Entende-se que para um indivíduo se adaptar adequadamente e conseguir obter sucesso no contexto social atual faz-se importante uma série de habilidades como autocontrole, flexibilidade, disciplina, criatividade, entre outras. O desempenho dessas habilidades está ligado ao bom funcionamento das funções executivas, que são processos cognitivos ou mentais que permitem com que se possa lidar com obstáculos inesperados, ver a mesma situação por diferentes perspectivas, se concentrar em uma atividade e resistir a impulsos (Diamond, 2013).
Estudos demonstram a importância das funções executivas para a saúde mental e física, relacionando-as a uma série de benefícios. Indivíduos com bom funcionamento de suas funções executivas tendem a apresentar melhores resultados profissionais e acadêmicos, satisfação no relacionamento conjugal, comportamentos pró sociais, maior qualidade de vida, controle de peso, resistência ao abuso de substâncias, maior habilidade de fazer e manter amigos, entre outros (Cásedas et al., 2020; Diamond & Ling, 2016). A partir disso, entende-se o papel fundamental das funções executivas para maiores chances de uma vida saudável e equilibrada.
Pode-se compreender as funções executivas como divididas em três núcleos principais: controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva. A partir dessas funções superiores, é possível derivar outros tipos de funções como raciocínio, planejamento e resolução de problemas (Cásedas et al., 2020; Diamond, 2013; Diamond & Ling, 2016; Im et al., 2021). Outra possível classificação seria dividir entre funções de inibição (inhibition), atualização (updating) e mudança (shifting) (Zhou et al., 2020). Para fins deste estudo, as funções executivas foram categorizadas em três tipos principais: controle inibitório ou inibição, memória de trabalho ou atualização e flexibilidade cognitiva e mudança.
Segundo Cásedas et al. (2020), o controle inibitório, também descrito como inibição (inhibition) (Millett et al., 2021), diz respeito à capacidade de controle sobre a própria atenção, pensamentos, emoções e comportamento como forma de superar predisposições internas ou tentações externas a fim de um objetivo a longo prazo. É o que permite escolher como reagir diante de uma situação, resistir a impulsos e modificar hábitos. No âmbito atencional, permite com que se possa focar de forma seletiva em algo e suprimir outros estímulos, com a possibilidade de suprimir memórias e pensamentos indesejados (Diamond, 2013). Em nível cerebral, o controle inibitório está relacionado à atividade do córtex pré-frontal dorsolateral e do córtex anterior cingulado (Millett et al., 2021).
A memória de trabalho ou atualização (updating) (Millett et al., 2021) diz respeito à capacidade mental de manter informações a serem processadas e de manipular essas informações de forma simultânea (Cásedas et al., 2020; Diamond, 2013). A memória de trabalho envolve o monitoramento de informações e a substituição de informações antigas e não relevantes por novas de maior importância (Zhou et al., 2020). A memória de trabalho é considerada uma função crítica e que influencia outras funções cognitivas, como raciocínio e resolução de problemas, pois exige a manutenção de muitas informações simultaneamente, reorganizando-as e também criando interrelações entre elas (Diamond & Ling, 2016). As regiões cerebrais relacionadas a essa função executiva são os lobos frontais, especificamente o córtex pré-frontal dorsolateral (Millett et al., 2021).
Por último, a flexibilidade cognitiva ou mudança (shifting) (Millett et al., 2021) é uma função importante frente a situações novas e desafiadoras que requerem adaptação, novas formas de entender ou lidar com problemas, ou até mesmo para ver a mesma coisa por diferentes ângulos (Diamond & Ling, 2016). Outros aspectos relacionados à flexibilidade cognitiva seriam a capacidade de admitir erros, aproveitar novas oportunidades e mudar pensamentos (Diamond, 2013). Segundo Cásedas et al. (2020), a flexibilidade cognitiva é a capacidade de modificar nossos esquemas mentais para se adaptar de forma eficiente às demandas do ambiente. Essa função depende da atividade de regiões frontais, occipitais e parietais do cérebro (Millett et al., 2021).
