1. INTRODUÇÃO
A comunicação desempenha um papel crucial em como as pessoas se relacionam, influenciando suas práticas cotidianas (Lefebvre, 2009). Ela é compreendida como um domínio que abrange a apropriação das tecnologias midiáticas e a produção de sentidos (Martín-Barbero, 2009). Desta forma, a comunicação vai além de ser apenas uma resposta às demandas do mercado e do sistema, pois também atende a uma demanda emergente da cultura, do uso dos aparatos tecnológicos, além da percepção da mídia como um sistema social de produção de sentidos.
A midiatização é apontada por Sá Martino (2020) como uma ligação intrínseca entre as mídias e as práticas sociais, onde o foco do pensamento está nos sentidos que emergem da articulação entre esses dois fatores. Traçando o percurso do termo, Vera França (2020) discorre sobre dois movimentos interligados na criação e força de um conceito: de um lado a explicação do motivo pelo qual ele apareceu em um dado momento histórico, motivado pelo surgimento de mudanças “na ordem do mundo” (p. 24); por outro lado, uma elaboração epistêmica reflexiva que busca dar conta das questões do mundo empírico e elabora uma construção conceitual que nos permite melhor observar os fenômenos que despontam. A autora considera, portanto, que quando falamos sobre midiatização nos referimos tanto a um fenômeno presente na vida cotidiana, e que já não pode ser negado, quanto às ferramentas teóricas que estão sendo articuladas para entender esse fenômeno por diferentes perspectivas.
Esse fenômeno complexo tem desafiado pesquisadores a compreenderem as implicações sociais e culturais que dele decorrem. Isso porque a própria sociabilidade construída por meio das tecnologias digitais parece evidenciar a Comunicação e seus processos como construtores de sentidos que desafiam a manutenção das fronteiras de investigação acadêmica. Assim, olhar para a sociedade midiatizada nos força a repensar a própria epistemologia da Comunicação, relativizando e complexificando não apenas as dimensões dos processos comunicacionais e objetos, mas a maneira como são observados. França (2016) percebe esse processo comunicativo enquanto dinâmica afetiva no encontro entre sujeitos. Com isso, podemos tomar como objeto as situações cotidianas de interação, que promovem o cruzamento entre a experiência interacional dialógica de sujeitos, discursos e contexto socio-histórico.
Diante dessa realidade, emergem perspectivas teóricas que buscam explorar a interpenetração entre os campos da Educação e da Comunicação, assim como as repercussões sociais e culturais resultantes dessa interação. Paulo Freire (2019 y 2021), por exemplo, destacava a centralidade da comunicação no processo educativo, ressaltando a importância do contato e do afeto no ato de compartilhar conhecimentos. Essa visão reforça a necessidade de compreendermos como as transformações nas práticas comunicativas impactam a educação e vice-versa.
Nesse sentido, nos propomos a examinar a influência da comunicação midiática na sociabilidade e produção de sentidos, pensando a dimensão afetiva na construção do conhecimento. Pensando a experiência estética, delinearemos tanto as transformações promovidas pelas tecnologias midiáticas na educação, quanto as implicações sociais e culturais decorrentes da apropriação, por professores, dos espaços mediados por plataformas sociais. Para tanto, partiremos da análise bibliográfica sobre diversas dimensões do fenômeno midiático dos professores influenciadores digitais na plataforma Instagram. Assim, podemos apontar no campo empírico as impressões e afetamentos relatados por meio de entrevistas em profundidade por influenciadores em dois casos concretos. Buscamos contribuir com reflexões críticas a respeito da interação entre comunicação, sociabilidade e produção de sentidos no contexto educativo atual.
2. A MIDIATIZAÇÃO DO COTIDIANO E O ESPETÁCULO NAS PLATAFORMAS
Refletir sobre as mídias sociais no atual panorama midiático requer identificar a complexa interligação entre as esferas políticas, técnicas, econômicas e sociais que compõem e se entrelaçam nos Estudos de Plataforma (van Dijck, Poell & Wall, 2018). Esses estudiosos argumentam que as plataformas contemporâneas exercem influência sobre a sociedade, remodelando as interações interpessoais, os procedimentos relacionados ao consumo de produtos e serviços, práticas de ocupação urbana e, inclusive, as modalidades de participação política e cidadã na sociedade atual.
A consideração do Instagram como plataforma, seus usos e suas implicações na produção de sentidos, envolve um dos requisitos específicos de investigação, destacando-o como uma ferramenta transformadora do cotidiano. À medida que as tecnologias e plataformas midiáticas são cada vez mais utilizadas e ganham importância crescente no cotidiano, é possível adotar a perspectiva de Lefebvre (2009) sobre a relação entre o cotidiano e a manifestação dos fenômenos das estruturas sociais, que são vivenciados pelos indivíduos em uma determinada sociedade. Para o autor, o cotidiano representa o mundo real e concreto, o que nos permite explorar a esfera cotidiana como um campo social no qual examinaremos a influência da comunicação na vida em sociedade.
Ao discorrer sobre o cotidiano como a vida de todos os dias, Heller (2008) enfatiza que essa esfera é abrangente e não se restringe apenas às atividades cotidianas, mas também engloba o âmbito que ela denomina de “não-cotidiano” (p. 17), envolvendo práticas morais, formas de pensamento sobre a vida, ética, arte, ciência e religiosidade. Segundo Heller, a vida cotidiana é moldada por meio das objetivações realizadas pelo ser humano, que se manifestam tanto na linguagem quanto no uso de ferramentas e costumes determinados pela sociedade. Ao observar as atividades dos indivíduos em particular, temos a capacidade de compreender a reprodução do contexto social, uma vez que uma sociedade não pode existir sem a reprodução pelos indivíduos que a compõem.
Lefebvre (2009) aproxima-se da perspectiva de Heller (2008) ao afirmar que a vida cotidiana representa um nível da realidade social que se apresenta por meio da “totalidade” e, portanto, não se limita apenas às situações circunscritas nessa esfera. Em outras palavras, para Lefebvre (2009), a vida cotidiana emerge do concreto, da práxis. A práxis pode ser observada como uma ação que nos permite compreender as superestruturas e, ao mesmo tempo, buscar nelas as explicações para as ações realizadas na vida cotidiana.
Considerando as contribuições de Michel de Certeau (2014), os atos realizados no cotidiano são entendidos como práticas específicas que frequentemente se manifestam como “táticas”, sendo concebidas como artes de ação dos atores sociais de maneira dialética, imersos em um mundo social. Essas táticas são ações práticas executadas pelos indivíduos no dia a dia, mas que possuem o poder de transformar a sociedade, manifestando-se por meio de tomadas de decisão, atos e formas de aproveitar uma ocasião. Segundo Certeau, o cotidiano emerge das relações no mundo diário, portanto, é importante não apenas compreender o que os sujeitos fazem, mas também por que o fazem e qual o impacto dessas ações no indivíduo.
