A sociedade e os indivíduos estão intrinsecamente relacionados, assim o meio social exerce impacto no comportamento das pessoas, mas também é influenciado por estas. Dessa forma, comportamentos que não eram recorrentes no passado, nos dias atuais são considerados comuns, provavelmente em razão de mudanças em diversos âmbitos sociais, incluindo político, midiático e sexual. Quanto a este último, após a “revolução sexual”, nas décadas de 1960 e 1970, gerações sucedentes passaram a adotar atitudes sexualmente mais permissivas do que as observadas anteriormente (Twenge, Sherman, & Wells, 2015).
Portanto, observa-se que uma revolução sexual tem consequências diretas sobre como os indivíduos, na sociedade contemporânea, concebem e entendem conceitos como privacidade, moralidade e liberdade sexual (Silva, 2014). Nesta direção, considera-se o século XIX como palco de mudanças significativas em relação à concepção de sexualidade. O último pode ser definido como um conjunto de fenômenos biológicos e psicológicos, que são influenciados pelo ambiente e se ligam às funções eróticas e reprodutoras, manifestando-se no ser humano em resposta a estímulos, os quais permitem que o indivíduo desfrute de prazer físico e/ou emocional (Pasquali, Souza, & Tanizaki, 1985). Ademais, partindo-se para uma perspectiva psicossocial incluem crenças gerais sobre as normas de uma cultura, decisões pessoais sobre permissividade sexual e a percepção da adequação de certos comportamentos sexuais (Molina & Tejeda, 2017).
Neste cenário pós-Revolução Sexual, denotou-se uma maior flexibilização diante diversos comportamentos sexuais (e.g., sexo pré-marital, sexo casual e relações homoafetivas). Além disso, a sexualidade feminina passou a não estar mais unicamente vinculada à procriação, buscando prazer em suas práticas sexuais. Nesse contexto, as práticas sexuais convencionais, referem-se a interação íntima entre duas pessoas, incluindo a partilha de expectativas, desejos e sensações (Heilborn, 2006).
Neste âmbito, o sexo oral, sexo com penetração vaginal e a masturbação se apresentam como as práticas mais recorrentes nas relações sexuais entre homens e mulheres (Baumel, Silva, Guerra, Garcia, & Trindade, 2019).
Recorreu-se ainda aos relatórios da área da sexualidade: os relatórios Kinsey, Pomeroy e Martin (1949) e o de e Hite (1979). Portanto, estamos tentando descobrir sobre a conceituação de práticas sexuais liberais. A propósito, as práticas sexuais liberais tendem a ser mais flexíveis em resposta a uma ampla variedade de comportamentos sexuais, que incluem papéis de gênero e meios de satisfação sexual (Swami, Weis, Barron, & Furnham, 2017). Por exemplo, estudos indicam que indivíduos com disposição erotofílica ou sexualmente liberal seriam mais favoráveis ao desenvolvimento de práticas sexuais menos convencionais/típicas (e.g., relações de dominância; Rye, Serafini, & Brambergera, 2015).
Ademais, é importante ressaltar a influência das perspectivas culturais sobre a sexualidade, sustentando que identidades, experiências e expressões são constituídas através da criação de significado ao invés apenas dos processos biológico, sendo assim os períodos históricos, culturais, a linguagem e os discursos impactam decisivamente na internalização de scripts e práticas sexuais (Tolman & Diamond, 2014). Desse modo, o foco deste estudo, centra-se nas práticas sexuais e não apenas no comportamento sexual, por entendê-las como mais voltadas estritamente para o escopo das relações sexuais.
