Introdução
Nas últimas décadas, o direito penal econômico tem ganhado crescente relevância no cenário jurídico internacional. O aumento exponencial dos delitos financeiros, tais como fraudes corporativas, lavagem de dinheiro e corrupção, evidencia a premente necessidade de uma legislação eficaz e de mecanismos robustos de prevenção e repressão. Este contexto é exacerbado pela complexidade e interdependência características da globalização, na qual ações econômicas ilegais podem acarretar repercussões globais significativas. O presente artigo busca responder à seguinte questão central: como o direito penal econômico pode ser compreendido e aprimorado à luz dos conceitos de sociedade de risco e das teorias da Escola de Frankfurt?
O presente artigo tem como objetivo analisar o direito penal econômico no contexto da sociedade de risco, com ênfase no sistema legal brasileiro, abordando, inicialmente, as implicações da globalização e da interdependência econômica que intensificam a complexidade e a imprevisibilidade dos riscos associados à ordem jurídica e aos mecanismos de controle vigentes no Brasil. Nesse sentido, busca-se explorar as contribuições teóricas da Escola de Frankfurt, a fim de proporcionar uma compreensão crítica dos crimes econômicos, fundamentando-se em conceitos como racionalidade instrumental, alienação e dominação. Ademais, o estudo discutirá as perspectivas futuras e os desafios que o direito penal econômico brasileiro enfrenta em uma sociedade caracterizada por riscos amplificados, propondo, ao final, sugestões de evolução e de mudanças necessárias para a adequação do sistema à nova realidade social.
Para alcançar esses objetivos, este artigo adota uma abordagem metodológica interdisciplinar, que inclui a revisão bibliográfica de literatura especializada sobre direito penal econômico, sociedade de risco e Escola de Frankfurt. A análise crítica utilizará os conceitos teóricos da Escola de Frankfurt para criticar e interpretar as práticas e normas do direito penal econômico. A discussão prospectiva refletirá sobre os desafios e tendências futuras do direito penal econômico, considerando as mudanças sociais, econômicas e tecnológicas.
Ao combinar essas abordagens, o artigo visa oferecer uma análise abrangente e crítica, capaz de contribuir para um entendimento mais profundo do direito penal econômico e de suas implicações em um mundo cada vez mais interconectado e arriscado. Essa análise se mostra imprescindível no atual cenário global, onde a eficácia da legislação penal econômica é continuamente testada pela sofisticação crescente das práticas criminosas e pela interconectividade das economias. A aplicação das teorias críticas da Escola de Frankfurt não apenas enriquece o entendimento teórico, mas também proporciona uma ferramenta analítica para a formulação de políticas públicas mais eficazes e justas no combate aos crimes econômicos.
Ulrich Beck e a sociedade de risco
A noção de "sociedade de risco", amplamente analisada por Ulrich Beck, refere-se a uma fase da modernidade em que a produção social de riqueza é concomitante à produção social de riscos. Beck (2011) define a sociedade de risco como um contexto em que os riscos, ao contrário dos riscos naturais, são predominantemente frutos de decisões humanas, o que os torna imprevisíveis e globalizados. Entre as principais características dessa sociedade, destacam-se a crescente percepção de ameaças de origem antrópica, a amplificação e difusão global desses riscos devido à interconexão sistêmica, e a insuficiência das estruturas tradicionais para gerir tais ameaças. Nessa perspectiva, o risco deixa de ser meramente um “acidente” e se torna uma constante, exigindo novas capacidades de antecipação e enfrentamento (Rodrigues et al., 2024).
Na sociedade de risco, observa-se uma ruptura entre a racionalidade científica e a racionalidade social. O avanço científico, que outrora prometia segurança e progresso, é agora visto como uma fonte de novos e elevados riscos, gerando uma "sociedade catastrófica" onde o estado de exceção ameaça se tornar a norma (Luhmann, 2006; Ost, 2001). Segundo Beck, é necessário desenvolver capacidades inovadoras para antecipar, suportar e enfrentar perigos. Um exemplo prático seria a instituição de sistemas preventivos robustos, como no campo da saúde pública, frente à contaminação ambiental e alimentar. Beck argumenta ainda que os fundamentos jurídicos devem ser reformulados para que os prejudicados não precisem demonstrar o nexo causal de seus problemas, simplificando a responsabilização (Beck, 2011).
