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Ciencias Psicológicas

versión impresa ISSN 1688-4094versión On-line ISSN 1688-4221

Cienc. Psicol. vol.17 no.2 Montevideo dic. 2023  Epub 01-Dic-2023

https://doi.org/10.22235/cp.v17i2.2891 

Artigos Originais

O núcleo da tríade sombria prediz o ambientalismo por meio da orientação à dominância social

El núcleo de la tríada oscura predice el ambientalismo a través de la orientación de dominancia social

Renan P. Monteiro1 
http://orcid.org/0000-0002-5745-3751

Lucas Queiroz da Cunha2 
http://orcid.org/0000-0001-7938-0170

Gleidson Diego Lopes Loureto3 
http://orcid.org/0000-0002-0889-6097

Iara Caroline Henrique Araújo4 
http://orcid.org/0000-0003-1406-0058

Carlos Eduardo Pimentel5 
http://orcid.org/0000-0003-3894-5790

1Universidade Federal da Paraíba, Brasil, renanpmonteiro@gmail.com

2 Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

3 Universidade Federal de Roraima, Brasil

4 Centro Universitário de Patos, Brasil

5 Universidade Federal da Paraíba, Brasil


Resumo:

O presente estudo objetivou verificar o papel mediador da orientação à dominância social na relação entre o núcleo da tríade sombria da personalidade e o ambientalismo. Participaram 305 pessoas com idades entre 18 e 77 anos (Midade = 26,4; DPidade = 11,25; 59,7 % mulheres). Os resultados indicaram que entre os 8 traços de personalidade analisados, considerando os modelos dos Cinco Grandes Fatores e da Tríade Sombria, apenas a psicopatia se correlacionou com ambientalismo, sendo que este se correlacionou moderadamente com a orientação à dominância social. Considerando que os três traços sombrios são talhados por déficits empáticos, baixa amabilidade e honestidade/humildade, testou-se o efeito do núcleo da tríade sombria da personalidade para a predição do ambientalismo, observando-se efeitos diretos. Contudo, tais efeitos diretos não se mantiveram estatisticamente significativos com a inclusão da orientação à dominância social, configurando uma mediação completa, posto que o núcleo da tríade sombria predisse indiretamente o ambientalismo. Logo, observa-se que a orientação à dominância social funciona como um mecanismo que possibilita pessoas com traços sombrios não se preocuparem com o meio ambiente, explorando-o em benefício próprio.

Palavras-chave: ambientalismo; personalidade; tríade sombria; orientação à dominância social

Resumen:

El presente estudio tuvo como objetivo verificar el papel mediador de la orientación a la dominancia social en la relación entre el núcleo de la tríada oscura y el ambientalismo. Participaron 305 personas con edades comprendidas entre 18 y 77 años (Medad = 26,4; DEedad = 11,25; 59,7 % mujeres). Los resultados indicaron que, entre los 8 rasgos de personalidad analizados considerando los modelos Big Five y Dark Triad, solo la psicopatía se correlacionó con el ambientalismo, que se correlacionó moderadamente con la orientación a la dominancia social. Considerando que los tres rasgos oscuros comparten déficits empáticos, baja amabilidad y honestidad/humildad, se probó el efecto del núcleo de la tríada oscura para la predicción del ambientalismo y se observaron efectos directos. Sin embargo, tales efectos directos no fueron estadísticamente significativos con la inclusión de la orientación a la dominancia social, configurando una mediación completa, ya que el núcleo oscuro predice indirectamente el ambientalismo. Por lo tanto, se observa que la dominancia social funciona como un mecanismo que permite a las personas con rasgos oscuros no preocuparse por el medio ambiente y explotarlo en beneficio propio.