Mesmo diante do progresso de estudos acerca do liberalismo sexual, principalmente referente as atitudes sexuais, no contexto internacional (Molina & Tejeda, 2017), o cenário que permeia as pesquisas sobre a sexualidade, especificamente no em território brasileiro, ainda é incipiente. Isso pareceu evidente em buscas realizadas nas bases de dados SciELO e PePSIC (2017), utilizando como descritores “escala de liberalismo sexual” e “escala de práticas sexuais liberais”. Na ocasião, um único instrumento foi encontrado: o Questionário de Liberalismo e Conservadorismo Sexual (QLCS), adaptado ao contexto brasileiro por Guerra e Gouveia (2007) e que avalia tanto a própria sexualidade, quanto a sexualidade do outro (a). Portanto, percebe-se a insuficiência de instrumentos destinados a medir o liberalismo sexual, especificamente no que se refere às práticas sexuais liberais.
Abordagem metodólogica
Nesta conjuntura, para a elaboração dessa pesquisa, decidiu-se contribuir com a temática, elaborando uma escala específica sobre práticas sexuais liberais. Entretanto, para além de propô-la, este estudo teve como objetivo também reunir evidências acerca de suas validades fatorial e convergente, ademais checar sua consistência interna. Procura-se, deste modo, descrever a seguir os processo de elaboração dessa medida, focando posteriormente nos estudos empíricos que avaliaram suas qualidades psicométricas. Para o Estudo 1, objetivou-se conhecer a estrutura fatorial da medida, verificando sua consistência interna e adequação de seus itens, no que se refere ao Estudo 2, teve como intuito comprovar a estrutura unifatorial da medida de práticas sexuais liberais encontrada e também a sua consistência interna, além de conhecer evidências de validade convergente para a medida proposta.
Elaboração da Escala de Práticas Sexuais Liberais (EPSL)
Procura-se a seguir descrever os passos de elaboração da EPSL, indicando as referências principais, sua especificidade como medida de práticas sexuais liberais e a análise teórica. Esta etapa é preliminar e posteriormente essa medida será analisada em termos de sua adequação psicométrica e de seus itens individualmente e em conjunto, ocasião em que se avaliam seus parâmetros de validade e consistência interna.
Marco de Referência
Pasquali (2010), entende que para dar início ao processo de validação de escalas psicológicas, é necessário que essas sejam validadas semanticamente. Os construtos devem ser descritos com base em conceitos da teoria e transformados em itens que possam ser mensurados operacionalmente. Portanto, tomando em conta a literatura a respeito, adotou-se a seguinte definição constitutiva de práticas sexuais liberais: compreendem uma interação íntima entre duas ou mais pessoas, de diferentes ou do mesmo gênero, que se posicionam de forma a aceitar ou afirmar a sua liberdade individual na área da sexualidade, mostrando-se mais abertas e favoráveis a práticas sexuais consideradas não-convencionais (Heilborn, 2006).
Recorreu-se ainda aos relatórios da área da sexualidade: os relatórios Kinsey, Pomeroy e Martin (1948) e os relatórios de Hite (1979). Portanto, procurou-se tê-los em conta na conceituação de práticas sexuais liberais. Entretanto, no momento de operacionalizar o construto correspondente, considerou-se ainda a medida de liberalismo sexual, elaborada no Canadá e que procurou avaliar atitudes favoráveis ou desfavoráveis que as pessoas tinham diante algumas práticas sexuais (e.g., sexo casual, sexo grupal, fetichismo; Rye et al., 2015).
Apesar de ter em conta medidas prévias, a escala ora proposta se diferencia das demais por enfatizar uma disposição (favorável ou desfavorável) diante da prática. Portanto, não se avaliam atitudes, mas as condutas das pessoas, ainda que autorrelatadas, no âmbito de comportamentos sexuais liberais. À vista disso, a Escala de Práticas Sexuais Liberais (EPSL) procura avaliar em que medida as pessoas endossam práticas sexuais liberais em suas relações íntimas. Desta maneira, tomando em conta a literatura, elaboraram-se quatorze itens, que foram inicialmente submetidos à análise teórica, realizada por pesquisadores que vêm desenvolvendo estudos na área da sexualidade, visando conhecer aqueles mais adequados para representar o construto de práticas sexuais liberais, ademais de avaliar sua adequação semântica.