Globalização e vulnerabilidade econômica
A globalização intensifica os riscos econômicos de diversas formas. Primeiramente, ela gera uma interdependência econômica que pode transformar crises locais em crises globais. Por exemplo, a falência de uma grande instituição financeira em um país pode desencadear uma reação em cadeia que afeta economias globalmente interconectadas. Além disso, a globalização promove a desregulamentação e a liberalização dos mercados, o que aumenta a volatilidade e a incerteza econômica. Beck observa que, na sociedade de risco, a globalização não apenas difunde os riscos de forma mais ampla, mas também os torna mais difíceis de controlar, uma vez que as estruturas nacionais são inadequadas para lidar com problemas de escala global (Beck, 2011).
Além disso, a globalização pode exacerbar as desigualdades econômicas, criando um cenário em que os riscos são desproporcionalmente suportados pelos mais vulneráveis. A integração dos mercados financeiros e a mobilidade de capital significam que crises podem se propagar rapidamente, desestabilizando economias e sociedades. Dessa forma, os impactos econômicos da globalização são vastos e multifacetados, refletindo a complexidade e a interconexão da sociedade contemporânea (Ost, 2001). Este fenômeno exige uma reavaliação das políticas econômicas e regulatórias para mitigar os efeitos adversos das crises globais.
A sociedade de risco e sua influência com o direito penal econômico
A sociedade de risco exerce uma influência na tipificação e na penalização dos crimes econômicos, exigindo novas abordagens no âmbito do direito penal. Em um contexto em que os riscos são globalizados e as consequências de ações individuais podem ter um impacto amplo e devastador, o direito penal econômico deve adaptar-se para priorizar a prevenção e a mitigação desses riscos.
Günther Jakobs introduz o conceito de "direito penal do inimigo", que se alinha ao funcionalismo penal extremo na sociedade de risco. Este modelo penal foca na eliminação de perigos, tratando os indivíduos perigosos como "não-pessoas", e priorizando a segurança coletiva sobre os direitos individuais. A coação penal, nesse contexto, visa ser eficaz contra ameaças percebidas, refletindo uma abordagem preventiva mais robusta e menos reativa (Jakobs & Cancio Meliá, 2005).
Na sociedade de risco, torna-se imperativo reconfigurar os fundamentos jurídicos para permitir a antecipação e prevenção de danos de maneira mais eficiente (Beck, 2011). Ele sugere a necessidade de um sistema jurídico que exima os prejudicados de provar o nexo causal de seus problemas, especialmente em questões de saúde pública, contaminação ambiental e crimes econômicos. Esta abordagem representa uma mudança significativa na operação do direito penal econômico, enfatizando a proteção preventiva e a gestão de riscos em um mundo cada vez mais interconectado e imprevisível. A sociedade de risco, portanto, exige novas capacidades de antecipação, suporte e enfrentamento de perigos, sendo que a globalização intensifica esses riscos, tornando-os mais difíceis de controlar e demandando uma evolução no direito penal econômico para lidar com as complexidades da modernidade ultramoderna.
Conceito de direito penal econômico e suas características
O Direito Penal Econômico é um campo do Direito que desempenha um papel crucial na preservação da ordem econômica, mediante a definição e punição de ações que comprometem a estabilidade financeira ou colocam em risco o funcionamento adequado do sistema econômico. Há algumas décadas, o Direito Penal Econômico era concebido como uma extensão restrita do Direito Penal, com a finalidade de reforçar, por meio de ameaças de sanções criminais, as disposições do direito administrativo econômico. Nesse contexto, ele estava inserido no âmbito do Direito Penal Administrativo, que não se voltava diretamente para a proteção dos bens jurídicos, mas sim para a prevenção de condutas consideradas perigosas, mesmo que não resultassem em danos diretos aos referidos bens. Essa faceta do Direito Penal Administrativo era denominada pelos estudiosos portugueses como direito penal de ordenação social, mera ordenação social ou direito penal das contraordenações (Tiedemann, 1993).
