A análise de redes sociais (ARS) surgiu como uma abordagem com foco na análise da estrutura social e, especificamente, seus elementos relacionais. Tem suas origens em um movimento interdisciplinar que envolveu vários campos do saber, como sociologia, antropologia, psicologia, economia e teorias matemáticas, em meados do século XX (Scott, 2000).
Contempla teorias e aplicações que têm como objeto de estudo fundamental as relações construídas entre atores, os membros da rede, sejam eles pessoas, grupos, organizações ou comunidades. Por meio das relações, os atores formam díades, tríades e subgrupos, estabelecendo formas próprias de interação e interdependência, assim como fluxos de trocas de recursos materiais e imateriais necessários aos componentes da rede (Wasserman & Faust, 1994). A ARS, portanto, ocupa-se prioritariamente de dados relacionais que enfatizam o conjunto de vínculos criados entre atores e suas propriedades estruturais e se diferenciam de dados que indicam qualidades ou atributos específicos de agentes, como atitudes, opiniões e comportamentos. Essas características fazem com que os dados relacionais demandem métodos distintos das tradicionais análises em pesquisas (Scott, 2000).
Um dos caminhos metodológicos mais utilizados na análise de dados relacionais tem como base a teoria dos grafos, que concebe a rede como um conjunto de pontos unidos por linhas representados em um diagrama. Partindo desse pressuposto, parâmetros de análise das propriedades das redes foram criados, tais como densidade, centralidade, cliques, equivalência estrutural e distâncias (Hanneman, 2001; Scott, 2000; Wasserman & Faust, 1994). O acesso a esses parâmetros é feito por meio da construção de matrizes quantitativas, organizadas em linhas e colunas, que registram a presença ou ausência de vínculos ou afiliações com o número 1 ou zero, respectivamente. Em que o número 1 indica que há o vínculo e 0 indica que não há o vínculo correspondente. O tratamento e análise dos dados matriciais podem ser feitos por softwares especializados como o GRADAP, UCINET, PAJEK (Scott, 2000) em associação com softwares que fazem o desenho do diagrama da rede, como o Netdraw (Borgatti, Everett, & Freeman, 2002). Essa linha de estudos fornece expressões quantitativas que são fundamentais na descrição de padrões de relações e no desenvolvimento de conceitos e modelos na ARS.
Outra contribuição importante para a análise de redes foi dada por Mark Granovetter na década de 1970, ao desenvolver a ideia de força dos laços (Granovetter, 1973). O autor investigou o uso de contatos para a obtenção de informações sobre oportunidades de emprego e que tipo de laços sociais eram mais eficazes nesse processo. Por meio de tabulações simples e análises qualitativas da estrutura das relações, chegou à conclusão que laços fracos, procedentes de conhecidos ou colegas com interação menos frequentes, eram mais determinantes para obtenção de emprego do que laços fortes, oriundos de relações familiares ou de amizades. Daí originou-se a ideia da “força dos laços fracos”. Essa concepção trouxe novos elementos sobre a influência dos laços e das redes na dinâmica social e econômica. Além disso, forneceu uma categoria de análise que é bastante comum no desenho de pesquisas em ARS, que é a força dos laços.
Nos últimos anos, a ARS tem sido utilizada em temáticas como educação (Anaya, 2018), aprendizagem (Lazega, Bar-Henb, Barbillonc, & Donnetc, 2016), sistemas migratórios (Ruiz-Santacruz, 2019), entre outros. Em língua portuguesa, pesquisas e publicações com o uso da ARS tiveram um desenvolvimento mais tardio, chegando a uma elaboração mais significativa a partir dos anos 2000 (Varanda, Rego, Pontes, & Eichner, 2012). Produções acadêmicas que abordam o uso desse método também podem ser encontradas em áreas como contextos organizacionais (Loiola, Bastos, Macambira, Neiva, & Machado, 2013) e saúde (Andrade & David, 2015), indicando a tendência de crescimento dessa abordagem no Brasil.