As funções executivas influenciam em muitas áreas importantes da vida (Teper et al., 2013) e quanto melhor o seu funcionamento, maiores as chances de sucesso e melhoras em diferentes domínios (Diamond & Ling, 2016). Nesse sentido, faz-se importante entender também o que acontece caso haja disfunções nesse sistema. Algumas das causas para disfunções nesse âmbito podem ser o envelhecimento, derrames, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) (Cásedas et al., 2020); como também, estresse, privação de sono, tristeza, estado físico ruim, entre outros (Zhou et al., 2020). De acordo com estudos, as funções executivas são uma das primeiras afetadas quando algo na vida de um indivíduo não vai bem (Diamond, 2013).
Os efeitos do estresse, da solidão, da tristeza, da falta de saúde física, entre outros aspectos, podem ser tão prejudiciais a ponto de causar danos que se assemelham a sintomas de transtornos psicológicos como o TDAH. Problemas com as funções executivas estão relacionados a uma série de resultados negativos como baixo desempenho acadêmico, problemas comportamentais, diminuição nas habilidades de raciocínio, baixo autocontrole e problemas de memória (Zhou et al., 2020).
Segundo Diamond e Ling (2016), intervenções que tendem a ter melhor resultado no âmbito das funções executivas são aquelas que além de treinar de forma direta essas funções, também atuam na redução de fatores que as prejudicam e aumentam fatores que as melhoram. Programas que não se preocupam com a redução de estresse dos indivíduos ou em melhorar seus níveis de felicidade, conexão social, entre outros, podem acabar não obtendo bons resultados em relação à melhora dessas funções.
Diante do exposto, pode-se pensar que um tipo de intervenção com potencial para atender a essas demandas seriam as baseadas em mindfulness, que ao longo das últimas décadas têm tido um crescimento exponencial e apontado para importantes evidências em relação a benefícios nos aspectos físicos e mentais de diferentes populações (Cásedas et al., 2020; Im et al., 2021; Millett et al., 2021; Zhou et al., 2020). Pode-se definir mindfulness como um estado de consciência que se alcança quando se está voltado para o momento presente, com uma postura de abertura, aceitação e não julgamento da experiência (Gill et al., 2020; Mak et al., 2018; Millett et al., 2021).
Dentre os principais benefícios encontrados estão a redução dos níveis de estresse, ansiedade, depressão, melhora ao enfrentamento da dor crônica, aumento da capacidade de regulação emocional, bem-estar e redução do consumo de álcool e outras substâncias (Alizadehgoradel et al., 2019; Creswell, 2017; Im et al., 2021; Zhou et al., 2020). Evidências empíricas também apontam para benefícios das intervenções de mindfulness em relação às funções executivas (Cásedas et al., 2020; Im et al., 2021), e esses resultados podem ser observados mesmo em intervenções de curta duração (Zhou et al., 2020).
Diante disso, pode-se hipotetizar que as intervenções baseadas em mindfulness poderiam ser efetivas para promover melhora nas funções executivas. Além de reduzir fatores como estresse, depressão e outros que as afetam negativamente, tais intervenções modificam funcional e estruturalmente regiões cerebrais como o córtex anterior cingulado, o córtex pré-frontal dorsolateral, a ínsula e a densidade da massa cinzenta no hipocampo (Creswell, 2017; Millett et al., 2021).
Nos últimos anos, estudos de revisão sistemática e meta-análise foram realizados a fim de melhor investigar os reais efeitos das intervenções de mindfulness sobre as funções executivas (Cásedas et al., 2020; Im et al., 2021; Millett et al., 2021). No geral, esses estudos demonstram efeitos significativos em relação à melhora dessas funções a partir de intervenções de mindfulness, porém, mesmo nas publicações mais recentes, a maior parte dos estudos encontrados são de até no máximo o ano de 2017. Artigos que incluem estudos mais recentes apresentam disparidades entre si nos critérios de inclusão em relação a tipos de intervenção, tipo de estudos analisados, conceituação das funções executivas e do mindfulness, tipos de testes analisados, entre outros fatores.
A partir desse contexto, observou-se a importância de realizar um estudo de revisão sistemática de ensaios controlados randomizados sobre os efeitos de intervenções de mindfulness sobre as funções executivas em adultos entre 18 e 60 anos nos últimos 5 anos, a fim de proporcionar um update sobre o tema, bem como analisar se surgem resultados novos ou distintos a partir dos critérios definidos no presente estudo.
