Na medida em que a atividade laboral assume cada vez mais centralidade na vida do indivíduo como fonte de identidade social e pessoal, tornam-se mais comuns as manifestações de formas patológicas de intenso investimento no trabalho. São essas as situações que envolvem uma tendência de o trabalhador ir além das demandas exigidas pelos superiores e pelas organizações (Di Stefano & Gaudiino, 2019).
Nesse sentido, a Adição ao Trabalho (workaholism) é caracterizada como uma compulsão ou uma necessidade intrínseca, que não pode ser controlada (Clark, Michel, Zhdanova, Pui, & Baltes, 2016). Cunhada por Wayne Oates em 1971, a expressão é conhecida como definidora de um tipo de vício ou adição relacionada ao trabalho (Clark, Smith, & Haynes, 2020; Andreassen, Griffiths, Hetland, & Pallesen, 2013). No entanto, é reconhecido que a motivação para trabalhar excessivamente não é proveniente de fatores externos, pois não há a inclusão de problemas familiares, financeiros ou pressões organizacionais como elementos essenciais do construto da Adição ao Trabalho (Clark et al., 2016, 2020).
Adição ao Trabalho apresenta características proeminentes como a perda de controle sobre ações e o envolvimento contínuo no comportamento laboral, mesmo diante do surgimento de consequências negativas ao indivíduo (Clark et al., 2016, 2020). O envolvimento contínuo, de forma simples, é expresso pela excessiva quantidade de horas trabalhadas. Indivíduos adictos ao trabalho costumam dedicar mais horas ao seu trabalho do que outros colegas, todavia observar somente a quantidade de horas trabalhadas pode levar a um julgamento errado sobre a caracterização do problema (Andreassen et al., 2011; Schaufeli, Taris, & Bakker, 2006), uma vez que trabalhadores engajados também tendem a passar muitas horas trabalhando, sem apresentar traços compulsivos.
O domínio do trabalho sobre os pensamentos do indivíduo adicto é considerado como o traço da compulsão, levando a perda de controle sobre as ações (Clark et al., 2016). É necessário, portanto, observar a motivação desse empenho, pois o indivíduo adicto ao trabalho é direcionado para o envolvimento persistente no trabalho por um impulso interno (drive, no original), fazendo com que não consiga se desvencilhar do trabalho, tendo além de suas ações, hora do dia, os seus pensamentos dominados por ele (Clark et al., 2016).
Embora haja um consenso que a dimensão comportamental e cognitiva coexiste na Adição ao Trabalho em níveis distintos nos indivíduos e que essas dimensões tendem a apresentar correlação significativa moderada e forte (Gillet, Morin, Cougot, & Gagné, 2017), a preposição de Shkoler, Rabenu, Vasiliu, Sharoni e Tziner (2017) explica que, enquanto “pensar sobre o trabalho” (i.e. dimensão cognitiva) e “trabalhar” (i.e. dimensão comportamental) não geram dúvidas sobre o significado, “sentir sobre o trabalho” (i.e. dimensão afetiva) é a dimensão mais difícil de ser bem compreendida, pois as emoções (negativas ou positivas) dependem de interpretação individual. Por esse motivo, a própria definição do construto acaba divergindo entre os autores (Clark et al., 2016), restringindo a estratégia de mensuração da Adição ao Trabalho às dimensões cognitiva (compulsão) e comportamental (excesso de trabalho).
A Dutch Work Addiction Scale (DUWAS) é um dos instrumentos mais utilizados para a mensuração desse construto (Vazquez, Freitas, Cyrre, Hutz, & Schaufeli, 2018; Andreassen et al., 2013). O instrumento baseia-se em duas escalas anteriormente criadas - a Workaholism Battery (WorkBAT) e o Work Addiction Risk Test (WART), tratando a Adição ao Trabalho a partir das dimensões de compulsão e excesso (Schaufeli et al., 2006). A subescala de Controle (Control) da WART foi renomeada como Trabalho Excessivo (TE), por ter itens relativos a trabalhar intensamente e não fazer referência à motivação do comportamento (Schaufeli et al., 2006). A subescala Direcionamento ao Trabalho (Driven to Work) da escala WorkBAT também foi utilizada, sendo renomeada para Trabalho Compulsivo (TC), por conter itens que avaliam aspectos cognitivos ligados à Adição ao Trabalho (Schaufeli et al., 2006).