Hoje, ele não se limita apenas à aplicação de sanções, mas desempenha um papel constitutivo, em virtude do progresso do Direito Econômico, que deixou de ser considerado apenas um segmento do Direito Administrativo. Nessa nova abordagem, são consideradas como crimes econômicos diversas condutas, como fraudes fiscais, fraudes para obtenção de subsídios governamentais, crimes contra o sistema financeiro, falências fraudulentas, manipulação de balanços sociais, adulteração de alimentos e bebidas, concorrência desleal, e delitos relacionados às operações de importação (Tiedemann, 1993).
Conforme o entendimento de Fabio Konder Comparato:
O novo direito econômico surge como o conjunto das técnicas jurídicas de que lança mão o Estado contemporâneo na realização de sua política econômica. Ele constitui assim a disciplina normativa da ação estatal sobre as estruturas do sistema econômico (Comparato, 1965, p. 14).
Eros Roberto Grau (1991) corrobora essa visão ao definir o Direito Econômico como o sistema normativo voltado para a ordenação do processo econômico, regulando a atividade econômica sob uma ótica macrojurídica alinhada com a política econômica estatal. Além disso, Washington Peluso Albino de Souza complementa que o Direito Econômico compreende as normas de conteúdo econômico que asseguram a defesa e a harmonia dos interesses indiv.iduais e coletivos, utilizando o princípio da economicidade como diretriz para tal finalidade (Souza, 2005).
Evolução histórica do direito penal econômico no século XX
A evolução do Direito Penal Econômico ao longo do século XX foi significativa, sendo influenciada por eventos históricos que moldaram a economia global. A Primeira Guerra Mundial marcou o início da intervenção estatal na economia, substituindo a economia liberal clássica. Dentro desse contexto, é comumente referenciado o Direito Econômico como “o direito da economia dirigida” (Comparato, 1965, p. 14).
A Segunda Guerra Mundial e a subsequente Guerra Fria intensificaram a intervenção estatal, especialmente direcionando as economias dos países beligerantes para o desenvolvimento e fortalecimento tecnológico da indústria armamentista. Esses conflitos bélicos foram essenciais para o desenvolvimento do Direito Econômico. Mesmo a política econômica do neoliberalismo, que parte do pressuposto do sistema de mercado como ponto de partida, “admite pragmaticamente a intervenção estatal precisamente para dirigi-lo como forma de prevenção de crises” (Righi, 1991, p. 10).
O Direito Econômico é, portanto, considerado um “corolário indispensável da constituição do Estado pós-liberal” (Comparato, 1965, p. 16). Com a autonomia do Direito Econômico firmada, expressamente reconhecida no art. 24, inc. I, da Constituição de 1988 (Brasil, 1988), destaca-se a definição oferecida por Washington Peluso Albino de Souza:
Direito Econômico é o ramo do Direito que tem por objeto a “juridicização”, ou seja, o tratamento jurídico da política econômica e, por sujeito, o agente que dela participe. Como tal, é o conjunto de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica. Para tanto, utiliza-se do “princípio da economicidade” (2005, p. 23).
Principais tipificações e normas do direito penal econômico no Brasil
O conceito de crime de colarinho branco, definido por Edwin Sutherland, refere-se a “uma violação da lei penal por uma pessoa da classe socioeconômica alta no curso de suas atividades ocupacionais” (Sutherland, 2014). Este conceito inclui crimes que causam danos consideráveis e são cometidos no âmbito das atividades ocupacionais dos infratores. As ideias de Sutherland tiveram impacto diferenciado ao redor do mundo, especialmente na América Latina, onde influenciaram os criminólogos latino-americanos (Fiallo et al., 2023).
A análise e definição de crimes econômicos têm sido objeto de estudo em diversas conferências e congressos internacionais ao longo do tempo. Por exemplo, o 6.º Congresso das Nações Unidas para Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente em 1980 abordou a complexidade em definir esses crimes de forma uniforme. Isso é evidenciado pela abordagem adotada em reuniões como a conferência do Conselho da Europa em 1976, que optou por critérios formalistas em detrimento de definições precisas. Nesse sentido, o documento de trabalho de Tiedemann para o colóquio preparatório em Freiburg im Breisgau direcionou-se ao conceito de “direito penal econômico e direito penal dos negócios” (Economic and Business Criminal Law) (Fragoso, 1982).
