O bem-estar animal no contexto da sustentabilidade dos modelos produtivos
O sistema de produção de suínos ao redor do mundo segue majoritariamente o modelo industrial confinado desde o fim da segunda guerra mundial. O Brasil é um dos principais players na produção de carne suína, sendo o quarto colocado no ranking mundial de produção e exportação, produzindo cerca de 4.701 toneladas e exportando cerca de 1.137 mil toneladas anualmente (Associação Brasileira de Proteína Animal, 2021), adotando o sistema industrial confinado em grande parte de sua produção tecnificada.
Os modelos industriais altamente exploratórios têm sido questionados pela sociedade não só na produção de proteína animal, como também na produção de outros alimentos e produtos, devido a sua correlação com a insustentabilidade da atividade no planeta e, suas consequências sobre os animais, o uso da terra, a conservação do meio ambiente e a geração de resíduos. Com o objetivo de acessar os impactos ambientais e estabelecer métodos de produção animal de forma sustentável, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) desenvolveu o guia “ Sustainability Assessment of Food and Agriculture systems (SAFA’)”, material caracterizado pela divisão da produção alimentar mundial em quatro grandes setores: boa governança, integridade ambiental, resiliência econômica e bem-estar social (Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura, FAO, 2014). O bem-estar animal é um dos temas no setor de integridade ambiental, demonstrando seu papel de forma holística na manutenção dos outros setores.
Neste contexto, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, também conhecidos como Objetivos Globais. Esses objetivos são um chamado universal para ação contra a pobreza, proteção do planeta e para garantir que todas as pessoas tenham paz e prosperidade (Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo, PNUD, 2020). São elencados 17 Objetivos desenvolvidos com o sucesso dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, incluindo novos temas, como a mudança global do clima, desigualdade econômica, inovação, consumo sustentável, paz e justiça, entre outras prioridades (PNUD, 2020).
Os objetivos são interconectados, relacionando as áreas e suas atuações. As boas práticas de produção animal estão diretamente alinhadas com este conceito, principalmente quando avaliamos os objetivos de erradicação da pobreza, a fome zero e agricultura sustentável, saúde e bem-estar, consumo e produção sustentáveis, vida terrestre e, ação contra a mudança global no clima (PNUD, 2020). “One welfare” é um conceito que reconhece a interconexão entre o bem-estar humano, animal e ambiental (Pinillos et al., 2016). Nesse contexto, podemos citar a associação entre o estresse no transporte e abate, com o aumento da transmissão de patógenos, oferecendo risco a saúde humana (Pinillos et al., 2016) e o aumento da produtividade de fêmeas inseridas no sistema de gestação coletiva (Gomes Neves Perini, 2017), fato que promove uma maior oferta de alimento, corroborando com a erradicação da fome. As boas práticas permitem a produção de alimentos de melhor qualidade: animais em melhores condições de bem-estar são mais saudáveis, utilizam menos antibióticos, morrem menos, assim há menor exploração de recursos e redução de perdas no processo produtivo, o que facilita a realização dos objetivos supracitados (Webster, 2016).
Legislação brasileira e bem-estar animal
A legislação brasileira que leva em consideração o bem-estar dos animais foi durante muitas décadas genérica, subjetiva e pouco aplicável. A primeira legislação brasileira referente aos animais foi o Decreto n.o 24.654, de 10 de julho de 1934, que estabeleceu como crime os maus tratos aos animais e relacionou uma série de itens considerados maus-tratos como, por exemplo, mantê-los em locais que lhes impeça o movimento ou fazer um animal trabalhar por mais de seis horas sem descanso (Brasil, 1934). Posteriormente, o Decreto n.o 30.691, de 1952 (Brasil, 1952), aprovou o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), estabelecendo poucas normas referentes aos animais vivos, sendo a maior parte devido a preocupação sanitária e não a integridade do animal. A lei n.o 9.605, de 1998 (Brasil, 1998) dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, colocando os maus tratos aos animais como crime ambiental. A Instrução Normativa n.º 56, de 6 de novembro de 2008 (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), 2008) foi a primeira norma legal a explicitar a palavra bem-estar animal em seu título e estabelecer os procedimentos gerais de Recomendações de Boas Práticas de Bem-Estar para Animais de Produção e de interesse Econômico (Rebem), abrangendo os sistemas de produção e o transporte. Suas recomendações não são explícitas, dificultando muitas vezes a fiscalização, pois utilizam palavras como garantir uma nutrição e manejo adequados e possuir conhecimentos básicos do comportamento animal, termos subjetivos que dependem da avaliação e do conhecimento de cada fiscal.