Uma nova proposta teórica e metodológica para a avaliação da Adição ao Trabalho é proposta por Andreassen et al. (2012), partindo da ideia de que essa é um tipo de vício comportamental. A Bergen Work Addiction Scale (BWAS), foi desenvolvida a partir de aplicação de questionários em amostras de trabalhadores noruegueses para avaliar sua Adição ao Trabalho. O instrumento original parte da ideia de que a Adição ao Trabalho é um tipo de adição comportamental, como por jogos e internet, propondo a existência de estrutura teórica unidimensional e composta por sete elementos que caracterizam comportamentos de pessoas adictas: saliência, tolerância, modificação de humor, recaída, abstinência, conflito e problemas, sendo esse último relacionado principalmente à saúde (Andreassen et al., 2012; Orosz et al., 2015). O instrumento apresentou bons índices psicométricos e uma precisão obtida a partir de alfa de Cronbach superior a 0,84.
Tendo em vista que essa escala, até o momento, não foi adaptada para o contexto brasileiro e sul-americano é desenvolvido o presente trabalho. A adaptação da BWAS é de grande valia para a expansão do entendimento do tema, especialmente para compreensão dos seus impactos nas atuais configurações de trabalho de um mundo atingido pela pandemia da covid-19, bem como extensão destas consequências para domínio de saúde e interações família-trabalho.
Hipóteses
Na direção de uma expansão teórica e metodológica sobre o tema, o presente estudo foi desenvolvido com o objetivo de adaptar uma nova ferramenta para avaliação do construto ao contexto brasileiro e testar a relação, mediada pela Adição ao Trabalho, entre aspectos individuais de carreira (Carreira Proteana) e o Conflito Trabalho-Família. Sendo para tal delineados seis hipóteses teóricas:
Reconhece-se que a Adição ao Trabalho possui relação com a quantidade de horas trabalhadas (Andreassen et al., 2011; Balducci, Avanzi, Consiglio, Fraccaroli, & Schaufeli, 2017). Portanto em H1, espera-se encontrar relação positiva entre a quantidade de horas trabalhadas semanalmente e a percepção de Adição ao Trabalho. Na literatura do tema, constata-se a diferenciação entre motivações financeiras e pressões externas no direcionamento interno do indivíduo que caracterizam a Adição ao Trabalho (Clark et al., 2016), de modo a ser necessário que o indivíduo trabalhe mais para garantir a recompensa financeira, mas não necessariamente tenha recompensa com um maior nível de compulsão pelo trabalho. Dessa forrma, em H2 em caráter exploratório espera-se que a responsabilidade financeira que a pessoa perceba ter em sua vida familiar, tenha associação com a Adição ao Trabalho.
Trabalho e família são dimensões complementares da vida das pessoas, possuindo íntimas e dinâmicas relações de efeito (Aguiar & Bastos, 2013). O Conflito Trabalho-Família é uma forma científica de entendimento dessas interações em que o trabalho afeta a família (TIF) e a família afeta o trabalho (FIT) (Greenhaus & Beutell, 1985). Na literatura, as pesquisas sobre Adição ao Trabalho apontam efeitos nos domínios de satisfação com a vida e consequente de conflito trabalho-família (Zardo & Carlotto, 2020). Em um estudo realizado com executivos brasileiros, constatou-se relações significativas entre as dimensões de trabalho compulsivo e excessivo com o conflito trabalho-família (Braun, Machado, De Andrade, & Ziebell,2019). No presente estudo, procurando lançar novos entendimentos sobre este relacionamento, tem-se a hipótese H3 de que a Adição ao Trabalho e o Conflito Trabalho-Família possuam relação positiva.
