A temática competências socioemocionais têm chamado a atenção de pesquisadores e educadores, principalmente pela sua relevância teórica e prática. Programas e projetos de educação socioemocional têm sido conduzidos em diversos países, principalmente aplicados a educação básica. (Berger, Milicic, Alcalay, & Torretti, 2014; Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning, 2008; Damásio, 2017). O objetivo dessas intervenções é desenvolver habilidades não cognitivas que possam contribuir com o desenvolvimento humano, o bem-estar pessoal e até mesmo, com a prevenção de problemas como a prática de bullying, problemas de ajustamento escolar, sofrimento psíquico e suicídio.
As intervenções no processo de educação socioemocional geralmente são iniciadas com a realização de diagnóstico de necessidades. O ambiente que tem recebido maior atenção para o desenvolvimento destas competências é o contexto escolar, principalmente nas séries primárias e secundárias. Visto que as competências socioemocionais ainda não têm sido aplicadas ao público universitário, este estudo tem como objetivo geral a construção de normas para a escala de mensuração das competências socioemocionais para estudantes universitários de Souza et al. (2021). O propósito foi instrumentalizar pesquisadores e educadores com uma ferramenta que possa auxiliar em programas de treinamento a partir de um diagnóstico. Como objetivo específico, a pesquisa verificou a existência de evidências do poder preditivo das competências socioemocionais sobre o bem-estar subjetivo de estudantes universitários.
Competências socioemocionais
As competências socioemocionais podem ser definidas como habilidades individuais que se manifestam como sentimentos, pensamentos e comportamentos desenvolvidos através de experiências de aprendizagens, sendo importantes propulsionadoras de resultados positivos na vida dos indivíduos (Kankaras & Suarez-Alvarez, 2019).
Essas competências têm sido conceituadas como um construto multidimensional que podem apresentar modelos com diversos fatores. Elas geralmente abarcam variáveis cognitivas, emocionais e comportamentais, que contribuem para o desenvolvimento humano (Weissberg, Durlak, Domitrovich & Gullotta, 2015). Podem abranger um conjunto de habilidades, como: reconhecimento e gerenciamento emocional; cuidado e preocupação com as pessoas; desenvolvimento de relações positivas e o direcionamento para a tomada de decisões responsáveis, construtivas e éticas (Collaborative for Academic Social and Emotional Learning, 2008).
Podem ser reconhecidas também como um conjunto de traços de personalidade, habilidades e comportamentos. Incluem variáveis como: temperamento; personalidade; atitudes; valores. Variáveis sociais, como: liderança; autoestima e autoeficácia. Hábitos de trabalho, como persistência e entusiasmo (Abed, 2016).
As competências socioemocionais comumente são definidas como conhecimentos sobre si e sobre os outros, que objetivam principalmente, o gerenciamento e a utilização das emoções com o objetivo de promoção do bem-estar e busca de qualidade nas relações sociais (Gondim, Morais & Brantes, 2014). Podem ser conceituadas como conhecimentos, habilidades e atitudes que permitem o reconhecimento das próprias emoções e das emoções dos outros. Assim, apresentam-se como um conglomerado de saberes que possibilitam respostas efetivas em ambientes complexos (Bisquerra & López, 2021).
O modelo de competências socioemocionais utilizado neste estudo foi o proposto por Souza et al. (2021). Este modelo concebe as competências socioemocionais como habilidades pessoais que podem ser adquiridas por aprendizagem formal ou informal. O modelo apresenta seis fatores, que serão descritos a seguir.
Fator 1. Autoconsciência emocional: habilidade de reconhecimento das próprias características pessoais relacionadas a um padrão de respostas a situações de vida diante de emoções positivas e negativas, bem como a habilidade de identificação de pontos fortes, fracos, valores, impulsos e potencialidades no gerenciamento das emoções para alcance de metas pessoais.
Fator 2. Autogerenciamento das emoções: habilidades de gerenciamento das emoções e impulsos em situações de vida pessoal, com o objetivo de controle emocional para estabelecimento de relacionamentos sociais saudáveis e de manutenção do equilíbrio em busca da concretização de metas pessoais.
Fator 3. Perseverança: habilidades de manutenção da motivação em busca da concretização de objetivos de vida, permeados pela cultura da iniciativa, autoeficácia, otimismo, autoestima e a tolerância à frustração diante de situações de vida.
Fator 4. Consciência social: habilidades relacionadas a capacidade de percepção das situações de relacionamentos sociais, bem como dos sentimentos e emoções das pessoas, com o objetivo de corresponder afetivamente de forma eficiente em relacionamentos com os nossos pares.
