O ano de 2020 iniciou como marco de mudança na história da humanidade, após ter sido anunciada pandemia, pela Organização Mundial da Saúde (World Health Organization (WHO), 2020a, 2020b), como emergência de saúde pública. Detectada pela primeira vez em Wuhan, na China, a doença COVID-19 é caracterizada como uma síndrome respiratória aguda grave, causada pelo novo betacoronavirus 2 -SARS-CoV2- denominada novo corona vírus (Huang et al., 2020; Spina et al., 2020). Além da rápida progressão para casos graves da doença, outro diferencial da COVID-19 quando comparado a outros quadros infecciosos é o elevado índice de contágio entre indivíduos/grupos, ou, contágio por até mesmo horas posteriores a partir da exposição às superfícies contaminadas com o vírus (Duan et al., 2020). Embora os índices finais de mortalidade pela COVID-19 ainda não possam ser contabilizados devido à rápida progressão da doença nos países, taxas de letalidade têm sido consideradas altas quando comparados às crises anteriores do Século XXI, causadas por coronavírus SARS-CoV e MERS-CoV, uma vez que, atualmente, há subnotificação de casos devido à escassez de amostras, reagentes e equipamentos para testagens e estabelecimento de diagnóstico mundialmente (Driggin et al., 2020; Watkins, 2020).
Em termos de saúde mental e física de indivíduos, tanto devido ao risco iminente de contágio pelo vírus quanto devido ao distanciamento/isolamento físico e quebra na rotina de vida, é possível enfatizar fatores intervenientes à pandemia que deflagram incerteza sobre o futuro e crises psicológicas. Além disso, há baixa percepção de controle, insegurança quanto ao aporte fornecido por instituições sociais para atenuar problemas socioeconômicos provenientes da perda de empregos, redução ou inexistência de trabalhos e renda, no caso de trabalhadores informais, provedores de serviços, empresas, entre outros. Somado a estes, falta de políticas públicas e investimentos que supram necessidades básicas para o enfrentamento da pandemia são estressores que agregam riscos à saúde mental da população. Ainda há o despreparo dos gestores e incoerência no fornecimento de informações sobre procedimentos de segurança para a população, por parte dos níveis e órgão de poderes públicos, o que tende a gerar ainda mais sintomatologia ansiogênica e depressogênica para a população e, principalmente, àqueles que são considerados grupo de risco (WHO, 2020a, 2020b).
Para lidar com questões tão complexas relativas à saúde mental, estratégias de promoção de saúde e prevenção de doenças estão entre as principais práticas sugeridas. Estas servem não somente para atender aos casos pré-clínicos, subdiagnosticados e/ou sintomas clínicos e prevenir a reocorrência de problemas de saúde, mas também como medida para compilar evidências que norteiem e embasem a elaboração de políticas públicas e sustentabilidade da rede de saúde (WHO, 2020a, 2020b).
Em diversos países, intervenções para promoção de saúde vêm sendo implementadas em formato online/virtual (também chamadas eHealth/mHealth interventions) para maior capilaridade de acesso para grupos de risco, devido ao baixo custo das intervenções (Welch et al., 2016) e por serem mais eficazes para mudanças de comportamento tendo em vista seu caráter interativo, quando comparadas a websites motivacionais ou puramente informativos (Mouton & Cloes, 2013). Alguns exemplos de intervenções implementadas de forma online para promoção de saúde de adultos e idosos são práticas direcionadas a cuidadores informais (familiares) que incluem componentes de apoio profissional e social, instruções para mudança de comportamento e resolução de problemas (Richard et al., 2019); para pacientes com câncer e seus respectivos cuidadores (Northouse et al., 2014); intervenções autodirigidas para vários quadros de saúde mental (estresse pós-traumático, depressão, ansiedade, fobias) e física (dieta e atividade física) (Rogers et al., 2017). Entre os benefícios mais expressivos para saúde mental identificados após participação em intervenções online, dados de revisões indicam redução de depressão em intervenções por aplicativos com enfoque na promoção de saúde, comparados aos aplicativos de treinos cognitivos (Firth et al., 2017) e ganhos quanto à prevenção de depressão (Ebert et al., 2017).