Atitudes de autogerenciamento e maior responsabilidade pela gestão individual de domínio de desenvolvimento profissional, caracterizam o construto Carreira Proteana (De Andrade, Teixeira, & de Oliveira, 2022), demarcado na sua essência pela dedicação, proatividade, busca e responsabilização pela construção da trajetória profissional. Possuir características proteanas de carreira corrobora aspectos de satisfação com a carreira (Herrmann, Hirschi, & Baruch, 2015), bem como o estabelecimento em ambientes voláteis e altamente exigentes de trabalho (De Vos, Jacobs, & Verbruggen, 2021). Desta forma, entende-se que características de estabelecimento laboral no contexto dos trabalhos realizados durante a pandemia de covid-19, exigem dos trabalhadores perfis autogerenciáveis e de menor dependência organizacional, espera-se em H4, que as características à Orientação de Carreira Proteana tenham relação positiva com a Adição ao Trabalho.
Ademais, na literatura, é reconhecido que a Adição ao Trabalho opera como preditor de conflito entre trabalho e família (Zardo & Carlotto, 2020; Braun et al., 2019), porém não se reconhecem quais os mecanismos de sua ocorrência e consequentes (Carlotto & Câmara, 2017). Assim, em H5 espera-se que a Adição ao Trabalho seja uma mediadora na relação entre Orientação de Carreira Proteana e as dimensões de Conflito Trabalho-Família (TIF e FIT), ou seja, que aspectos de compulsão e trabalho excessivo sejam os elementos que reforcem o tensionamento dos domínios da interação trabalho-família.
Método
Este estudo de natureza empírico-quantitativa propõe avançar o entendimento das relações entre a Adição ao Trabalho e características individuais como Orientação de Carreira Proteana, testando um modelo de mediação com Conflito Trabalho-Família. Para isso, foi realizada a adaptação transcultural para o Brasil da BWAS (Andreassen et al., 2012), seguindo as diretrizes propostas pelo International Test Commission (2017).
Participantes
O estudo contou com a participação de 340 profissionais adultos brasileiros, selecionadas de forma não-randômica e através de amostragem por conveniência. Para que participassem da coleta foram estabelecidos dois critérios: (a) ter idade maior ou igual a 18 anos e (b) estar trabalhando. O total de respondentes que atendiam os dois critérios foi de 304 trabalhadores, dos quais uma subamostra de 191 respondentes foi utilizada para a análise de mediação. As idades dos participantes variaram entre 19 e 67 anos (média=31,99, dp=9,49), sendo a maioria 198 (64,91%) do sexo feminino e 178 (58,53%) solteiros(as).
Dos participantes, 269 cursavam ou cursaram alguma graduação, o que representa 88,43%, desses 148 (53,81%) eram oriundos de instituições de ensino públicas. Quanto à formação de nível superior, 111 (40,07%) eram formados em Psicologia, 14 (4,49%) em Direito e 13 (4,17%) em Pedagogia, participaram ainda indivíduos de outros cursos de graduação, como Engenharias, Administração, Educação Física, Geografia, Ciências Biológicas e Ciências da Computação contando com 101 participantes.
Procedimentos de tradução e adaptação do instrumento
A Escala de Bergen de Adição ao Trabalho foi adaptada para o português a partir da escala original (BWAS; Andreassen et al., 2012). A adaptação teve início após contato com os autores originais da escala e, após autorizada, foi operacionalizada em cinco etapas. Na primeira, relativa à equivalência semântica, ocorreu a tradução dos itens do inglês para o português que foi realizada por tradutores independentes proficientes nas duas línguas. Na segunda, os itens sintetizados foram avaliados através de entrevista com potenciais respondentes, que fizeram suas considerações sobre a pertinência dos itens em relação ao construto e chave de resposta.
Na terceira etapa, um estudo-piloto foi conduzido com 20 indivíduos, objetivando a verificação da adequação do novo instrumento à população-alvo. Na quarta etapa, os itens da versão em português do Brasil foram traduzidos novamente para a língua inglesa por tradutores proficientes nas duas línguas (retrotradução) e encaminhados para os autores originais com intuito de que avaliassem se o sentido original dos itens da escala foi mantido. Quando obtido o assentimento, a pesquisa seguiu para a quinta e última etapa: a aplicação dos questionários à população-alvo.
Os itens originais da BWAS com as características avaliadas pelos sete comportamentos da Adição ao Trabalho e a versão adaptada final da EBAT são mostrados na Tabela 1. Para a versão adaptada neste estudo, utilizou-se uma chave de resposta do tipo Likert com sete intervalos, indo de (1) nunca a (7) sempre.