Materiais e Método
O presente estudo consiste em uma revisão sistemática de acordo com Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses - PRISMA Statement 2020 (Page et al., 2021) e registrada na plataforma International Prospective Register of Systematic Reviews - PROSPERO (CRD42022349640).
Revisão de literatura
Para realizar as buscas dos estudos, dois avaliadores utilizaram as bases de dados da Web of Science, Pubmed, PsycINFO e Scopus para buscar artigos publicados nos últimos 5 anos (entre 2017 e 2022). Os termos descritores utilizados para formar as palavras-chave foram baseados nos termos encontrados na plataforma MeSH. Após alguns testes, a estratégia de busca definida foi: (mindfulness) OR (mindfulness intervention) OR (mindfulness meditation) AND (psychological flexibility) OR ("Cognitive flexibility) OR (executive functions) OR (self-control) OR (inhibitory control).
Critérios de elegibilidade
Os estudos incluídos na pesquisa foram ensaios controlados randomizados, realizados nos últimos 5 anos e publicados na língua inglesa. O público-alvo foi de adultos entre 18 e 60 anos e obrigatoriamente as intervenções de mindfulness utilizadas nos estudos deveriam ser baseadas em protocolos como Mindfulness Based Stress Reduction (MBSR), Mindfulness Based Cognitive Therapy (MBCT), entre outros.
Resultados
Após aplicação da estratégia de busca nas bases de dados, foram encontrados 1304 artigos, dos quais 225 duplicatas foram removidas. Foram analisados por título e resumo 1079 artigos, dos quais 1047 foram excluídos. 32 artigos foram analisados a partir da leitura completa do artigo e destes, 24 foram excluídos por não utilizarem práticas de mindfulness baseadas em algum protocolo já existente, por ter tido público com faixa etária acima dos 60 anos ou por não terem sido estudos randomizados. Para análise do risco de viés, restaram 8 artigos, dos quais 6 apresentaram baixo risco de viés e foram incluídos na análise final do estudo. A Figura 1 mostra o diagrama Prisma do estudo.
Características gerais dos estudos
Todos os estudos incluídos na revisão (Alizadehgoradel et al., 2021; Garland et al., 2019; Hoxhaj et al., 2018; Quan et al., 2018; Zhu et al., 2019; Zou et al., 2020) encaixaram-se nos critérios de terem sido ensaios controlados randomizados, com intervenção em mindfulness baseada em algum protocolo já existente (e.g. Mindfulness-based Stress Reduction, MBSR), com participantes na faixa etária entre 18 e 60 anos e baixo risco de viés. Todos os estudos tiveram um grupo controle ativo ou passivo e avaliaram algum aspecto das funções cognitivas.
Em três destes estudos (Quan et al., 2018; Zhu et al., 2019; Zou et al., 2020), a população foi não-clínica e nos outros três, a população clínica foi de participantes com dor crônica (Garland et al., 2019), transtorno por uso de metanfetamina (Alizadehgoradel et al., 2021) ou adultos diagnosticados com TDAH (Hoxhaj et al., 2018).
Em relação ao gênero e à idade dos participantes, todos os estudos apresentaram uma distribuição sem grandes disparidades na linha de base e também utilizaram métodos de randomização que permitiram bom equilíbrio em relação à idade, gênero e outras variáveis nos grupos de intervenção e controle, levando também a um baixo risco de viés. Mais detalhes sobre a quantidade de participantes de cada gênero e idade média podem ser vistos na Tabela 1.
Tabela 1: Características gerais dos participantes

Notas: DP: Desvio Padrão; CG: Grupo controle; MBI: Intervenção de mindfulness (Mindfulness-based Intervention); tDCS: transcranial direct current stimulation; MBSR: Mindfulness-based Stress Reduction; TDAH: Transtorno por Déficit de Atenção e Hiperatividade; MORE: Mindfulness-Oriented Recovery Enhancement; MBSAT: Mindfulness-Based Substance Abuse Treatment; MAP: Mindfulness Awareness Practices; MBCT: Mindfulness-Based Cognitive Therapy.