O desenvolvimento do Direito Penal Econômico como uma área jurídica distinta foi impulsionado por eventos acadêmicos e conferências internacionais renomadas. O VI Congresso Internacional de Direito Penal em setembro de 1953, organizado pela Associação Internacional de Direito Penal (AIDP), é um exemplo marcante desse impulso, pois teve o direito penal econômico como seu foco principal. Eventos posteriores, como a XlI Conferência dos Diretores de Institutos de Pesquisas Criminológicas em 1976, o Colóquio Preparatório ao XlII Congresso Internacional de Direito Penal em 1982, o Congresso Internacional sobre Criminalidade Econômica e Financeira em 1987 e o 1° Congresso Hispano-Italiano de Direito Penal Econômico em 1998, demonstram o interesse contínuo e o engajamento acadêmico global nesse campo jurídico específico (Ramos, 2005).
Dessa forma, a tabela a seguir destaca os tipos penais de maior relevância no campo do Direito Penal Econômico brasileiro. Ela sistematiza as infrações econômicas mais recorrentes, com indicação dos dispositivos legais aplicáveis, uma análise crítica dos desafios enfrentados na sua aplicação e os riscos inerentes a cada conduta. Esses elementos ajudam a elucidar o impacto potencial dessas infrações sobre o sistema econômico, financeiro e social, evidenciando a complexidade e a importância do Direito Penal Econômico na atualidade.
A tabela elaborada constitui uma análise detalhada dos principais tipos penais no âmbito do Direito Penal Econômico, enfatizando sua relevância para a interpretação e aplicação das leis que regulam as atividades econômicas e financeiras. Cada tipo penal foi descrito, fazendo referência aos dispositivos legais correspondentes, como a Lei de Lavagem de Dinheiro e a Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, entre outras normativas. Essa organização sistemática não apenas facilita a comparação das normas em vigor no Brasil, mas também proporciona uma compreensão dos desafios enfrentados na implementação da legislação, tais como a complexidade dos casos e a necessidade de uma coordenação eficaz entre as autoridades responsáveis pela fiscalização e investigação.
A Escola de Frankfurt e os fundamentos da teoria crítica
Em 1923, o governo alemão autorizou a construção de um edifício para o Institut für Sozialforschung (Instituto de Pesquisas Sociais) da Universidade de Frankfurt. Este instituto rapidamente se tornou um polo de atração para intelectuais proeminentes, cuja atuação e obras são fundamentais para a compreensão da Escola de Frankfurt. Entre os principais pensadores que participaram do Instituto estão Theodor Wiesengrund-Adorno, Max Horkheimer, Erich Fromm, Herbert Marcuse e Winfried Hassemer. Além deles, outros intelectuais, como Walter Benjamin e Siegfried Kracauer, também contribuíram para o desenvolvimento das ideias associadas à Escola de Frankfurt, ampliando o alcance e a influência do Instituto.
Inicialmente, o Instituto de Pesquisas Sociais se empenhou na formulação de um projeto teórico com forte influência marxista. No entanto, ao longo do tempo, essa abordagem evoluiu para uma teoria crítica distinta, que buscava analisar e compreender as dinâmicas complexas da sociedade do início do século XX. A teoria crítica desenvolvida pelo Instituto não se limitou à perspectiva marxista, mas incorporou elementos do pensamento de outros grandes filósofos como Sigmund Freud e Friedrich Nietzsche. As ideias de Freud sobre a psique humana e as críticas de Nietzsche à moralidade tradicional foram essenciais para a construção de uma nova visão sobre a sociedade, o ser humano e a cultura, proporcionando uma abordagem mais ampla e crítica para o estudo das condições sociais (Mogendorff, 2012; Rüdiger, 2001).
O Instituto de Pesquisas Sociais, vinculado à Universidade de Frankfurt, transcendeu o papel de mera reunião de intelectuais sob a liderança de seus diretores, transformando-se em um verdadeiro núcleo de atração para pensadores de múltiplas áreas do saber. Intelectuais de diversas disciplinas, como psicologia, economia, política e direito, foram atraídos pelo Instituto, que se consolidou como uma Escola crítica multifacetada (Dellova & Cardilli, 2021).