Nota: Instrumento original desenvolvido por Andreassen et al. (2012) e versão adaptada à língua portuguesa pelos autores.
Instrumentos
a) DUWAS. Desenvolvido por Schaufeli et al. (2006) e adaptado por Vazquez et al (2018), possui dez itens divididos em dois fatores: Trabalho Compulsivo (TC - “Sinto que há algo dentro de mim que me impulsiona a trabalhar intensamente”; fc =0,71) e Trabalho Excessivo (TE - “Eu pareço estar com pressa e correndo contra o relógio”; fc = 0,48). Sendo respondida por escalas tipo Likert, com variação de (1) nunca a (4) todos os dias.
b) Versão adaptada da BWAS, conforme apresentada na Tabela 1.
c) Escala de Orientação de Carreira Proteana (De Andrade et al., 2022; Baruch, 2014). Instrumento com cinco itens que avalia a quantidade de características de autogerenciamento de carreira do indivíduo (“Eu gerencio minha própria carreira”; α=0,76, ϖ=0,77). A versão em português do Brasil foi respondida por escalas de sete pontos, variando de (1) discordo totalmente a (7) concordo totalmente.
d) Escala de Conflito Trabalho-Família. Proposta por Netemeyer, Boles e McMurrian (1996), adaptada para o Brasil por Aguiar e Bastos (2013), possui dez itens avaliando as duas dimensões do construto: Trabalho Interferindo na Família (TIF; “As demandas do meu trabalho interferem na minha vida familiar”; α=0,90) e Família Interferindo no Trabalho (FIT; “Eu preciso adiar atividades de trabalho por causa de demandas que surgem no meu tempo em casa”; α=0,86). O formato de resposta do instrumento variou de (1) discordo totalmente a (6) concordo totalmente.
e) Caracterização sociodemográfica. Desenvolvida para compilar características demográficas e socioeconômicas da amostra, contem itens que avaliam por exemplo, total de horas trabalhadas na semana (ex. até 20 horas, até 40 horas e acima de 40 horas) e responsabilidade financeira na vida doméstica (ex. não responsável, responsável por até 50% das demandas, responsável pela maioria das demandas.).
Procedimentos de coleta de dados
Primeiramente o estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de ensino em que o primeiro autor é vinculado. A coleta de dados foi realizada entre os meses de agosto e dezembro de 2020. Devido a dificuldades ocorridas pela imposição de isolamento social em decorrência da pandemia de covid-19, a aplicação dos instrumentos ocorreu totalmente on-line. Para o recrutamento de respondentes, campanhas de divulgação em redes sociais e contatos com empresas da região de moradia dos pesquisadores foram realizadas. As pessoas que manifestaram interesse em participar da pesquisa, acessaram o formulário de pesquisa a partir de um link enviado por e-mail ou aplicativo de mensagens. Todos os participantes que responderam o estudo, afirmaram concordar com a pesquisa a partir do assentimento via Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) online. O tempo médio de resposta do formulário foi de 15 minutos.
Análise de dados
Para o levantamento de evidências de índices de validade e confiabilidade do construto, buscou-se analisar as propriedades psicométricas do instrumento com apoio do software JASP versão 0.12.2. Foi realizada inicialmente uma Análise Fatorial Confirmatória (AFC), seguindo os modelos de análises de Worthington e Whittaker (2006) e Hu e Bentler (1999), considerando-se os índices de ajuste superiores a 0,90 para Índice de Ajuste Comparativo (CFI), Índice de Qualidade de Ajuste (GFI), Índice de Ajuste Normalizado (NFI) e Índice de Tucker Lewis (TLI) e menor que 0,05 para a Raíz da Média dos Quadrados dos Erros de Aproximação (RMSEA). Aspectos de precisão e confiabilidade foram obtidos via coeficiente alpha de Cronbach (α) e coeficiente ômega de McDonald (ω) (Dunn, Baguley, & Brunsden, 2014). A evidência de validade externa de critério e convergente foi obtida através do teste de correlação de Pearson com o instrumento “padrão-ouro”, a DUWAS e medidas para avaliação dos construtos de Orientação de Carreira Proteana, Adição ao Trabalho e Conflito Trabalho-Família.