Fator 5. Habilidades de relacionamento: habilidades de desenvolvimento e manutenção de relações sociais saudáveis e gratificantes com o uso eficiente de comunicação, assertividade, cooperação, liderança, gestão de conflitos e ausência de ansiedade social.
Fator 6. Tomada de decisão responsável: capacidade de gerenciar a tomada de decisão com base em padrões éticos em busca da construção de relações sociais saudáveis, através da promoção de comportamentos seguros, monitoramento dos riscos e de consequências negativas das atitudes.
Bem-estar subjetivo
As pesquisas sobre o bem-estar referem-se aos estudos sobre a felicidade. Duas grandes correntes de estudos e pesquisas têm destaque na área: a de bem-estar psicológico e a de bem-estar subjetivo (Albuquerque & Tróccoli, 2004).
A linha de estudos sobre o bem-estar subjetivo aborda a concepção de felicidade baseada na visão hedônica. Segundo Ryan e Deci (2001) a visão hedônica de felicidade é de que o bem-estar deve ser compreendido como a experiência de prazer versus desprazer, que gera julgamentos sobre os elementos positivos e negativos da vida. Já os estudos sobre o bem-estar psicológico adotam uma visão eudaimônica de felicidade, desenvolvida principalmente nas pesquisas propostas por Riff (1989), que se apoia na concepção de funcionamento positivo a partir de um modelo de seis dimensões.
O bem-estar subjetivo pode ser considerado um construto multidimensional que está intimamente relacionado à satisfação consigo mesmo e com o ambiente no qual o indivíduo está inserido. O conceito refere-se a fenômenos que incluem respostas emocionais e julgamentos acerca da satisfação com a vida (Ryan & Deci, 2001).
O estudo do bem-estar subjetivo tem o propósito de compreender a avaliação que as pessoas fazem de suas vidas (Pereira & Costa, 2007). Para Nunes, Hutz e Giacomoni (2009) o bem-estar subjetivo são componentes cognitivos e emocionais utilizados pelas pessoas na avaliação de suas próprias vidas. Desta forma, o bem-estar subjetivo seria uma autoavaliação sobre quão feliz o indivíduo se sente, independentemente de condições adversas com situação econômica, saúde física, desempenho profissional, dentre outras.
O bem-estar subjetivo é caracterizado comumente como um construto formado por três dimensões, composto pela satisfação com a vida, afetos positivos e os afetos negativos (Diener et al., 2016). Inclusive, este modelo foi utilizado como base teórica para a construção das escalas de mensuração do bem-estar subjetivo utilizadas neste estudo.
Pesquisas sobre competências socioemocionais e bem-estar
Elias (2013) desenvolveu uma pesquisa que buscou avaliar o impacto de um programa de promoção de habilidades socioemocionais em docentes. O objetivo foi verificar se o programa teve impacto em quatro dimensões do funcionamento dos professores: autoeficácia; burnout; bem-estar e mindfulness.
Este Programa, conhecido como MindUP é um programa interventivo, baseado em evidência científica, que busca promover o bem-estar psicológico, a consciência socioemocional e o sucesso escolar. Seu conteúdo é alicerçado no modelo de aprendizagem socioemocional de Casel (2008).
De acordo com os dados o grupo de intervenção apresentou diferenças significativas na variável bem-estar social, sendo a média do fator antes da intervenção de 3,21 e pós-intervenção 3,81, z = -2,44; p = 0,005 e bem-estar geral com média antes da intervenção de 3,85 e pós-intervenção 4,2, z = -1,95; p = 0,025, apresentando um aumento dos níveis das mesmas após a aplicação do programa. Já para o grupo controle, os docentes não apresentaram resultados de diferenças significativas. Desta forma, a aplicação do programa MindUP apresentou efeitos no grupo de intervenção em variáveis de bem-estar.
Santos (2014) realizou um estudo com jovens estudantes sobre necessidades socioemocionais. Um dos objetivos da pesquisa foi verificar o impacto das competências socioemocionais sobre o bem-estar. Os resultados das correlações de Pearson, entre todas as facetas das escalas de competências socioemocionais e bem-estar, apresentaram correlações positivas significativas e variaram entre r = 0,21, p < 0,001 e r = 0,61, p < 0,001.