No campo da psicologia do trabalho, a análise de redes sociais não desponta como um tópico comum nas investigações da área. Em revisão sistemática das produções em psicologia do trabalho (Oliveira, Silva, & Sticca, 2018), os temas mais encontrados referem-se à saúde do trabalhador, bem-estar e qualidade de vida no trabalho, aposentadoria, emprego, desemprego e empregabilidade e ergonomia. E os tipos de pesquisa mais usados são estudos de caso, ex-post-facto, pesquisa bibliográfica, de levantamento, participante, documental e etnográfica, sem referência ao uso da ARS como método.
Todavia, estudos que abordam a existência de redes sociais entre trabalhadores, seus modos de organização e sua influência no cotidiano laboral já podem ser encontrados na literatura (Santos, Maciel, & Sato, 2014). Kuipers (2009), por exemplo, estuda redes informais e formais no local de trabalho através da análise específica de redes de amizade e confiança.
Rice e Yoshioka-Maxwell (2015) sugerem quatro alternativas sobre como as redes sociais podem ser utilizadas em pesquisas: a) análises utilizando redes egocentradas, através das quais o pesquisador pode compreender como e quais recursos os egos acessam; b) dados sociométricos de redes completas. Esse tipo de análise fornece uma ampla compreensão de como um determinado grupo se conecta; c) análises randômicas para avaliar fatores ligados a ausência ou presença de laços sociais; d) utilização de métodos mistos, com análises quantitativas e qualitativas. Nesses casos, são usadas métricas reticulares quantitativas em conjunto com dados qualitativos, como por exemplo entrevistas, grupos focais ou etnografia.
Enseja-se aí uma demanda por uma maior reflexão sobre a abordagem de redes sociais, sobretudo o uso da ARS como método de investigação, no campo da psicologia do trabalho.
Diante desse cenário, tem-se como objetivo deste artigo descrever e analisar métodos de pesquisas em psicologia do trabalho que aplicaram a análise de redes sociais para identificação de relações formadas entre trabalhadores em seus contextos laborais. Ressalta-se o entendimento da psicologia do trabalho a partir da perspectiva da psicologia social do trabalho, que tem como foco os diversos contextos laborais, compreendidos em sua materialidade, historicidade e dimensão simbólica; a intersubjetividade e as relações interpessoais construídas em ambientes de trabalho micro e macrossociais; e a ênfase no olhar dos sujeitos trabalhadores sobre seu cotidiano e suas práticas (Sato, Coutinho, & Bernardo, 2017).
Análise de Redes Sociais em Contextos Laborais
Para alcance do propósito deste artigo, foram utilizadas quatro produções acadêmicas oriundas do programa de pós-graduação em psicologia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Três dissertações de mestrado e uma tese de doutorado foram elaboradas entre os anos de 2011 e 2017 por estudantes e professoras orientadoras do Laboratório de Estudos do Trabalho (LET) que desenvolviam atividades de estudo e pesquisa sobre informalidade, condições de trabalho em feiras e análise de redes sociais.
As pesquisas usadas como referência aplicaram a análise de redes sociais em contextos laborais inseridos no âmbito da informalidade, como em catação de recicláveis, feiras de roupas e agricultura familiar, situados nas cidades de Fortaleza e Maranguape, no estado do Ceará. A Tabela 1 faz a identificação das produções acadêmicas.
As pesquisas selecionadas atendem a critérios de inclusão importantes a este estudo, como a utilização da ARS de forma aplicada, construindo diagramas e parâmetros sobre as características das redes, e não apenas como uma metáfora de fenômenos sociais, como aponta Varanda et al. (2012). Além disso, tiveram como base o referencial teórico da psicologia do trabalho ao abordar condições laborais, formas de organização do trabalho e vivências dos trabalhadores sobre sua atividade a partir do cotidiano.
A seguir será feito um breve delineamento de cada estudo, enfatizando objetivo e os procedimentos metodológicos utilizados.
Redes socioprodutivas em uma feira de roupas
Trata-se de uma pesquisa realizada em uma feira de roupas cujo objetivo foi analisar o funcionamento do trabalho informal e as relações de sociabilidade e de produção, intituladas de redes socioprodutivas. Para isso, foi feito um estudo de natureza exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa, cujos participantes atuavam na criação de produtos comercializados na feira de roupas. Como estratégia para entrevistá-los, partiu-se do ator inicial para trás, identificando quem realizava alguma atividade para que o negócio funcionasse. Ao todo foram entrevistadas dez pessoas.