Por fim, foi realizada uma análise de mediação para compreender a relação de mediação (Hayes, 2018). No presente estudo o modelo utilizado apresenta a Orientação de Carreira Proteana como variável antecedente, a Adição ao Trabalho como mediadora e as duas dimensões de Conflito Trabalho-Família como consequentes. O método de bootstrap foi utilizado para gerar reamostragens a partir dos dados existentes, com a utilização do método delta de erro padrão, o estimador de máxima verossimilhança (Maximum Likelihood) e o intervalo de confiança (IC) de percentil corrigido em 1000 reamostragens do banco de dados.
Resultados
Evidências de estrutura interna
A AFC foi realizada, testando a estrutura original da escala com os sete itens carregando em um único fator. Os seguintes índices de ajuste foram encontrados: (²=40,04 (df=14; p<0,001), CFI=0,87, TLI=0,80, GFI=0,97 e RMSEA=0,07 (p=0,04), os quais atenderam aos critérios mínimos recomendados. Ao executar a análise dos índices de modificação, constatou-se que os itens 1 e 7 demonstraram elevada correlação de erros (14,49). A realização do ajuste de covariância residual resultou na modificação dos índices para: (²=25,45 (df=13; p=0,02), CFI=0,938, TLI=0,89, GFI=0,98 e RMSEA=0,05 (p=0,33), alcançando melhores critérios de ajuste.
A escala unidimensional resultante apresentou bons índices de confiabilidade (α=0,77 e ω=0,78), além de terem sido verificados esses coeficientes no caso de algum item ser excluído. Ao se excluir o item 1, apresentou-se uma melhora nos coeficientes, contudo essa melhora não foi suficientemente relevante para que se optasse pelo modelo sem o indicado, tendo em vista que a exclusão do item 1 reduziria as características teóricas e transculturais da escala.
Evidências convergentes
A Tabela 2 apresenta estatísticas descritivas e correlações r de Pearson entre a BWAS, as escalas psicométricas e as variáveis sociodemográficas levantadas no estudo.
Nota: * p<0,05; ** p<0 ,01; *** p<0,001; BWAS=Adição ao Trabalho; OCP=Orientação de Carreira Proteana; TIF=Trabalho Interferindo no Trabalho; FIT=Família Interferindo no Trabalho; HT=Horas Trabalhadas; RF=Responsabilidade Financeira; TE= Trabalho excessivo; TC= Trabalho compulsivo.
A análise de correlação entre as escalas demonstrou correlação moderada e significativa entre a BWAS e as duas dimensões da DUWAS (Trabalho excessivo = 0,67; p<0,001 e Trabalho compulsivo = 0,59; p<0,01). Observou-se também que Adição ao Trabalho apresentou correlação significativa com Orientação de Carreira Proteana (r=0,22; p<0,01), confirmando a hipótese 4 (H4), com as dimensões de Conflito Trabalho-Família (TIF=0,53; FIT=0,33; p<0,001), confirmando a hipótese 3 (H3).
Quanto a variáveis sociodemográficas, quantidade de horas trabalhadas correlacionou-se com a interferência do trabalho sobre a família (r=0,32; p<0,001) e com a Adição ao Trabalho (r=0,22; p<0,01), confirmando a hipótese 1 (H1). Não foi observada relação significativa entre percepção de Adição ao Trabalho e responsabilidade financeira, refutando-se a hipótese 2 do estudo.
Modelo de mediação carreira-trabalho-família (M-CTF)
Para testar a hipótese 5 (H5) foi conduzida uma análise de mediação entre as variáveis Adição ao Trabalho, Orientação de Carreira Proteana e Conflito Trabalho-Família. O modelo proposto apresentou Orientação de Carreira Proteana como varável independente, Adição ao Trabalho como mediadora e ambas as dimensões de Conflito Trabalho-Família como variáveis dependentes. A Figura 1 apresenta os caminhos e seus respectivos coeficientes preditivos de regressão β.
