutura fatorial dos instrumentos foram testados os modelos de fatores correlacionados para o CFNI e para o CMNI. Os resultados apontaram que o CMNI não obteve índices de ajuste ao modelo adequados (χ2 (gl) = 8535,007 (4222); CFI = 0,85; TLI = 0,84; RMSEA = 0,04 CI = 0,03, 0,04), por outro lado, o CFNI obteve índices de ajuste ligeiramente adequados (χ2 (gl) = 8941,966 (3374); CFI = 0,91; TLI = 0,90; RMSEA = 0,04 CI = 0,04, 0,04) desta maneira, a hipótese 1 foi parcialmente sustentada.

Nas tabelas 1 1a e 2 2a são apresentadas as cargas fatoriais padronizadas dos itens dos instrumentos. É possível notar que a maior parte dos itens obteve carga padronizada acima de 0,50, com exceção de 19 itens do CFNI e 8 itens do CMNI. Estes itens podem impactar na precisão das dimensões de instrumentos psicométricos (Hair et al., 2016), desta forma, optou-se pelo seu descarte do modelo. No caso do CMNI, após o descarte, uma dimensão relacionada à busca de controle sobre as situações ficou somente com dois itens, sendo, portanto, descartada do modelo.

Tabela 1: Cargas fatoriais padronizadas do Inventário de Conformidade com as Normas Femininas 

Nota: Todos os valores foram significativos para p < 0,01; a numeração dos itens corresponde à encontrada na versão original do instrumento

Em razão dos resultados obtidos, foi sugerida uma versão abreviada dos instrumentos. Assim, a versão brasileira final do CFNI foi composta por 65 itens distribuídos em oito dimensões. Por sua vez, a versão brasileira final do CMNI foi composta por 86 itens distribuídos em dez dimensões. As análises subsequentes foram efetuadas de acordo com estes modelos.

Tabela 2: Cargas fatoriais padronizadas do Inventário de Conformidade com as Normas Masculinas 

Nota: Todos os valores foram significativos para p < 0,01; a numeração dos itens corresponde à encontrada na versão original do instrumento; a dimensão Dominância foi retirada do modelo brasileiro.

Os coeficientes de consistência interna foram calculados por meio da Variância Média Extraída (VME). Recomenda-se que este indicador obtenha valores iguais ou acima de 0,50 (Fornell & Larcker, 1981). No CFNI os seguintes índices de VME foram obtidos: 0,52 (Investimento em Aparência), 0,66 (Cuidado de Crianças), 0,48 (Doméstica), 0,47 (Modéstia), 0,35 (Bons Relacionamentos), 0,44 (Relacionamentos Românticos), 0,61 (Fidelidade Sexual) e 0,54 (Magreza). Já no CMNI, os seguintes índices foram obtidos: 0,43 (Vencer), 0,49 (Controle Emocional), 0,52 (Comportamentos de Risco), 0,54 (Violência), 0,49 (Poder sobre as Mulheres), 0,44 (Pegador), 0,62 (Autossuficiência), 0,54 (Primazia do Trabalho), 0,66 (Desdém por Homossexuais) e 0,44 (Status).

Tal como esperado pela hipótese 2, as dimensões dos instrumentos correlacionaram-se entre si. Foram identificadas correlações positivas e significativas entre as dimensões do CFNI (tabela 3), como exemplo, destacam-se as correlações entre: Cuidado de Crianças e Bons Relacionamentos (r= 0,35, p< 0,01), e Relacionamentos Românticos e Fidelidade Sexual (r= 0,47, p< 0,01).

Tabela 3: Correlações entre as dimensões do Inventário de Conformidade com as Normas Femininas 

Nota: * = p < 0,01; 1 = Investimento em Aparência; 2 = Cuidado de Crianças; 3 = Doméstica; 4 = Modéstia; 5 = Bons Relacionamentos; 6 = Relacionamentos Românticos; 7 = Fidelidade Sexual; 8 = Magreza.

No caso do CMNI, também foram identificadas correlações positivas e significativas entre as dimensões do instrumento. A dimensão Vencer apresentou correlações de fracas a moderadas com as dimensões Comportamentos de Risco (r= 0,31, p< 0,01), Desdém por Homossexuais (r= 0,34, p< 0,01), Poder sobre as Mulheres (r= 0,35, p< 0,01), Primazia do Trabalho (r= 0,44, p < 0,01) e Status (r= 0,57, p< 0,01). A dimensão Controle Emocional apresentou correlação moderada com a dimensão Autossuficiência (r= 0,41, p< 0,01).