A Instrução Normativa (IN) n.o 46, de outubro de 2011, (MAPA, 2011) por sua vez, estabelece um regulamento técnico para sistemas de produção animal e vegetal orgânicos. Esta instrução já traz uma linguagem mais técnica e menos subjetiva em relação às orientações acerca do manejo dos animais, colocando as cinco liberdades (nutricional, sanitária, psicológica, ambiental e comportamental) como prioritárias, além de estabelecer área mínima de criação por animal, manejos que podem ou não serem realizados e proibir o uso de gaiolas, correntes e confinamentos. Esta IN foi atualizada pela IN n.o 17, de junho de 2014 (MAPA, 2014) que aumentou as densidades das aves nos sistemas de criação.
Um dos avanços conquistados na área de bem-estar animal no Brasil foi a criação, em 2008, da Comissão Técnica Permanente de Bem-Estar Animal - CTBEA (criada pela Portaria n.º 185, de 2008) dentro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Dentre as atribuições da CTBEA estão a divulgação e a proposição de boas práticas de manejo, o alinhamento da legislação brasileira com os avanços científicos e os critérios estabelecidos pelos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, bem como preparar e estimular o setor agropecuário brasileiro para o atendimento às novas exigências da sociedade brasileira e consumidores dos mercados importadores (Brasil, 2008). Esta comissão já vem atuando na revisão de leis e normas. A CTBEA atua no fomento de grupos de pesquisas sobre a temática com um total de 6 projetos finalizados, sendo sua maioria referente às formas de manejo dos animais, da fazenda ao abate, incluindo manejos como identificação (rastreabilidade), vacinação, transporte e abate.
Foi apenas em 2020, que foi publicada a primeira legislação brasileira visando especificamente estabelecer as boas práticas na criação de suínos. A Instrução Normativa 113 (IN113), em concordância com a diretiva 2008/120/ce, prevê uma série de diretrizes visando o bem-estar no sistema de produção (MAPA, 2020 y Union Europea, 2016). O documento elaborado, aborda temas estruturais (alojamento, instalações e equipamentos), de manejo (procedimentos dolorosos, manejo nutricional, fornecimento de enriquecimento ambiental, depopulação e eutanásia) e de relação humano animal (treinamento profissional, comportamento do animal e reforço positivo). Visando sua aplicabilidade sem prejudicar o produtor, foram definidas diferentes datas para adequação de acordo com o tema, por exemplo a adequação da gestação em gaiolas para a coletiva deve ser realizada até 1 de janeiro de 2045, enquanto alguns manejos devem ser de implementação imediata, como o fornecimento de enriquecimento ambiental.
Certificação e sua importância no bem-estar animal
O aumento de ações que visam a melhoria do bem-estar de animais inseridos em sistemas de produção intensiva ocorreu em virtude do aumento da preocupação do mercado consumidor com a origem de seu alimento e a relação entre o bem-estar animal com a qualidade do produto (Godyń et al., 2019). Em detrimento dessa demanda surgiram os Selos de certificação de bem-estar animal. A empresa de certificação é uma entidade que confere um atestado aos produtores que optaram por uma criação alternativa, seja, orgânica ou de bem-estar animal (Pereira et al., 2020). No Brasil, os produtores de suínos apresentam a opção de pleitear o selo Certified Humane Brasil, que é fundamentado nas normas da Humane Farm Animal Care.
Um dos gargalos na implementação dos selos de bem-estar animal é a sua associação a um produto mais caro. Em um estudo realizado em diferentes países da América Latina (incluindo o Brasil), 70 % dos entrevistados consideram os produtos com tal certificação mais caros, quando comparados aos não certificados (Cummins et al., 2016).
Definição e medidas de bem-estar animal
Entende-se como bem-estar o estado do animal em relação às suas tentativas de adaptar-se ao ambiente em que se encontra (Broom, 1986;1991), ou seja, o estado0 de bem-estar depende da percepção própria do animal de seu estado físico e emocional (Webster, 2003). Quando há frustração em lidar com o ambiente, pode-se surgir comportamentos agonísticos, comprometimento cognitivo e desencadear alterações imunológicas (LUO, 2020). O bem-estar animal pode variar entre muito bom e muito ruim de forma contínua e deve ser medido cientificamente de forma objetiva, a despeito de considerações morais (Molento, 2006).