As práticas de uso das mídias sociais, como o Instagram, podem ser configuradas ao adaptarmos o pensamento de Certeau como uma forma de agir e de se apropriar do espaço social. Trata-se de uma prática que não é inerte e passiva, mas sim dialética. Em outras palavras, o Instagram altera as práticas sociais ao ser visto como uma representação da sociedade de consumo e suas lógicas, enquanto as “maneiras de fazer” são respostas ativas e geradoras de sentidos às imposições do sistema.
Moores (2019) destaca a importância em compreender as condições de produção e consumo, bem como as relações simbólicas envolvidas no uso de qualquer mídia na vida cotidiana. Por sua vez, Martín-Barbero (2009) denomina tais articulações entre práticas de comunicação e movimentos sociais como “mediações”. Para o autor, a comunicação é uma questão de mediações, ou seja, é uma questão cultural, sendo entendida como um campo que produz significados. Essa produção não ocorre apenas em função do mercado e do sistema, mas também atende a demandas que emergem da cultura, percepção e uso das mídias.
Quando falamos de mediação, estamos construindo uma relação com os processos de midiatização, ambos apontados por Vera França (2020) como um par permanente. Para ela, o conceito de mediação pode ser visto como uma marca do pensamento comunicacional latino-americano, já articulado por Martín-Barbero (2009) desde a década de 1980. Ainda, este autor, apesar de não falar explicitamente em midiatização, enfatiza o protagonismo comunicacional, onde a mediação coloca como prioridade o comunicativo, ao invés de os meios.
Hjarvard (2013) também destaca o papel da mídia como agente capaz de promover mudanças culturais e sociais. Ele utiliza o termo midiatização para descrever como as mídias e os meios de comunicação desempenham papel central na sociedade, levando até mesmo a uma adaptação das questões sociais e instituições a essa influência. Ao mesmo tempo as mídias e os meios de comunicação se integram à vida dos sujeitos e permeiam todos os domínios das outras instituições.
Apesar de conceituar a mediação com um peso de menor alcance, lemos Hjarvard (2014) faz uma contribuição para o conceito de mediação proposto por Martín-Barbero (2009), ao localizarmos que as mídias, enquanto estruturas, se tornaram institucionalizadas em diversos domínios sociais, sendo configuradas como instituições sociais em si. Como tal, elas têm a capacidade de penetrar em várias esferas e transformar os processos de interação social nelas originados. Ainda, a relação institucional com as mídias não se constitui em um jogo empatado entre os agentes, pois as lógicas da mídia não necessariamente se opõem diretamente às lógicas de outros domínios institucionais, mas podem estar sobrepostas (Hjarvard, 2018).
Nesse contexto, o Instagram não pode ser percebido simplesmente como uma rede social, um aplicativo ou um site de relacionamentos, pois desempenha um papel de extrema relevância na produção de significados, na construção de identidades e até mesmo na forma como compreendemos nossa sociedade e nos apresentamos ao mundo. Leaver, Highfield e Abdin (2020) argumentam que o Instagram deve ser compreendido como um ícone para o estudo da cultura visual nas mídias digitais. Além disso, devido à sua capacidade de redesenhar estruturas, cultura e práticas, essa influência se estende para além da própria plataforma. Conforme os autores, ela tem impacto até mesmo na maneira como o mundo material passou a remodelar suas culturas, práticas e espaços físicos para se aproximar de seus padrões visuais, ressaltando sua importância na construção de significados.
No entanto, Leaver, Highfield e Abidin (2020) observam que, apesar da falta de singularidade entre os usuários, desde o início, foi estabelecida uma expectativa de que o feed do Instagram fosse altamente polido e uniforme, com postagens selecionadas de acordo com um padrão estético. Aqui, podemos recorrer a Goffman (2014) e seu conceito de negociação entre os atores em um espaço social, no qual as regras são estabelecidas e moldadas socialmente em conformidade com a imagem do self. Essa imagem, denominada por Goffman como “face”, é construída pelo ator por meio da realização de ações específicas que podem ser legitimadas pelos outros atores do mesmo espaço.
As concepções de Goffman (2011) sobre as “faces”, as identidades fragmentadas de Hall (2006) e as identidades líquidas de Bauman (2001) não são fixas nem imutáveis, mas estão sujeitas a transformações e modificações à medida que são influenciadas por outras perspectivas. Nesse sentido, observamos a busca pela legitimação como uma tática no uso diário das redes sociais, onde os usuários passaram a criticar o modelo de espetacularização de si mesmos (Sibilia, 2016), ao passo que percebem dialeticamente as contradições e reagem movendo-se por interesses sociais (van Dijck, Poell & de Waal, 2018).
O imperativo da visibilidade, proposto por Paula Sibilia (2016), refere-se à pressão social e cultural para que as pessoas estejam constantemente visíveis e expostas em espaços públicos e plataformas digitais. Trata-se de uma demanda contemporânea que se manifesta através da busca por reconhecimento, validação e aceitação social, impulsionada pelo advento das redes sociais e da cultura da imagem. Nesse contexto, as pessoas sentem a necessidade de se constituírem públicas, exibindo sua vida, conquistas e aparência para obterem status e valor social, porquanto o que não é exposto e não se faz visível é considerado inexistente.
Desde o surgimento do Instagram, a ideia de realidade esteve relacionada à forma como as pessoas se expressam na plataforma. Essa relação pode ser compreendida com base na sociedade conceituada por Debord (2007), na qual a imagem e a aparência governam as relações sociais; em Bauman (2008), que afirma que a própria vida humana é afirmada na aparência e no espetáculo; e em Hall (2006), que aponta que o processo de identificação necessário para a construção de uma identidade fragmentada pode ser uma simulação desvinculada do tempo e do espaço, sendo uma construção performática de significados que integra legitimamente o processo identitário dos sujeitos.
Dessa forma, observamos a relação dialética entre os movimentos sociais e as instituições, na medida em que as táticas cotidianas, como atos de resistência contra a hegemonia, geram mediações que se consolidam como demandas sociais. As instituições, representadas pelas plataformas, absorvem essas demandas e as convertem em produtos de consumo, adaptando suas ferramentas aos novos sentidos da mediação, ao mesmo tempo em que essas ferramentas são continuamente reinterpretadas.
Nesse cenário, a plataforma é organizada por uma estética e moldada por algoritmos que selecionam a maneira com que os usuários podem se relacionar entre si e com o sistema. Essa seleção pode originar nichos e fazer com que algumas pessoas ampliem sua rede de contatos e alcance de entrega, tornando-se influenciadores digitais (Crystal & Brown, 2019).
