Uma pessoa adulta passa a ser considerada idosa, ao completar 60 anos de idade. Todavia, o processo de envelhecimento humano, é um fenômeno biopsicossocial, que perpassa questões outras, para além da idade cronológica. É necessário, então, que se estabeleça a relação entre diferentes aspectos, (cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais) visto que essa fase se dá de forma singular para cada pessoa que a vive (Silva & Araújo, 2020).
Nesse sentido, ao se pensar aceca da velhice, como um fenômeno multifacetado e multideterminado, deve-se considerar, ainda, aspectos culturais, políticos e econômicos, pois são as faces sociais e culturais que definem a forma como a sociedade compreende e se relaciona com esta parcela da população, que tem se expandido significativamente (Moreira & Silva, 2013).
O envelhecimento populacional, é um fenômeno atual, e que ocorre em todos os países, em diferentes níveis. Não obstante, no Brasil, esse fato ocorre desde a década de 1970, e está relacionado, principalmente, a melhorias no âmbito da saúde, bem como, em aspectos sociais (Silva & Araújo, 2020).
Portanto, ocorre a inversão da pirâmide etária, de forma que há um decréscimo das taxas de natalidade e mortalidade, associado ao crescimento da expectativa de vida. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2015), cabe se pensar que o 70 (anos) é o novo 60, ou seja, cada vez mais pessoas vivem além dos 60 anos.
Ademais, o contingente de idosos aumentou exponencialmente, de forma que no ano de 2018, em contexto brasileiro, essa população alcançou a marca de 30,2 milhões, como aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018). Já para o ano de 2050, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2012), estima-se que seja alcançada a marca de 64 milhões de brasileiros com idade igual ou superior a 60 anos, e se alcance, assim, a proporção estipulada para o mesmo período, em nível mundial, de 1 idoso para cada 5 pessoas da população em geral (Araújo, Castro, & Santos, 2018).
Nesse sentido, o envelhecimento ocupa um local de destaque entre estudos científicos das diferentes áreas. A vista disso, estudos gerontológicos, possibilitaram uma ampliação do conhecimento contra os estigmas de invalidez relacionados à velhice, ao introduzir teorias como envelhecimento ativo ou bem-sucedido, assim como, a importância sexualidade para alcançá-los, o que rumina na quebra das concepções de idosos assexuais (Araújo & Carlos, 2018).
Todavia, a gerontologia mainstream, ainda se debruça sobre os estudos da velhice pautada em uma perspectiva que tende a considerar e instituir uma ideia de velhice e envelhecimento heteronormativo. De modo a desconsiderar as problematizações de identidade sexual e de gênero dos idosos e idosas que não se enquadram dentro da normativa imposta socialmente, visto que pouco se discute a multiplicidade de realidades e vivencias da velhice (Alves, Rabelo, Silva, & Fernandes-Eloi, 2020).
Assim, existem poucos estudos que subjazem a compreensão do processo de envelhecimento de grupos considerados minoritários, como é o caso dos velhos LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais), bem como, das suas condições de vida e de saúde. O que corrobora para a manutenção do caráter de invisibilidade desta população, que ocorre tanto no campo teórico, evidenciada pelo baixo número de produções, como no campo político (Sousa et al., 2022).
Apesar de ser essencial a qualquer indivíduo, a sexualidade na velhice, em termos gerais, é historicamente negada, ou seja, é concebida como inexistente, tal fato se deve a visão reducionista biologizante, que compreende a velhice unicamente como fase de declínios funcionais, e que postula assim as pessoas mais velhas como assexuais. Este fato é atenuado entre os idosos LGBTI, visto que se associa ainda, a compreensão de sexualidade voltada unicamente para fins reprodutivos. Esse fenômeno é fruto da discriminação social, e por sua vez, origina isolamento, mortalidade precoce, e acesso deficitário à saúde por parte desses indivíduos (Aguiar, Leal, Marques, Torres, & Tavares, 2020; Sousa et al., 2022).