Funções executivas analisadas e intervenções de mindfulness
As funções executivas analisadas nos estudos incluídos na revisão foram atenção (Hoxhaj et al., 2018; Zhu et al., 2019); controle cognitivo e inibição (Garland et al., 2019); funções executivas e craving (Alizadehgoradel et al., 2021); controle executivo e orientação (Quan et al, 2018), e flexibilidade cognitiva (Zou et al, 2020).
As intervenções de mindfulness foram as seguintes: Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR), com duração de 12 semanas (Zhu et al, 2019); Mindfulness-Oriented Recovery Enhancement (MORE), com duração de 8 semanas (Garland et al., 2019); Mindfulness-Based Substance Abuse Treatment (MBSAT), com duração de 6 semanas e duas sessões por semana (Alizadehgoradel et al., 2021); Mindfulness Awareness Practices (MAP), com duração de 8 semanas (Hoxhaj et al., 2018); Mindfulness-Based Cognitive Therapy (MBCT), com duração de 7 dias (Quan et al., 2018) e MBSR, com duração de 8 semanas (Zou et al., 2020).
Dois estudos utilizaram a lista de espera como grupo controle passivo (Zhu et al., 2019; Zou et al., 2020;); e os outros estudos utilizaram grupos controles ativos como grupo de apoio (Garland et al., 2019); transcranial direct current stimulation (tDCS), tDCS combinado com MBSAT e placebo (Alizadehgoradel et al., 2021); psicoeducação (Hoxhaj et al., 2018) e relaxamento (Quan et al., 2018). Mais detalhes sobre cada intervenção podem ser vistos na Tabela 1.
Principais tarefas cognitivas e instrumentos utilizados
As tarefas e instrumentos utilizados em cada estudo estão descritos na Tabela 2, onde é possível observar que houve grande variabilidade nas medidas utilizadas. No que diz respeito às tarefas cognitivas utilizadas para avaliar as funções executivas, no estudo de Zhu et al. (2019) foi utilizado o Continuous Performance Test (CPT) para analisar a atenção sustentada. Nessa tarefa, os participantes precisavam monitorar uma única letra e tinham que responder quando o estímulo alvo aparecesse na tela do computador. Foi utilizado também o teste de Stroop, no qual o indivíduo deveria julgar a cor do estímulo que aparecia na tela e apertar a tecla correspondente à cor. A tarefa utilizada por Garland et al. (2019) foi o Emotional Go/NoGo para avaliar a resposta de inibição em um contexto de interferência emocional negativa. Essa tarefa consistiu em dois estímulos (letras maiúsculas M e W) sobrepostas a 6 imagens que representavam um contexto emocional negativo ou neutro, e os participantes eram orientados a pressionar o botão o mais rápido possível quando a letra M (Go) aparecesse e se reter em pressionar o botão quando aparecia a letra W (NoGo).
O estudo de Alizadehgoradel et al. (2021) também utilizou a tarefa Go/NoGo para avaliar o controle cognitivo dos participantes. Além dessa tarefa, foi utilizado o N-Back Test para avaliar memória de trabalho, no qual, vários estímulos visuais foram apresentados e o participante deveria pressionar 1 se o estímulo mostrado fosse idêntico ao anterior e 2 se fosse diferente; o Wisconsin Card Sorting Test (WCST) para avaliar a performance do córtex pré-frontal, contendo 64 cartas distintas cada uma contendo uma de 4 formas (triângulo, estrela, cruz e círculo) e uma de 4 cores (azul, amarelo, vermelho e verde), no qual os participantes precisavam colocar as cartas por ordem de formato, número (quantidade) ou cor; e por último o Balloon Analogue Risk Task (BART) para avaliar a tendência a comportamentos de risco e tomada de decisão de risco; nessa tarefa aparecia a imagem de um balão na tela do computador e os participantes precisavam pressionar na imagem e poderiam receber uma recompensa que poderia ser acumulada, ou, poderiam também perder toda a recompensa caso, ao pressionarem o balão, o mesmo explodisse.