Os sites de rede social, assim, permitiriam aos atores que maximizassem o capital social a que tem acesso na medida em que sustentam mais conexões do que seria possível obter no espaço offline. (...) Assim, um dos valores fundamentais das redes sociais está relacionado à face. Está na reputação, ou seja, a legitimação obtida pelos atores da face que apresentam nessas ferramentas, que acrescenta valores positivos ao ator e à identidade. (Recuero, 2014, p. 118)
Esses influenciadores digitais são atores que, anteriormente, não possuíam um papel relevante na mídia e não eram conhecidos além de seus círculos sociais, mas se adaptaram às mediações e, por meio de táticas de construção de imagem (Hjarvard, 2014) e de trabalho de apresentação (Goffman, 2011), transformaram-se em marcas, angariando seguidores e consolidando-se como influenciadores. Esse processo está alinhado ao ideal identitário destacado por Bauman (2008) na estrutura social da modernidade líquida, onde o capitalismo age por meio da midiatização do consumo, transformando identidades em mercadorias comercializáveis. Quando um criador de conteúdo (como são chamados esses perfis que buscam popularidade) conquista um número expressivo de seguidores em um determinado nicho, chama a atenção do mercado devido à capacidade de divulgar um produto ou serviço específico para esse público com gostos e interesses específicos.
A influência digital por meio do Instagram é um negócio lucrativo, onde pessoas comuns, ou aquelas que já haviam consolidado sua influência em outras plataformas, podem ter um perfil monetizável, transmitir sua mensagem e seu conteúdo para um número cada vez maior de pessoas, que interagem com esses indivíduos reais compartilhando seu cotidiano e suas atividades diárias (Crystal, 2018). Destacamos a rentabilidade dessa mediação como preceito chave que influencia a presença e atuação profissional, sendo construída como um processo comunicacional em ambiente digital. Contudo, apesar das possibilidades de dominação do território na construção da influência, é preciso destacar o papel determinante e político das plataformas (van Dijck, Poell & de Waal, 2018), que define, por meio de seus padrões algorítmicos secretos, o público-alvo ao qual o conteúdo será exibido.
A midiatização pode favorecer a intervenção nesse processo, e apontamos especialmente o surgimento de nichos de interesse comum que compartilham um mesmo arcabouço cultural e práticas próprias de ser e estar nos espaços digitais. A relação de influência como uma forma de poder, conforme apresentada por Goffman (2014) nos rituais que guiam o processo de acumulação de capital social, contribui para a publicidade direcionada especificamente ao ambiente no qual o influenciador, nesse estudo, possui domínio. Portanto, sua mensagem tem o poder de afetar diretamente os indivíduos que compartilham daquela estrutura cultural, mas pode perder seu significado para outros nichos que não vivenciam diariamente aquele contexto social de mediação, ou seja, uma questão do domínio discursivo.
3. LINGUAGENS, DISCURSOS E ESTÉTICA DAS PLATAFORMAS
Martino (2016) reflete sobre a comunicação moderna com uma “intervenção da tecnologia nos processos de comunicação” (p. 159). Assim, entende que é inevitável pensar a epistemologia da comunicação, visto que o sistema tecnológico comunicacional é produtor de sentidos e valores que perpassam várias esferas da vida hodierna, inclusive a produção de conhecimento. Com isso, o autor propõe pensar a atualidade midiática como o objeto nas pesquisas em Comunicação, contemplando além da cultura, as representações, o contexto histórico, a apropriação tecnológica, a linguagem etc.
No campo das representações, Sá Martino (2016a) reflete sobre o aspecto narrativo da comunicação. Para ele, a experiência estética da narrativa está intrinsecamente ligada ao ato de comunicação e requer uma abertura para a escuta. A narrativa só existe plenamente quando circula e faz sentido para os ouvintes, exigindo a possibilidade de ouvir o outro. Com isso, o processo de tornar comum a comunicação nas narrativas exige a formação de um espaço intersubjetivo que surge no momento da relação com a alteridade. Dessa maneira, inferimos, ao colocar a plataforma como elemento que compõe o espaço intersubjetivo, que as possibilidades de se narrar são partícipes do processo comunicacional.
O conceito de pregnâncias, conforme apontado por Gibbs et al. (2015), destaca que muitas práticas resultantes do uso de uma plataforma são delimitadas por características específicas que moldam as formas de expressão e ação, resultando em diferentes formas de participação. Com isso, retomamos Sá Martino (2016b) para pensar a dimensão estética da narrativa como um processo reflexivo que envolve os diferentes elementos representacionais em constante interação, permitindo a construção do comum e da comunicação entre os narradores delimitados pelas pregnâncias. Estas são categorizadas como uma espécie única de combinações de estilos, gramáticas e lógicas que constituem o vernáculo da plataforma.
Tal vernáculo pode ser entendido como um gênero da comunicação moldado pelas práticas e hábitos dos usuários em uma determinada rede. Contudo, Leaver, Highfield e Crystal (2020) retomam que não se trata de uma imposição direta da plataforma, mas é algo celebrado de maneira dinâmica pelas práticas de uso e possibilidades interativas ofertadas, sendo modificado continuamente. Nesse sentido, podemos pensar essas unidades estéticas por meio do conceito de gêneros discursivos de Bakhtin (2011), porque expressam vozes múltiplas e construções polifônicas dos sujeitos e dos valores sociais dos meios aos quais estão se relacionando. Esses gêneros do discurso nos proporcionam formas particulares de ver o mundo com base na cultura, que delimita padrões e conceitos. Por isso, nos embasamos em Machado (2010) para compreendermos que o alvo do estudo dos gêneros, para Bakhtin, não era a poética e sim as esferas do mundo discursivo pautado na prosa. O universo das interações dialógicas é constituído por realizações discursivas, o que possibilita pensar os gêneros do discurso no campo da comunicação mediada.
É importante destacar que, embora as ferramentas sejam projetadas pela equipe de desenvolvimento de uma plataforma, seu uso específico não limita a criação de práticas ou gêneros do discurso que alterem a capacidade técnica e comunicativa para a qual foram criadas. Barros (2016) contribui ao apontar que, além da intencionalidade comunicativa que de certa forma democratiza a comunicação, a mediação abre possibilidades de interpretação com as quais o receptor precisa lidar ao se apropriar dos discursos midiáticos em sua participação social.
Burgess (2006) relaciona o uso cotidiano de uma mídia social com as práticas de produção cultural cotidiana, definindo o que chama de criatividade vernacular. O conceito é estabelecido tanto como um ideal quanto como um dispositivo heurístico para descrever e iluminar práticas criativas que surgem de contextos sociais altamente específicos e não elitistas, assim como convenções comunicativas. Assim, o autor percebe o uso das tecnologias midiáticas no cotidiano como um tipo de participação cultural que molda as maneiras como acessamos a plataforma e usamos as ferramentas para nos auto representar.
Ao considerarmos o vernáculo da plataforma, conforme destacado por Gibbs et al. (2015), temos uma nova perspectiva dos padrões de comunicação que ocorrem nela. A estética visual está diretamente relacionada ao vernáculo da plataforma. Kress e van Leeuwen (apud Leaver, Highfield & Crystal, 2020) apontam que a estrutura visual parte da interpretação da experiência e forma uma interação social. Portanto, a estética do Instagram está implicada nas formas de expressão, comunicação e interação que acontecem nesse espaço.