Palabras clave: ambientalismo; personalidad; tríada oscura; orientación a la dominancia social

Abstract:

The present study aimed to verify the mediating role of social dominance orientation in the relationship between the core of the dark triad and environmentalism. Participants were 305 people aged between 18 and 77 years old (Mage = 26.4; SDage = 11.25; 59.7 % women). The results indicated that among the 8 personality traits analyzed, considering the Big Five and Dark Triad models, only psychopathy was correlated with environmentalism, which was moderately correlated with social dominance orientation. Considering that the three dark traits shared empathic deficits, low agreeableness and honesty/humility, the effect of the dark triad core was tested for the prediction of environmentalism, observing direct effects. However, such direct effects did not remain statistically significant with the inclusion of social dominance orientation, configuring a complete mediation, since the dark core indirectly predicted environmentalism. Therefore, it is observed that social dominance orientation works as a mechanism that allows people with dark traits not to worry about the environment, exploiting it for their own benefit.

Keywords: environmentalism; personality; dark triad; social dominance orientation

Incêndios florestais, aumento da temperatura global, derretimento das calotas polares, poluição de rios e oceanos e o risco de extinção de diversas espécies animais são apenas alguns exemplos dos efeitos catastróficos que os seres humanos podem causar ao meio ambiente. No Brasil, a biodiversidade é severamente ameaçada em razão da ação humana. Por exemplo, na Amazônia, entre 77,3 % e 85,2 % das espécies em risco de extinção tem o seu habitat afetado pelos incêndios (Feng et al., 2021). Já no Pantanal, em 2020 foram registradas as maiores queimadas da sua história, com 26 % do bioma destruído e 17 milhões de vertebrados mortos (Tomas et al., 2021). Ademais, recentes desastres ambientais, como os de Brumadinho e Mariana, acentuam os sérios problemas ambientais do Brasil, que tem se configurado como um contexto marcado pela impunidade contra os crimes ambientais.

As ações humanas causam um desequilíbrio ao meio-ambiente e isso consequentemente acaba trazendo implicações para os próprios seres humanos. Por exemplo, os incêndios florestais no Brasil estão relacionados ao aumento de hospitalizações por doenças respiratórias (Rocha, 2016). Na Colômbia, a exposição ao mercúrio, descartado em rios, está relacionado a um decréscimo em habilidades neurocognitivas em crianças e adolescentes (De la Ossa, 2021). Eventos relacionados a mudanças climáticas têm afetado a saúde mental das pessoas, especialmente aquelas que vivem em países em desenvolvimento (Palinkas & Wong, 2020), como o Brasil. Portanto, é necessário identificar predisposições individuais que podem explicar em alguma medida comportamentos pró e antiambientais.

Dentro deste contexto, a psicologia possui um papel central, de modo que a diminuição da crise ambiental depende de mudanças a nível individual (Zelezny & Schultz, 2000). Para propor intervenções que promovam ações pró-ambientais é necessário conhecer os preditores sociopsicológicos de tais comportamentos e das atitudes em relação ao meio-ambiente (Baldwin & Lammers, 2016). Nesta direção, Milfont (2021) indica que os traços de personalidade e as atitudes socioideológicas formariam as bases sociopsicológicas do ambientalismo.

Ambientalismo, traços de personalidade e atitudes socioideológicas

De forma geral, o ambientalismo pode ser conceituado como processos associados com ações que objetivem diminuir os impactos do homem na natureza (Zelezny & Schultz, 2000). Considerando o modelo dos Cinco Grandes Fatores de personalidade (CGF), amabilidade, conscienciosidade e abertura tem predito consistentemente o ambientalismo (Hirsh & Dolderman; 2007; Milfont & Sibley, 2012). Outro modelo de personalidade utilizado para o entendimento do ambientalismo é o HEXACO, tendo o fator honestidade/humildade como o preditor mais consistente (Milfont, 2021). Ademais, traços de personalidade explicam diferenças de sexo no ambientalismo, pois as mulheres são mais empáticas (Milfont & Sibley, 2016), amáveis, conscienciosas, honestas e humildes em comparação aos homens (Desrochers et al., 2019), tendo, consequentemente, mais atitudes e comportamentos pró-ambientais.