Ainda no que diz respeito ao CMNI, a dimensão Violência apresentou correlações fracas com as dimensões Comportamentos de Risco (r= 0,30, p< 0,01), Desdém por Homossexuais (r= 0,30, p< 0,01) e Poder sobre as Mulheres (r= 0,37, p< 0,01). Por fim, as dimensões Poder sobre as Mulheres e Desdém por Homossexuais apresentaram correlação moderada entre si (r= 0,54, p< 0,01). Estes resultados podem ser encontrados na tabela 4.

Tabela 4: Correlações entre as dimensões do Inventário de Conformidade com as Normas Masculinas 

Nota: * = p < 0,01; 1 = Vencer; 2 = Controle Emocional; 3 = Comportamentos de Risco; 4 = Violência; 5 = Poder Sobre as Mulheres; 6 = Pegador; 7 = Autossuficiência; 8 = Primazia do Trabalho; 9 = Desdém por Homossexuais; 10 = Status.

No que concerne as análises de invariância dos parâmetros dos itens, iniciou-se com o modelo mais livre, contemplando somente os fatores e os itens correspondentes (invariância configural). Os indicadores de ajuste foram comparados àqueles sem restrição alguma. As análises fatoriais multigrupos suportaram a invariância configural do CFNI (tabela 5) e do CMNI (tabela 6) para todas as variáveis analisadas.

Tabela 5: Análises fatoriais multigrupos do Inventário de Conformidade com as Normas Femininas 

Nota: gl = graus de liberdade; CFI = Comparative Fit Index; TLI = Tucker-Lewis Index; RMSEA = Root Mean Square Error of Approximation; WRMR = Weighted Root Mean Square Residual. n solteiras = 587; n casadas = 126; n heterossexuais = 538; n não-heterossexuais = 152; n Saúde = 175; n Ciências Exatas = 121; n Engenharias = 101.

Em uma segunda fase, as cargas fatoriais dos itens foram restritas (invariância métrica) e os indicadores sugeriram que o CFNI e o CMNI permaneciam invariantes para todas as variáveis analisadas. Por fim, além dos pressupostos estabelecidos nas invariâncias configural e métrica, os interceptos também foram tomados como equivalentes (invariância escalar). Nesta última fase, os indicadores sugeriram que o CFNI e o CMNI também foram invariantes para todas as variáveis analisadas. Estes resultados demonstraram que, para o modelo de fatores correlacionados, os parâmetros dos itens são invariantes entre os diferentes grupos analisados, suportando as hipóteses 3, 4, 5 e 6.

Tabela 6: Análises fatoriais multigrupos do Inventário de Conformidade com as Normas Masculinas 

Nota: gl = graus de liberdade; CFI = Comparative Fit Index; TLI = Tucker-Lewis Index; RMSEA = Root Mean Square Error of Approximation; WRMR = Weighted Root Mean Square Residual. n solteiros = 462; n casados = 79; n heterossexuais = 432; n não-heterossexuais = 80; n Saúde = 148; n Ciências Exatas = 135; n Engenharias = 140; n presencial = 399; n online= 155.

Discussão

O presente estudo teve como finalidade avaliar a estrutura fatorial do Inventário de Conformidade com as Normas Femininas e do Inventário de Conformidade com as Normas Masculinas. Além disso, o estudo buscou analisar a invariância dos parâmetros dos itens dos instrumentos em relação ao estado civil, orientação sexual, curso de graduação e modo de aplicação.

Os dados observados nas análises fatoriais confirmatórias indicaram que a estrutura original do CMNI não alcançou os pontos de corte recomendados, sendo assim, a hipótese 1 foi parcialmente corroborada. Apesar de tal resultado mostrar-se inconsistente com o estudo de Mahalik et al. (2003), é admissível que tenha ocorrido por conta de diferenças culturais existentes entre os dois países.

Ademais, foram identificadas cargas fatoriais fracas em alguns itens, o que resultou em seu descarte. Assim, as versões finais do CFNI e do CMNI foram compostas, respectivamente, por 65 e 86 itens. Cumpre ressaltar que a dimensão Dominância, descartada do modelo brasileiro, também apresentou índices inadequados em estudos anteriores (Cuéllar-Flores et al., 2011; Parent & Moradi, 2009). Em que pesem estes resultados, o presente estudo adiciona evidências de validade de estrutura interna dos instrumentos.

Com relação aos indicadores de consistência interna, as dimensões Bons Relacionamentos e Relacionamentos Românticos do CFNI obtiveram valores muito abaixo das recomendações existentes. Outras duas dimensões (Doméstica e Modéstia) obtiveram valores marginalmente inferiores aos pontos de corte (0,48 e 0,47, respectivamente). No CMNI, as dimensões Vencer, Pegador e Status obtiveram valores de VME inferiores as recomendações existentes, por outro lado, outras duas dimensões (Controle Emocional e Poder sobre as Mulheres) obtiveram valores marginalmente inferiores (0,49). A baixa consistência interna encontrada nessas dimensões, acarreta certa imprecisão na medida avaliada (Valentini & Damásio, 2016). Esse resultado pode ser explicado pela falta de acurácia de alguns itens quando traduzidos para o português, bem como pela reunião de itens que pertencem a dimensões diferentes (Maroco & Garcia-Marques, 2006). Diante disso, sugere-se que sejam realizados novos estudos para a revisão da estrutura fatorial dos instrumentos.