Quando apontamos a potência da estética, partimos do que é visual, mas nos amparamos em Muniz Sodré (2018), ao pensarmos como pertencente ao domínio do sentir, com a possibilidade emancipatória presente na dimensão afetiva. Pensando, então, a estética da forma, o autor afirma que o gozo estético capaz de provocar afetos pode ser compreendido como “uma expectativa de compartilhamento (...) o apelo da comunicação estaria na possibilidade de integrar o sujeito contemporâneo numa sociedade de iguais, co-partícipes de um juízo de gosto” (Sodré, 2018, p. 22). Assim, o vernáculo dessas tecnologias, é “uma forma de codificação hegemônica, que intervém culturalmente na vida social, dentro de um novo mundo sensível criado pela reprodução imaterial das coisas, pelo divórcio entre forma e matéria” (Ob. Cit., p. 19). Onde a cultura é definida substancialmente por meio de signos de envolvimento sensorial e não pela forma tradicional que privilegiava a palavra escrita.
Todas as lógicas envolvidas na postagem de si pelo Instagram estão cercadas por essas questões inerentes à plataforma, o que nos permite compreender melhor o que significa estar presente e se representar dentro dessa estrutura. Igualmente, a forma como a influência é conquistada e mantida nesse ambiente também permeia o vernáculo da plataforma e o transforma. Nesse contexto, a educação pode ser considerada como uma forma de pensar o potencial revolucionário do uso midiático, se observada a partir da prática cotidiana nas mediações. É possível estabelecer uma relação entre o papel dos educadores inseridos nesse mecanismo e a educação pelo Instagram como algo materializado no cotidiano dos usuários. Destarte, é possível descobrir os sentidos que emergem da experiência afetiva do processo comunicacional educativo.
4. O PROFESSOR COMO SUJEITO MIDIATIZADO
Os dispositivos móveis podem viabilizar a comunicação de forma instantânea e contínua, dependentes da infraestrutura tecnológica de conexão que permite o acesso (Santos & Weber, 2013). Segundo as autoras, a imersão na cultura contemporânea transforma a relação com o tempo e o espaço, proporcionando novas formas de interação social. Essa realidade possibilita que estudantes que possuem acesso a dispositivos e redes possam se movimentar, produzir e compartilhar informações e conhecimentos.
Maddalena (2017) considera essa presença da educação nos meios digitais como uma “emergência da cibercultura” (p. 154), baseada em hipertexto e interatividade, reconfigurando a sociedade, a cultura e a política. Essa abordagem questiona os sistemas de informação centrados na emissão de mensagens, sendo voltada para o diálogo e a participação. A educação, nesse contexto da cibercultura, permite a presença constante do professor em troca com os alunos, permitindo maior alcance na transmissão do conhecimento.
A viralização das pessoas no Instagram é relevante, pois possibilita que as mensagens alcancem uma quantidade significativa de pessoas, podendo estabelecer o professor como uma espécie de celebridade, dotada de grande influência e capaz de afetar a própria identidade daqueles que o seguem. Reafirmamos a perspectiva ao considerarmos a relação dialógica estabelecida entre o professor e seus seguidores por meio da interação. Assim, a construção cultural da identidade pela identificação, com base em Hall (2006) e Bauman (2001), nos permite compreender que a própria identidade pode ser transformada de forma dialógica, à medida que os seguidores são atravessados por enunciados, compartilhados pelos professores.
De acordo com Rabello (2015), esse paradigma tecnológico possibilita que os usuários tenham maior capacidade de buscar a informação necessária e construir o conhecimento de forma ativa. Nesse sentido, a possibilidade de interação entre os usuários em uma determinada rede cria potencialidades para o desenvolvimento de processos educacionais comunicativos, expandindo o ambiente de aprendizagem. Nesse contexto, o professor influenciador atua como um elo de conexão com seus alunos. A busca e apreciação do conteúdo pode deixar de ser uma obrigação estudantil e se aproximar do território do entretenimento.
Analisando por essa perspectiva, a dialética professor/aluno no universo do Instagram pode se diferenciar dos ambientes de ensino tradicionais, uma vez que é uma relação dialógica complexa, permeada pelo vernáculo próprio do Instagram, que influencia a construção dos enunciados por meio de suas ferramentas de auto exposição. Amaral, Rossini e Santos (2021) observam as possibilidades de expressão e experimentação do conhecimento à medida que as plataformas digitais são articuladas com um currículo dinâmico, atualizado de acordo com os eventos históricos cotidianos. Para os autores, interação e participação dos alunos em ambiente digital pode produzir conhecimento, mediante uso dos recursos comunicacionais para a transmissão de conteúdo.
O dialogismo presente na interação pode ser considerado uma importante contribuição para o desenvolvimento de uma educação transformadora. Sodré (2018) destaca a leitura de Paulo Freire, de que a comunicação é uma coparticipação entre pessoas que agem e interagem ao pensar, envolvendo um diálogo ou reciprocidade que não pode ser rompido. Assim, o contato e o afeto são categorias centrais para compreender qualquer ação comunicativa, possibilitando a distinção entre os meios expressivos em um sistema midiático.
Pensamos o afeto, por essa interpretação que o autor faz de Freire, construído no contato entre os agentes que interagem utilizando a linguagem imagética própria da estética presente no vernáculo do Instagram. Na plataforma, a maneira como o conteúdo educativo é transmitido ganha significado. Sodré (2018) afirma que o conteúdo é equivalente à forma tecnológica e, portanto, não transporta ou vincula conteúdo de uma matriz externa, pois a forma de apresentação já é a matriz.
Ao assumir o papel de influenciador, o professor está propenso a seguir uma tendência do sujeito atual, apontada por Sibilia (2016) como a elaboração de um show de si, espetacularizando seu cotidiano e desconstruindo a própria intimidade. Ele transmite emoções e sensações, estabelecendo uma identificação pessoal entre os seguidores e os transmissores de informações, criando uma conexão baseada não apenas na transmissão de conteúdo, mas também na identificação pessoal como meio de construção sociocultural, trazendo o cotidiano ético e estético do professor para as mídias (Silva Jr. & Farbiarz, 2022).
Essa experiência estética é produtora de sentidos, uma vez que cria um contexto social de comunicação. Portanto, pode ser considerada uma possibilidade de transformação no cotidiano dos usuários da rede, conforme Sodré (2018) a define como uma “atitude perceptiva que prioriza a sensorialidade ou afetividade em relação ao conceito” (p. 22).
Os processos comunicacionais e as possibilidades de expressão transformam nossa linguagem e, consequentemente, nossas práticas de uso e significações. Sodré (2018) destaca que a “imagem-espetáculo” (p. 81) emerge desse processo como uma forma final da mercadoria, permeando de maneira difusa ou generalizada a trama das relações sociais, reorientando hábitos, percepções e sensações. Com a globalização e as interações baseadas no consumo, passamos a explorar as mídias de maneiras diversas e descobrimos o potencial educativo e transformador na sociedade.