Apesar do papel importante dos CGF e do HEXACO para a compreensão do ambientalismo, cabe destacar os efeitos destrutivos que os seres humanos causam a natureza. Neste contexto, é fundamental explorar o papel que o lado sombrio da personalidade pode ter para explicar baixos níveis de ambientalismo. Na literatura, um modelo que cobre esse lado aversivo da personalidade humana é a Tríade Sombria, formada por maquiavelismo e pelas variações subclínicas de psicopatia e narcisismo (Paulhus & Williams, 2002). De acordo com esses autores, esses traços são marcados por tendências para a autopromoção, frieza emocional e agressividade, descrevendo pessoas que tem comportamento explorador e usam os demais em benefício próprio. Ademais, o núcleo da tríade sombria da personalidade é marcado por baixos níveis de amabilidade (Gouveia et al., 2016) e honestidade/humildade (Book et al., 2015), além de déficits na empatia afetiva (Wai & Tiliopoulos, 2012).

Recentemente, autores verificaram que a psicopatia e o maquiavelismo se associam negativamente ao apego ao lugar e a atitudes pró-ambientais (Huang et al., 2018). Observou-se, ainda, que a psicopatia medeia a relação entre sexo e ambientalismo, sendo que homens tem menor nível de ambientalismo por apresentarem escores mais elevados em psicopatia (Mertens et al., 2021). Ademais, tais traços sombrios estão negativamente relacionados a uma orientação empreendedora sustentável (Wu et al., 2019), a pouca priorização de valores biosféricos (e.g., priorizar o respeito à terra e a harmonia entre as espécies) e, consequentemente, não agindo em prol do meio ambiente (Ucar et al., 2023). Logo, observa-se que a falta de empatia, frieza emocional e tendência para explorar os demais em benefício próprio, que caracterizam o núcleo da tríade sombria da personalidade, podem ter um papel importante para o entendimento de comportamentos e atitudes em relação ao meio ambiente. Cabe ressaltar que a personalidade é uma variável distal em relação ao comportamento, havendo variáveis mais proximais ao ambientalismo que podem atuar como mediadores, a exemplo das atitudes socioideológicas (Milfont, 2021).

Especificamente, a Orientação à Dominância Social (ODS) é uma atitude socioideológica que descreve a extensão na qual um indivíduo aprova a ideia de uma sociedade hierarquizada e apoia as desigualdades sociais (Ho et al., 2015). A ODS se estende para além das relações sociais, sendo também uma barreira ideológica para o engajamento ambiental (Stanley et al., 2021). Pessoas com elevados níveis de ODS se veem hierarquicamente superiores ao meio ambiente, legitimando mitos sobre a dominação do homem sobre a natureza (Milfont et al., 2017), o que asseguraria a manutenção das hierarquias sociais, garantindo que grupos de maior status explorem e utilizem os recursos naturais, relegando aos grupos com status mais baixo as consequências dos desastres ambientais (Milfont & Sibley, 2014). Portanto, pessoas com elevada ODS usam o ambiente como um meio para manter a hierarquia e perpetuar as desigualdades sociais (Stanley et al., 2021), indicando que esta é uma variável central para entender ações e atitudes em relação ao meio ambiente, sendo uma ligação entre a personalidade sombria e o ambientalismo.

A ODS é uma atitude voltada para a competição, expressando valores como dominação, poder e superioridade, envolvendo uma percepção do mundo como uma selva competitiva (Duckitt, 2001; Duckitt & Sibley, 2016). Essa atitude socioideológica é relativamente estável e predita por certos traços básicos da personalidade, a exemplo dos traços que formam a Tríade Sombria (Lee et al., 2013; Perry & Sibley, 2012). Os traços sombrios se desenvolvem em resposta a um contexto com elevada competitividade e recursos escassos, sendo que características como manipulação, egoísmo e comportamento explorador, podem ser vantajosos, facilitando a obtenção de recursos em contextos restritos (Jonason et al., 2019). Portanto, a ODS seria um mecanismo que levaria pessoas com traços sombrios da personalidade a ter pouca preocupação com o meio ambiente, explorando-o em benefício próprio.