Os instrumentos utilizados foram cartões geradores de nomes, que tiveram como objetivo coletar nomes de pessoas que mais influenciavam no negócio, e um roteiro de entrevista constituído por duas partes. A primeira parte continha questões sobre os dados sociodemográficos dos entrevistados, com a finalidade de obter seus dados pessoais e profissionais (idade, sexo, estado civil, formação escolar, renda pessoal e familiar, tempo de atividade na feira e em outras feiras, outros empregos ou ocupações, vínculo trabalhista, contribuição para o INSS, registro de empresa, se pessoa jurídica, quantidade de horas trabalhadas por dia na feira e para a feira, tempo para descanso). A segunda parte continha uma pergunta disparadora: “Quais as pessoas que você considera que participaram para o seu negócio funcionar e como o influenciaram?” (Hyppólito, 2013, p. 64). Além disso, havia também um quadro e um cartão gerador de nomes contendo espaço para que o entrevistado pudesse preencher com o nome da pessoa com que se relacionava, o tipo de relação/parentesco/vínculo que com ela mantém, seu papel social/função/atividade, o tempo que a conhece, a moeda de troca/pagamento, o motivo da escolha dessa pessoa, a forma como entra em contato com ela e a frequência desse contato.
Para análise dos dados, foi utilizada a técnica de análise qualitativa de conteúdo para análises do material textual. Aplicou-se como etapa desta metodologia a categorização, descrição e interpretação. Na análise da rede socioprodutiva, foram utilizados os programas Ucinet e Netdraw (Borgatti et al., 2002) para a elaboração do sociograma, com a finalidade de facilitar a visualização das posições dos componentes, denominados também de nós ou atores, apresentando a configuração gráfica da rede.
Redes de apoio social de catadores de materiais recicláveis
Trata-se de uma pesquisa realizada com catadores de materiais recicláveis vinculados a uma associação, em Fortaleza-Ceará, cujo objetivo foi compreender suas redes de apoio social, com foco no campo do trabalho. A coleta de dados aconteceu de modo individual, com a realização de entrevista semiestruturada e, para identificação das redes sociais, aplicação do Diagrama da Escolta Social (Kahn & Antonucci, 1980) adaptado. Durante a aplicação do instrumento, foi perguntado ao participante quem eram as pessoas com as quais ele se sentia próximo e que, de alguma forma, eram importantes e ajudavam na realização de seu trabalho. O participante poderia indicar quantos atores desejasse, sendo estes membros da associação ou não. As pessoas citadas foram divididas em três níveis hierárquicos, de acordo com sua importância. Foram identificadas informações pertinentes a respeito de cada ator citado: nome, sexo, tipo de relação com o participante (i.e., cônjuge, filho, neto, irmão, outros), tempo decorrido desde que a relação teve início, distância entre as residências do respondente e da pessoa colocada em sua rede, se a pessoa é catadora ou não e qual tipo de ajuda ou recurso oferecido ao entrevistado.
De maneira específica, foi investigado a existência de cinco possíveis recursos trocados entre o entrevistado e os atores de sua rede: a) confidenciar informações importantes; b) ser aconselhado e tranquilizado em momentos de incerteza; c) oferecer oportunidade de acesso a novos contatos; d) poder contar em situação de dificuldade financeira e/ou oferecer ajuda material; e e) poder contar em situação de doença.
A aplicação do Diagrama da Escolta Social permitiu identificar os aspectos estruturais e funcionais das redes. Os aspectos estruturais referem-se às pessoas significativas para o entrevistado e permitem o reconhecimento do tamanho da rede e do grau de importância de cada ator, dividido em três níveis. Os aspectos funcionais referem-se aos recursos trocados entre os atores que compõem a rede e o entrevistado.
Para traçar as redes de apoio social foram utilizados os softwares Ucinet e Netdraw. Os dados das entrevistas foram usados para complementar a análise das redes. As redes egocentradas dos seis participantes foram reunidas em um único mapeamento, de forma que se pode ver as conexões dos associados entre si e com os demais atores da rede. Os elementos reticulares empregados na análise foram: tamanho da rede, densidade, recursos trocados e tipos de laços.