Nesse contexto de consumo, é importante ressaltar que a alienação nunca é total e a consciência dominada não deixa de ser consciência. A submissão é mais uma manifestação de impotência do que aceitação. Martín-Barbero (2014) salienta que, se a situação de opressão se transformou em uma situação de fato, legitimada pelos oprimidos ao longo do tempo, será por meio de outra forma de educação que será possível romper essa situação, subvertendo os “códigos da humilhação e da submissão” (p. 24).
Ao considerarmos a educação como um fenômeno social, devemos entender que ela é multidimensional e engloba as dimensões técnica, emocional, cognitiva, socioeconômica, política, cultural e humana. A educação não é um fenômeno acabado, mas está em constante transformação, de acordo com o momento histórico e o contexto em que é pensada (Mizukami, 1992).
Com a pandemia de COVID-19, as tecnologias digitais se tornaram relevantes ferramentas, utilizadas em larga escala por educadores no desenvolvimento de suas aulas. Essa utilização intensiva da tecnologia foi resultado de anos de familiarização com esses recursos e mídias por parte dos alunos, familiares e educadores. Isso indica que a maioria das pessoas já utilizava algumas dessas tecnologias em seu cotidiano. Essa mudança não se limitou apenas ao uso de recursos midiáticos e audiovisuais diversos na construção do conhecimento, mas também enfatizou a importância da interação como parte complementar do processo midiático. Esse fenômeno aproximou a visão interacionista da construção do desenvolvimento humano com a popularização das redes sociais e dos aplicativos de mensagens instantâneas (Rodrigues & Guimarães, 2022).
Contudo, o desenvolvimento dos saberes necessários à reformulação das práticas de uso tecnológico pelos docentes não ocorreu instantaneamente ou orientado pela imposição institucional. O professor é autor e sujeito de sua prática pedagógica e para agir por meio tecnológico precisa inicialmente compreender as lógicas e os pressupostos desse novo modo de agir. Assim, pode de forma segura e confiante adaptar os processos à uma proposta de linguagem com diferentes produções de significados, adaptando-os às suas práticas pedagógicas (Santos, Sales & Albuquerque, 2022).
Portanto, ao pensarmos a educação nesse contexto de hipermidiatização, é necessário considerá-la em interseção com a mídia, estabelecendo um diálogo com a comunicação e fertilizando ideias de uma educação interativa, dinâmica e rica em potencialidades. A Internet deve ser vista como uma tecnologia digital que penetra na esfera cultural e cotidiana, possibilitando a existência de um espaço virtual onde o processo comunicativo ocorre. Ela desempenha o papel de lugar, meio, ferramenta e mediadora das relações. Conforme conceituado por Oliveira (1997):
O instrumento é feito ou buscado especialmente para certo objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para a qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. É, pois, um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo. (p. 13)
A própria Internet, como uma criação do capitalismo moderno, segue estruturas que sustentam o sistema que a originou, sendo consolidada como capitalismo de plataformas (van Dijck, Poell & de Waal, 2018). No entanto, é possível enxergar transformações na sociedade de consumo como oportunidades para a democratização e o compartilhamento livre. Segundo Bianconcini de Almeida (2003), a apropriação das mídias e tecnologias pode estar a serviço de propostas pedagógicas específicas, cada uma com suas características e estruturas. O nível de diálogo e as possibilidades de intervenção e interação do aluno variam de acordo com as escolhas realizadas nesse sentido.
Lidar com as questões relacionadas às mídias digitais e seu uso na transmissão do conhecimento requer uma leitura do cotidiano. Aguiar e Herschmann (2014) afirmam que “a questão da experiência, das representações e das práticas fornece a chave teórica fundamental para a dimensão comunicacional” (p. 2). Nesse sentido, consideramos que a espetacularização do cotidiano construída pelos professores tem implicações pedagógicas e de formação identitária, impactando os alunos. A construção da autoridade pode ser utilizada como método para estimular o desenvolvimento do pensamento crítico em relação às nossas rotinas diárias, aproximando o seguidor do conceito de humano genérico (Heller, 2008) na práxis cotidiana (Lefebvre, 2009).
No entanto, pensando que a ubiquidade atinge diversas camadas das relações sociais, e que a escola, como entidade, não fica de fora, retomamos Hjarvard (2013), que coloca a mídia como instituição que penetra em várias outras esferas e instituições sociais. É atualmente senso comum pensar que a pandemia de COVID-19 acelerou o processo de midiatização da vida cotidiana, afetando todos os setores da sociedade. Com a impossibilidade do acesso presencial, escolas e alunos foram impelidos a adotar processos de comunicação a distância. Isso alterou tanto a maneira com que os sentidos são produzidos entre os agentes envolvidos no processo, quanto apontou a necessidade, anteriormente defendida por Santaella (2014), de debate crítico acerca do acesso às tecnologias digitais como impositores do arranjo social contemporâneo.
Ainda que orientados por práticas familiares de participação no ato de ensinar, houve um aumento na presença de professores que utilizam as redes sociais emergentes. Ainda que eles possam inicialmente desconhecer as características específicas das plataformas, muitos se orientam em desenvolver uma linguagem que atraia funcionalmente a atenção dos seguidores. No entanto, a necessidade de expandir o conhecimento sobre ferramentas tecnológicas online e o aumento da interação entre professores e alunos nesses ambientes já pode ser considerado como uma mudança nos paradigmas das relações entre eles, o que evidencia a percepção da expansão da educação ubíqua em um contexto mais amplo (Silva Jr. & Farbiarz, 2022).
Assim, o professor que ocupa a posição de influenciador digital não é mais apenas aquele com quem o aluno tem contato direto durante as aulas, mas alguém presente e inserido no cotidiano do aluno, não se limitando apenas ao ambiente escolar. O conteúdo compartilhado nas postagens é assíncrono e geralmente transmídia, e professor e aluno se tornam “amigos” e seguidores nas redes sociais. Eles compartilham experiências que antes eram reservadas à esfera íntima, trocando conteúdos e se comunicando a qualquer momento do dia. Conforme aponta Lara (2020), o ensino remoto - aqui pensando a educação nas plataformas -, transformou espaços domésticos e privados que antes pertenciam à intimidade em espaços públicos que podem ser ressignificados até mesmo como uma extensão dos espaços educativos convencionais.
Com isso, conseguimos refletir sobre uma questão relevante a esse estudo, ao apontarmos nas transformações dos processos comunicacionais imbricados às relações de trabalho e produção na sociedade neoliberal. Ainda de acordo com Lara (2020), o conceito de ubiquidade implica em uma mobilidade constante e simultânea entre diferentes ambientes físicos e digitais, permitindo que as pessoas estejam presentes em vários contextos ao realizarem suas atividades. Assim, a ampliação da presença também pode acarretar aumento do tempo dedicado ao trabalho. Com a possibilidade de estar conectado em diversos momentos e locais, os limites entre trabalho e não trabalho tornam-se mais fluidos, levando a uma tendência de prolongamento da jornada e dificuldade em estabelecer uma separação saudável entre vida pessoal e profissional.