Foram realizadas análises de regressão linear simples, tendo como variáveis dependentes as subescalas de bem-estar e como variáveis independentes, as subescalas de competências socioemocionais. Os resultados demonstraram que as competências socioemocionais foram preditoras de bem-estar, sendo: R² = 0,48, p < 0,001, para bem-estar psicológico; R² = 0,26, p < 0,001, para bem-estar social e R² = 0,37, p < 0,001, para bem-estar emocional.
Di Fabio & Kenny (2016) realizaram uma pesquisa no qual um dos objetivos específicos, foi analisar as relações existentes entre inteligência emocional e bem-estar subjetivo. Foram conduzidas análises de correlações de Pearson entre todas as medidas de habilidades, traços de inteligência emocional e bem-estar. Os resultados mostraram relações significativas entre os seguintes fatores: fator geral do Bar-OnEQ-i e afetos positivos, r = 0,35, p < 0,001; fator geral do Bar-OnEQ-i e afetos negativos, r = - 0,35, p < 0,001; fator geral do Bar-OnEQ-i e satisfação com a vida, r = 0,32, p < 0,001; fator geral do TeiQue e afetos positivos, r = 0,30, p < 0,001; fator geral do TeiQue e afetos negativos, r = - 0,24, p < 0,001 e fator geral do TeiQue e satisfação com a vida, r = 0,44, p < 0,001. Não foram encontradas correlações significativas com as medidas do instrumento MSCEIT e bem-estar.
França-Freitas, Del Prette e Del Prette (2017) realizaram uma pesquisa com crianças que objetivou analisar o poder de predição das habilidades sociais sobre o bem-estar. Análises de correlações de Pearson foram conduzidas entre todos os fatores das escalas de habilidades sociais e bem-estar. Os resultados demonstraram que o escore total de habilidades sociais apresentou correlação positiva com o escore geral de bem-estar subjetivo, r = 0,56, p < 0,001. Também foram encontrados resultados significativos para os indicadores de afetos positivos, negativos e de bem-estar subjetivo, em correlação com o escore total de habilidades sociais, sendo: habilidades sociais e afetos negativos, r = -0,30, p < 0,001; e habilidades sociais e afetos positivos, r = 0,44, p < 0,001. Com relação aos indicadores de satisfação com a vida, as competências sociais apresentaram a correlação de r = 0,57, p < 0,001. Pode-se destacar ainda, as subescalas de habilidades sociais, que apresentaram correlações mais fortes com o escore total de bem-estar subjetivo. Foram elas: responsabilidade, r = 0,47, p < 0,001; autocontrole, r = 0,43, p < 0,001; e assertividade, r = 0,42, p < 0,001. Foram conduzidas ainda neste estudo, quatro análises de regressão linear, tendo as habilidades sociais como preditoras do bem-estar. O primeiro modelo teve como variável critério o escore total de bem-estar subjetivo. Os resultados indicaram que as subescalas de habilidades sociais explicaram significativamente o bem-estar subjetivo, R² = 0,33, p < 0,001. O segundo modelo teve como variável predita a satisfação com a vida. Os resultados indicaram que as subescalas de habilidades sociais explicaram significativamente a satisfação com a vida, R² = 0,34, p < 0,001. O terceiro modelo teve o afeto positivo como variável predita. Os resultados apontaram que as subescalas de habilidades sociais explicaram significativamente o afeto positivo, R² = 0,23, p < 0,001. Por fim, no quarto modelo, o indicador afeto negativo foi predito negativamente pelas subescalas de habilidades sociais, R² = -0,16, p < 0,001.
Moutinho, Monteiro, Costa e Faria (2019) conduziram uma pesquisa com o objetivo geral de explorar a relação entre inteligência emocional, flow, felicidade, desempenho acadêmico e bem-estar subjetivo em universitários. Os resultados mostraram correlações estatísticas significativas entre os fatores de inteligência emocional e bem-estar. A escala geral de inteligência emocional correlacionou-se positivamente com a escala geral de bem-estar, r = 0,51, p < 0,001. A escala geral de inteligência emocional correlacionou-se positivamente com a escala de afetos positivos, r = 0,51, p < 0,001 e negativamente com a escala de afetos negativos, r = - 0,42, p < 0,001.
Francisco (2019) realizou um estudo com jovens institucionalizados no qual um dos objetivos específicos foi analisar as relações existentes entre as competências socioemocionais e o bem-estar. Foram realizadas análises de correlações de Pearson entre todos os fatores das escalas de competências socioemocionais e bem-estar. Resultados significativos foram encontrados nas seguintes relações: bem-estar e competências socioemocionais, r = 0,36, p < 0,001; resolução de problemas e bem-estar, r = 0,38, p < 0,001; e regulação emocional e bem-estar, r = 0,32, p < 0,001.