Com base na figura 1, observa-se a relação direta e significativa entre Orientação de Carreira Proteana e a dimensão de família interferir no trabalho. Orientação proteana não obteve efeito direto sobre trabalho interferir na família. O efeito indireto foi significativo em relação as duas dimensões de Trabalho interferir na família e família interferir no trabalho, sendo maior para o aspecto de TIF. Com respeito ao efeito total do modelo, percebe-se que somente o caminho preditor de FIT obteve mediação significativa.
A Tabela 3 apresenta as estimativas de efeitos diretos, indiretos e totais da mediação da Adição ao Trabalho entre Orientação de Carreira Proteana e Conflito Trabalho-Família.
Nota: OCP = Orientação de Carreira Proteana; AT= Adição ao Trabalho; TIF= Trabalho Interferindo na Família; FIT= Família Interferindo no Trabalho.
Os resultados gerais da análise de mediação indicam efeitos indiretos e totais e significativos para FIT (mediação parcial) e somente indiretos para TIF (mediação total). Para Hayes (2018), tanto efeitos indiretos, quanto totais significativos podem ser interpretados com existência de mediação entre variáveis independentes e dependentes, aspectos que no geral corroboram a hipótese 5 do estudo.
Discussão
O presente estudo teve o intuito de adaptar a BWAS para o contexto brasileiro e propor um modelo no qual a adição ao trabalho condiciona a relação entre Orientação de Carreira Proteana e Conflito Trabalho-Família. Os resultados demonstraram que a escala adaptada obteve adequada qualidade psicométrica, além de evidência de estrutura interna unidimensional e indicadores de precisão compatíveis com o instrumento original (Andreassen et al., 2012).
O estudo evidenciou também a existência de relação convergente entre a BWAS e a DUWAS (Trabalho excessivo = 0,67; p<0,001 e Trabalho compulsivo = 0,59; p<0,01), medida já reconhecida para mensuração de Adição ao Trabalho (Vazquez et al., 2018; Andreassen et al., 2013). A partir de análise comparativa-qualitativa dos itens das escalas DUWAS e BWAS, é possível perceber que existem itens com correspondência semântica como “Para mim é duro relaxar quando não estou trabalhando” e “Eu continuo trabalhando mesmo quando meus colegas de trabalho já encerraram suas atividades” (DUWAS) equivalendo a “Trabalhou com a intenção de diminuir sentimentos de culpa, ansiedade, desamparo e depressão?” e “Escutou outras pessoas te dizerem para você reduzir seu ritmo de trabalho e não as ouviu?” (BWAS). Esses itens demonstram que ambas as escalas apresentam características semelhantes tanto do ponto de vista semântico, quando dos indicadores de evidência convergente (correlações).
Quanto a demais evidências externas de validade, os resultados apontaram que a Adição ao Trabalho se correlacionou positivamente com a quantidade de horas trabalhadas, corroborando a hipótese 1 do estudo. Os dados encontrados vão na direção de outros estudos que sinalizaram a relação entre horas trabalhadas e a Adição ao Trabalho (Andreassen et al., 2012; Moyer, Aziz, & Wuensch, 2017), ou seja, quanto mais adicta ao trabalho o indivíduo é, maior a quantidade de horas dedicadas ao trabalho, seja com envolvimento físico ou com o domínio do trabalho sobre os pensamentos do indivíduo (Andreassen et al., 2011; Balducci et al., 2017; Shkoler et al., 2017). No que diz respeito a relação entre adição ao trabalho e percepção de responsabilidade financeira, apesar da literatura internacional apontar que percepção de compromissos financeiros e demais pressões externas podem levar a uma adição ao trabalho (Clark et al., 2016), os resultados do presente estudo não demonstram relação significativa entre as variáveis, refutando-se a hipótese 2. Estudos adicionais são sugeridos para maiores esclarecimentos destes aspectos.