O capitalismo de plataforma exerce influência significativa na sociedade atual, transformando as relações de produção e consumo, além de moldar as formas de existência e participação política cotidiana (van Dijck, Poell & de Waal, 2018). Essa influência se manifesta na repetição das práticas diárias e na forma como nos relacionamos com o mundo ao nosso redor. Ao transpor os processos educativos para o contexto vernacular do Instagram, é possível observar a utilização das tendências de transmissão de conteúdo como uma forma de consumir e até mesmo ocupar o espaço do lazer. No entanto, é importante ressaltar que isso não anula a possibilidade de um ideal revolucionário de democratização da informação e das oportunidades de aprendizado. Nesse sentido, é relevante considerar as táticas exercidas pelos indivíduos nas interações com as instituições representadas pelas plataformas (Certeau, 2014; Martín-Barbero, 2009).
Por esse princípio, a presença dos professores no Instagram pode ser vista como uma forma de ocupação dos espaços midiáticos disponibilizados pelas tecnologias digitais, possibilitando a criação de processos comunicacionais educacionais. A apropriação dessas redes pelos professores pode gerar significados múltiplos e complexos, alinhados com a crescente utilização dos meios midiáticos pelas novas gerações em uma sociedade ubíqua.
Partindo da construção teórica, desenhamos problemas inerentes à temática da pesquisa proposta. A constante interação entre alunos, professores, escola e sociedade pode contribuir para a redução das barreiras de acesso à educação, em um contexto transmídia? Tratando-se de percepção e afeto, o que significa ampliar o papel do educador, não apenas como um transmissor de conteúdo, mas também como um produtor e coprodutor de significados? Qual a contribuição do pensamento comunicacional dialógico na construção de uma abordagem que fortaleça o papel do professor como agente de transformação social?
Essas reflexões abarcam o dialogismo e a estética pela dimensão da experiência e nos apontam a importância do posicionamento interpretativo dos dispositivos íntimos de afeto, no pensamento crítico dos fenômenos concretos. Neste sentido, destacamos a importância das emoções, dos sentimentos e das experiências afetivas na construção e na interpretação das mensagens comunicativas, afetando tanto os produtores quanto os receptores da mensagem. Sodré (2018) destaca a importância da dimensão afetiva como aspecto central na compreensão da comunicação e na análise dos seus efeitos e repercussões na sociedade. Portanto, seguiremos para a análise empírica, observando na narrativa individual dos influenciadores entrevistados algumas experiências oriundas do processo de se comunicar e os sentidos sociais negociados e intencionados.
5. NOVOS CAMINHOS METODOLÓGICOS
Os dados empíricos analisados nesse artigo são oriundos da pesquisa Professor Instagrammer (Silva Jr., 2022), realizada entre 2020 e 2022 no Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense (Niterói, Brasil). Trata-se de uma netnografia de perfis de professores influenciadores digitais no Instagram que usam a plataforma digital como ferramenta e ambiente de ensino, compartilhando a própria imagem na espetacularização de ideias e cotidiano e usando desse cotidiano como ferramenta pedagógica. O objetivo principal da pesquisa foi entender como as mediações entre os professores/influenciadores e seus seguidores no Instagram estão ligadas ao cotidiano e à produção de sentidos.
Para o estudo atual, focaremos na análise de dois casos concretos, ambos com perfis públicos e com autorização em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Destarte, os influenciadores, com o número aproximado de seguidores no período da entrevista, são: Carol Mendonça - @professoracarolmendonca1 (418 mil seguidores) e Noslen Borges - @professornoslen2 (1 milhão de seguidores).
As técnicas de coleta de dados empenhadas no processo netnográfico foram a observação participante, entrevista em profundidade, coleta de dados públicos nos perfis estudados (stories, postagens, comentários, curtidas, compartilhamentos e reações) e entrevistas informais com os seguidores por mensagens diretas no Instagram.
Acessamos os perfis diariamente às 19h, momento em que podíamos dedicar atenção relaxada à observação. Ao acompanharmos cada perfil, salvamos os stories em pastas no computador e registramos em diário de campo as relações e conexões observadas nas postagens dos professores. As interações, conforme a linguagem específica da rede social, eram manifestadas por meio de curtidas, comentários, respostas diretas, marcações de usuários, hashtags e curtidas em comentários.
Para garantir a recuperação dos dados durante a análise, armazenamos todas as postagens dos professores de 01/01/2022 a 31/03/2022. Salvamos os dados de cada postagem em planilhas, recuperando textos, comentários e contagens numéricas das interações existentes na data da captura. Ainda, as conversas informais com seguidores, realizadas por mensagens diretas, foram copiadas e armazenadas em documentos de texto a medida em que eram finalizadas. Todo esse material foi arquivado para análise futura de aspectos relevantes ao processo investigativo, mas que não estavam previstos no curso inicial da pesquisa.
Destacamos para esse artigo a entrevista em profundidade, técnica que pode ser usada nas pesquisas em Comunicação como “um recurso metodológico que busca, com base em teorias e pressupostos definidos pelo investigador, recolher respostas a partir da experiência subjetiva de uma fonte, selecionada por deter informações que se deseja conhecer” (Duarte, 2006, p. 62).
Nosso objetivo na análise dos dados empíricos citados não é provar ou reafirmar o constructo esboçado de forma teórica, mas contribuir com a materialidade da emoção como produtora de conhecimento. Neste sentido, para esse artigo, serão utilizadas as entrevistas em profundidade com os professores por entendermos que essa técnica possibilita capturar dados oriundos da narrativa afetiva da experiência no estudo do fenômeno concreto.
Os dados serão investigados qualitativamente por meio da interpretação e análise descritiva do estudo de caso, com os contextos, percepções, experiências, afetos e relações presentes no fenômeno. Dessa forma, podemos expandir os resultados da pesquisa anterior para refletir criticamente sobre vivências cotidianas de professores que se apropriam dos aparatos tecnológicos e vivenciam a midiatização na esfera íntima e afetiva, por meio dos processos comunicacionais mediados por plataformas.
As entrevistas em profundidade estudadas para esse artigo foram realizadas pela plataforma Google Meet entre fevereiro e março de 2022. O protocolo de entrevista realizado foi o semiestruturado, definido como “guiada por relação de pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso” (Gil, 2017, p. 77). Assim, após estabelecer um roteiro de temáticas de interesse, que foi enviado aos influenciadores com antecedência, as perguntas específicas permaneceram em aberto e foram sendo desenvolvidas de acordo com as temáticas que iam sendo relatadas pelos entrevistados, tornando o processo de aproximação mais fluido.