Hoxhaj et al. (2018) utilizaram o CAARS, um teste contendo 8 subescalas para avaliar sintomas relacionados ao TDAH, dentre eles a inatenção, com um total de 66 itens numa escala tipo Likert de 4 pontos. Quan et al. (2018) avaliaram orientação e controle executivo através do Attention Network Test, no qual eram apresentados estímulos aos participantes e esses precisavam reagir com a maior velocidade e acurácia possível. No estudo de Zou et al. (2020) foi utilizada a escala CFI, que tem um total de 20 itens numa escala tipo Likert variando de 1 a 5 pontos, para avaliar aspectos relacionados à flexibilidade cognitiva.
Efeitos do mindfulness sobre o controle inibitório (atenção, controle executivo ou cognitivo), memória de trabalho e flexibilidade cognitiva
Sobre os principais resultados encontrados, em relação à atenção, o estudo feito com população não-clínica (Zhu et al., 2019), intervenção de 12 semanas baseada no protocolo MBSR e grupo controle de lista de espera, demonstrou melhora significativa nas emoções positivas e na atenção sustentada para os participantes do grupo mindfulness em comparação com o grupo controle. Em outro estudo, realizado com participantes com diagnóstico de TDAH (Hoxhal et al., 2018), que avaliou efeitos de uma intervenção mindfulness o MAP de 8 semanas sobre a atenção em comparação a um grupo controle de psicoeducação, houve melhoras significativas em relação à atenção e sintomas associados, mesmo após 6 meses (follow-up). Porém, não houve diferenças significativas em relação aos grupos, indicando que tanto o MAP quanto à psicoeducação foram intervenções efetivas para reduzir a sintomatologia do TDAH.
Em relação ao controle cognitivo ou controle inibitório, tanto no estudo realizado com pacientes com dor crônica (Garland et al., 2019), quanto no estudo com usuários de metanfetamina (Alizadehgoradel et al., 2021), os participantes do grupo de intervenção mindfulness obtiveram melhora significativa quando comparados ao grupo controle. Sobre memória de trabalho, no estudo de Alizadehgoradel et al., 2021, os participantes da intervenção MBSAT tiveram melhora significativa quando comparados ao grupo placebo. No estudo de Quan et al. (2018), os participantes do grupo de MBCT se tornaram mais responsivos à orientação e ao controle executivo após sete dias de intervenção quando comparados ao grupo controle de relaxamento. Sobre a flexibilidade cognitiva, os estudos com população clínica (Alizadehgoradel et al., 2021) e não-clínica (Zou et al., 2020) encontraram melhoras significativas nos grupos de intervenção de mindfulness se comparados aos grupos controles. Todos esses resultados podem ser observados na Tabela 2.
Tabela 2: Tipos de intervenções e principais resultados

Notas:MBI: Intervenção de mindfulness (Mindfulness-based Intervention); tDCS: transcranial direct current stimulation; MBSR: Mindfulness-based Stress Reduction; TDAH: Transtorno por Déficit de Atenção e Hiperatividade; MAP: Mindfulness Awareness Practices; MORE: Mindfulness-Oriented Recovery Enhancement; MBCT: Mindfulness-Based Cognitive Therapy; MBSAT: Mindfulness-Based Substance Abuse Treatment.
Descrição dos protocolos utilizados nos estudos
As intervenções de todos os estudos foram baseadas em protocolos com um grande aparato de evidências apontando para diferentes benefícios em relação à saúde mental e física de populações clínicas e não-clínicas. No total, foram identificados 5 protocolos diferentes utilizados nos estudos: Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR) (Zhu et al., 2019; Zou et al., 2020); Mindfulness-Oriented Recovery Enhancement (MORE) (Garland et al., 2019); Mindfulness-Based Substance Abuse Treatment (MBSAT) (Alizadehgoradel et al., 2021); Mindfulness-Based Cognitive Therapy (MBCT) (Quan et al., 2018) e Mindfulness Awareness Practices (MAP) (Hoxhaj et al., 2018), sendo este último derivado de práticas presentes no MBSR e MBCT. Mais detalhes sobre cada protocolo podem ser observados na Tabela 3. De acordo com o que foi encontrado nos estudos incluídos na revisão, todos os protocolos obtiveram efeitos significativos no que diz respeito às funções executivas, sendo que em 4 dos 6 artigos esses benefícios foram superiores aos observados no grupo controle.