Durante o período entre as duas guerras mundiais, muitos dos teóricos associados ao Instituto, devido à sua origem judaica e ao contexto de ascensão do nazismo, foram forçados a se exilar. Nos Estados Unidos, esses intelectuais continuaram a desenvolver e refinar suas teorias, refletindo sobre os impactos da racionalização extrema e das atrocidades perpetradas pelo regime nazista. Após a Segunda Guerra Mundial, a Escola de Frankfurt direcionou suas críticas contra as promessas não cumpridas do Iluminismo e do positivismo. Os pensadores do Instituto argumentaram que a razão instrumental, anteriormente idealizada, havia sido cooptada pelo capitalismo, o que intensificou a alienação e a opressão social, reforçando a necessidade de uma análise crítica das estruturas sociais e econômicas (Iturralde, 2022).
Fundamentos da teoria crítica e a crítica à racionalidade instrumental
A teoria crítica desenvolvida pela Escola de Frankfurt fundamenta-se na crítica à racionalidade instrumental, à alienação e à dominação. Adorno e Horkheimer (2002), em Dialética do Esclarecimento, argumentam que a confiança cega no racionalismo e no progresso humano, características do Iluminismo, resultou em formas extremas de barbárie e totalitarismo, exemplificadas pelo fascismo e por eventos como Auschwitz. Segundo os autores, a razão, ao invés de emancipar, serviu à dominação e manipulação das massas através da indústria cultural, promovendo um sistema de alienação e opressão (Iturralde, 2022).
A Dialética do Esclarecimento oferece uma análise profunda do projeto iluminista, inicialmente destinado à emancipação humana através da razão e do conhecimento, mas que gerou consequências paradoxais. Ao invés de resolver questões fundamentais como a fome global e as desigualdades sociais, a era das luzes testemunhou o surgimento de regimes totalitários como o nazismo, os quais exploraram a mesma racionalidade e técnica propostas pelo iluminismo para perpetuar sistemas de dominação e opressão. Adorno e Horkheimer argumentam que o avanço da técnica, ao desencantar o mundo e substituir mitos por ciência, não eliminou as formas de exploração, mas sim intensificou-as, consolidando um controle ainda mais eficaz sobre a natureza e sobre os próprios indivíduos.
Este processo de desencantamento, crucial para a análise dos autores, revela como a racionalização extrema da sociedade moderna não apenas desmitifica o mundo natural, mas também aliena as massas, tornando-as vulneráveis à manipulação e exploração através da indústria cultural e do poder tecnológico. A separação entre cultura e natureza, central na análise de Adorno e Horkheimer, não apenas possibilitou o avanço da técnica como fonte de controle, mas também alienou os indivíduos de suas próprias capacidades críticas e reflexivas, ao impor uma lógica de consumo e conformidade que reduz o papel da cultura ao mero entretenimento e distração.
Assim, a dialética do esclarecimento de Adorno e Horkheimer revela como o projeto iluminista, ao promover o conhecimento e a razão como meios de emancipação, inadvertidamente fortaleceu estruturas de poder que perpetuam a exploração e a dominação. A crítica incisiva dos autores não apenas questiona a eficácia do esclarecimento em alcançar sua promessa de maioridade humana, mas também evidência como o desencantamento do mundo, ao invés de libertar os indivíduos, os submete a uma nova forma de servidão, ampliando as contradições e as injustiças que o iluminismo procurava superar.
A racionalidade instrumental, conceito central na teoria crítica, refere-se à aplicação da razão como meio para atingir fins específicos, frequentemente à custa de valores humanos e éticos. Esta forma de racionalidade é vista como uma ferramenta de dominação que desumaniza e instrumentaliza tanto a natureza quanto os seres humanos. A alienação descreve o estado de desconexão e isolamento dos indivíduos em relação à sociedade e a si mesmos, exacerbado pelas estruturas capitalistas. A dominação é entendida como o controle exercido por grupos poderosos sobre outros, perpetuando desigualdades e injustiças sociais (Muñoz, 2011).