As pessoas que fazem parte da comunidade LGBTI, são vistas como transgressoras do padrão vigente, pois suas vidas fogem da regra heteronormativa imposta pela sociedade. Os estigmas direcionados a essas pessoas, foram, por muito tempo, legitimados pelas leis que tratavam as vivências sexuais ou de gênero, não normativas, como crime, ou ainda, pelos diagnósticos médicos que as tratavam como patologias. Nesse sentido os idosos LGBTI sofrem um duplo processo de estigmatização, visto que a velhice, isoladamente, já é estigmatizada, o que rumina em preconceito e discriminação contra essa população (Alves & Araújo, 2020; Araújo & Carlos, 2018).
Ademais, estudos realizados com essa população, apontam que estes indivíduos estão mais propensos ao desenvolvimento de incapacidades provindas de patologias físicas e mentais, quando comparados com a população heterossexual/cis gênero. Este fato é preocupante e aponta para a necessidade de apoio a esses indivíduos, bem como, de se pensar políticas públicas que os incluam, pensando acerca de problemas particulares deste grupo, costumeiramente invisibilizado (Gomes et al., 2019).
Mais recentemente, publicações acadêmicas apontam que a grande parte das pessoas da comunidade LGBTI pela primeira vez têm alcançado a meia idade e a velhice sem sofrer extrema perseguição, controle e estigmatização, que eram vivenciados no século passado. Assim, corroborando Jesus, Santos, Araújo, Salgado, e Fonseca (2019), os indivíduos nascidos após o contexto da segunda guerra mundial, têm maior possibilidade de viverem abertamente sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Todavia, estudos atuais evidenciam que a velhice LGBTI ainda é alvo de uma visão carregada de estereótipos, que ruminam em preconceito e invisibilidade à essas pessoas (Araújo, 2022). Ademais, a violência contra pessoas LGBTI varia desde níveis mais sutis, até níveis mais flagrantes, e tende a ser mais facilmente tolerada na sociedade, quando comparada ao racismo ou sexismo, por exemplo como apontam Bower, Lewis, Bermúdez e Singh (2019).
Essa estigmatização da relação ‘velhice e sexualidade’ advém das normas sociais e resulta em isolamento e pior qualidade de vida para os idosos deste grupo, de modo que eles são silenciados, com riscos de “voltar ao armário”, quando chegam à velhice, principalmente entre aqueles que vivem em abrigos (Araújo & Carlos, 2018; Jesus et al., 2019). De modo que, pessoas LGBTI tendem a planejar previamente a sua velhice, preferindo morar sozinhos em sua própria casa ou com outras pessoas, do que mudar-se para instituições, uma vez que, temem maus tratos em ambientes heteronormativos (Buczak-Stec, König, & Hajek, 2021). Para maior compreensão da temática, há a possibilidade de estudo das representações sociais (RS).
De acordo com a descrição de Moscovici (2007), as RS podem ser compreendidas como um sistema de valores, ideias e práticas, que emergem de um processo de interação e de comunicação. Assim, confere uma função identitária aos indivíduos e grupos, sempre com o propósito de constantemente transformar algo novo e desconhecido, em algo familiarizado, com um sentido empregado. As RS possibilitam ainda a compreensão do pensamento dos indivíduos, a partir do pensamento cotidiano das pessoas comuns, de modo a relacionar ciência-senso comum e os âmbitos, individual-coletivo.
Ademais, a formação de uma representação social está associada a dois processos elementares, sendo eles, a ancoragem e a objetivação. Enquanto o primeiro se relaciona com a classificação em dimensões valorativas, quando damos nome a algo, o segundo se caracteriza pelo processo de tornar-se o conceito classificado, em imagem material, física. Assim, os indivíduos constroem realidade e pensamentos, não isoladamente, mas transformando o imaginário em imagem e atribuindo-lhe sentido, de forma que esses indivíduos se influenciam mutualmente (Moscovici, 2007).
Nesse ínterim, Jodelet (2001), prossegue com maior amplitude à teoria de Serge Moscovici, de modo a definir de forma mais delimitada a conceitualização de RS, como uma forma de conhecimento advindo do seio social, que rumina na construção da realidade partilhada por um conjunto social, e que assim atua sobre o modo como nos relacionamos com o mundo e com os sujeitos que nos cercam.