Com o avanço da ciência, foram projetados diferentes protocolos e conceitos para avaliação de bem-estar animal. As cinco liberdades, fomentadas pelo Relatório de Brambell (1965) e desenvolvidas posteriormente pela Farm Animal Welfare Committee (Farm Animal Welfare Council, FAWC, 1993) constituem um instrumento reconhecido para diagnóstico de bem-estar animal (Molento, 2006). São elas (1) Liberdade de sede, fome e má nutrição, (2) Liberdade de dor, ferimentos e doença, (3) Liberdade de desconforto, (4) Liberdade para expressar comportamento natural e (5) Liberdade de medo e distresse (FAWC, 1993). Essa forma de avaliação apresenta como ponto positivo, indicadores de resultados organizados de maneira prática. Entretanto, o método possui um paradigma, as liberdades buscam promover o desaparecimento de fatores que alteram o bem-estar animal (exemplo: fome, sede e doenças), todavia, algumas delas não podem ser totalmente alcançadas, pois não são necessidades fisiológicas e sim experiências negativas, das quais desencadeiam comportamentos específicos para a preservação da vida (Mellor, 2012; Mellor y Beausoleil, 2015). Além de não contemplar consequências a longo prazo, representando assim, apenas uma “foto” do momento da avaliação (Webster, 2016).
Usando como base as cinco liberdades, houve o surgimento dos cinco domínios, ferramenta que busca acessar a extensão do comprometimento do bem-estar de animais ao invés da sua ausência. São eles (1) fome, sede e malnutrição, (2) desafios ambientais, (3) doenças, ferimentos, impedimento funcional, (4) comportamento e restrição da interação e (5) ansiedade, medo, dor e sofrimento. Para a avaliação dos domínios, foi proposta uma análise sistemática com a utilização de uma escala não numérica, onde os resultados dos quatro primeiros seriam acumulados para a avaliação do quinto domínio. (Mellor y Reid, 1994). Atualmente essa graduação é realizada com uma escala de A até E, onde o A indica sem comprometimento e o E, comprometimento muito severo, sendo o B, C e D o aumento gradual de forma intermediária de comprometimento (Mellor y Beausoleil, 2015).
De forma orgânica, após uma série de atualizações do corpo científico, os cinco domínios passaram a incorporar experiências afetivas positivas (Mellor y Beausoleil, 2015) e alterou a terminologia dos domínios se tornando (1) Nutrição, (2) Ambiente, (3) Saúde, (4) Interações comportamentais e (5) Estado mental (Mellor, 2017; Mellor et al., 2020). O conceito “vida digna de ser vivida”, do qual propõe o status de uma vida digna de ser vivida ou não (FAWC, 2009), foi agregado à ferramenta. Em paralelo aos cinco domínios, foi introduzida às cinco provisões associadas aos “objetivos de bem-estar animal”, dos quais implicam em guiar o público não especializado em avaliar a condição dos animais e as ações que devem ser tomadas para cada provisão, como sugere a tabela 1 (Mellor, 2016).
Pontos críticos na suinocultura
Com a utilização da ferramenta de cinco domínios em modelos de granjas comerciais, é possível sinalizar pontos chaves de manejo e elencá-los à IN113. Dessa forma, pode-se citar:
1. Domínio da nutrição
O cuidado com a nutrição do suíno tem início nos primeiros minutos de vida do animal, a primeira mamada é o fator mais importante na ingestão de colostro (Peltoniemi et al., 2021), do qual confere energia e imunidade passiva ao leitão, sendo imprescindível para a sobrevivência e desenvolvimento do animal (Le Dividich et al., 2005). Outro momento chave para o bem-estar dos leitões é semana após o desmame, onde o animal ainda não é capaz de ingerir uma dieta farelada, uma vez que o seu sistema enzimático e as estruturas do intestino delgado não estão bem desenvolvidas (de Lima et al., 2014). Para minimizar esse desafio, é recomendado o encorajamento da ingestão de dieta sólida o mais cedo possível, fornecendo-a para os leitões ainda durante a maternidade (de Lima et al., 2014), além de realizar o desmame na idade adequada. A IN113 dá o prazo de até 2045 para que os produtores brasileiros implantem o desmame com 24 dias em suas granjas (MAPA, 2020). Vale salientar que atenção com a nutrição dos animais em crescimento deve ser constante, uma vez que se trata de uma necessidade fisiológica.
Na vida adulta, a nutrição do animal influencia, não apenas o bem-estar da fêmea, como o de seus descendentes. O fornecimento insuficiente de nutrientes e energia à reprodutores pode produzir leitões fracos (Penz Junior et al., 2009), em contrapartida, o excesso no fornecimento de energia durante a gestação - especialmente à primíparas - ocasiona um prejuízo na produção de leite durante a lactação (Head et al., 1991). Sendo assim indispensável a atenção à necessidade nutricional de cada fase produtiva do animal.