Considerando o previamente indicado, o presente estudo objetiva verificar o papel mediador da ODS na relação entre o núcleo da tríade sombria da personalidade e o ambientalismo. Hipotetiza-se que o núcleo da tríade sombria predirá indiretamente o ambientalismo, fazendo-o por meio da orientação à dominância, que cumprirá o papel de preditor direto.

Método

Participantes

Participaram 305 pessoas com idades variando entre 18 e 77 anos (M idade = 26,4; DP idade = 11,25). Ademais, os participantes foram em maioria do sexo feminino (59,7 %) que se autodeclararam solteiros (78,4 %), brancos (51,8 %), de classe social média (46,6 %) e com ensino superior incompleto (61,6 %). Detalhes sobre o perfil sociodemográfico da amostra se encontram na Tabela 1.

Em relação ao tamanho da amostra, utilizou-se a calculadora online de Soper (2023) para estimar o número mínimo da amostra necessária para testar o modelo via Modelagem por Equações Estruturais. No caso, considerando que o modelo possui três variáveis latentes e 11 variáveis observadas, estimou-se o número mínimo de participantes para se obter um poder de 0,80, um tamanho de efeito grande (> 0,5) e um alfa igual ou menor do que 0,05. Os resultados indicaram que o mínimo de amostra recomendada seria de 123 participantes, logo, os 305 participantes do presente estudo são suficientes para a realização das análises planejadas.

Tabela 1: Características sociodemográficas 

Instrumentos

New Ecological Paradigm Scale (NEP; Dunlap et al., 2000). Medida adaptada para o Brasil por Pires et al. (2016), é composto por 15 itens (ω = 0,70) que avaliam o grau de endosso em relação a uma visão de mundo ecológica. Os participantes são orientados a indicar em uma escala de cinco pontos (1: Discordo Fortemente; 5: Concordo Fortemente) o quanto os itens o descrevem, a exemplo de “Quando humanos interferem na natureza, isso frequentemente produz consequências desastrosas” e “Plantas e animais têm o mesmo direito de existir que humanos”. Ademais, foram incluídos dois itens relacionados a atitudes frente a mudança climática: “A mudança climática é real” e “A mudança climática é causada pelos seres humanos”.

Two Dimensional MACH-IV (TDM-IV; Monaghan et al., 2016). Medida adaptada para o Brasil por Monteiro et al. (2022), formada por 10 itens que avaliam tanto visões (ω = 0,59) quanto táticas (ω = 0,74) maquiavélicas. Os participantes são orientados a indicar o seu nível de concordância (1: Discordo Fortemente; 5: Concordo Fortemente) a itens como “Quem confia completamente em alguém está pedindo para ter problemas” e “É difícil ter sucesso sem pegar atalhos”.

Narcissistic Personality Inventory-13 (NPI-13; Gentile et al., 2013). Os itens desta medida foram traduzidos por Monteiro (2017), sendo que esta versão da NPI é formada por 13 itens (ω = 0,81), tendo como objetivo mensurar o nível de narcisismo dos indivíduos. Os participantes são orientados a indicar a sua concordância (1: Discordo Fortemente; 5: Concordo Fortemente) a itens como “Eu gosto de me olhar no espelho” e “Usualmente tento me exibir quando tenho a oportunidade”.

Levenson Self-Report Psychopathy (Levenson et al., 1995). Medida adaptada para o Brasil por Hauck-Filho e Teixeira (2014), sendo formada por 26 itens (ω = 0,82), os quais são respondidos em escala de quatro pontos, sendo os participantes orientados a indicar a sua concordância (1: Discordo Totalmente; 4: Concordo Totalmente) a itens como “Fazer dinheiro é minha meta mais importante” e “Eu não planejo nada com muita antecedência”.