Além disso, foram identificadas correlações positivas e significativas entre diversas dimensões dos instrumentos, sustentando a hipótese 2. As correlações observadas entre as dimensões Relacionamentos Românticos e Fidelidade Sexual (r= 0,47, p< 0,01) do CFNI demonstraram que, para as participantes, o envolvimento em relacionamentos amorosos está imbricado com a fidelidade sexual. Outrossim, em razão da correlação observada entre as dimensões Vencer e Status do CMNI (r= 0,57, p< 0,01), torna-se relevante que estudos futuros verifiquem se tais dimensões constituem, de fato, dois construtos independentes.

No que se refere a invariância dos parâmetros dos itens dos instrumentos, os resultados apoiaram as hipóteses 3, 4, 5 e 6. Os escores obtidos por meio dos instrumentos são invariantes para participantes solteiros e casados, heterossexuais e não-heterossexuais, matriculados em cursos das áreas da Saúde, Ciências Exatas ou Engenharias, quer tenham respondido a versão em lápis e papel ou a versão online dos instrumentos. Dessa forma, os instrumentos podem ser empregados em estudos comparativos com tais variáveis, descartando-se a possibilidade de que possíveis diferenças entre as médias dos grupos sejam originadas por vieses causados pela medida. Entretanto, não foi possível analisar a invariância do CFNI em relação ao modo de aplicação, devido à falta de equilíbrio na quantidade de casos de cada subgrupo (n presencial = 598; n online= 126).

Apesar das evidências de validade baseadas na estrutura interna encontradas, as limitações do estudo devem ser reportadas. A primeira delas refere-se ao fato de que não foi avaliada o nível de desejabilidade social dos participantes. Assim, é possível que os participantes tenham respondido alguns itens mediante seu julgamento pessoal do que seria socialmente adequado. Outra limitação consiste na amostra composta predominantemente por estudantes universitários, brancos, heterossexuais e solteiros. Cumpre registrar que este tipo de amostra foi empregado para manter uma similaridade com a categoria estudada na versão original dos instrumentos. Contudo, os resultados ora obtidos não devem ser generalizados para indivíduos com outras características.

Quanto a agenda futura de pesquisa, sugere-se a realização de estudos com trabalhadores brasileiros, pois esse público vivencia diferentes fatores na díade gênero e trabalho. Um exemplo disso são as crenças envolvendo a existência de profissões mais adequadas para as mulheres e para os homens, que podem influenciar a escolha profissional. A mensuração da concordância com as expectativas sociais direcionadas ao seu gênero e outras variáveis (como autoeficácia, conflito trabalho-família, critérios para escolhas profissionais e atitudes em relação à cargos de liderança) poderia contribuir para o aprofundamento da rede nomológica do construto.

Finalmente, cumpre registrar que os instrumentos não buscam identificar os níveis de feminilidade ou de masculinidade apresentados pelos respondentes, mas sim, quais são suas atitudes, crenças e comportamentos associados às normas de gênero avaliadas. Ainda que os participantes apresentassem diferentes características, os instrumentos permaneceram invariantes para os subgrupos verificados, assegurando seu uso para avaliação da concordância com normas sociais de gênero em participantes brasileiros (AERA et al., 2014; Damásio, 2013). Os instrumentos poderão auxiliar em intervenções para avaliação da conformidade com as expectativas sociais direcionadas às mulheres e aos homens, constituindo uma ferramenta para uso tanto nos contextos clínicos quanto nos contextos organizacionais.

Financiamento

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Como citar: Silva, J. C. & Valentini, F. (2022). Inventários de Conformidade com as Normas Femininas e Masculinas: estrutura fatorial e análises de invariância. Ciencias Psicológicas, 16(2), e-2479. https://doi.org/10.22235/cp.v16i2.2479

Participação dos autores: Participação dos autores: a) Planejamento e concepção do trabalho; b) Coleta de dados; c) Análise e interpretação de dados; d) Redação do manuscrito; e) Revisão crítica do manuscrito. J. C. S. contribuiu em a, b, c, d; F. V. em a, c, e.

Editora científica responsável: Dra. Cecilia Cracco

Recebido: 27 de Fevereiro de 2021; Aceito: 31 de Maio de 2022

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