Assim, estudar as RS da velhice e do processo de envelhecimento, possibilita entender o que as pessoas e os grupos pensam acerca desses fenômenos, de maneira a identificar como os diferentes contextos influenciam na construção e partilha dessas concepções, bem como essas representações orientam diferentes prática sociais. Ademais, devido ao crescimento da população idosa, a velhice se destaca como campo de estudo em diversas áreas de conhecimento, e carece principalmente de estudos psicossociais (Sousa et al., 2022).
Nesse contexto, o presente estudo busca evidenciar através da teoria das representações sociais (TRS), a compreensão acerca da velhice LGBTI, entre pessoas adultas de comunidade rural do litoral.
Método
Tipo de investigação
O referido trabalho trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo, com dados transversais. A amostragem é não probabilística por conveniência, visto que participaram da pesquisa, apenas aqueles que aceitaram participar voluntariamente.
Local da Investigação
O presente estudo foi realizado em uma comunidade tradicional pesqueira inserida na zona rural de uma cidade no litoral de um estado brasileiro. Esta comunidade tem cerca de 1.500 habitantes, que têm como ocupação principal a realização de atividades como pesca, coleta e artesanato.
Participantes
Contou-se com a participação de 31 pessoas adultas (com idade superior a 18 anos), residentes na comunidade lócus da pesquisa, sendo 35% do sexo masculino e 65% do sexo feminino, 97% declararam-se heterossexuais e católicos, com idade média de 48 anos, a maioria dos participantes, declararam ter cursado até o ensino fundamental (42%), 42% trabalham como pescador (a) e 90% tem renda mensal de até 1 salário-mínimo. 61% afirmaram ter parentesco com indivíduos LGBTI, e 61% têm algum contato com idosos LGBTI.
Instrumentos
Para a coleta de dados utilizou-se de dois instrumentos, sendo esses: questionário sociodemográfico, a fim de caracterizar a população (o questionário conta com dados sobre sexo, idade, estado civil, escolaridade, profissão, renda mensal, tempo de residência na comunidade, escolaridade, religiosidade e orientação sexual); e uma entrevista com 5 perguntas que versavam acerca da percepção do envelhecimento em uma comunidade rural, sobre a compreensão da velhice LGBTI e da ligação do participante com a comunidade LGBTI.
Procedimentos éticos
A presente pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade sede da pesquisa sob parecer n° 1.755.790. Aos participantes, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), garantindo-lhes sigilo e segurança na sua participação, bem como esclarecendo a natureza do estudo e os riscos e implicação em participar da pesquisa, após os esclarecimentos, o TCLE foi devidamente assinado e deu-se início aos procedimentos de coleta de dados.
Coleta de dados
Iniciou-se a coleta de dados, com a aplicação do questionário sociodemográfico, a fim de caracterizar a população participante. Posteriormente realizou-se a entrevista, na qual os participantes responderam a perguntas abertas, de forma que os sujeitos pudessem expor de forma ampla as suas concepções acerca das temáticas de estudo.
Estima-se que o procedimento de coleta tenha média de duração de 30 minutos. A maior parte dos entrevistados, relataram dificuldade ou incapacidade de escrita, por esse motivo, optou-se pela transcrição das respostas dos participantes, realizada pelo pesquisador.
Análise dos dados
Os dados do questionário sociodemográfico foram analisados através do software SPSS for Windows versão 21.0, que fornece estatísticas descritivas, utilizadas para a caracterização dos participantes. Os dados referentes a entrevista semiestruturada foram analisados através do software IRaMuTeQ versão 0.7 alpha 2, a partir dos métodos de Classificação Hierárquica Descendente (CHD). Essa interface possibilita a recuperação e a associação de segmentos de texto a partir do corpus original, de modo a agrupar as palavras estatisticamente significativas, o que possibilita a análise qualitativa dos dados (Souza, Wall, Thuler, Lowen, & Peres, 2018).