Redes sociais e trabalho entre feirantes
Esta pesquisa teve o intuito de analisar redes sociais formadas entre feirantes em uma feira de roupas, focando na identificação de laços, trocas efetivadas e normas compartilhadas.
Na definição dos participantes, buscou-se feirantes que atuavam na informalidade, comercializando produtos em bancas de um galpão que compõe uma feira de roupas localizada em uma região central da cidade. Foram selecionados ao todo 17 participantes. Os primeiros entrevistados indicaram outros feirantes que poderiam fazer parte da pesquisa, seguindo-se assim o método da “bola de neve” proposto por Hanneman (2001).
Para mapeamento das redes sociais utilizou-se a entrevista qualitativa baseada em roteiro e, especificamente, a técnica do “gerador de nomes” (Marin & Hampton, 2007). Optou-se pela investigação e desenho de “redes egocentradas”, estruturadas a partir das indicações de um ator central, explorando as conexões entre o ego e os alters (Hanneman, 2001). No roteiro de entrevista buscou-se unir elementos das redes sociais dos participantes a aspectos da singularidade de sua história de vida, trajetória laboral e contexto de trabalho.
Foram aplicadas duas perguntas principais para traçar as redes: “quem você conhece na feira?”; e “desses que você indicou, quem são aqueles que mais ajudam no seu trabalho?” (Carvalho, 2016, p. 70). Buscou-se com essas duas perguntas a obtenção de subsídios para a identificação da força dos laços. Não havia restrição no número de nomes indicados. Usou-se, ainda, a pergunta “em quem você confia na feira?”(Carvalho, 2016, p. 70). Com esse delineamento foi possível identificar o tamanho da rede de cada feirante entrevistado (ego) e estabelecer comparações entre os respondentes. Por meio da técnica da bola de neve, as redes egocentradas foram se conectando e criando redes ampliadas de trabalho e de confiança entre feirantes.
Para análise das entrevistas foi usada a Análise de Conteúdo, especificamente a análise categorial temática, com apoio do software Atlas TI 6.0. Para traçar as redes foram utilizados os softwares Ucinet Netdraw. Os indicadores quantitativos analisados foram: tamanho da rede (expresso através da quantidade de nós e de laços) e grau de centralidade (entrada e saída). Além disso, buscou-se identificar os tipos de laços e sua intensidade a partir dos critérios definidos por Granovetter (1973). Foram considerados laços fortes aqueles oriundos de relações de parentesco e laços fracos os vínculos entre conhecidos e amigos que se conheceram por meio do trabalho na feira.
Redes sociais de trabalho na agricultura familiar
O objetivo desta pesquisa foi analisar as redes sociais de trabalho de agricultores familiares buscando identificar os aspectos estruturais e relacionais presentes nas redes. Foram convidados a participar do estudo dois agricultores familiares definidos como atores centrais 1 e 2. Outros seis participantes foram incluídos durante a pesquisa a partir das indicações dos atores centrais como sendo as pessoas mais importantes na realização de seus trabalhos, totalizando oito participantes.
A coleta de dados considerou quatro momentos distintos. No primeiro, utilizou-se a entrevista semiestruturada, a observação participante e a fotografia com o objetivo de descrever o contexto de trabalho dos participantes. Foram identificados dados sociodemográficos e informações sobre suas propriedades.
No segundo momento, o gerador de nomes foi utilizado como instrumento da coleta de dados. Depois de obter a lista com os nomes das pessoas envolvidas no trabalho dos atores centrais, foi solicitado aos mesmos que informassem os atributos de todos os citados. A partir da lista de nomes, foi realizada a seguinte pergunta:
Das pessoas mencionadas na lista, qual a que você considera que mais lhe ajuda ou lhe orienta no seu trabalho? Pense naquela que se deixar de lhe ajudar o seu trabalho pode ser prejudicado e ficaria mais difícil. Pode citar mais de uma pessoa, mas cites apenas aquelas que realmente lhe fariam falta (Martins, 2017, p. 36).
Essa pergunta possibilitou identificar as pessoas que mais estavam envolvidas no trabalho do ator central, sendo definidas na análise como atores vitais da rede de trabalho. Isso possibilitou mapear a rede social de trabalho dos participantes considerando os aspectos estruturais e relacionais da rede.