No Brasil também há normativas vigentes para regulamentação da atuação de psicólogos por meios de tecnologias da informação e da comunicação (TICs) para acesso remoto dos participantes de intervenções, tais como: a Resolução nº 11, de 11 de maio de 2018, que regulamenta a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de TICs; a resolução nº 11/2018, que regulamenta a prática de Avaliação Psicológica; a Nota Técnica nº 07/2019, que orienta sobre o uso de testes psicológicos em serviços realizados através de TICs; a resolução nº 04, de 26 de março de 2020, que dispõe sobre regulamentação de serviços psicológicos prestados por meio de TICs durante a pandemia do COVID-19 e auxilia no cadastramento de psicólogos para serviços on-line (Marasca et al., 2020).
Assim, considerando que, neste momento de grave necessidade há impossibilidade de se atuar com intervenções grupais em caráter presencial devido às medidas restritivas dos países para promover distanciamento físico da população geral e contenção da transmissão da COVID-19; considerando que, não há prazo definido para a normalização dos procedimentos padrões para assistência e fornecimento de serviços de saúde; considerando que, é fundamental que haja adaptação dos serviços e intervenções para promoção de saúde, a partir do uso de TICs para acesso à distância/remoto; este estudo tem como objetivo descrever o processo de adaptação de uma intervenção em Psicologia Positiva para a promoção de saúde com implementação em caráter online - Programa Vem Ser.
Descrição da intervenção: O Programa Vem Ser
Intervenções Psicológicas Positivas (IPPs) vêm sendo implantadas mundialmente para a promoção de saúde física e mental. Este modelo de intervenção inclui abordagens quanto às experiências subjetivas positivas, traços considerados força, as quais constituem virtudes de caráter, e também contextos institucionais positivos, de modo a favorecer melhor funcionamento psicológico e de saúde (Durgante, 2017; Magyar-Moe et al., 2015; Proyer et al., 2014; Sin & Lyubomirsky, 2009).
IPPs têm demonstrado eficácia para melhora no bem-estar e indicadores de qualidade de vida tanto em casos de indivíduos com diagnóstico clínico quanto em casos não-clínicos (Bolier et al., 2013; Durgante & Dell’Aglio, 2019; Nikrahan et al., 2016), melhor resposta a tratamentos e reabilitação (Reppold et al., 2015), melhor recuperação de efeitos psicofisiológicos negativos como reatividade cardiovascular, processos inflamatórios e imunossupressão, os quais tendem a ser agravados em situações estressoras (Cohn & Fredrickson, 2010).
Assim, com base na literatura científica sobre IPPs grupais (Sin & Lyubomirsky, 2009) em a Terapia Cognitivo-Comportamental (Knapp & Beck, 2008), foi desenvolvido o Programa Vem Ser. O programa é composto por seis sessões semanais (2 h cada) grupais presenciais e se propõe a intervir nas seguintes forças: Valores e autocuidado/prudência, otimismo, empatia, gratidão, perdão, significado de vida e trabalho. A versão inicial do programa, implementada de forma presencial, passou por estudo piloto (Durgante et al., 2020a), estudo de viabilidade (Durgante et al., 2019b) e ensaio de eficácia (Durgante & Dell’Aglio, 2019), com amostra de mais de uma centena de aposentados do sul do Brasil. Resultados quantitativos indicaram efeitos principais do programa para melhoras em indicadores de satisfação com a vida, resiliência, sintomas de estresse percebido, depressão e ansiedade no grupo interventivo, além de efeitos de interação para melhoras no otimismo, empatia, sintomas de depressão e ansiedade no grupo experimental quando comparado ao grupo controle. Os efeitos e impactos contatados para satisfação com a vida, sintomas de depressão e ansiedade se mantiveram três meses após o término do programa (Durgante et al., 2020b). Contudo, visto a atual situação pandêmica e necessidade de adaptar serviços em caráter remoto para todas as populações e níveis de atenção em saúde, a versão online do programa foi adaptada para realização de intervenções direcionadas ao público em geral (Durgante et al., 2019a).