Resultados
Os dados foram reunidos em um corpus denominado “Representações sociais da velhice LGBTI em uma comunidade rural”, e submetido ao método de CHD, no software IRaMuTeQ. Assim, identificou-se o corpus geral, composto por 31 textos (entrevistas), agrupados em 70 segmentos de texto (ST), obtendo aproveitamento de 50 ST´s (71,43%). Deste modo, emergiram 2262 ocorrências (palavras), ressalta-se que dentre essas, há 497 palavras distintas, de modo que 368 foram mencionadas uma única vez.
O conteúdo da análise em questão, foi categorizado em 6 classes distintas de palavras. Destaca-se que o corpus principal se subdividiu em 3 ramificações diferentes (figura 1)
O subcorpus A (Condições seguras de viver a velhice de forma tranquila), é formado pelas classes 1 (Fatores determinantes) e 2 (Percepção dicotômica):
Classe 2: Percepção Dicotômica.
A segunda classe é originada do subcorpus A (Condições seguras de viver a velhice de forma tranquila) e reúne 8 ST’s, ou seja, 16% do total analisado. As palavras que a compõem são: “mundo” (x2 = 10,25); “vida” (x2 = 10,25); “sim” (x2= 6,61); “cuidar” (x2 =6,1); “solidão” (x2 =6,1); “LGBT” (x2 = 6,1); “heteros” (x2 =6,1); “preconceito” (x2 = 5,36); “normal” (x2 = 4,35); e “igual” (x2 = 4,26).
Classe 1: Fatores Determinantes.
Esta classe também emergiu do subcorpus A, é composta por 7 ST’s, que correspondem a 14% do total analisado. As palavras que a compõem são: “Depender” (x2 =13,44); “emprego” (x2 =7,35); “seguro” (x2 =7,35); e “muito” (x2=4,9).
O subcorpus B (Envelhecimento em uma comunidade rural) é formado pelas classes 5 e 6 (ambas denominadas: “Vantagens e desvantagens de envelhecer em uma CR”):
Classe 5: Vantagens e desvantagens de se envelhecer em uma comunidade Rural
A referida classe, está relacionada a concepção de envelhecimento em uma comunidade rural e emerge do Subcorpus B. É composta por 9 ST’s, ou seja, 18% do total. Os termos que a constituem são: “já” (x2 = 8,45); “Diferente” (x2 = 6,61); e “sossego” (x2=5,12).
Classe 6: Vantagens e desvantagens de se envelhecer em uma comunidade Rural
Esta classe, assim como a anterior emergiu do subcorpus B, é composta por 10 ST’s. que corresponde a 20% do total, sendo assim, a de maior magnitude. É constituída pelas seguintes palavras: “tranquilidade” (x2 = 10,52); “cidade” (x2= 6,52); “falta” (x2 = 4,34); “mais” (x2 = 4,16).
Por fim, o subcorpus C (Velhice LGBTI), formado pelas classes 3 e 4 (ambas denominadas: “O envelhecimento como um processo biológico natural”).
Classe 3: O envelhecimento como um processo biológico natural.
A presente classe emerge do subcorpus C (Velhice LGBTI), é composta por 9 ST’s, que corresponde a 18% do total, sendo a segunda mais significativa. Os termos que a compões são: “ver” (x2= 14,54); “achar” (x2 = 12,06); “normal” (x2= 7,2); “tudo” (x 2= 5,12).
Classe 4: O envelhecimento como um processo biológico natural
Juntamente com a classe anterior, esta emergiu do subcorpus C, que se refere às concepções da velhice LGBTI, é composta por 7 ST’s, ou seja, 14% do total. Os termos que a constituem são: “mesma” (x2= 13,44); e seres humanos (x2= 7,34).
Objetivando uma visão mais aprofundada e especifica de cada classe, bem como, para a sua melhor compreensão, apresenta-se um dendograma constituído pela lista de palavras que compõe cada uma das classes supracitadas, emergidas da CHD, com base no teste qui-quadrado. De modo que tais informações possam ser mais facilmente discutidas e ilustradas em seguida, de acordo com a ordem de partição de subcorpus (ver figura 2).