O material resultante das entrevistas com os dois influenciadores foi transcrito a partir de 1h29min de gravação total, tendo sido disponibilizado como apêndice em 37 páginas de texto (Silva Jr., 2022). Dentro de um protocolo netnográfico mais amplo, as entrevistas compuseram o corpus que foi analisado de acordo com diversos parâmetros e de forma sistematizada. Para esse artigo, ampliaremos as possibilidades analíticas de leitura sobre as principais percepções, buscando não a descrição de cada aspecto discutido teoricamente, mas refletindo sobre a riqueza da experiência afetiva como produtora de sentidos. Os trechos da entrevista serão referenciados posteriormente pelo nome de usuário do professor citado - @professoracarolmendonca e @professornoslen.
6. A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA COMO RESULTADO A SER DISCUTIDO
Muitas foram as formas com que os influenciadores relataram situações ligadas diretamente aos processos de midiatização da vida cotidiana redesenhando as práticas sociais e pedagógicas. A @professoracarolmendonca lançou o seu primeiro vídeo em 2016, ainda como professora atuante na educação escolar presencial. Ao responder sobre a trajetória para se tornar uma professora influenciadora, identificou a mudança de posicionamento identitário e de paradigma relacional entre os espaços de interação:
Fiz com que a minha comunidade do presencial engajasse ali, eles adoraram, acharam muito bacana ver uma pessoa, uma professora que normalmente é alguém distante, alguém diferente, eh, da maneira como eles se enxerga, de repente no mundo dele, num negócio em que ele domina, em que ele é melhor do que eu e que ele se sente mais à vontade. (@professoracarolmendonca, 2022)
O @professornoslen aponta que passou a atuar no digital por perceber nas ferramentas tecnológicas as possibilidades de ensino, decidindo levar a língua portuguesa para o ambiente em que os alunos estavam se comunicando. “Porque era o caminho que eu acredito ser o mais interessante, já que as pessoas estão na rede social, então elas vão cruzar com a língua portuguesa ali do meu jeito, com a minha estratégia, com a minha didática”. Ainda, ao relacionar a confluência dos espaços físicos e digitais, o professor relata a transposição da influência digital para a experiência física do afeto quando alguns seguidores o abordaram calorosamente na entrada de um cinema e pediram para tirar fotos com ele:
Então eu fico muito feliz com isso, porque, é, querendo ou não eu estou conseguindo colocar a profissão de professor no lugar onde talvez sempre devesse estar né, então o que eu sinto quando isso acontece? Queria que todos os professores pudessem sentir também sabe, assim de todo professor ser parado na rua e pedir uma foto pra eles assim, então é muito bacana. (@professornoslen, 2022)
Quando esboçamos sobre a relação das plataformas e dos usuários como uma negociação dialética de construção da linguagem, observamos que os influenciadores eram cientes de que cada plataforma possibilitava padrões específicos de linguagem que influenciavam no conteúdo. Isso porque, ao se inserirem no mercado de influência, perceberam a necessidade de se adaptarem às ferramentas e manterem o repertório sígnico atualizado, almejando efetividade enunciativa.
Depois a gente percebeu que são linguagens diferentes. Que o que funciona no YouTube nem sempre funciona no Instagram, o que funciona no Instagram nem sempre funciona no YouTube. Demorou, demorou muito tempo para a gente perceber isso, mas aos pouquinhos a gente percebeu. (@professoracarolmendonca, 2022)
Aí eu comecei a usar as ferramentas do Instagram em si para isso acontecer. E aí cada atualização do Instagram que chegou a mais, nova, ah, chegou agora essa caixinha de pergunta, eu começava a usar também. (@professornoslen, 2022)
Eu entendi que o Instagram tem uma forma própria de você se comunicar, que é diferente do YouTube, que é diferente do TikTok, diferente de outras redes sociais. E aí eu comecei a produzir conteúdo para o Instagram pensando nele mesmo. E aí eu criei um público (...), 700 e poucas mil pessoas. (@professornoslen, 2022)
Podemos perceber, no que foi narrado, as práticas de uso da mídia como as formas ativas de agir (Certeau, 2014) desses professores que se relacionam no mundo cotidiano e aproveitam as possibilidades. A participação social nas plataformas possibilita entender as logicas de produção de sentidos e adaptar a prática, almejando alcançar mais pessoas. Isso porque é presente no imaginário relatado a percepção geracional de que a maioria dos seguidores são mais jovens e respondem diferentemente aos estímulos ofertados na rede. Com isso, para atingir a atenção do seguidor, é necessário provocar uma experiência estética que muitas vezes está vinculada ao formato do conteúdo ou ao uso de táticas para inserir alguma ideia no cotidiano do seguidor, despertando a relação afetiva pela identificação.
Em relação à aproximação do cotidiano do seguidor, ambos mencionaram o reality show Big Brother Brasil que estava sendo vinculado pela Rede Globo na data das entrevistas. O uso da temática foi apontado como uma maneira de aproveitar a popularidade do programa e o imediatismo da comunicação online para relacionar o que estava acontecendo com algum conteúdo quando o programa era veiculado na TV aberta.
Pego coisas que, no caso do Big Brother, trago dentro da visão da língua portuguesa, o que está acontecendo na comunicação das pessoas lá dentro. (...) As pessoas viram aquela cena lá no Big Brother, não tinha percebido que tinha algo de língua portuguesa ali. (@professornoslenborges, 2022)
Não importa o que eu acho do programa, não importa o que, eh, se está 100% certo, 100% errado, aquela experiência e tudo mais, se os alunos estão falando daquilo ali, eu acredito que eu preciso falar também. (@professoracarolmendonca, 2022)
O alcance é um tema particularmente desenvolvido, mencionado em situações diversas em que os influenciadores respondiam a outras questões. Pensando no imperativo da visibilidade (Sibilia, 2016) por uma perspectiva mais otimista dos seus efeitos, observamos a relação dos entrevistados com o fazer-se visível sendo percebido como uma possibilidade de afetar mais pessoas e contribuir para a democratização dos processos de ensino pela comunicação mediada. A possibilidade de alcançar mais pessoas produz emoções diretamente relacionadas à autopercepção do valor social atrelado às práticas docentes. Isso porque, quando questionada sobre a principal motivação por manter o contato com os alunos e estar presente nas redes, a @professoracarolmendonca responde que
eu percebi que tudo isso, devolveu o meu sonho, assim, o sonho que me fez começar a trabalhar com educação, era ter alcance, era poder ajudar as pessoas, era mudar a vida de alguém por meio da educação. (@professoracarolmendonca, 2022)
Da mesma forma, o @professornoslen reflete sobre o alcance da sua prática, ao lembrar que “um amigo meu falou uma frase uma vez que eu gravei essa frase, ele falou assim, hoje a tua sala de aula não tem mais paredes, é isso, minha sala de aula não tem mais paredes”. Com isso, o professor afirma estar feliz com esse processo, por agora conseguir gerar conteúdo acessível a qualquer pessoa que tenha um dispositivo e acesso à Internet. Contudo, o professor se posiciona como tendo uma responsabilidade tanto de continuar entregando o conteúdo prometido quanto de ter seu olhar na esfera afetiva, visto que os processos comunicados podem ser percebidos de formas diferentes em contextos socioculturais diversos.