Llinares-Insa, Casino-García e García-Pérez (2020) conduziram uma pesquisa que objetivou analisar as relações entre inteligência emocional de pais de crianças superdotadas e de crianças sem superdotação, com o bem-estar subjetivo. Foram conduzidas análises de correlação de Pearson para avaliar as relações entre as variáveis. Os dados mostraram que a inteligência emocional se correlacionou significativamente com o bem-estar subjetivo, tanto para a amostra total, r = 0,39, p < 0,001, como para as amostras de pais de crianças superdotadas, r = 0,45, p < 0,001, e de crianças sem superdotação, r = 0,29, p < 0,001.
Foram descobertos também resultados significativos entre a inteligência emocional geral e os afetos positivos para as diferentes amostras: r = 0,44, p < ,001, para a amostra geral; r = 0,47, p < ,001, para a amostra dois e r = 0,39, p < 0,001, para a amostra três. Com relação a inteligência emocional geral e os afetos negativos, foram encontradas relações significativas negativas para duas amostras: r = -0,25, p < 0,001, para a amostra geral e r = -0,34, p < 0,001, para amostra de pais de crianças superdotadas.
Método
Participantes
A pesquisa utilizou dados de duas amostras. Uma para produção de normas e a outra para análise da relação entre competências socioemocionais com o construto bem-estar subjetivo. O banco de dados utilizado para o desenvolvimento de normas foi composto por 1.020 estudantes oriundos de 15 cursos de duas instituições de ensino superior localizadas no Distrito Federal, Brasil. Dentre eles, 66,7% da amostra é do sexo feminino. A média de idade foi de 25,97 anos, desvio padrão = 8,20. As idades ficaram entre 18 e 66 anos.
Derivada do banco de dados da primeira amostra, obtivemos outra amostra, composta por 253 alunos de uma instituição de ensino superior do Distrito Federal. Os dados foram coletados em quatro cursos de graduação. Sobre a variável sexo, 71,5% da amostra foi do sexo feminino. A média de idade foi de 27,89 anos, desvio padrão = 8,92. As idades ficaram entre 18 e 66 anos.
Instrumentos
Para execução desta pesquisa foram utilizados dois instrumentos. O primeiro foi a escala de competências socioemocionais para universitários, de Souza et al. (2021). A escala é composta por 31 itens e para este estudo apresentou os seguintes indicadores: consciência social, cinco itens, (α = 0,76 e ω = 0,76); autogerenciamento das emoções, com cinco itens, (α = 0,76 e ω = 0,77); tomada de decisão responsável, com cinco itens, (α = 0,70 e ω = 0,71); autoconsciência emocional, com quatro itens, (α = 0,67 e ω = 0,67); habilidades de relacionamento, com quatro itens, (α = 0,78 e ω = 0,79); e perseverança, com sete itens, (α = 0,76 e ω = 0,77). O modelo apresentou bons índices de ajustes: χ2 = 769,81, χ2/df = 1,83; CFI = 0,96; TLI = 0,96; RMSEA = 0,03 e SRMS = 0,05.
O segundo instrumento utilizado foi construído para a mensuração o bem-estar subjetivo. Ele é composto por uma escala de afetos positivos e negativos, desenvolvida por Zanon e Hutz (2014) e outra escala de satisfação com a vida, construída por Zanon et al. (2013). Para este estudo a escala ficou composta por dez itens de afeto positivo, (α = 0,88 e ω = 0,89); dez itens de afetos negativos, (α = 0,85 e ω = 0,87) e cinco itens de satisfação com a vida, (α = 0,78 e ω = 0,79). O modelo apresentou bons índices de ajustes: χ2 = 316,04, χ2/df = 1,16; CFI = 0,99; TLI = 0,99; RMSEA = 0,02 e SRMS = 0,05.
Procedimentos éticos e de coleta
Os dados foram coletados através de um caderno de pesquisa contendo todos os instrumentos e um termos de consentimento livre e esclarecido, que informava aos participantes o tema e o objetivo da pesquisa, garantindo também a não identificação do sujeito. De forma complementar, foi inserido um questionário com dados sociodemográficos. Os dados foram coletados com o uso de um formulário do Google Forms. As perguntas sobre os dados sociodemográficos foram: idade, sexo, curso e semestre.