No terceiro momento da coleta de dados foi realizada uma entrevista com os atores vitais de cada rede. Nesta fase foi apresentada aos respondentes a lista de nomes gerada na fase anterior da pesquisa e realizada a seguinte pergunta: “Pensando na realização do seu trabalho nos últimos seis meses, por favor, fale-me o nome das pessoas que estão nesta lista e que você manteve/mantém algum tipo de contato relacionado ao seu trabalho” (Martins, 2017, p. 35). A aplicação desse instrumento permitiu identificar com quem esses atores mantinham vínculos e os aspectos estruturais e relacionais presentes na rede de trabalho destinada à produção.
Por fim, criou-se um novo instrumento que foi apresentado ao ator central definido como “Quem se conecta com quem?”. Nele foram criadas duas colunas idênticas com os nomes dos atores mencionados pelo ator central e atores vitais. Depois foi solicitado ao ator central de cada rede que ligasse os nomes das pessoas que tinham vínculos com as outras em relação ao trabalho. Assim, foi possível colher dados para uma representação mais completa da estrutura das redes de trabalho da pesquisa.
A partir das informações coletadas sobre as redes foram criadas matrizes no Excel do tipo quadrada, idêntica e binária. Quadrada porque possui o mesmo número de linhas e colunas, idêntica devido repetir o nome do ator na linha e na coluna, e binária por utilizar 1 quando o ator linha indica se relacionar com o ator coluna e 0 quando não há indicação (Hanneman, 2001). Para trabalhar as matrizes foram utilizados os softwares Ucinet Netdraw. O Ucinet foi utilizado para a análise dos indicadores densidade, centralidade, intermediação e cliques, com a intenção de detalhar as características da rede de relações social de trabalho e de cada um dos atores.
Análise Metodológica das Pesquisas em ARS
Na análise metodológica optou-se por um recorte que enfatiza o processo de construção do método da ARS nas pesquisas estudadas, sobretudo no que se refere ao delineamento e objetivos, aos tipos de redes analisadas, definição de participantes e técnicas de coleta e análise de dados. Considerou-se também como esse método se articula ao campo de investigação da psicologia do trabalho.
Delineamento da pesquisa e objetivos
Os métodos utilizados nas pesquisas são essencialmente qualitativos, em articulação com uma análise de dados matriciais que define parâmetros quantitativos das propriedades das redes, sendo esta uma das possibilidades metodológicas em pesquisas na área (Rice & Yoshioka-Maxwell, 2015). Dados quantitativos sobre a centralidade das redes, por exemplo, foram usados de forma complementar à análise qualitativa em Martins (2017) e Carvalho (2016). Hyppólito (2013) e Braga (2015) ressaltaram os tipos de relações e os conteúdos intermediados entre atores, como em estudos apresentados em Santos et al. (2014) sobre redes socioprodutivas.
De maneira predominante, os objetivos das pesquisas associam as redes sociais ao mundo do trabalho e especificamente à informalidade. Nesse sentido, a análise das redes mapeadas se articula ao contexto laboral, às formas de organização do trabalho e às formas de interação dos trabalhadores na construção de sua atividade.
Tipos de redes analisadas e definição de participantes
Para delineamento do método é necessário inicialmente escolher o tipo de rede que se pretende identificar. Interessante notar que as pesquisas analisadas buscaram enfatizar aspectos peculiares das redes, como redes socioprodutivas, redes de trabalho, redes de apoio social e redes de confiança, a partir do contexto laboral escolhido como objeto de estudo. Esse tipo de delineamento pode ser encontrado em pesquisas em contextos diversos, como sobre redes sociais informais de amizade, confiança e informação em organizações (Loiola et al. 2013) e na investigação de redes de amizade entre estudantes (Anaya, 2018).
Todas as pesquisas tiveram por foco um tipo de rede denominado de rede egocentrada ou centrada no ego (Wasserman & Faust, 1994). Para mapeamento dessa rede, coletam-se informações sobre os laços a partir de um ator focal específico, denominado ego, que indica os atores com quem mantém vínculo, denominados alters. Na rede egocentrada o ego também pode fornecer informações sobre o tipo de relação que mantém com os alters e dos alters entre si (Hanneman, 2001; Marin & Wellman, 2011).
