Todo pesquisador, mesmo estando nas primeiras etapas de sua carreira (leia-se iniciação científica), muito provavelmente já recebeu os tão falados e-mails de revistas, convidando para publicação rápida e simplificada de artigos científicos, mediante uma taxa de publicação. E pelo menos uma vez cogitou enviar algum manuscrito encalhado, caso não tenha o feito. Oras, o pesquisador tem dedicado horas de trabalho naquele manuscrito, talvez tenha recebido diversos pareceres negativos nas submissões prévias, talvez essa seja uma opção razoável para não engavetar esses dados?
Após ler alguns e-mails e discutir sobre isso com colegas, ele se depara com o termo “revistas predatórias”. Esse termo tem sido atribuído a periódicos científicos com processo de revisão duvidoso e que a publicação está (praticamente) apenas atrelada ao pagamento de uma taxa de publicação. Se fizermos uma busca no Google por esse termo (em português), teremos mais de 47 mil resultados entre artigos científicos e matérias de sites, descrevendo como esse mercado de venda de DOIs acontece. Não faltam relatos de pessoas que fizeram testes, enviando textos absurdos (Martin y Martin, 2016), com autoria de personagens de filmes ou desenhos animados (Stromberg, 2014) e obtendo o aceite em pouco tempo junto com a solicitação do pagamento de uma taxa. As opiniões parecem unânimes quanto ao culpado, a pressão pela publicação, quem tem sido nomeada de “publique ou pereça”. Mas será mesmo? Os autores que aderem a isso são vítimas ou cumplices? Tais publicações tem impacto significativo na construção do conhecimento? Salvo exceções, tais artigos são realmente inúteis ou carregados de informações falsas? Será que não estamos retrocedendo na construção do nosso conhecimento?
É fato que a publicação científica é um alvo comercial há muito tempo de grandes editoras, como a Elsevier, Wiley, e Springer Nature por exemplo, que detém as revistas científicas mais prestigiadas do mundo em todas as áreas, compostas por editores renomados e alto escrutínio. Para aqueles autores que conseguem vencer o processo de revisão por pares, lhes são dadas duas opções: pagamento de uma taxa de publicação, geralmente de alguns milhares de dólares, para disponibilização em acesso aberto, ou transferir os direitos do texto para a editora a qual disponibilizará apenas aos assinantes da revista. Isso causa incômodo e indignação geralmente ao jovem cientista, mas logo ele se acostuma com o processo por perceber que isso tem sido aceito por seus pares mais experientes.
Tem sido comum essas mesmas editoras lançarem novos títulos de periódicos exclusivamente de acesso aberto, muitas vezes com o mesmo nome de uma revista famosa, adicionando apenas a palavra “open” ao final. Isso parece uma forma de reter os artigos que não foram “bons o suficiente” para a revista principal, mas que podem ser publicados mediante pagamento. Ou ainda novas editoras dedicadas apenas a organização de revistas científicas exclusivamente de acesso aberto com altas taxas de publicação. Exemplos disso são a MDPI Journals e a Frontiers. Essas editoras parecem ser altamente especializadas no mercado editorial, pois oferecem revistas com altos fatores de impacto, rápido processo de revisão e publicação praticamente imediata. Por exemplo a MDPI Journals tem algo em torno de 390 periódicos, publicou apenas em 2023 (até o dia 29 de agosto, 240 dias corridos) 205.488 artigos, em média 856 artigos por dia, com uma taxa de publicação por artigo em torno de dois mil francos suíços, gerando uma receita de mais de nove milhões de reais por dia! Me parece razoável pensar que tais cenários se caracterizam por “revistas predatórias profissionais”, que apenas por seguirem as premissas de ter uma comissão editorial e um processo de avaliação por pares aceitáveis, passam despercebidas aos olhares indignados dos opositores das “revistas predatórias convencionais”.
No Brasil temos exemplos disso, a Brazilian Journals, que dentro do seu portifólio de revistas, tem a Brazilian Journal of Development que encerrou o ano de 2022 com um total de 81.160 páginas de artigos publicadas, sendo que em média os seus artigos têm de 10 a 15 páginas, a uma taxa de publicação de 490 reais, temos um faturamento de mais de 2.5 milhões de reais ao ano. Outro exemplo é a editora Atena que iniciou com a publicação de livros, que na verdade são uma junção de artigos científicos de uma determinada área, mas sem nenhuma relação entre si, sendo atribuídos títulos na grande maioria das vezes genéricos e sem qualquer significado. Hoje conta também com um portifólio de revistas científicas, que no total contabiliza mais de 61 mil publicações entre livros e artigos, isso em apenas seis anos de fundação. Todos eles devidamente pagos pelos autores.
Obviamente há custos associados ao processo de publicação científica, seja com funcionários, material de escritório, servidores para hospedagem dos arquivos por longos períodos, indexação, editoração entre outros, mas que não são, nem de longe compatíveis com as taxas cobradas (Van Noorden, 2013). Vale ainda destacar que os revisores, os personagens mais importantes no processo de publicação científica, que dão a credibilidade ao processo, realizam seu trabalho totalmente de forma voluntária na grande maioria das vezes, com exceção de algumas revistas que lhes oferecem descontos na taxa de publicação, se eles quiserem submeter artigos para as revistas delas. Tudo isso deixa claro o intuito de obtenção de lucro, travestido de “acesso aberto”.
Existe alguma saída para o pesquisador que busque divulgar os dados de suas pesquisas sem querer fazer parte - como vítima desembolsando altas quantias - de todo esse cenário? Temos um número grande de revistas cientificas que são mantidas por universidades ou centros de pesquisas, que não tem taxas de publicação, ou os valores são compatíveis com os gastos operacionais e tem processo confiável de revisão por pares. Entretanto, geralmente não apresentam grandes métricas de desempenho. Caso os autores passassem a optar por elas e um número maior de artigos de alto impacto forem publicados nelas, é uma questão de tempo para que as boas métricas migrem das revistas predatórias profissionais.
Se os leitores lapidarem dentre as publicações em “revistas predatórias”, provavelmente irão se deparar com artigos completamente inúteis, mas também outros bem interessantes. Por coincidência, o mesmo acontece caso feito em revistas de alto impacto. Mas também temos que ressaltar, que no final sempre o responsável pelo que está contido nos artigos são os próprios autores, e a revista é apenas um meio para divulgação do trabalho. De encontro a tudo isso, não podemos deixar de considerar que os nós leitores somos os responsáveis por decidir se iremos ou não aceitar as informações que estão contidos nos artigos que lemos, seja qual for a sua origem.
Em resumo, as publicações científicas em revistas predatórias permeiam o ambiente acadêmico de diferentes formas e dificilmente será possível precisamente identificar e coibir todas elas. Talvez isso nem seja necessário. Os autores têm o poder de decidir o que eles irão publicar e quais informações eles irão aceitar das publicações de outros autores, independente do título do periódico.