Big Five Inventory-20 (Veloso Gouveia et al., 2021). Esse instrumento é formado por 20 itens, tendo como objetivo captar a autopercepção do indivíduo sobre os cinco grandes fatores de personalidade. No caso, os participantes devem indicar em que medida concordam (1: Discordo Totalmente; 5: Concordo Totalmente) com cada item descrevendo a sua personalidade, a exemplo de “Gosta de cooperar com os outros” (Amabilidade; ω = 0,70), “É temperamental, muda de humor com frequência” (Neuroticismo; ω = 0,77), “Gosta de refletir, brincar com as ideias” (Abertura; ω = 0,75), “Gera muito entusiasmo” (Extroversão; ω = 0,81) e “Faz as coisas com eficiência” (Conscienciosidade; ω = 0,74).

Social Dominance Orientation 7 Scale (SDO7; Ho et al., 2015). Adaptada para o Brasil por Vilanova et al. (2022), sendo formada por 16 itens (ω = 0,89), aos quais os participantes devem indicar seu nível de concordância (1: Discordo Fortemente; 7: Concordo Fortemente) a itens como “Nenhum grupo deveria dominar na sociedade” e “Alguns grupos são simplesmente inferiores aos outros”.

Procedimento

Os dados foram coletados por meio de um questionário online utilizando-se do procedimento de amostragem bola de neve, sendo o link da pesquisa divulgado nas redes sociais. Prévio ao preenchimento dos instrumentos, os participantes deveriam ler e concordar com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual eram informados sobre os objetivos do estudo, o caráter anônimo e voluntário da participação e que poderiam declinar da pesquisa a qualquer momento, sem acarretar prejuízos. Assevera-se que o presente estudo seguiu a Resolução 510/16, que orienta as pesquisas nas ciências humanas e sociais, tendo parecer favorável do comitê de ética em pesquisa (CAAE 31360920.1.0000.5181).

Análise de dados

Os dados foram tabulados e analisados por meio do SPSS e AMOS. Com o primeiro, foram calculadas análises descritivas (média, desvio padrão) e inferenciais, especificamente análise de correlação de Pearson para conhecer o padrão geral de associação entre as variáveis. Com o segundo software, foi realizada uma Modelagem por Equações Estruturais (estimador Maximum Likelihood), testando um modelo mediacional. Para atestar a qualidade do modelo, tiveram-se em conta os seguintes indicadores de ajuste do modelo aos dados (entre parênteses valores para um modelo aceitável Hair et al., 2015): χ²/gl, Comparative Fit Index (acima de 0,90), Tucker-Lewis Index (acima de 0,90) e Root Mean Error of Approximation (abaixo de 0,08).

Resultados

Inicialmente, foram calculadas análises de correlação de Pearson para conhecer o padrão geral de relação entre as variáveis. No caso, entre os oito traços de personalidade, apenas a psicopatia (r = -0,17; p < 0,01) se correlacionou de forma significativa com o ambientalismo (cômputo da NEP e dos itens sobre mudança climática). Verificou-se, ainda, que a ODS apresentou correlação moderada com o ambientalismo (r = -0,53; p < 0,001). Na Tabela 2 é possível observar em mais detalhes as relações entre todas as variáveis.