As redes egocentradas, também chamadas de redes pessoais, podem ser utilizadas em investigações sobre apoio social por exemplo, mas apresentam limitações (Wasserman & Faust, 1994). A coleta de dados pode ser cansativa, pois o respondente precisa definir a relação com cada alter indicado; além disso, podem acontecer esquecimentos de pessoas, e mesmo desconhecimento sobre o tipo de vínculo que une os alters (Marin & Wellman, 2011).
Pode-se entender a escolha pelas redes egocentradas nas pesquisas analisadas em virtude da dificuldade de mapeamento de redes completas, com inclusão de todos os atores de uma estrutura social (Marin & Wellman, 2011), em situações de trabalho informal, onde há instabilidade de fluxo de trabalhadores, principalmente por não haver vínculo laboral formal. Há também resistência do trabalhador em expor sua atividade, já que a informalidade pode ser associada à ilegalidade, diminuindo a concordância em participar de entrevistas. Com trabalhadores inseridos em organizações formais é possível ter acesso à lista completa de funcionários e usá-la em investigação sobre redes sociais, como feito em Lima, Maia, Menezes, e Santos (2016).
Quando os limites da rede são imprecisos, um dos caminhos de definição da amostra da pesquisa é a técnica da bola de neve (Hanneman, 2001;Wasserman & Faust, 1994). Atores que reconhecidamente têm o tipo de laço que se busca investigar são inicialmente entrevistados e indicam atores adicionais que também atendem aos critérios de inclusão da amostra e podem ser respondentes. Essa opção metodológica foi utilizada em duas das pesquisas (Carvalho, 2016; Hyppólito, 2013).
Técnicas de coleta de dados
A entrevista foi a técnica de coleta de dados usada em todas as pesquisas, sendo essa ferramenta pertinente aos estudos com redes egocentradas (Wasserman & Faust, 1994). A observação também foi utilizada em Carvalho (2016) e Martins (2017) com o intuito de coletar dados sobre o contexto de trabalho e uma visão preliminar sobre as formas de interação entre os trabalhadores.
Todas as pesquisas usaram a técnica do gerador de nomes para definição das redes, com uso de perguntas disparadoras. A técnica é considerada uma referência em pesquisas de análise de redes sociais, principalmente para o delineamento de redes egocentradas (pessoais) e seus aspectos estruturais e relacionais. Por meio de questionário ou entrevista, solicita-se ao participante que indique os componentes de sua rede pessoal (Marin & Hampton, 2007).
As pesquisas se alinharam às indicações de Wasserman e Faust (1994) como free recall (lembrança livre), quando os nomes das pessoas com quem o ego mantém vínculos são gerados sem lista prévia dos atores da rede; e free choice (escolha livre), quando não há limitação para o número de atores indicados pelo respondente.
Além do gerador de nomes para mapeamento das redes, as entrevistas também contemplavam questões ligadas a categorias de investigação da psicologia do trabalho, como história de vida, trajetória laboral, formas de organização do trabalho, papéis sociais, vivências, normas de convivência, padrões de trocas e recompensas.
Destaca-se em Braga (2015) o uso do diagrama da escolta, proposto por Kahn e Antonucci (1980), cujo objetivo é identificar e analisar as relações sociais e o apoio social trocado pelos sujeitos ao longo da vida, ou seja, sua escolta. O diagrama é composto por três círculos, concêntricos e hierárquicos, e no centro localiza-se o sujeito participante da pesquisa. As pessoas que compõem sua rede de apoio social são distribuídas nos três círculos, conforme o grau de proximidade e importância.
Técnicas de análise de dados
As matrizes usadas nas pesquisas analisadas (Braga, 2015; Carvalho, 2016; Hyppólito, 2013; Martins, 2017) para comportar os dados relacionais foram todas matrizes quadradas, tendo um mesmo número de linhas e colunas (Scott, 2000). Nas redes egocentradas a extensão das matrizes, em suas linhas e colunas, vai depender da quantidade total de atores participantes da rede, incluindo ego e alters indicados. Foram também aplicadas matrizes adjacentes ator-ator, o que é bastante comum em análise de redes (Lemieux & Ouimet, 2012).