2. Domínio do ambiente
É notório o desafio de ambiência na suinocultura em países tropicais como o Brasil, uma vez que o estresse térmico altera o comportamento, bem-estar e produção do animal (Ferrari et al., 2013). O suíno doméstico é suscetível ao aumento de temperatura dado a sua espessa camada de tecido adiposo e ausência de glândulas sudoríparas. Em casos extremos, pode ocorrer a hipertermia e consequentemente o óbito (Gomez Souza et al., 2020). O equilíbrio térmico varia de acordo com a idade do animal. Em ambientes onde se encontram duas faixas etárias diferentes, prioriza-se a confecção de microclimas (Gomez Souza et al., 2020).
Além da limpeza e densidade do ambiente influenciar na saúde do animal (Zanella Ciacci y Caron, 2021), o ambiente também apresenta grande impacto na modulação do comportamento de suínos, tópico que será discutido no Domínio de interações sociais (Kells, 2021). Buscando atender as necessidades ambientais, a IN113 vislumbra as densidades em todas as etapas produtivas além de estabelecer a obrigatoriedade do fornecimento de calor para os leitões (MAPA, 2020).
3. Domínio da saúde
Ao analisar os principais surtos sanitários na cadeia suinícola mundial nos últimos anos, nota-se a importância da adoção de medidas de biossegurança nas instalações, dado que os agentes infecciosos causadores de doenças entram em granjas através de pessoas ou animais (Zanella Ciacci y Caron, 2021). Ademais, elas auxiliam na redução do uso de antimicrobianos (Laanen et al., 2013).
Outra importante prática para o controle de doenças na suinocultura é a monitoria sanitária, uma maneira organizada e sistemática de acompanhamento da saúde do rebanho. Existem quatro tipos de monitoria sanitária - clínica, patológica, laboratorial e de abate (Tesche Lippke et al., 2009). No caso de alguma lesão ou doença ser identificada, a utilização das baias hospitalares se demonstrou benéfica para a produção de suínos, relatou uma redução de 46 % da taxa de mortalidade em lotes onde as baias hospitalares foram utilizadas de maneira correta. A IN 113 prevê a existência de áreas hospitalares em todas as fases de criação (MAPA, 2020).
O melhoramento e edição genética apresentam papel fundamental na saúde dos suínos. Por se tratar de uma produção intensiva, a seleção natural não é eficaz na manutenção e melhoria da robustez animal na suinocultura, tornando a seleção artificial encarregada de tal (Parada Sarmiento et al., 2021). Atualmente, a edição genética possibilita a produção de animais resistentes a certos vírus, como é o caso da resistência completa de suínos ao vírus do PRRS (Whitworth et al., 2016). Não obstante, o papel genético se torna de extrema importância quando estudada as relações epigenéticas, leitegadas oriundas de fêmeas com claudicação apresentaram alterações em sua performance e comportamento (Parada Sarmiento et al., 2021).
4. Domínio das interações comportamentais
O Domínio das interações comportamentais sofreu uma série de atualizações com o passar do tempo. Atualmente ele pode ser dividido em três categorias: (1) Interações com o ambiente, (2) Interações com outros animais e (3) Interações com o ser humano (Kells, 2021). As interações são consideradas indicadores de um bom bem-estar quando o animal é capaz de expressar comportamentos voluntários dirigidos à objetivos (Špinka, 2019), essas ações demonstram a existência de oportunidades de escolha, permitindo que animal crie um senso de controle das circunstâncias (Kells, 2021).
O suíno familiariza-se com o seu ambiente através da exploração dos diferentes recursos encontrados nele, ação realizada mediante à expressão dos comportamentos de fuçar, cheirar, morder e mastigar (Studnitz et al., 2007), tornando tal comportamento imprescindível para interações positivas com o ambiente. A organização social ocorre através da formação de grupos matriarcais de dominância hierárquica de uma ou mais fêmeas e sua prole, e machos solitários ou associados a pequenos grupos que se juntam às fêmeas na temporada reprodutiva (Lanthony et al., 2022). Na suinocultura industrial, as disputas para o estabelecimento de hierarquia ocorrem principalmente durante a disputa pelos tetos (primeiras horas de vida), desmame e formação de grupos na gestação coletiva (Ewbank, 1976; Kemper, 2021; Lanthony et al., 2022).