Análise teórica
Inicialmente, antes de avaliar empiricamente os itens, estes foram submetidos à apreciação de três pesquisadores da área de psicologia social, sendo dois doutores e um mestre. Tais pesquisadores analisaram semanticamente esse itens tendo em conta três aspectos principais no momento de julgar a qualidade de cada item:
Deste modo, do conjunto inicial de 14 itens, observou-se a necessidade de modificar a redação de três deles, os quais apresentavam dificuldade de compreensão. Além disso, decidiu-se excluir outros cinco itens, que na avaliação dos pesquisadores não apresentavam pertinência quanto à temática. Então, a versão preliminar da EPSL ficou composta por nove itens, que foram objeto dos estudos descritos a seguir.
Estudo 1. Escala de Práticas Sexuais Liberais: Evidências Preliminares
Este estudo teve como objetivo conhecer a estrutura fatorial da medida de práticas sexuais liberais, além de verificar sua consistência interna e a adequação de seus itens.
Método
Participantes
Contou-se com amostra de conveniência (não probabilística), obtida por meio da técnica de bola de neve, de 216 participantes da população geral, distribuídos nas cinco regiões do Brasil: Nordeste (63,0%), Sul (20,8%), Sudeste (10,6%), Norte (3,7%) e Centro-Oeste (0,5%), os quais tinham idades entre 18 e 51 anos (M = 24,5, DP = 5,75). A maioria desses participantes foram do sexo feminino (65,7%), solteira (81,4%), heterossexual (77,3%), classe média (41,2%), curso superior incompleto (61,6%) e não possuindo religião (48,6%).
Instrumentos
Os participantes responderam a um questionário que, além de perguntas demográficas (e.g., idade, sexo, orientação sexual e estado civil), disponibilizadas ao final, continha a Escala de Práticas Sexuais Liberais (EPSL). Considera-se a versão com nove itens, conforme descrito no Estudo 1, que procura medir práticas liberais realizadas no ato sexual (e.g., Sexo grupal (mais de dois casais); Relações de dominância (e.g. sadomasoquismo)). Os participantes leem cada item e indicam se já realizaram a prática sexual indicada (Sim) ou não o fizeram (Não), tratando-se assim de uma medida dicotômica.
Procedimento
Os dados foram coletados online. Contataram-se os participantes por meio de redes sociais (e.g., Facebook, Instagram), além de e-mails coletivos, porém sem qualquer controle sobre quem respondeu, assegurando o anonimato dos participantes. A propósito, informou-se que a participação era voluntária, que a pessoa poderia deixar o estudo a qualquer momento, sem penalização, embora se indicasse a importância da colaboração. Seguiram-se os princípios éticos em consonância com a Resolução nº 510/16, devendo os participantes endossarem termo de consentimento livre e esclarecido antes de tomar parte no estudo. Em média, 15 minutos foram suficientes para concluir a participação no estudo.
Análise dos Dados
Os dados foram analisados com o programa Factor 10.3 (Lorenzo-Seva, & Ferrando, 2006). Realizou-se uma análise fatorial exploratória (AFE) do tipo Minimum Rank Factor Analysis. Adotou-se como método de retenção de fatores o Hull, Comparative Fit Index (CFI), que identifica a estrutura fatorial que apresenta melhor ajuste para os dados observados e seus respectivos graus de liberdade. Utilizou-se como entrada a matriz de correlações policóricas. Finalmente, quanto à consistência do instrumento, estimou-se o valor do ômega de McDonald.
Adicionalmente, a partir do modelo de Teoria de Resposta ao Item (TRI), calculou-se o parâmetro de endosso (dificuldade) dos itens a partir do Modelo de Rasch, uma vez que se trata de um conjunto de dados de resposta dicotômica. O referido modelo foi estimado por meio do pacote mirt do programa R.