Discussão
Com base na observação e na interpretação dos dados analisados, percebe-se, majoritariamente, representações dualistas acerca dos construtos estudados. Deste modo, os elementos que constituem cada uma das classes representadas no dendograma, serão comparados e discutidos de acordo com a literatura existente, ou seja, a partir de estudos anteriores.
Classe 1: Fatores Determinantes.
Os elementos que constituem essa classe, se referem à possibilidade de pessoas da comunidade LGBTI terem ou não condições seguras para viverem a sua velhice de forma tranquila, e apresenta a ideia de que essa tranquilidade depende de fatores como o grau de instrução e como consequência a profissão que ocupa e as suas condições financeiras, ademais, é apontado como fator determinante, ignorar o preconceito vivido, ou seja, reconhece-se a existência de preconceito, mas a influência desse fator na vivencia da velhice, dependeria da forma como o indivíduo o enfrenta. Alguns exemplos de discursos, utilizando nomes fictícios, em que pode se perceber tais elementos são:
“Depende do estudo e se tem emprego. Quanto mais estudo tiver, melhor. Isso garante uma velhice segura, tranquila” (Francisco, 60 anos, solteiro, católico, homossexual).
“A maioria deles têm condições para viver a velhice de forma tranquila, porque trabalham, são pessoas inteligentes e trabalhadoras, isso garante a velhice tranquila” (Ieda, 53 anos, casada, católica, heterossexual).
“Depende delas não se importarem com o que as pessoas pensam delas, e na maioria das vezes elas se importam, as pessoas julgam muito” (Antônia, 36 anos, casada, católica, heterossexual).
No entanto, estudos anteriores, contrapõem essa percepção ao passo em que, o espaço escolar é também um espaço de expressão da LGBTfobia, de modo que a prevalência de bullying escolar é de 48% entre os gays, 24% entre bissexuais do sexo masculinos e 15 % entre as lésbicas. Assim, tais atitudes refletem em mal estar, agressões e muito constantemente acarretam a evasão escolar. Já no caso da população de travestis e transexuais, a situação é ainda mais complexa, grande parte dessas individuas, são expulsas da escola ou de casa, ainda cedo, sendo impossibilitadas de adentrarem no ambiente escolar, e posteriormente podem terminar em situação de rua, desempregadas, empregadas no mercado informal, ou muito comumente, na prostituição (Oliveira & Porto, 2016).
Classe 2: Percepção Dicotômica
A segunda classe, assim como a anterior, se refere a possibilidade de pessoas da comunidade LGBTI viverem a velhice de forma tranquila. Em contrapartida os resultados aqui encontrados, demonstram uma outra concepção acerca desse construto. Os elementos que compõem a classe, apresentam uma percepção dicotômica, carregada de atitudes negativas e veladas acerca velhice LGBTI. Deste modo, ao passo em que se defende a ideia de que é possível sim alcançar a velhice tranquila, pois têm-se uma concepção de igualdade e normalidade, onde todos têm os mesmos direitos e condições de vida, assume-se também que existe preconceito contra esses indivíduos, e que esse fator pode acarretar em dificuldades e solidão.
“Sim, com certeza deve ser normal igual à de todo mundo, então não tem motivos para não terem uma velhice segura ou tranquila” (Olga, 37 anos, solteira, católica, heterossexual).
“É como pra todo mundo, igual com os heteros, mas toda a vida dessas pessoas LGBT é difícil, por conta do preconceito, tem muita solidão, falta respeito” (Carola, 49 anos, casada, católica, heterossexual).
“Sim, eles têm condições de viver a velhice de forma tranquila, todo mundo é ser humano igual, só precisa se cuidar. A velhice dessas pessoas é muita esquisita, isso é uma doença, precisa de tratamento” (Benta, 58 anos, casada, católica, heterossexual).
Historicamente, as religiões cristãs, como a compreendida majoritariamente pela população aqui investigada, corroboram para a disseminação de representações negativas acerca da população LGBTI, tendo como base interpretações bíblicas. Nesse sentido, são esperados discursos negativos quanto a essa população, entretanto, como apontado por Gomes et al. (2019), além dos discursos negativos, atualmente já é possível se perceber também representações mais acolhedoras e positivas entre população católica.