Tabela 2: Relações entre ambientalismo, orientação à dominância e personalidade 

Nota: Identificação das variáveis: Amb: Ambientalismo; ODS: Orientação à Dominância Social; M: Maquiavelismo; N: Narcisismo; P: Psicopatia; EX: Extroversão; CO: Conscienciosidade; AM: Amabilidade; AB: Abertura; NE: Neuroticismo. *p < 0,05; **p < 0,001 (teste unicaudal)

O passo seguinte foi testar os efeitos diretos e indiretos dos traços sombrios de personalidade e das atitudes socioideológicas para a predição do ambientalismo (Figura 1). Considerando que os três traços sombrios têm em comum uma tendência para a manipulação, insensibilidade e comportamento explorador, modelou-se uma variável latente tendo os três traços como variáveis observáveis, formando assim o núcleo da personalidade sombria, predizendo a orientação à dominância, modelada por meio de duas variáveis observadas (Dominância e Anti-igualitarismo), explicando diretamente o Ambientalismo, modelada pelas cinco facetas da escala NEP, mais dois itens avaliando atitudes em relação à mudança climática. Cabe ressaltar que o modelo CGF foi considerado na presente pesquisa para efeitos de controle, contudo, nenhum dos traços deste modelo se correlacionou com o ambientalismo, optamos por não o incluir na testagem do modelo.

Por meio de bootstrap com 5.000 reamostragens, verificaram-se inicialmente efeitos diretos da personalidade sombria no ambientalismo (λ = -0,22; IC90% = -0,33/-0,10, p < 0,05). Após a inserção da ODS como mediadora, verificaram-se efeitos indiretos dos traços sombrios no ambientalismo (λ = -0,25; IC90% = -0,36/-0,17, p < 0,001), sendo essa mediação completa, posto que os efeitos diretos da personalidade sombria no ambientalismo deixaram de ser estatisticamente significativos (λ = 0,03, IC 90% = -0,08/0,16, p = 0,65) com a inclusão da ODS, que predisse diretamente o desfecho (λ = 0,36, IC 90% = 0,25/0,48, p < 0,001). Finalmente, o modelo testado apresentou indicadores de ajuste aceitáveis (χ²/gl = 1,87, CFI = 0,95, TLI = 0,93, RMSEA = 0,054).

Figura 1: Modelo de mediação testado 

Discussão

O problema das mudanças climáticas e das ações antiambientais no Brasil é uma questão ainda em aberto. O país ainda possui pouco tratamento de esgoto, além de ter parte de sua rica biodiversidade seriamente ameaçada por conta da ação humana (Feng et al., 2021; Tomas et al., 2021). Compreender as bases sociopsicológicas dos comportamentos e atitudes em relação ao meio ambiente é crucial, de modo que a diminuição dos problemas ambientais perpassa por mudanças a nível individual (Zelezny & Schultz, 2000). No presente estudo, aportamos com evidências acerca da influência direta de atitudes socioideológicas e indiretas do núcleo da tríade sombria da personalidade sobre o ambientalismo.

Apesar do enfoque que a literatura dá ao modelo CGF (Hirsh & Dolderman; 2007; Milfont & Sibley, 2012), observou-se que nenhum dos cinco fatores se relacionou com o ambientalismo. Por outro lado, no modelo de regressão, verificou-se o efeito direto do núcleo da tríade sombria de personalidade na predição do ambientalismo, o que sugere que traços aversivos da personalidade são prejudiciais não apenas nas relações interpessoais, mas também para as relações pessoa-ambiente. A propósito, tais evidências somam-se a dados prévios da literatura (Huang et al., 2018; Ucar et al., 2023; Wu et al., 2019), denotando que pessoas com traços sombrios não se preocupam com o meio-ambiente, explorando-o em benefício próprio sem se preocupar com sua reposição/preservação. Os traços que formam o lado sombrio da personalidade humana apresentam em comum baixos níveis de amabilidade (Gouveia et al., 2016) e honestidade/humildade (Book et al., 2015), além de déficits empáticos (Wai & Tiliopoulos, 2012), sendo que esses aspectos compartilhados são preditores do ambientalismo (Hirsh & Dolderman; 2007; Milfont & Sibley, 2012, 2016).