Resultados
Inicialmente, avaliou-se a possibilidade de empregar uma AFE no conjunto de dados. Concretamente, a partir dos critérios de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e Teste de Esfericidade de Bartlett, as suposições foram satisfeitas (KMO = 0,72 e x² (36) = 280, p < 0,001, respectivamente), demonstrando a adequabilidade da matriz de correlações policóricas para a realização desta análise. Neste sentido, empregou-se o método Hull a fim de determinar o número de fatores a serem extraídos, observando-se um único fator para conjunto de itens. A estrutura fatorial correspondente é apresentada na tabela 1.
Como se observa na tabela 1, a solução unifatorial explicou 50,0% da variância total. Quanto às cargas fatoriais, todos os itens apresentaram lambdas superiores a 0,30, admitindo-se a pertinência na representação do único fator extraído. De fato, as cargas fatoriais variaram de 0,51 (Item 2. Penetração anal passiva em seu(sua) parceiro(a); e Item 7. Relações de dominância (e.g. sadomasoquismo)) a 0,91 (Item 4. Swing (troca de casais durante a relação sexual)). Finalmente, a fidedignidade desta escala (ômega de McDonald, Ω) foi 0,88.
Em relação ao parâmetro de dificuldade (parâmetro b), os itens com maiores níveis de endosso se referiam a práticas de swing e sexo grupal (b > 4) e voyeurismo e Ménage à trois (b > 2). Por outro lado, aqueles com menores graus de endosso (b variando entre -0,23 e 1,82) foram o fetichismo (Item 6), à penetração anal passiva no(a) parceiro(a) (Item 2) e os brinquedos eróticos (Item 8), seguidos de penetração anal ativa no(a) parceiro(a) (Item 1) e, finalmente, práticas de relações de dominância, conforme indica a última coluna da Tabela 1.
Na figura 1 é possível visualizar as curvas de informação dos itens da EPSL. A curva de informação dos itens consiste em uma representação gráfica que permite identificar o nível de contribuição de cada item para a informação do teste total. Como se observa, os nove itens desta escala contribuíram de forma semelhante em termos de informações na mensuração do traço avaliado. Ainda, os itens 4 e 5 mostram graficamente maior capacidade de mensurar o traço latente de pessoas com tendências elevadas em práticas de atos sexuais considerados liberais (níveis theta, θ, elevados).
Por fim, a figura 2 que representa a curva de informação do teste, ratificando o cenário anteriormente descrito, apresentando que a EPSL se mostra informativa em um amplo intervalo de traço latente (≈-3,50 a 6,00; linha pontilhada indicando o erro padrão; métrica padronizada variando entre -6 e +6), sendo mais precisa na avaliação de pessoas com níveis médios e altos em práticas sexuais liberais.
Em resumo, este estudo permitiu conhecer que a EPSL se apresenta como uma medida unifatorial, reunindo itens psicometricamente adequados e contando com consistência interna adequada. Entretanto, este primeiro estudo foi eminentemente exploratório, carecendo de evidências complementares acerca da pertinência da estrutura fatorial desta medida. Neste sentido, decidiu realizar um segundo estudo.
Estudo 2. Testando a Estrutura Unifatorial e Validade Convergente
O objetivo deste estudo foi verificar a adequação de admitir uma estrutura unifatorial para a medida de práticas sexuais liberais, identificada no Estudo 1, avaliando também sua consistência interna. Adicionalmente, pretendeu-se conhecer evidências de validade convergente da EPSL, tomando em conta uma medida de atitudes liberais-conservadoras.
Método
Participantes
Contou-se com a participação de 220 sujeitos da população geral das regiões Nordeste (84,5%), Sul (7,7%), Sudeste (5,5%), Norte (0,5%) e Centro-Oeste (0,5%) localizadas no Brasil, as quais tinham idades entre 18 e 44 anos (M = 24,1, DP = 5,02). A maioria desses participantes foram do sexo feminino (68,2%), solteira (86,4%), heterossexual (71,8%), classe média (44,1%), curso superior incompleto (57,7,6%) e não possuindo religião (40,9%). Tratou-se de amostra de conveniência (seleção não-probabilística), obtida pela técnica também de bola de neve, tendo participado as pessoas que concordaram em fazê-lo.