Procedimentos de análises
Nos procedimentos de análises estatísticas, empregou-se os seguintes programas: Statistical Package for the Social Science (SPPS 22) e o JASP 0.15. Inicialmente foram realizadas análises descritivas para investigar a exatidão da entrada dos dados, a presença de casos extremos e a distribuição dos casos omissos.
O primeiro procedimento, com o uso do JASP 0.15., foi a execução de uma análise fatorial confirmatória das escalas. Nestas análises foram utilizados o método de estimação Robust Diagonally Weighted Least Squares (RDWLS), adequado para dados ordinais e para correção dos dados, caso eles não tenham distribuição normal.
Para construção das tabelas normativas foi utilizado o SPPS 22. Foram realizados os somatórios dos escores brutos dos itens pertencentes a cada fator da escala de competências socioemocionais. Os resultados foram organizados em uma escala percentílica.
Por fim, também com o uso do SPPS 22, foram realizados cálculos de correlações estatísticas entre todos os fatores dos construtos, com o intuito de analisar as relações existentes. De maneira complementar, foram conduzidas análises de regressão linear múltipla (método forward) para investigação da relação existente entre competências socioemocionais e as variáveis preditas. Com relação aos pressupostos da regressão, foram analisados os critérios de multicolinearidade e independência dos resíduos, que não apresentaram dados problemáticos.
Resultados
Normatização
Para produção da tabela normativa foram realizados os somatórios dos escores brutos dos itens pertencentes a cada fator da escala de competências socioemocionais. Estes escores foram organizados em uma escala percentílica.
A Tabela 1 apresenta os valores dos escores t obtidos em cada fator, os escores percentílicos e escores brutos. A tabela normativa foi construída a partir da análise da amostra total. O objetivo foi disponibilizar escores de referência para que a aplicação da escala de competências socioemocionais de estudantes universitários, em sujeitos, possa ser comparada com os dados desta amostra e assim, possibilitar
um diagnóstico mais preciso.
Análises de correlação
Com o intuito de compreender as relações existentes entre todas as variáveis dos instrumentos utilizados, foram conduzidas análises de correlações de Pearson. A Tabela 2 apresenta todas as correlações testadas estatisticamente.
Nota: Per. = Perseverança. Hab. = Habilidade de relacionamento. Cons. = Consciência social. Autog. = Autogerenciamento das emoções. Tom. = Tomada de decisão responsável. Autoc. = Autoconsciência emocional. A. P. = Afeto Positivo. A. N. = Afeto Negativo. S. V. = Satisfação com a Vida. ** Correlações significativas em 0,01. * Correlações significativas em 0,05.
Análises de regressão
Foram realizadas análises de regressão (método forward) com o intuito de investigar em que medida os fatores de competências socioemocionais (autoconsciência emocional; perseverança; habilidades de relacionamento; autogerenciamento das emoções; consciência social e tomada de decisão responsável) impactam nos fatores de bem-estar subjetivo (afeto positivo; afeto negativo e satisfação com a vida). Para cada fator do construto de bem-estar subjetivo foi conduzida uma análise de regressão.
A Tabela 3 apresenta os indicadores para todos os preditores significativos. Pode-se verificar que a variável que mais fortemente impactou os níveis de afetos negativos foi o autogerenciamento das emoções, explicando 30,2% da variável predita.
A Tabela 4 apresenta os indicadores para todos os preditores significativos. Verificou-se que a variável que mais impactou os níveis de afetos positivos foi a de habilidades de relacionamento, explicando 17,1% da variável predita.
A Tabela 5 apresenta os indicadores para todos os preditores significativos. Conforme pode ser verificado, a variável que mais fortemente impactou os níveis de satisfação com a vida foi perseverança, explicando 11,8% da variável predita.
Discussão
A construção de normas deste estudo foi de extrema importância para que este instrumento possa ser utilizado para fins de diagnóstico. Normas gerais foram desenvolvidas para que esta ferramenta possa ser mais precisa no seu poder de interpretação dos resultados a partir de suas aplicações.
Sobre o número de participantes para construção de normas, foram adotados os critérios da Resolução do Conselho Profissional de Psicologia, nº 9 de 2018, (CFP, 2018). O documento afirma que uma amostra suficiente para produção de normas deverá contemplar pelo menos uma região geopolítica brasileira, com no mínimo de 500 respondentes.