Em relação aos parâmetros de análise das redes sociais, existem diversas possibilidades de indicadores quantitativos que podem ser usados, como média do número de laços por ator, grau de reciprocidade, densidade, subgrupos ou cliques (Wasserman & Faust, 1994), centralidade de grau, de proximidade e de intermediariedade (Lemieux & Ouimet, 2012), distâncias (Hanneman, 2001), equivalência estrutural (Scott, 2000), entre outros. Não é objetivo deste artigo descrever a aplicação de cada um deles, mas fazer referência ao seu uso como ferramenta metodológica disponível aos analistas de redes sociais e pesquisadores em psicologia do trabalho.
Desse modo, segundo descrição do método, duas pesquisas fizeram uso do parâmetro tamanho da rede (Braga, 2015; Carvalho, 2016); duas utilizaram densidade (Braga, 2015; Martins, 2017); duas usaram centralidade, em Carvalho (2016) centralidade de grau e em Martins (2017) centralidade de grau e de intermediariedade; e apenas Martins (2017) fez uso do parâmetro cliques em sua análise de redes. Esses indicadores são comumente utilizados em análises de redes sociais que contemplam contextos de trabalho, como encontrado em pesquisas descritas em Loiola et al. (2013).
Todas as pesquisas elaboraram o desenho do diagrama das redes identificadas. Todas as pesquisas também usaram versões dos softwares Ucinet para análise quantitativa das relações e Netdraw para representação gráfica das redes.
Além disso, três pesquisas (Braga, 2015; Carvalho, 2016; Martins, 2017) buscaram identificar tipos de laços e sua intensidade, a partir dos critérios definidos por Granovetter (1973) como tempo de vínculo, intensidade emocional, intimidade e serviços recíprocos prestados. Essa categoria de análise foi pertinente a contextos de pesquisa onde havia um entrelaçamento do trabalho e de laços familiares (Braga, 2015; Carvalho, 2016; Martins, 2017); e laços de amizade entre trabalhadores (Carvalho, 2016). Em Hyppólito (2013) o mapeamento dos laços familiares está descrito no método, embora sem fazer referência à força dos laços.
Considerações Finais
Há alguns anos, as pesquisas envolvendo redes sociais vêm crescendo no Brasil e o Laboratório de Estudos sobre o Trabalho (LET-UNIFOR) mostra-se atento a essa evolução, de modo que muitas pesquisas foram e estão sendo desenvolvidas com a temática.
Os quatros estudos selecionados para este artigo traçaram o mapeamento das redes a partir da perspectiva dos egos com a identificação do ponto de vista dos atores de suas relações sociais no mundo do trabalho. Em seus procedimentos metodológicos, semelhanças e diferenças marcaram o percurso das pesquisas. Em comum, os estudos mapearam as redes sociais de trabalhadores informais a partir da utilização de um gerador de nomes e do uso de entrevistas semiestruturadas, como técnicas de coleta de dados, e o emprego dos softwares Ucinet e Netdraw, para as análises. As pesquisas mostraram também a possibilidade de variações na coleta dos dados, por exemplo, com utilização de fotografias, do Diagrama da Escolta Social e mesmo em diferentes maneiras de se aplicar o gerador de nomes. O método demonstrou a possibilidade de identificação de tipos variados de redes sociais, como redes socioprodutivas, redes de apoio social e redes de trabalho, em articulação com cada situação laboral e objetivo de análise.
Buscou-se apresentar neste estudo a ARS como uma ferramenta alternativa para pesquisas em psicologia do trabalho. A metodologia oferece caminhos e estratégias relativamente pouco explorados para analisar o impacto das relações sociais na saúde, bem-estar e cotidiano dos trabalhadores. É uma abordagem versátil que cabe em diversos contextos, podendo contemplar grupos formais e informais, pessoas com alta e baixa escolaridade, e distintas faixas etárias. A ARS pode ser aplicada tanto como método único quanto em conjunto com outras metodologias de coleta de dados, como utilizado nas pesquisas aqui apresentadas, o que proporciona uma visão ampliada dos fenômenos sociais.
Para estudos futuros, sugere-se a exploração da metodologia como instrumento de apoio para a análise das condições laborais e o aprofundamento desse olhar diferenciado para o mundo do trabalho que a psicologia tem propriedade para oferecer.