Instrumentos
Os participantes responderam um questionário que, além de perguntas demográficas (e.g., idade, sexo, orientação sexual e estado civil), incluídas ao final, constava a EPSL, descrita no Estudo 1, e uma medida de atitudes liberais e conservadoras, como se descreve:
Questionário de Liberalismo Conservadorismo Sexual (QLCS). Utilizou-se a versão brasileira (Guerra & Gouveia, 2007), tendo em conta unicamente a versão que trata da própria sexualidade (self-scale), que reúne 16 itens ou assertivas que indicam atitudes de aceitação e tolerância frente a determinados atos sexuais (e.g., Faria sexo no primeiro encontro; Usaria pornografia para aprender técnicas sexuais). Estes itens são respondidos em escala de cinco pontos, variando de 1 (Discordo totalmente) a 5 (Concordo totalmente), cobrindo quatro fatores cujos alfas de Cronbach neste estudo são indicados entre parênteses: autoerotismo (α = 0,85), sexo pré-marital (α = 0,78), pornografia (α = 0,92) e homossexualidade (α = 0,35).
Procedimento
Seguiram-se as mesmas determinações éticas previamente indicadas no Estudo 1. Desta forma, asseguraram-se o sigilo das respostas e o anonimato da participação, informando que se tratava de contribuição voluntária e que a pessoa poderia deixar o estudo a qualquer momento, se assim pretendesse.
Análise dos Dados
Os dados foram analisados com o programa R (R Development Core Team, 2012). Utilizou-se o pacote Lavaan com o fim de realizar a análise fatorial confirmatória (AFC) da EPSL, considerando o estimador Weighted Least Squares Mean and Variance-adjusted (WLSMV) e tendo em conta a matriz de covariância como entrada. Os seguintes critérios foram tidos em conta para avaliar o ajuste do modelo aos dados (Tabachnick & Fidell, 2013):
(a) razão Qui-quadrado por graus de liberdade do modelo (χ²/gl), admitindo-se como adequados valores entre 2 e 3, aceitando-se até 5; (b) Comparative Fit Index (CFI) e Tucker-Lewis Index (TLI), aceitando-se valores iguais ou superiores a 0,90; e (c) Root Mean Square Error Approximation (RMSEA), cujos valores recomendados se situam entre 0,05 e 0,08, admitindo-se até 0,10 como limite superior do intervalo de confiança (90%).
Por fim, no que diz respeito à validade convergente, tendo em vista os níveis de mensuração das variáveis, realizaram-se correlações do tipo ponto-bisserial entre as pontuações das medidas (EPSL (variável dicotômica) e QLCS (self-scale) (variável contínua)).
Resultados
Com a finalidade de reunir evidências psicométricas mais robustas acerca da estrutura fatorial do EPSL, realizou-se uma AFC fixando um único fator geral. Os indicadores de ajuste deste modelo unifatorial foram satisfatórios: χ2 (27) = 27,70, χ2/gl = 1,02, CFI = 0,99, TLI = 0,99 e RMSEA = 0,054 (IC90% = 0,018-0,084). Ademais, todos os pesos fatoriais (lambdas) foram estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05). Especificamente, suas saturações foram como seguem (entre parênteses): ménage a trois (sexo a três) (0,66), sexo grupal (mais de dois casais) (0,47), relações de dominância (e.g. sadomasoquismo) (0,38), swing (troca de casais durante a relação sexual) (0,37), fetichismo (e.g., fazer sexo em lugar público) (0,35), voyeurismo (e.g., observar o(a) outro(a) praticando sexo) (0,35), brinquedos eróticos (e.g., vibrador, cinta peniana) (0,30), penetração anal ativa com seu(sua) parceiro(a) (0,27) e penetração anal passiva em seu(sua) parceiro(a) (0,24). A consistência interna desta estrutura unifatorial se mostrou adequada (Ω = 0,88).