Tabela 3: Descrição dos protocolos

Notas: ¹Vibe et al. (2017); ² Garland (2014), e Garland e Howard (2013); ³ Himelstein e Saul (2015), e Alizadehgoradel et al. (2019); 4van der Velden et al. (2015), e Liberali (2017); 5Hoxhaj et al. (2018).
Discussão
O presente estudo constituiu-se em uma revisão sistemática de estudos científicos publicados nos últimos 5 anos (2017 a 2022) sobre os efeitos de intervenções baseadas em mindfulness nas funções executivas de adultos (entre 18 e 60 anos). Todos os artigos incluídos no estudo utilizaram intervenções baseadas em protocolos de mindfulness e avaliaram os efeitos destas em ao menos uma das funções executivas. Nos 6 artigos incluídos na presente revisão, foram encontrados efeitos positivos sobre diferentes funções executivas advindos da participação em intervenções de mindfulness. Em 4 dos 6 estudos houve diferença significativa das intervenções mindfulness em comparação com os grupos controles.
Características gerais dos participantes
Os estudos foram realizados com população clínica e não-clínica de homens e mulheres entre 18 e 60 anos. Essa faixa etária foi definida como critério para essa revisão entendendo que boa parte dos estudos sobre funções executivas geralmente focam em uma fase de desenvolvimento específica, como infância e adolescência ou velhice, que são estágios de desenvolvimento propensos a sofrer maior interferência de rápidas mudanças cerebrais ou maior declínio cognitivo (Im et al., 2021).
Segundo Ferguson et al. (2021), a faixa etária entre 20 e 60 anos que tem sido esquecida ou desconsiderada na literatura sobre o tema, apresenta mais mudanças significativas do que se sabia em relação ao desenvolvimento ou declínio de funções executivas. Esses autores analisaram as funções de controle inibitório, memória de trabalho, flexibilidade cognitiva e planejamento em indivíduos saudáveis entre 10 e 86 anos e observaram que a capacidade de memória de trabalho e planejamento continuam a se desenvolver mesmo após a adolescência, bem como observaram importante declínio no controle inibitório em participantes a partir dos 30 anos de idade (Ferguson et al., 2021). No entanto, os artigos incluídos nesta revisão não apresentaram achados significativos que apontassem para alguma relação direta entre uma faixa de idade específica e melhor ou pior desempenho das funções executivas.
Sobre o fator de população clínica e não-clínica, ambas as populações tiveram resultados significativos ao melhorar pelo menos algum aspecto das funções executivas. Um estudo mais recente de Didehban et al. (2024) também corrobora este resultado, na medida em que os autores encontraram melhores efeitos de um protocolo baseado em mindfulness e aceitação aplicado em grupo comparado com a lista de espera em participantes com transtornos de ansiedade. Esses resultados se referem tanto aos sintomas ansiosos quanto às funções executivas. É importante mencionar que o estudo de Didehban et al. (2024) possivelmente só não foi incluído entre os artigos discutidos nesta revisão porque foi publicado durante a tramitação do presente trabalho e, portanto, fora da amplitude temporal definida no mesmo. Esse resultado pode contribuir para fortalecer a hipótese de efetividade das intervenções baseadas em mindfulness para melhora das funções executivas visto que essas podem atuar diretamente melhorando controle inibitório, memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, bem como atuar indiretamente reduzindo estresse, depressão, entre outros sintomas, e melhorando a qualidade de vida (Alizadehgoradel et al., 2021; Garland et al., 2019; Hoxhaj et al., 2018; Quan et al., 2018; Zhu et al., 2019; Zou et al., 2020). Segundo Diamond e Ling (2016), esse tipo de intervenção, que atua direta e indiretamente, seria o mais indicado para as funções executivas, pois além de treinar essas funções, reduz os fatores que as prejudicam, como estresse, má qualidade de sono, entre outros.