Método
Delineamento
Para implementação e avaliação da versão online do Programa Vem Ser, foi desenvolvido um estudo longitudinal misto (qualitativo/quantitativo), com avaliação de resultados pré (T1- na semana anterior ao início da intervenção) e pós-intervenção (T2-na semana do término das sessões), com base no método The Formative Method for Adapting Psychotherapy (Hwang, 2009), em 5 fases: I. Gerar conhecimento e colaboração com stakeholders (partes interessadas); II. Integrar as informações geradas com teoria e conhecimento empírico e clínico; III. Revisar e iniciar a intervenção no formato adaptado com os stakeholders/público-alvo; IV. Conduzir testes preliminares com a versão adaptada da intervenção; V. Finalizar a versão culturalmente adaptada da intervenção. Como diretriz metodológica utilizada para consideração de ajustes/adequações necessárias para adaptação da intervenção ao novo contexto/organização/instituição de saúde e formato online, foi utilizado o Consolidated Framework for Implementation Research, (CFIR; Damschroder et al., 2009), que leva em consideração 29 critérios subdivididos nos seguintes eixos de avaliação: Características da intervenção; contextos interno e externo; características dos indivíduos envolvidos; processo de implementação. Os dados quantitativos foram avaliados a partir de estatísticas descritivas; os dados qualitativos foram avaliados a partir de Análise de Conteúdo do tipo Temática (Saldaña, 2009), com os eixos e critérios estabelecidos no CFIR (Damschroder et al., 2009).
Participantes
Participaram por conveniência e voluntariamente 10 (Feminino = 9) integrantes da equipe de gestão em saúde de uma associação de aposentados do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Entre os profissionais que compuseram a amostra estão enfermeira, fisioterapeuta, biomédica, assistentes sociais, estagiárias de Serviço Social, médico e diretora social, conforme critérios de inclusão previamente definidos: 1) ser profissional das áreas de saúde/educação/assistência; 2) ter disponibilidade para participar das sessões e avaliações do programa; 3) ter acesso a internet, computador/celular/tablete ou algum dispositivo que permita acesso às sessões do programa em caráter online. A média de idade dos participantes foi 43,6 anos (DP= 15,86), com mínimo 20 e máximo 62 anos de idade. A média de tempo total de trabalho na vida funcional/laboral foi 15,4 anos (DP= 13,5) com variação de 01-34 anos de serviço, sendo em média 2,48 anos no cargo atual (DP= 2,73). Seis participantes eram casados ou tinham união estável, quatro tinham filho(s), dois participantes moravam sozinhos. Três participantes eram aposentados (por idade, por tempo de contribuição, e especial) e uma estava em processo de preparação para aposentadoria. Três participantes eram cuidadores de pessoas de seu convívio próximo. Nove participantes relataram ser vivido algum tipo de acontecimento significativo/impactante de vida no último ano e também nove identificaram pelo menos uma fonte (pessoa/instituição) como rede de apoio. Seis participantes tinham algum tipo de crença ou religião, cinco relataram ter algum problema crônico de saúde física ou mental (ansiedade com e sem crises de pânico, depressão, dor de estômago, câncer). Três participantes relataram estar passando por luto. Todos os participantes tinham algum tipo de atividade de lazer, entre elas: ler/estudar (4), praticar atividades físicas (4) (caminhada (1), pilates (1), academia (1), corrida (1)), assistir filmes/séries (3), ficar com a família (2), viajar (2), dançar (1), trabalho voluntário (1), assistir programas de decoração (1) escutar música (1), ir ao cinema (1), sair com amigos (1), passear ao ar livre (1), comer (1).
Instrumentos
Foram utilizados os seguintes instrumentos:
Questionário de dados sociodemográficos (T1): Contendo questões sobre idade, sexo, aspectos laborais, nível educacional, composição familiar.
Ficha de Avaliação do Programa (T2): Contém 12 questões objetivas de autorrelato com respostas que variam de 1-insatisfeito; 4-muito satisfeito, sendo: 6 questões que avaliam a satisfação com o programa, com o moderador, com o horário e tempo de duração das sessões, e as aprendizagens advindas do programa; duas questões sobre clareza e compreensão 2 conteúdos abordados e 4 questões sobre generalização (aplicação na vida) dos conteúdos abordados no programa. Além disso, o instrumento também inclui duas questões descritivas que solicitam exemplos de conteúdo do programa utilizados e sugestões/feedbacks para melhorias no programa (Durgante et al., 2019b).
Diário de campo do moderador: Utilizado para registros ao longo e ao término das sessões, com base nos critérios do protocolo CRIF (Damschroder et al., 2009) para qualidade metodológica na avaliação de processo de implementação do programa.