Por fim, corroborando evidências de validade convergente da EPSL, observaram-se correlações positivas e significativas de sua pontuação total com aquelas dos fatores do QLCS. Mais especificamente, as relações de maiores magnitudes foram observadas em relação às dimensões autoerotismo (r = 0,31; p < 0,001) e pornografia (r = 0,31; p < 0,001). Porém, como duas outras dimensões tiveram padrões de correlação nessa mesma direção, a seguir: Não há variação às correlações com como dimensões homossexualidade (r = 0,24; p <0,001 ) e sexo antes do casamento (r = 0,20; p <0,001).
Discussão
O presente estudo objetivou elaborar uma escala para avaliar práticas sexuais liberais, reunindo evidências de sua adequação psicométrica. Proposta personalizada, baseada em procedimentos que combinarão a Teoria Clássica de Dois Testes (TCT) e a Teoria da Resposta ou a Teoria dos Itens (TRI), mostrou-se satisfatória, podendo ser utilizada em pesquisas que pretendam conhecer os correlatos de tais práticas sexuais no contexto brasileiro. Portanto, entende-se que o objetivo deste estudo foi alcançado, discutindo-se a seguir os achados principais.
Inicialmente, coerente com as recomendações de Pasquali (2010), procurou-se estabelecer uma definição clara do construto, tomando em conta a literatura, passando depois a operacionaliza-lo. Entretanto, realizou-se, ainda, a análise teórica da escala, observando que era possível reter nove dos 14 itens inicialmente elaborados. Esta versão da medida (EPSL) foi endossada no Estudo 1, onde se procurou conhecer a estrutura fatorial subjacente a partir da perspectiva da TCT. Portanto, a partir de procedimentos analíticos exploratórios (e.g., AFE via método Hull), encontrou-se uma solução de um único fator para representar as práticas sexuais liberais. Esta apresentou consistência interna (ômega de McDonald) satisfatória, atestando evidências de que o conjunto de itens representa uma estrutura unidimensional.
Atestada a unidimensionalidade da EPSL, decidiu-se realizar análise dos itens, empregando procedimentos estatísticos baseados na TRI, considerando o modelo de Rasch. Como parece intuitivamente esperado, os itens relativos às práticas de swing, sexo grupal, voyeurismo e ménage à trois apresentaram os maiores níveis de dificuldades, isto é, foram os com menor probabilidade de serem endossados ou praticados pelos participantes. É importante destacar que práticas de voyeurismo, sadomasoquismo, sexo a três (ménage à trois), exibicionismo e sexo grupal se inserem no universo swinger (Silvério, 2014), provavelmente indicando maior liberalismo sexual. Um dos fatores que podem estar associados a menor probabilidade de praticá-los pode ser entendido em razão de tais práticas sexuais liberais ainda serem concebidas como condutas de desvio sexual, desencadeando um acentuado sentimento de inadequação das pessoas frente às relações sociais gerais, especificamente em relação à família (Rodrigues & Gonçalves, 2018).
No caso dos itens acerca de fetichismo, brinquedos eróticos, práticas de relações de dominância e penetração anal ativa e passiva no(a) parceiro(a) corresponderam aos menores índices de dificuldade. Portanto, podem ser mais admissíveis, sendo mais prováveis serem práticas endossadas pelas pessoas. No caso das relações de dominância, podem propiciar aos seus adeptos prazer físico e melhoria nos relacionamentos românticos (Hébert & Weaver, 2015). Em se tratando de práticas com brinquedos eróticos (sex toys) e fetichismo, possibilitam fantasias diversas, oportunizando o uso de diversos acessórios (e.g., vibradores, dildos com a forma fálica ou de bullets ovalados, óleos, algemas, chicotes, etc.), que em seu conjunto visam promover o prazer sexual (Gregori, 2011). Por fim, as práticas de penetração anal (passiva e ativa) podem representar uma dimensão importante de identidade sexual, tendo significado simbólico específico no cenário de práticas sexuais da população homossexual, porém não se reduzem a este espectro; de fato, parceiros heterossexuais utilizam dessas práticas para experimentar e obter maior prazer em suas relações sexuais (Baumel et al., 2019).