Teóricos apontam que em meados da década de 1930, a expressão do preconceito, passou a ser considerada uma atitude hostil e irracional, essa mudança de panoramas, entretanto, não eliminou a existência de preconceitos, mas fez surgir uma nova forma de expressão, agora mais sutil, velada, que tende a proporcionar a falsa ideia de democracia de direitos, onde não existem diferenças, entre os indivíduos de uma sociedade, todos são considerados iguais (Gusmão et al., 2016). Nesse sentido, perpetuam-se concepções de orientações sexuais e de gênero contranormativas, como doença, apesar de se afirmar que não existe mais preconceito.
Classe 3 e classe 4: O envelhecimento como um processo biológico natural.
As presentes classes, se referem às concepções que os respondentes têm acerca da velhice LGBTI, e se assemelham em sua composição. Os elementos aqui encontrados, apontam para a concepção de que não há diferenças entre as velhices de pessoas LGBTI e pessoas cis/hetero. Ademais, compreende-se que o envelhecimento é um processo natural, atrelado a questões biológicas, e, portanto, não haveria diferença entre as velhices, devido ao fato de pertencermos a uma única espécie biológica, a espécie humana.
“Acho que é normal todo mundo é igual somos todos seres humanos não tem diferença” (Ana Maria, 62 anos, divorciada, católica, heterossexual).
“Eu acho que é igual aos outros, todos nós vamos ficar velho igual, quem não fica velho morre novo, mas são tudo igual. Nós somos todos seres humanos, só muda os pensamentos, mas somos seres humanos todos iguais, pode ser o que for” (Serafina, 49 anos, casada, católica, heterossexual).
“Eu acho que é igual aos outros, eles são pessoas iguais a gente, somos todos seres humanos da mesma matéria, somos todos iguais” (Luciana, 59 anos, casada, católica, heterossexual).
O processo de envelhecimento e a velhice são fenômenos multidimensionais e multifacetados, que afetam e são afetados por diversos fatores e aspectos da vida de um sujeito, como o contexto sociocultural em que está inserido e a sua história de vida. Todavia, o que mais comumente acontece na nossa sociedade, é a compreensão destes fenômenos através de um olhar unicamente biologizante, e como marco natural, um irremediável destino, do qual não se pode fugir e ao qual nada pode ser feito a seu respeito (Dardengo & Mafra, 2018). As falas aqui mencionadas, seguem essa lógica, ao sugerirem uma velhice universal, pois desconsidera os fatores e faces psicossociais que circundam cada indivíduo.
Classe 5 e 6: Vantagens e desvantagens de se envelhecer em uma comunidade Rural
Essas duas últimas classes, serão discutidas juntas, pela similaridade entre os seus conteúdos. Ambas estão relacionadas à percepção que os participantes têm acerca do envelhecimento no ambiente em que vivem. É marcante aqui, a veemência em classificar como diferentes as formas de envelhecimento na cidade e na zona rural. Desse modo, compreende-se representações dicotômicas, que apontam pontos positivos e negativos de se envelhecer em uma comunidade rural. Alguns exemplos de discursos que ilustram essa classe, são:
“Aqui a gente respira um ar puro, tem descanso, mais liberdade, segurança, pode sair para fazer uma caminhada, visitar os amigos, já na cidade o velho fica só dentro de casa” (Hermina, 53 anos, casada, católica, heterossexual).
“Acho que é diferente da cidade, lá é melhor, tem acesso a hospital, cuidados médicos, é difícil envelhecer na zona rural” Manoel, 51 anos, divorciado, católico, heterossexual.
“Melhor do que na cidade, tem mais tranquilidade, as pessoas envelhecem melhor. Já na cidade não tem sossego, nem tranquilidade” (Marilia, 53 anos, casada, católica, heterossexual).
“Eu não sei, tem coisas boas e ruins. É ruim porque é mais longe dos hospitais, mas o clima é melhor, tem mais silêncio” (Eliana, 23 anos, casada, católica, heterossexual).