Procedimentos
A pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS sob parecer nº 4.143.219. Inicialmente foram feitos contatos com a equipe diretiva da associação de aposentados para divulgação do programa. Foi utilizada uma perspectiva Bottom-Up, a partir do envolvimento direto e colaboração com stakeholders em todas as fases da pesquisa. Foram conduzidas três reuniões (2.30 h - 3 h cada) com a equipe diretiva (N =5) para viabilizar a proposta junto aos profissionais da associação. As diferentes fases dos procedimentos (fases I, II, III e IV), que incluem a preparação do programa e sua implementação, resultados e discussão dos dados (fase V) estão descritas a seguir.
Fase I. Geração de conhecimento e colaboração com stakeholders
Com base no eixo ‘Características da intervenção’ (Intervention characteristics) do protocolo CFIR, algumas questões foram debatidas quanto aos seguintes critérios: evidências sobre forças e qualidades da intervenção (Evidence strength and quality) com dados sobre estudos conduzidos, resultados obtidos e apresentação do manual de implementação do programa; problematização sobre vantagens de implementar a intervenção versos alguma solução alternativa (Relative advantage) e sobre o potencial de adaptabilidade (Adaptability) da intervenção, das atividades propostas, dinâmicas, horários, abordagem das temáticas para público-alvo diferenciado (profissionais) da versão original do programa (idosos/aposentados); foi discutida a possibilidade de se conduzir um estudo para grupo reduzido -equipe diretiva e de gestão em saúde- em ambiente controlado, permitindo incluir a percepção dos participantes no processo de adaptação e implementação da intervenção (Trialability); foi discutido o potencial da intervenção prejudicar práticas da rotina de trabalho da instituição e ações necessárias para que a equipe de gestão em saúde pudesse participar do programa (Complexity). Este critério permitiu flexibilizar o acesso, de modo que a própria equipe diretiva, em decisão conjunta com a equipe de gestão em saúde, optou por alocar horário/turno de trabalho para que os profissionais pudessem participar do programa, sem comprometer suas tarefas laborais. O turno e horário para a implementação do programa foram escolhidos pelos próprios participantes. Quanto ao critério ‘Design quality and packaging’, foi elaborado projeto estruturado do programa, contendo introdução sobre questões de promoção de saúde e literatura de relevância, estrutura, método, e resultados obtidos. Também foi apresentado o manual do programa e uma breve discussão com a equipe diretiva sobre como o programa poderia ser implementado junto à associação.
Fase II. Integrar as informações geradas com teoria, conhecimento empírico e clínico
Nesta fase, foram discutidos com a equipe diretiva critérios do eixo ‘Contexto externo’ (outer setting), contendo questões sobre a necessidade de apoio/suporte psicológico para a equipe diante de demandas crescentes em saúde, tanto dos associados, quanto da própria equipe em face à pandemia e possíveis temáticas a serem abordadas no programa, relevantes aos profissionais e com base na literatura científica, tais como: esgotamento físico e mental, irritabilidade, disfunção do sono/ansiedade, sobrecarga de serviços/longas horas de trabalho, percepção de impotência diante do atual quadro de saúde (Patient needs and resources).
Com relação ao ‘Contexto interno’ (inner setting), as reuniões abordaram questões da equipe sobre o quanto a intervenção estava de acordo com a cultura organizacional (Culture) e clima de implementação (Implementation climate), uma vez que o programa poderia ser útil, apoiado e reconhecido como aporte para saúde mental dos profissionais (compatilbility) eos quais não dispunham de proposta estruturada para promoção de sua própria saúde. Foi enfatizada necessidade de se perceber a receptividade e priorização (relative priority), por parte do público-alvo após divulgação do programa, para se ter uma idéia sobre a demanda por este tipo de serviço neste contexto específico. Vale ressaltar que houve apoio e incentivo por parte da equipe diretiva para participação dos profissionais (organization incentives and rewards), o que favoreceu posterior implementação do programa.
Quanto ao eixo 'Características dos Indivíduos', após as reuniões iniciais com a equipe diretiva, esta se percebeu com maior conhecimento para divulgar o programa para a equipe de gestão em saúde (Knowledge and beliefs about the intervention).