A TRI permitiu, ainda, obter informações complementares sobre os itens da EPSL-9, tanto individualmente como em seu conjunto. Portanto, permitiu avaliar em que pontos do traço latente há maior acurácia de mensuração dos itens do instrumento, isto é, oferecendo dado adicional acerca da precisão do teste para cada nível específico do traço latente. No caso, observou-se que os nove itens contribuem similarmente com a retenção de informação avaliada pelo instrumento, bem como que a curva de informação do teste total exibiu taxa ampla de informação capturada pela EPSL, reforçando a qualidade métrica de seus itens. Entretanto, percebeu-se que a maior taxa de informação foi capturada na parcela superior do traço latente, na que as pessoas apresentaram maior propensão de engajamento a práticas sexuais liberais. Neste ponto cabe uma observação; a maioria dos participantes indicou não possuir religião, o que corrobora com os estudo que apontam que a afiliação religiosa influencia o comportamento sexual em adolescentes, sendo um fator protetivo para o início da atividade sexual e o número de parceiros sexuais (González & Molina, 2017).
No Estudo 2, pautado na TCT, testou-se a estrutura unifatorial da EPSL, realizando-se uma AFC, o que possibilita testar um modelo de mensuração pré-especificado (e.g., um dado número de fatores, itens, etc). Deste modo, testou-se a adequação da solução unifatorial deste instrumento, como observado no Estudo 1. Os indicadores de ajuste observados foram superiores aos recomendados na literatura (Tabachnick, & Fidell, 2013), ratificando a pertinência dos nove itens da EPSL como representando uma única dimensão. Neste ponto é importante destacar que as análises estatísticas realizadas foram congruentes com a natureza categórica da medida, que sugeriu ter em conta a matriz de correlações policóricas entre os itens, realizando-se extração Minimum Rank Factor Analysis e adotando o estimador Weighted Least Squares Mean- and Variance-adjusted (WLSMV) (Asún, Rdz-Navarro, & Alvarado, 2016).
Quanto às evidências de validade convergente da EPSL, sua correlação sistemática com os fatores do QLCS (versão self-scale) reforça sua adequação psicométrica, sugerindo que as práticas sexuais liberais têm fundamento em atitudes liberais no plano sexual. Ressalta-se ainda que os participantes deste estudo, basicamente jovens adultos, costumam expressar maior flexibilização de comportamentos sexuais, que podem predispô-los a práticas e sexuais diversificadas (e.g., sexo grupal, sexo sem crompromisso e orientações sócio-sexuais irrestritas; Tejada, Hernández, López, & Martínez, 2018).
Embora o objetivo principal deste estudo tenha sido alcançado, isto é, apresentar uma medida de práticas sexuais liberais com parâmetros psicométricos adequados, nenhuma pesquisa é isenta de limitações potenciais. Por exemplo, apesar de terem sido consideradas pessoas da população geral, evitando a prática recorrente de considerar exclusivamente estudantes universitários, as amostras foram de conveniência, não representando o universo da população brasileira. Portanto, não permite generalizar os resultados quanto à tendência de práticas sexuais dos brasileiros. Assim, o foco não foi conhecer a frequência de tais práticas, mas contar com uma medida que permita acessá-las, e com este propósito as amostras foram adequadas e suficientes (Tabachnick & Fidell, 2013).
Um aspecto que poderá merecer atenção diz respeito à natureza da medida, especialmente no que se refere às evidências de validade de construto com o intuito de intensificar a sua precisão, inserindo análises de invariância para o sexo dos participantes e a orientação sexual, além disso verificar a estabilidade temporal do instrumento e possíveis construtos relacionados a esse fenômeno como as atitudes sexuais (Hendrick, Hendrick, & Reich, 2006). Por fim, recomenda-se ainda que se tenham em conta em estudos futuros variáveis que possam contribuir para evidências de validade de critério da EPSL, como os traços de personalidade (de Paz Toldos-Romero, Rojas-Solís, & Martín-Babarro, 2017).