Porém, também existem evidências mais recentes de efeitos igualmente promissores advindos de intervenções comparadas como a terapia comportamental racional-emotiva (Rational Emotive Behavior Therapy - REBT). Tóth et al. (2023) observou melhoras na ansiedade competitiva, perfeccionismo, crenças irracionais, além de funções executivas, como flexibilidade cognitiva e inibição, produzidas pela REBT, enquanto a intervenção baseada em mindfulness produziu melhoras na flexibilidade cognitiva especificamente.
Além disso, o formato do protocolo também parece ser uma variável relevante. Vieth e von Stockhausen (2023), por exemplo, não observaram efeitos diferenciais nas funções executivas em uma amostra não clínica ao comparar intervenções breves, de três e quatro sessões, baseadas em mindfulness na respiração com controles como treino de relaxamento e ouvir podcast. Porém, em função das características dos estudos incluídos na presente revisão, nenhum dos quais utilizou intervenções breves, esta variável não pode ser discutida.
Protocolos utilizados e seus efeitos sobre as funções executivas
De acordo com os resultados apresentados pode-se inferir que todas as intervenções baseadas em protocolos de mindfulness produziram benefícios em funções de inibição como: atenção, controle cognitivo, controle inibitório ou executivo (Alizadehgoradel et al., 2021; Garland et al., 2019; Hoxhaj et al., 2018; Quan et al., 2018; Zhu et al., 2019) tanto em populações clínicas quanto não-clínicas de adultos. Esse dado corrobora a literatura que mostra grande escopo de evidências para um melhoramento a partir de práticas de mindfulness tanto no nível comportamental quanto neural nas funções relacionadas à inibição. É, inclusive, observado que esses benefícios podem ser mantidos por até 5 meses após o término das intervenções (Gallant, 2016).
Esses achados endossam o uso de intervenções baseadas em mindfulness como um modelo de intervenção acessível e de baixo custo voltado ao melhoramento das funções executivas, especialmente as funções relacionadas à inibição, trazendo benefícios para populações que possuem algum déficit ou declínio contribuindo ainda para ganhos em outras funções conectadas a estas (Gallant, 2016).
No que diz respeito a outras funções executivas, foram encontrados também benefícios das intervenções em funções como memória de trabalho e flexibilidade cognitiva (Alizadehgoradel et al, 2021) bem como na de orientação (Quan et al, 2018). Esses resultados acabam corroborando o que é visto na literatura em relação a poucos estudos apresentando resultados significativos sobre mudanças positivas nessas funções (Cásedas et al., 2020; Gallant, 2016; Millett et al., 2021). Uma possível explicação para o número reduzido de evidências seria de que essas mudanças tendem a ser melhor observadas em populações que apresentariam algum declínio cognitivo, como no caso do público acima de 65 anos, que explicaria o fato desses dados não aparecerem em revisões com populações de jovens adolescentes e adultos (Gallant, 2016).
Limitações e sugestões para estudos futuros
No presente estudo de revisão, buscou-se ao máximo delimitar os critérios de inclusão para garantir maior homogeneidade metodológica e em relação à conceituação das funções executivas, métodos de avaliação, randomização dos participantes, modelo de intervenção e outros fatores. Porém, mesmo aplicando esses critérios, ainda é possível observar nos estudos analisados algumas discrepâncias nas terminologias (e.g.: controle inibitório, controle executivo, controle cognitivo) que podem acabar gerando diferentes interpretações dependendo das definições de funções executivas utilizadas. No entanto, essa é uma limitação comumente encontrada nos ensaios controlados randomizados sobre o tema, bem como nas próprias revisões e meta-análises. Uma sugestão para estudos futuros seria delimitar de forma mais precisa o que realmente compõe as funções executivas para que o conceito fique mais claro e com menos abertura para interpretações diversas.
Faz-se importante ressaltar que diante dos diferentes tipos de protocolos de mindfulness utilizados nas intervenções percebeu-se que não houve um aprofundamento na operacionalização dessas intervenções (e.g.: descrever o que foi trabalhado em cada sessão ou principais técnicas utilizadas), o que dificultou realizar a comparabilidade desses estudos e aprofundar a discussão. Outro aspecto limitador seria a discrepância nas populações de cada estudo que são de culturas e contextos sociodemográficos diversos o que acaba por dificultar a generalização dos resultados encontrados. Para estudos futuros sugere-se uma maior padronização em relação ao público alvo em relação a variáveis que podem influenciar os resultados (cultura, nível sócio econômico, entre outras) como também, sugere-se que haja uma descrição mais detalhada do protocolo de mindfulness utilizado (duração, objetivos trabalhados, principais técnicas, entre outras informações relevantes), assim permitindo uma discussão mais aprofundada e possíveis correlações entre determinados protocolos e técnicas com efeitos nos funções executivas.