Nos modelos de criação intensiva, a interação entre os humanos e suínos ocorre em todas as etapas de produção, desde a vida fetal até o embarque para o abate (Lanthony et al., 2022). Devido à presença do humano na rotina do suíno doméstico, o seu papel na modulação do estado mental do animal é constante. A interação entre as espécies é dada por diferentes canais (visual, acústico, tátil e químico) e a percepção do ser humano pelo suíno é dividida em três camadas: (1) camada superficial, onde é considerada todas as experiências com o ser humano, criando uma representação geral da espécie humana para o animal, (2) camada intermediária onde ocorre a diferenciação entre pessoas e os seus papéis desenvolvidos e (3) desenvolvimento de uma relação individual, onde o reconhecimento ocorre por experiências específicas (Tallet et al., 2018).
As interações comportamentais são capazes de modular positivamente a saúde do animal (Boissy et al., 2007), entretanto, quando ocorre o contrário acarreta uma série de distúrbios. A privação da expressão do comportamento natural do animal gera comportamentos estereotipados e desvios comportamentais. Comportamentos estereotipados são movimentos repetitivos que tomam uma parte substancial do tempo do animal (de Arreguy Baptista et al., 2011). A caudofagia ou canibalismo de cauda é um desvio comportamental multifatorial derivado de comportamentos naturais do suíno (comportamento de manada, alimentação, exploração e expressão sexual) os quais foram direcionados às caudas de outros animais no mesmo ambiente devido a privação de estímulos adequados (Vanputten 1980). Em casos mais graves, esse distúrbio pode apresentar o prognóstico agravado pela fraqueza, perda de sangue e apetite, além do surgimento de infecções oportunistas (Fraser y Broom, 1990).
Com o objetivo de contemplar todos os aspectos comportamentais do suíno, a IN113 apresenta uma série de orientações que abrange os aspectos ambientais e sociais, dedicando um capítulo especificamente às relações humano-animal. Ademais, a legislação apresenta como obrigatório o fornecimento de enriquecimento ambiental em todas as estampas de produção (MAPA, 2020).
Uso de enriquecimento ambiental
A fim de mitigar a incidência de comportamentos nocivos ao bem-estar e diminuir o nível de estresse gerado pelo ambiente, pode-se fornecer o chamado enriquecimento ambiental (Foppa et al., 2020). Enriquecimento ambiental é definido como a melhoria das funções biológicas de um animal criado em cativeiro, decorrente de modificações em seu ambiente (Newberry, 1995). Para que seja considerado eficiente, o enriquecimento ambiental para suínos deve fornecer as condições necessárias para que o animal possa expressar o comportamento de forrageamento, conseguindo expressar o seu repertório comportamental - cheirar, fuçar, mastigar e lamber (Studnitz et al., 2007).
A confecção de um enriquecimento ambiental eficaz pode ser realizada utilizando uma vasta gama de materiais, que podem ser classificados como ótimo, “sub-ótimo” e de interesse marginal. Materiais ótimos são aqueles que possibilitam a investigação, manipulação e destruição, sendo capazes de sustentar o interesse do animal. A classificação intermediária contempla ferramentas que apresentam a maioria das propriedades, mas devem ser utilizadas idealmente em combinação à outros materiais. E materiais de interesse marginal são aqueles que conseguem distrair os suínos, mas não promovem a expressão do comportamento de forrageamento, sendo necessária a utilização conjunta de materiais ótimos ou “sub-ótimos” (Unión Europea, 2016).
Dentre as formas de fornecimento de enriquecimento ambiental, pode-se citar os brinquedos (objetos sólidos e manipuláveis que despertam a curiosidade do animal), enriquecimento sensorial (uso de música em frequências e ritmos adequados) e substratos naturais (Blackshaw et al., 1997; de Assis Maia et al., 2013; Plush et al., 2021). A utilização dessas formas de enriquecimento se demonstrou eficaz em todas as etapas de produção (Crone, 2023; Vanheukelom et al., 2012).
Conclusão
A ciência do bem-estar está em constante evolução e o seu desenvolvimento auxilia na criação de estratégias que melhoram a qualidade de vida dos suínos submetidos ao sistema de produção intensivo. Em concordância às tendências mercadológicas, o poder público e privado vem se adequando na forma de legislações e selos de qualidades, visando cada vez mais construir um sistema de produção que consiga atender as necessidades do animal.
Ao utilizar a ferramenta dos cinco domínios no modelo de produção atual é possível elencar uma série de pontos críticos de manejo que influenciam diretamente no bem-estar do animal. Pontos que são abrangidos pela mais recente legislação brasileira.