Portanto, em razão dos aspectos que caracterizam o núcleo da tríade sombria da personalidade, percebe-se que pessoas com elevados níveis nesse agrupamento de traços não conseguem se preocupar com o ambiente natural e com os outros animais. Questões relativas à preservação do meio ambiente são vistas como sem importância por pessoas com escores elevados no núcleo da tríade sombria (Ucar et al., 2023). Não obstante, cabe ressaltar que a magnitude das relações entre personalidade e ambientalismo é menor em comparação as atitudes socioideológicas em razão da natureza distal da personalidade. A propósito, quando a ODS é incluída no modelo, a personalidade sombria deixa de predizer diretamente o ambientalismo, tendo efeitos indiretos, atestando a mediação completa da ODS, confirmando o papel que esta variável tem como preditor direto do ambientalismo, em linha com estudos prévios (Milfont et al., 2017; Stanley et al., 2021).

Nesse ponto, cabe destacar que a ODS funciona como um mecanismo que possibilita pessoas com personalidade sombria a adotar atitudes e comportamentos antiambientais. No caso, os traços sombrios são úteis em contextos de escassez e alta competitividade, tornando o indivíduo mais apto a extrair recursos em contextos restritos (Jonason et al., 2019). Isso leva pessoas com esse perfil de personalidade a terem uma maior orientação à dominância social, caracterizada como uma atitude socioideológica que envolve a percepção do mundo como uma selva competitiva, expressando valores como dominação, poder e superioridade (Duckitt, 2001; Duckitt & Sibley, 2016), resultando em menores níveis de ambientalismo, vendo-se superior a natureza e no direito de dominá-la e utilizá-la em benefício próprio (Milfont et al., 2013; Milfont & Sibley, 2014).

Percebe-se que a ODS funcionaria como um mecanismo que possibilitaria pessoas com traços sombrios dominarem a natureza e a explorarem para a obtenção de recursos. Cabe ressaltar, ainda, que por se enxergarem como superiores a natureza, aliado a serem extremamente individualistas (Paulhus & Williams, 2002), pessoas com traços sombrios optam por não modificarem sua rotina diária (e.g., economizar água e energia, reduzir o uso dos veículos) em prol do meio ambiente.

Apesar dos resultados promissores, é importante analisá-los com cautela. Algumas limitações do estudo são a amostra não probabilística, formada majoritariamente por universitários, além da desejabilidade social. Em estudos futuros é importante contar com amostras maiores e mais heterogêneas (e.g., distribuição mais equitativa em relação ao nível de escolaridade, etnia e classe socioeconômica), além de testar o papel de outros traços aversivos da personalidade (e.g., sadismo, ganância, despeito) e utilizar medidas comportamentais para aferir o comportamento pró/antiambiental. Portanto, percebe-se que as possibilidades de estudo não se esgotam aqui, havendo uma ampla possibilidade de pesquisas para predizer comportamentos e atitudes em relação ao meio ambiente e, a partir do mapeamento dos preditores, propor estratégias de intervenção visando a promoção do ambientalismo.

Referencias:

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Disponibilidade de dados: O conjunto de dados que embasa os resultados deste estudo não está disponível

Como citar: Monteiro, R. P., da Cunha, L. Q., Loureto, G. D. L., Araújo, I. C. H., & Pimentel, C. E. (2023). O núcleo da tríade sombria prediz o ambientalismo por meio da orientação à dominância social. Ciencias Psicológicas, 17(2), e-2891. https://doi.org/10.22235/cp.v17i2.2891

Participação dos autores: a) Planejamento e concepção do trabalho; b) Coleta de dados; c) Análise e interpretação de dados; d) Redação do manuscrito; e) Revisão crítica do manuscrito. R. P. M. contribuiu em a, b, c, d, e; L. C. Q. em a, b, d, e; G. D. L. L. em a, b, d, e; I. C. H. A. em a, b, d, e; C. E. P. em c, d, e.

Editora científica responsável: Dra. Cecilia Cracco

Recebido: 30 de Abril de 2022; Aceito: 13 de Outubro de 2023

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