Fase III. Revisar e iniciar a intervenção no formato adaptado com os stakeholders/público-alvo
A partir dos eixos e critérios avaliados nas fases iniciais, com base na percepção da equipe diretiva, foi possível introduzir adaptações iniciais no processo (Eixo: Processo, critério: planning) de seleção dos participantes e temas de interesse para o público-alvo, devido ao momento histórico no qual o programa foi implementado, quando o Brasil se encontrava como um dos epicentros mundiais da pandemia de COVID-19. As adaptações incluídas contemplam o processo de sistematização das atividades pré e durante o programa para implementação online e também revisões e ênfase em temas de interesse relatados pela equipe de gestão em saúde. A tabela 1 apresenta as alterações inicialmente incluídas para implementação online do programa.
Fase IV. Conduzir testes preliminares com a versão adaptada da intervenção
Após os ajustes iniciais na estrutura do programa, foi conduzido grupo com a versão adaptada do Programa Vem Ser junto à equipe diretiva para avaliar a funcionalidade dos componentes adaptados do programa e alguns critérios de viabilidade, como avaliação preliminar desta modalidade de intervenção. As sessões online foram implementadas durante seis quartas-feiras consecutivas, com início às 10h. A média de tempo de duração das sessões foi 2 h 17 (DP= 0,11), sendo a Sessão 5 (Tema: Perdão) a mais curta, com duração de 2 h 08 e a Sessão 6 (Tema Significado de Vida e Trabalho) a mais longa, com duração de 2 h 37, incluindo a avaliação de T2. Houve apenas uma falta (Sessão 3: Empatia), o que configura 98,3 % de frequência do grupo. Todos os participantes (N= 10) concluíram o programa e T2.
Os indicadores de resultados avaliados seguiram os critérios SMART (specific, measurable, attainable, relevant, timely), propostos no eixo ‘Processo’ (reflecting and evaluating) (Damschroder et al., 2009). A demandafoi considerada satisfatória, uma vez que houve unanimidade na percepção de necessidade desta modalidade de intervenção, neste momento histórico e contexto específico, tanto por parte da equipe diretiva quanto da equipe de gestão em saúde. Todos os profissionais da equipe optaram por participar voluntariamente do programa. Foi elaborada lista de espera para os demais profissionais interessados, bem como manifesto interesse e solicitação por parte da equipe diretiva para oferta do programa aos membros da associação (aposentados) em momento futuro.
Fase V. Finalizar a versão culturalmente adaptada da intervenção
A partir da avaliação de processo, conforme registros do diário de campo do moderador, foram introduzidas mudanças na estrutura, em dinâmicas e materiais utilizados nas sessões, de modo a viabilizar a implementação online, conforme ilustrado na tabela 2a 2b.
Resultados e discussão
A tabela 3 apresenta variações de escores (entre 1 e 4), médias (M) e desvio padrão (PD), das questões objetivas das avaliações dos participantes quanto à satisfação com o programa e com moderador, compreensão e generalização dos conteúdos abordados no programa e questões de saúde, conforme autorelato dos participantes.
A média geral de satisfação dos participantes com o programa foi 3,37 (DP= 0,38), itens de 1-7, com variação de resultados de 2-4 em uma escala de 1 a 4 pontos, a exemplo dos comentários: “O programa em sua versão EAD foi excelente. Funcionou perfeitamente e, a meu ver, poderá ser colocado em prática imediatamente” (participante, 59 anos); “Experiência maravilhosa que me fez refletir sobre coisas práticas do dia-a-dia” (participante, 36 anos); “Gostei muito do programa. Acho que foi um espaço muito rico de debate, na qual pudemos enxergar o outro de forma mais ‘humana’ e tratar assuntos que muitas vezes evitamos pensar, mas que não deixam de ser necessários para o nosso amadurecimento e crescimento pessoal” (participante, 22 anos); “Foi ótimo participar pois o tempo todo notei a melhora nas sessões, poder voltar a momentos que ainda estavam me fazendo mal e entender a necessidade de buscar um tratamento. Iniciei a terapia semana passada, junto com as sessões está me fazendo quase ser outra pessoa, mais leve, menos triste, menos preocupada e ansiosa” (participante, 20 anos).