Habermas e a redefinição da legitimidade do direito
Habermas (2012) discute a superação dos paradigmas do sujeito e do objeto na produção de conhecimento, argumentando que a verdade não pode ser considerada uma adequação da mente do sujeito ao objeto conhecido. Com o advento do giro linguístico, as possibilidades de atingir a verdade foram transferidas dos elementos da consciência para os elementos da linguagem, marcando uma distinção em relação a Kant, que situava as condições de cognoscibilidade na estrutura da mente.
Habermas sustenta que a jurisdição constitucional desempenha um papel crucial na proteção contra regimes jurídicos totalitários, como os que se manifestaram nos sistemas nazista e fascista, caracterizados pela negligência aos direitos fundamentais. Em sua teoria, ele propõe uma "re-moralização" do Direito, enfatizando a importância de incorporar princípios éticos ao ordenamento jurídico. Essa incorporação é vista como essencial para orientar a criação, interpretação e aplicação das normas, de modo a prevenir abusos de poder e assegurar a conformidade com valores éticos universais. Nesse sentido, a razão comunicativa emerge como um elemento central, pois transfere o fundamento da racionalidade do sujeito individual para o processo argumentativo coletivo, promovendo um diálogo que legitima as normas através do consenso racional (Junior et al., 2020).
Enquanto o positivismo jurídico tradicional concentra a racionalidade na figura do juiz e na aplicação formal da lei, a abordagem habermasiana promove a racionalidade através do debate argumentativo, garantindo assim a previsibilidade e a legitimidade das decisões judiciais. A argumentação não apenas justifica as decisões, mas também as fundamenta de maneira transparente e participativa, promovendo uma visão de Direito menos formalista e mais inclusiva dos valores éticos na sua estrutura normativa (Agra, 2008).
Assim, a linguagem torna-se o meio de aferição da racionalidade das proposições veritativas, e a verdade é alcançada por meio do consenso fundado, que pressupõe inclusividade de participantes e igualdade de direitos comunicativos, excluindo a coação. A teoria discursiva do direito, proposta por Habermas, explica a legitimidade por meio de procedimentos comunicativos institucionalizados juridicamente, que garantem que os processos de produção e aplicação do direito conduzam a resultados racionais.
As normas e os direitos reconhecidos pela justiça devem sua racionalidade ao tratamento igual e livre dos destinatários como membros da comunidade de sujeitos jurídicos (Habermas, 2005). Para Habermas, a legitimidade do direito não deriva de conteúdos definidos a priori, mas de sua feição procedimental, onde um consenso jurídico legítimo resulta de um acordo racionalmente motivado e normativamente estabelecido (Abboud & Kroschinsky, 2022). Este procedimento deve satisfazer a exigência de um acordo livre, discursivo e estabelecido autonomamente pelos participantes.
Tal concepção permite conciliar a manutenção das compensações materiais com a autorrealização dos cidadãos na sociedade política e a autonomia dos indivíduos na esfera privada, por meio de sua participação comum na esfera pública (Costa, 2024).
Aplicação dos conceitos ao direito penal econômico
Os conceitos da Escola de Frankfurt podem ser aplicados ao estudo do direito penal econômico, especialmente na era contemporânea de riscos exacerbados pela tecnologia. Segundo Hassemer (2004), os significativos perigos da tecnologia moderna e as consequentes inseguranças sociais demandam respostas ágeis e eficazes do direito penal, frequentemente comprometendo as garantias fundamentais do direito penal e processual penal. Isso ressalta a necessidade de integrar o direito penal econômico com disciplinas como história, teoria do direito, psicologia, psicanálise e ciências sociais (Naucke et al., 2004).