Outra limitação importante diz respeito às tarefas e questionários utilizados para medir e avaliar as funções cognitivas. Infelizmente não há um único teste que consista em uma avaliação precisa de todas as funções cognitivas. No entanto, se faz necessária certa padronização para que se possa ter maior possibilidade de comparação e generalização dos resultados (Ferguson et al., 2021). Apesar de boa parte dos artigos incluídos na presente revisão terem utilizado tarefas cognitivas com boas evidências, ainda houve estudos que utilizaram questionários como o CAARS (Hoxhaj et al., 2018) ou CFI (Zou et al., 2020) que podem não ser suficientes para inferir mudanças diretas nas funções executivas. Seria importante que estudos futuros avaliassem de forma mais aprofundada quais as tarefas cognitivas e questionários avaliam com maior validade cada função executiva. Outra sugestão seria a de utilizar mais de uma medida para avaliar cada construto.
Ainda sobre as limitações, outro ponto a ser considerado foi a falta de follow-ups em alguns dos estudos sobre os efeitos encontrados, o que limita ainda mais a generalização dos resultados. Entende-se que no contexto de pesquisa nem sempre é possível realizar um acompanhamento ao longo do tempo, no entanto, esse acompanhamento seria altamente recomendado para gerar maior confiabilidade nos resultados encontrados a partir das intervenções de mindfulness, assim como para compreender a durabilidade dos efeitos. Por último, a diferença entre os tipos de grupo controle (e.g.: lista de espera, psicoeducação, relaxamento) também dificulta na confiabilidade e na generalização dos resultados, porém essa é uma limitação muito comum em estudos sobre mindfulness. Definir melhor quais tipos de intervenção são mais efetivas como grupo controle auxiliaria bastante para estudos futuros, principalmente em revisões e meta-análises.
No que diz respeito aos estudos futuros também sugere-se o aprofundamento na temática de intervenções de mindfulness através de uso de tecnologia (e. g.: aplicativos móveis) e os efeitos para as funções executivas de adultos visto que o mindfulness tem sido amplamente associado à tecnologia em estudos mais recentes, porém estes ainda são escassos, principalmente no âmbito de verificar os efeitos nos funções executivas.
Outra sugestão importante seria de que estudos futuros sobre os efeitos das intervenções de mindfulness nas funções executivas buscassem avaliar esses efeitos nas funções com um todo, pois, a maior parte trabalhos até então trazem um foco maior para a atenção e flexibilidade cognitiva. Por isso, faz-se importante uma avaliação mais ampla a fim de um maior entendimento sobre o tema.
Considerações finais
Diante do exposto, entende-se que intervenções baseadas em protocolos mindfulness demonstram potencial para a melhora de funções executivas de controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva tanto para populações clínicas como não-clínicas, podendo vir a ser uma forma de tratamento eficaz e que pode influenciar positivamente na saúde e qualidade de vida dos indivíduos. No entanto, os resultados encontrados neste estudo não são conclusivos. Faz-se imprescindível que estudos futuros busquem investigar e contribuir para maior padronização conceitual das funções executivas bem como das tarefas e testes utilizados para avaliá-las. Em relação às intervenções de mindfulness, é importante também uma melhor definição dos tipos de grupo controle para esse tipo de estudo, como também investigar os mecanismos neurais envolvidos. Acredita-se que esse campo de pesquisa pode vir a contribuir de forma significativa para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes que possam atuar na prevenção de adoecimento e promoção de saúde e bem-estar das pessoas. A partir dos resultados encontrados neste estudo, pode-se inferir que as intervenções baseadas em mindfulness têm grande potencial de contribuir para a prevenção e promoção de saúde do público adulto.