O item melhor avaliado tem relação à satisfação dos participantes com o moderador de grupo (M =3,8; DP = 0,42). O item menos bem avaliado foi quanto a satisfação dos participantes com o tempo de duração das sessões (M = 2,9, DP = 0,73), “como sugestão, acredito que sessões em grupo menores otimizariam o tempo e seriam ainda mais produtivas” (participante, 36 anos). Esses resultados seguem padrão já identificado em estudo de viabilidade na versão presencial do programa (Durgante et al., 2019b). Contudo, tendo em vista dados da literatura quanto ao tempo de duração de intervenções nestes moldes (Bolier et al., 2013; Durgante, 2017; Durgante et al., 2019a), em caráter psicoeducativo grupal, com abordagem da Terapia Cognitivo-Comportamental (Neufeld & Rangé, 2017), sugere-se o tempo máximo de duração das sessões de 2 horas, podendo o moderador dividir as atividades das sessões em duas (dois encontros com a mesma temática). Alternativamente, é possível reduzir o número de participantes nos grupos para que todos tenham tempo hábil de expor e compartilhar suas vivências, conforme sugestão de uma participante “sessões com mais tempo de duração ou grupo menor para possibilitar mais espaço de fala” (participante, 32 anos).
Para generalização dos conteúdos, a média foi 3,4 (DP= 0,39) e variações entre 2-4. Os conteúdos utilizados na vida, conforme relato dos participantes, formam: Gratidão, “Utilizei bastante a dinâmica do diário da gratidão, faço diariamente e já sinto melhoras em relação a minha ansiedade” (participante, 22 anos), “Passei a olhar mais para o meu dia a dia, observando e agradecendo pelas pequenas coisas” (participante, 59 anos); Empatia, “Nas relações com minha filha” (participante, 38 anos),“ Passei a observar mais o olhar do outro” (participante, 59 anos), “Um momento que briguei com uma pessoa próxima e quando estava sendo uma pessoa difícil de conviver em casa. Com o exercício da empatia, pude entender os motivos das pessoas para estarem tristes e pensando nos conflitos que tive com as mesmas me fez entender que o meu comportamento estava causando aquilo e sendo ruim, eu estava botando uma carga nas pessoas e exigindo perfeição. Foi muito bom porque o relacionamento com elas mudou totalmente” (participante, 20 anos); Perdão e autoperdão, “Refleti sobre coisas no meu passado que precisava comungar comigo mesma em me perdoar para encerrá-las” (participante, 59 anos); “Auto-perdão, entender minhas limitações e que não preciso agradar a todos” (participante, 32 anos). Além de sugestões sobre aumentar o tempo de duração das sessões, ou reduzir o número de participantes, houve sugestão de incluir mais dinâmicas de grupo,“Amei o programa; gostaria que fosse utilizado para reflexão mais dinâmicas de grupo” (participante, 57 anos).
Barreiras e facilitadores identificados no processo de implementação
Enquanto barreiras identificadas no processo de implementação, no eixo Características dos indivíduos envolvidos (Characteristics of individuals), foi possível identificar disputa por ‘espaço’ e reconhecimento de conhecimento específico por parte de um participante, o que dificultou o andamento de algumas atividades das sessões, a exemplo da sessão 2 (tema: Otimismo). Neste caso, houve contestação e não aceitação da definição operacional sobre as forças trabalhadas em cada sessão com base na literatura empírica da área, crítica sobre a frase quebra-gelo da sessão 1 (tema: valores e autocuidado) e intervenções que menosprezavam a importância dos conteúdos e dinâmicas abordadas nas sessões. Isso tudo prolongou debates sobre conceitos e sobre o modelo teórico utilizado, o que ocasionou demora/atraso na conclusão das sessões. Foi possível detectar discrepância e choque paradigmático entre o modelo biomédico-curativo-hospitalocêntrico de produção de saúde e o modelo de promoção de saúde adotado no Programa Vem Ser, com base na Psicologia Positiva e prisma de Saúde Pública-Saúde Coletiva (Campos, 2000), o que pode ter ocasionado tensão e resistência por parte deste participante em seus questionamentos e reflexões (Other personal attributes). Também houve resistência por parte deste mesmo participante para respeitar o tempo de tolerância de atraso no começo das sessões, critério este estabelecido pelos membros do grupo colaborativamente na sessão 1, como norma para o bom funcionamento de trabalhos grupais (Neufeld & Rangé, 2017). Este impasse foi mitigado a partir da sessão 3, quando não foi permitida a entrada do participante na sessão após ter excedido o tempo de tolerância de atraso, pela terceira vez consecutiva.