Assim, os pontos positivos estão relacionados em sua maioria a aspecto mais subjetivos, como a sensação de liberdade, a tranquilidade e a relação com a natureza. Já os pontos negativos, estão mais relacionados a questões pragmáticas como a deficiência em serviços e infraestruturas, em especial, o acesso a saúde. Pessoa, Almeida e Carneiro (2018), elencam entre as principais dificuldades da vida no campo, a deficiência nos transportes e a dificuldade de acesso à recursos de saúde de modo que, as dificuldades desses indivíduos tendem a serem acentuadas por viverem nesses espaços.
A precariedade do acesso aos serviços de saúde, pelas populações rurais, é evidenciada em estudos anteriores, de acordo com Silva, Portela, Medeiros, Cavalcante e Costa (2018), o trabalho nessas comunidades se torna um desafio aos profissionais de saúde, uma vez que exige preparo para lidar com as particularidades dos modos de vida e especificidades nos conceitos de saúde e doença.
Assim, reflete-se acerca da vivência da velhice LGBTI dentro de uma comunidade rural, visto que ambos os cenários (velhice LGBTI e Velhice da população rural) são problemáticos individualmente, principalmente ao se considerar a influência histórica da religião nas representações acerca da população LGBTI. Portanto, no que tange as questões de saúde, há uma dupla problemática, pois, se os profissionais não são preparados para o cuidado integral da população rural, que tem assumidamente especificidades, como se dá, dentro desses espaços, o cuidado da população LGBTI, que tem suas especificidades negadas, quando se afirma que todas as velhices são iguais?
Conclusões
O presente estudo versou acerca das representações sociais da velhice LGBTI entre pessoas adultas de uma comunidade rural do litoral piauiense. Deste modo, foi possível compreender a forma como essa população concebe os construtos investigados (envelhecimento, velhice LGBTI e envelhecimento em uma comunidade rural), proporcionando maior aporte teórico acerca dessa temática, que é ainda pouco discutida entre os pesquisadores da gerontologia.
Conclui-se que as representações apreendidas apresentam caráter dicotômico, e carregam expressões sutis de preconceito direcionado aos idosos LGBTI, que se exprimem na forma como compreendem a velhice desses indivíduos. Ademais, parte das representações negativas que são perpetuadas acerca da velhice LGBTI pode se relacionar a religião católica, fortemente presente nessa comunidade, visto que, sofrem influências de interpretações ancestrais de escritos bíblicos. Assim, de modo geral, os participantes entendem que não há diferença entre a velhice de pessoas LGBTI e pessoas cis/hetero, todavia, exprime-se o conhecimento de que existe preconceito e discriminação direcionado a esses idosos, e que tais fatores acarretam em dificuldades na vida dessas pessoas.
Deste modo, compreende-se a percepção de que LGBTI’s possuem sim condições seguras para viver a velhice de forma tranquila, no entanto, para isso, apontam como fatores determinantes, emprego e níveis superiores de ensino, que são fatores afetados pelo preconceito ao longo da vida desses sujeitos. Vale ressaltar os participantes entendem o envelhecimento como um processo natural, inevitável, está visão está ainda, pautada em uma perspectiva biologizante, que desconsidera os fatores psicossociais que circundam os indivíduos.
Já no que tange a compreensão do envelhecimento de forma geral no ambiente em que vivem, os participantes expressão pontos positivos e negativos de se envelhecer em uma CR. Os pontos positivos estão ligados à fatores subjetivos, como sensações de segurança e liberdade, já os pontos negativos são referentes à precariedade no acesso a serviços de saúde e transporte público, fatores que influenciam negativamente nas condições de vida, saúde e envelhecimento dos moradores da comunidade.
Ademais, é esperado que este estudo possa subsidiar a criação e implementação de políticas públicas que visem estimular a garantia de direitos e a visibilização dos grupos aqui discutidos: idosos LGBTI e de comunidades rurais. Estima-se ainda que esse estudo fomente investigações futuras acerca dessa temática, em especial, abrangendo populações variadas, visto que os dados do presente estudo não permitem generalização para contextos socioculturais distintos.