Adição ao Trabalho avaliada pela BWAS apresentou correlações moderadas com ambas as dimensões de Conflito Trabalho-Família, tendo maior correlação com trabalho interferir na família e corroborando assim a hipótese 3 do estudo. O estudo de Braun et al. (2019) conduzido com executivos brasileiro já demonstrava a relação entre domínios de adição ao trabalho (compulsão e excesso) e conflito trabalho-família, havendo na rede de relacionamento dos construtos, aspectos de engajamento e intenção de turnover. De modo semelhante, Carlotto e Câmara (2017) apontam que a interação entre trabalho-família e Adição ao Trabalho são aspectos potenciais para uma relação conflituosa, ou seja, dedicação intensa ao trabalho caminha na mesma direção que os aspectos de tensão do conflito trabalho-família.
A hipótese 4 deste estudo previa a relação entre Orientação de Carreira Proteana e Adição ao Trabalho, aspectos corroborados pelos resultados correlacionais entre as variáveis (r =0,22; p<0,00). Características proteanas de carreira são comumente associadas a performance individual de autogerenciamento, responsabilidade e orientação por valores no processo desenvolvimento profissional ( Baruch, 2014; De Andrade et al., 2022;). Levando em consideração que o momento no qual a coleta de dados desta pesquisa foi realizada (pandemia de covid-19), envolveu um cenário de elevada incerteza e de perdas financeiras por grande parte da população (IBGE, 2020), a necessidade de trabalhar, alinhada a maior competividade por emprego e renda dos profissionais do contexto do estudo, embutiu maiores características de protagonismo de carreira na perspectiva de consequentes positivos de empregabilidade (De Vos et al., 2021; Herrmann, et al., 2015). Apesar da evidência do presente estudo, aconselham-se pesquisas com objetivos semelhantes, porém em contextos de menor incerteza como nos vivenciados durante a pandemia.
Por fim, a hipótese 5 indicou o efeito significativo indireto da adição ao trabalho na relação entre Orientação de Carreira Proteana e ambas as dimensões de conflito trabalho-família, assim como o efeito total na dimensão de família interferir no trabalho, corroborando a hipótese H5 do estudo. A relação bivariada direta entre Adição ao Trabalho e conflito trabalho-família já vem sendo apontada na literatura científica (Braun et al., 2019). Quanto a estudos com modelos condicionais, Zardo e Carlotto (2020), apontaram que a satisfação na vida (SV) foi o aspecto mediador entre adição e conflito trabalho-família, sendo neste SV, um componente que reduz a percepção de conflito. No presente estudo, a explicação gerada pela inclusão do modelo entre carreira proteana e CTF aponta que aspectos cognitivos e comportamentais da adição ao trabalho potencializam o conflito trabalho-família.
Conclusões
Esta pesquisa foi majoritariamente desenvolvida em período de distanciamento social devido à pandemia de covid-19, enquanto as pessoas experimentavam novas formas de lidar com seus trabalhos. O home-office e a flexibilidade de formas de se trabalhar pode ter influenciado a maneira como os trabalhadores e suas rotinas de trabalho-família foram afetadas. Portanto, este estudo apresenta algumas limitações quanto aos resultados encontrados. A baixa quantidade de respondentes, bem como a concentração desses na Região Sudeste do Brasil (em especial no estado do Espírito Santo), não permitem a generalização dos resultados. Todavia, indicam novas perspectivas para maior aprofundamento no campo de estudo da Adição ao Trabalho e seus impactos nos domínios da vida pessoal e familiar.
A proposição de ações de intervenção, sejam elas no âmbito de políticas organizacionais, por meio de ações de treinamento e desenvolvimento, quanto intervenções individuais (psicoterapia ou orientação profissional de carreira), são mecanismos de promoção do maior equilíbrio entre a vida familiar e o trabalho, gerenciamento de carreira e performance que podem contribuir para a promoção da saúde do trabalhador e para a melhora no desempenho das organizações.
Da perspectiva da adaptação da BWAS para o contexto brasileiro, os resultados apresentados são otimistas quanto ao uso da ferramenta para diagnóstico de aspectos de Adição no Trabalho. Por ser uma ferramenta breve e simples, a escala pode favorecer pesquisa no âmbito das temáticas trabalho-família e saúde no trabalho. Todavia recomenda-se pesquisas adicionais que possam levantar outros tipos evidências da Escala de Bergen de Adição ao Trabalho (ex. evidências incrementais), as quais além dos aspectos psicométricos de viabilidade, possam ampliar o entendimento empírico do construto.