Por outro lado, com relação ao eixo ‘Contexto Interno’ de implementação (Inner setting), quanto ao critério Networks and communications, foi possível observar fluidez e coesão grupal para a disseminação de informações através de redes (grupos de WhatsApp e e-mail institucional), o que facilitou a organização e processo de implementação, uma vez que links para acesso de vídeos e materiais eram enviados durante as sessão e redirecionados simultaneamente por colegas aos demais participantes que estavam utilizando celulares para acesso às sessões. Ter um profissional de referência como ponto de contato para as divulgações e também um profissional que auxiliou com contatos aos membros da equipe de gestão em saúde durante as sessões, acelerou a velocidade da comunicação e repasse de informações. Neste sentido, pesquisas apontam que a relação estabelecida entre membros em instituições, em termos colaborativos e de cooperação, se torna mais importante que atributos individuais (Wierenga et al., 2013), o que auxilia com senso de equipe/comunidade e facilita o processo de implementação de intervenções de saúde nestes contextos. Portanto, fortalecer senso coletivo e coesão grupal podem ser considerados facilitadores para o processo de implementação de intervenções para promoção de saúde em contextos organizacionais e de trabalho.
Com relação aos custos, eixo: Intervention characteristics; critério: Cost (ano base: 2020), vale lembrar que esta foi a primeira proposta de intervenção online com o programa após o início da pandemia e, por este motivo, houve investimentos considerados emergenciais para aquisição de materiais. Houve investimento financeiro para custear a mensalidade de plataforma online e materiais para uso nas sessões. No entanto, estes servirão para futuras pesquisas com o programa e subsequente implementação online em diferentes grupos. Portanto, os custos associados à implementação podem ser interpretados como investimentos que darão suporte à continuidade das pesquisas e assistência à população de modo geral. Esperamos que estas experiências possam auxiliar na otimização de investimentos em pesquisas e práticas de saúde diante da gravidade da situação pandêmica em que o país se encontra.
Considerações Finais
Este é o primeiro estudo nacional que tem como base dois protocolos internacionalmente reconhecidos para adaptação de intervenções para diferentes contextos e populações. O uso de protocolos guia para adaptação de intervenções para outros contextos e culturas é prática fundamental, porém, pouco observada em pesquisas de implementação (Damschroder et al., 2009; Hwang, 2009). Muitas intervenções com potencial inovador, as quais poderiam servir como fortes recursos para saúde, falham em sua utilidade clínica devido, principalmente, à baixa qualidade metodológica e ausência de emprego de critérios e estratégias cientificamente fundamentadas para adaptação das intervenções para outros contextos e populações.
Vale lembrar que, existem diferentes protocolos para adaptação de intervenções e cabe ao pesquisador identificar qual é mais indicado para sua proposta, contexto, cultura, momento histórico-social e população alvo, cuja intervenção é direcionada (Stoner et al., 2020). A partir da análise de custos, é possível sugerirmos possibilidades para otimização de recursos associados à implementação. Por se tratar de intervenção online, custos com deslocamento de equipe e dos participantes, aquisição de materiais impressos como protocolo de avaliação, fichas das sessões e para tarefas de casa, foram inexistentes, o que configura esta modalidade de intervenção do Programa Vem Ser como sendo de baixo custo. Este critério é pouco avaliado e relatado, uma vez que está associado à eficiência e, muitas vezes, o foco das avaliações são voltados a critérios de eficácia e efetividade das intervenções.
Como limitações deste estudo ressaltamos não ter sido possível avaliar alguns critérios do CFIR, como Cosmopolitanism, Peer pressure, External policies and incentives, do eixo ‘Contexto Externo’; Individual identification with organization, Individual stage of change, Self-efficacy, do eixo ‘Características dos Indivíduos’. Estes dados permanecem para serem investigados em futuros estudos de viabilidade da intervenção na sua versão online. Também há especificidade do contexto no qual a intervenção foi adaptada, por se tratar de uma associação de funcionários aposentados, o que inibe a possibilidade de generalização dos resultados obtidos para demais contextos. Isso nos direciona para o seguimento das pesquisas com a intervenção no formato online, incluindo diferentes amostras, grupo controle e diferentes moderadores de grupos, assim como verificação de critérios de eficácia para a promoção de saúde de modo mais amplo.
Contudo, através do rigor e sistematização utilizada no processo de adaptação do Programa Vem Ser para versão online descrita neste artigo, é esperado que este esforço possa favorecer novas práticas interventivas em contexto nacional, tendo em vista a cientificidade necessária para adaptações e ajustes de intervenções e maior probabilidade de eficácia das mesmas em contextos e para populações diversas.