A @professoracarolmendonca também aponta a responsabilidade afetiva como preceito do alcance na influência digital. Da mesma forma que o @professornoslen, ela afirma:
Hoje a sala de aula é o Brasil. Eu não faço ideia de onde esse conteúdo pode chegar. Então existe uma responsabilidade muito grande. (...) O quanto eu sou responsável pelo que eu digo eu sou responsável, também, pelo, por como você se sente a partir do que você lê. (@professornoslen, 2022)
Essa perspectiva social aponta a influência da cultura e do contexto enunciativo na experiência ética e estética. Por outro lado, quando a entrevistada discorre sobre a troca e acompanhamento da experiência afetiva produzida, demonstra a importância da escuta do outro no imaginário sobre a emoção no ato narrativo (Sá Martino, 2016a).
No campo pedagógico, a @professoracarolmendonca pensa a participação midiática pela perspectiva freiriana da interação como corroboradora da aprendizagem ativa: “É Freire para caramba, é você justamente estar ali como ferramenta na mão do verdadeiro aprendiz, que é o aluno” (2022). Isso aponta em direção a um processo de construção da educação como um processo comunicacional interativo, que coloca a experiência no centro da produção de conhecimento. Pensando nisso, a professora busca mesclar a experiência na vida cotidiana com o conceito teórico, dizendo que:
Quando é só o conceito você aprende, quando é conceito com a experiência, você aprende muito mais rápido. (...) Então eu tento usar qualquer coisa, do bem ou do mal, me posicionando sempre, né? Até, porque, como cidadã. (@professoracarolmendonca, 2022).
Muitas pessoas não sabem que a BNCC3 nos exige trazer para a sala de aula alguns temas transversais, como o respeito, como a sustentabilidade e a consciência ambiental, a cidadania, a excelência, a amizade, o desenvolvimento das habilidades socioemocionais do aluno. Isso tudo também faz parte da educação, da formação cidadã e a gente precisa fazer isso e o MEC (Ministério da Educação) orienta que a gente faça isso. (@professoracarolmendonca, 2022)
Então, eu tenho um retorno muito positivo de todo mundo, dos alunos assim: ‘poxa, professor, tive essa aula hoje de manhã, não tinha entendido tudo, assisti ao seu conteúdo aqui e agora entendi’. Porque acaba juntando né, a minha maneira de explicar com a maneira de explicar do professor dele de sala de aula e facilita para o estudante isso né. (...) Então eu fico feliz porque estou ajudando muita gente também a mudar de vida. (@professornoslen, 2022)
O storytelling, a retenção da audiência, ela pode acontecer em maioria em relação ao conteúdo, mas existe também (...) um público ali que gosta de mim. (...) E ali a gente acaba estabelecendo um vínculo. (...) Porque você pode ser o melhor na tua área específica, se você for um idiota, se você não tiver consciência de classe, você não tiver coletivo, você não vai vender. Pelo contrário, você vai ser cancelado e vai perder a voz, dentro mesmo da tua área. (@professoracarolmendonca, 2022)
Entender como funciona cada uma das redes né acho que cada uma tem uma dinâmica diferente, tem um público diferente, tem um jeito diferente de se fazer aquela rede e a gente precisa entender isso para poder fazer da melhor forma possível. Tanto que não significa que eu vou me dar bem em todas as redes né, então pô, não é porque eu tenho 3 milhões lá no YouTube que eu vou ter 3 milhões no TikTok e 3 no Instagram. (@professornoslen, 2022)
Nos trechos acima, é possível perceber que o potencial de intervenção social do fenômeno está diretamente ligado à dimensão afetiva na construção da educação em ambientes midiáticos. A identificação, como produtora de afeto, atua no posicionamento do influenciador como figura ideológica da formação crítica cidadã. Contudo, a identificação depende diretamente da acreditação e percepção de realidade sobre a construção da pessoa espetacularizada, isso porque os entrevistados relatam a autenticidade como preceito fundamental na manutenção da posição de influência.
A acreditação, por si só, também é dependente da estética enunciativa na construção de um show do eu (Sibilia, 2016), visto que manifesta uma face objetivada, que se mostra na mediação e carrega um contexto cultural e ideológico. Então, a experiência nesse contexto parte da práxis educativas e compõe em diferentes graus a cadeia entre a formação identitária do professor, a capacidade enunciativa de afetar os seguidores e a adaptação do conteúdo ao vernáculo da plataforma.
7. REFLEXÕES E POSSIBILIDADES
A produção de conhecimento sobre fenômenos complexos na sociedade midiatizada pode ser pensada por diferentes paradigmas, ao passo que os processos comunicacionais se multiplicam e podem ser percebidos em todas as esferas sociais. Quando olhamos a comunicação pelos aspectos afetivos e interacionais na experiência individual, podemos pensar a ação dos sujeitos e perceber linhas suaves que penetram em todos os campos de participação humana.
Assim, ao esboçarmos teoricamente um fenômeno midiático, partimos, nesse artigo, do relacional e afetivo cotidiano e observamos um fragmento do arranjo social em um contexto cultural, econômico, ideológico, interativo e paradigmático. Desta forma, podemos pensar os sentidos produzidos ao observarmos o professor, como sujeito midiático, e toda a cadeia imbricada de possibilidades no cruzamento de alteridades e afetos.
A própria percepção de si é tangenciada pela esfera afetiva e não está livre das contradições presentes na identidade, conforme estabelecido por Bauman (2005) e Hall (2006). No campo empírico, percebemos essa dualidade entre o sentimento de autenticidade de si e as táticas manifestas na construção da persona digital, objetivando se adaptarem às linguagens da rede e serem compreendidos da maneira esperada.
Parte disso é perceptível ao observarmos a presença digital desses influenciadores como manifestação produtiva em uma lógica do consumo da sociedade atual, onde a prática docente na Internet é a principal fonte de renda dos influenciadores entrevistados. Com isso, os sentidos são construídos tendo como objetivo um alcance que se converte em renda e possibilidades de estabelecer parcerias comerciais lucrativas.
Essa transposição do ambiente digital, ubíquo por definição, como meio de subsistência, coloca a dimensão afetiva em destaque: quando pensamos o fim da intimidade, indicado por Sibilia (2016); a necessidade mercadológica do estabelecimento de vínculo com os possíveis alunos; a necessidade apontada pelos entrevistados de controlar o tempo de trabalho na rede por questões de saúde mental; uma espécie de pressão social relatada pelos entrevistados para o posicionamento político e uso cidadão do espaço midiático.
Finalmente, não nos propomos a esgotar a temática por meio desse estudo, mas sim de propormos reflexões. As contingências acima são caminhos que podem entrar em pauta, tanto nas releituras do material coletado nessa pesquisa quanto nas possibilidades de pensarmos outros fenômenos, principalmente ligados à influência digital. Com isso, esperamos poder contribuir com o avanço da produção de conhecimento sobre a cultura digital contemporânea ao pensarmos a leitura da experiência na esfera afetiva dos processos comunicacionais concretos.