Nas análises de correlação desta pesquisa, apenas o fator autogerenciamento das emoções, pertencente as competências socioemocionais para estudantes universitários, não apresentou correlação significativamente com os fatores afeto negativo e satisfação com a vida. As correlações entre os fatores de competências e os fatores de bem-estar apresentaram índices entre, r = 0,12, p < 0,001 e r = 0,50, p < 0,001.
A revisão da literatura sobre antecedentes de bem-estar conduzida neste artigo, demonstrou que os principais fatores que se associaram significativamente com o bem-estar subjetivo e bem-estar geral foram: habilidades sociais; consciência social; processamento de informações sociais; expressão emocional; capacidade para lidar com a emoção; percepção emocional; autocontrole; responsabilidade e assertividade. As correlações entre esses fatores específicos, fatores gerais de competências socioemocionais e fatores gerais e específicos do bem-estar, apresentaram índices semelhantes aos encontrados nesta pesquisa, entre r = 0,21, p < 0,001 e r = 0,61, p < 0,001. (Di Fabio & Kenny, 2016; França-Freitas et al., 2017; Francisco, 2019; Moutinho et al., 2019; Llinares-Insa et al., 2020; Santos, 2014).
As análises de regressão realizadas com todos os fatores de competências socioemocionais, mostraram que os principais preditores de bem-estar subjetivo foram: perseverança; autogerenciamento das emoções; habilidades de relacionamento e autoconsciência emocional. Os resultados das regressões ficaram ente R² = 0,16, p < 0,001 e R² = 0,34, p < 0,001.
A revisão de literatura conduzida neste artigo demonstrou que os principais antecedentes do bem-estar utilizaram como variáveis preditoras, os fatores de competências socioemocionais, ou o fator geral do construto. Os principais fatores das variáveis critério foram: fator geral de bem-estar subjetivo; fator geral de bem-estar; afeto negativo; afeto positivo e satisfação com a vida. Os resultados das análises de regressão foram semelhantes aos encontrados neste estudo e ficaram entre R² = 0,16, p < 0,001 e R² = 0,48, p < 0,001. (França-Freitas et al., 2017; Santos, 2014)
A revisão de literatura também demonstrou em um estudo empírico, que um programa de competências socioemocionais foi capaz de aumentar o bem-estar dos participantes. Foi demonstrado que a aplicação do programa MindUP produziu efeitos no grupo de intervenção em variáveis de bem-estar, demonstrando evidências de que as competências socioemocionais se correlacionam significativamente com a variável anterior (Elias, 2013).
Considerações finais
A partir das análises dos dados podemos concluir que a literatura tem apresentado evidências científicas de que as competências socioemocionais são capazes de proporcionar o bem-estar dos indivíduos. Desta forma, foi possível constatar que a escala de competência socioemocionais de estudante universitários apresentou evidências de validade critério, ao demonstrar índices de correlações significativas e poder de predição sobre o bem-estar.
Sugere-se que este instrumento possa ser utilizado para fins de diagnóstico e proposição de treinamento de competências socioemocionais para estudantes universitários. Este instrumento, construído para esta finalidade, também pode ser empregado como ferramenta de mensuração na aquisição de habilidades socioemocionais, após execução de treinamentos.
De forma complementar, a ferramenta apresenta potencial para ser aplicada em outros ambientes, como no contexto clínico, especialmente em serviços de atendimento psicológico para estudantes universitários, com o objetivo de identificar habilidades dos estudantes. O uso desta ferramenta para pesquisas correlacionais, também pode contribuir para uma maior compreensão das competências socioemocionais como preditoras de outros construtos e de variáveis sociais, pessoais, culturais.
Como limitações deste estudo, destaca-se que, apesar da amostra para produção de normas ter alcançado critérios mínimos determinados pelo Conselho Federal de Psicologia, é importante destacar que a amostra analisada não foi representativa da população brasileira. Entretanto, os dados normativos produzidos contribuem para uma intepretação precisa dos resultados da aplicação do instrumento. Sugere-se que esta amostra possa ser ampliada e que os dados possam ser coletados em pelo menos alguns estados de todas as regiões brasileiras. Suplementando ainda, investigações sobre diferenças entre escores para sexo e idade, com intuito de produção de normas específicas, podem ser foco de estudos posteriores, o que não foi objetivo desta pesquisa.
Por ser uma ferramenta de autorrelato, envolvendo a mensuração de competências, a desejabilidade social da escala é um aspecto que deve ser repensado no processo de construção de escalas deste construto. Sugerem-se também que novas pesquisas possam buscar melhorar os índices de precisão dos fatores deste instrumento.