A teoria crítica oferece uma lente analítica para examinar como a racionalidade instrumental e a dominação se manifestam no direito penal econômico. Por exemplo, a criação de novos tipos penais e a ampliação das sanções podem ser vistas como respostas às exigências de controle e segurança, que, contudo, reforçam a dominação e a alienação dos indivíduos (Jordace, 2023). Hassemer critica os crimes de perigo abstrato, que não exigem a comprovação de qualquer lesão, reduzindo drasticamente as possibilidades de defesa dos acusados e transformando o direito penal de uma ultima ratio em uma prima ou até mesmo sola ratio (Hassemer, 1992), conforme percebemos pelo trecho abaixo colacionado, retirado pelo Prólogo de Winfried Hassemer na obra Crítica y Justificación del Derecho Penal en el Cambio de Siglo:
Es la profunda convicción de que se ha de ser extremadamente cauteloso con la política interior que se efectúa a través de los instrumentos penales. Forman parte de nuestras tradiciones científicas principios como que el derecho penal debe considerar se la ultima ratio, que ha de preservar su carácter fragmentario y que otros ámbitos jurídicos de ben utilizar se conjuntamente con el derecho penal para la protección de bienes jurídicos (Hassemer em Neumann & Martín, 2003, p. 12).
A crítica da Escola de Frankfurt ao positivismo e à razão instrumental pode ser aplicada para questionar as bases e as justificativas das políticas penais contemporâneas, propondo uma reflexão sobre as implicações éticas e sociais das leis penais e dos procedimentos judiciais. Através da teoria crítica, é possível entender como as estruturas legais podem perpetuar a dominação e a alienação, ao invés de promover a justiça e a emancipação social (Bruno, 2018).
Dessa forma, a aplicação dos conceitos da Escola de Frankfurt ao direito penal econômico não apenas permite uma análise crítica das leis e políticas existentes, mas também sugere a necessidade de uma abordagem mais humanista e emancipatória, que considere os impactos sociais e culturais das práticas jurídicas e busque minimizar a opressão e a injustiça inerentes ao sistema penal.
Análise crítica do direito penal econômico na sociedade de risco
A Escola de Frankfurt proporciona uma análise crítica do capitalismo, evidenciando suas implicações para os crimes econômicos. A ênfase na acumulação de capital e maximização do lucro gera profundas desigualdades sociais e econômicas. Tais desigualdades criam um ambiente propício à ocorrência de crimes econômicos, pois a busca incessante por lucro pode levar à violação de normas legais e éticas. Nesse contexto, uma teoria crítica do capitalismo e da atividade científica, visando à transformação social, deve superar o dualismo cartesiano, que, adequado à sociedade burguesa, assemelha-se a um mecanismo natural. Em contraste, a teoria que se torna a poder real e a autoconsciência dos sujeitos que promovem uma grande revolução histórica superam essa mentalidade dualista (Horkheimer, 2015).
Dessa forma, pode-se afirmar que os propósitos do projeto retórico consideram mais a crítica da ideologia e a “realidade” do capitalismo contemporâneo do que as posições críticas à perspectiva pragmática e retórica. A tradição da crítica ideológica marxista seria melhor orientada filosoficamente se não fosse assumida a partir de uma condição absoluta e totalizante, mas sim como uma crítica pragmática, com significado histórico e político limitado a essa condição finita (Reimberg, 2022).
Nos anos subsequentes, o modelo de Teoria Tradicional e Teoria Crítica foi desenvolvido e discutido entre os frankfurtianos e seus adeptos. Contudo, tal projeto não escapou ileso do recrudescimento da barbárie nazifascista, da fuga de muitos intelectuais judeus para os Estados Unidos e das transformações nos mecanismos reprodutivos do capitalismo ocidental (Adorno & Horkheimer, 2002).
O caráter central desse novo mito é a aparente racionalidade na condução da vida humana. Na modernidade, observa-se o predomínio de uma racionalidade que se reduz à adequação dos melhores meios para a realização de fins dados, potencialmente cegos e irracionais. A razão, que historicamente efetua uma dialética entre emancipação e regressão, encontra-se estruturalmente reduzida à sua função calculadora sob o capitalismo tardio, não desdobrando toda a potencialidade libertadora que lhe é imanente. O perfil totalitário da sociedade, ao qual parecia tender o capitalismo tardio, é expresso repetidamente na obra através de formulações como: “não é o malogro do progresso, mas exatamente o progresso bem-sucedido que é culpado de seu próprio oposto”; “a maldição do progresso irrefreável é a irrefreável regressão” (Adorno & Horkheimer, 2002).
A Dialética do Esclarecimento descreve essa contradição fundamental ao apontar que o conhecimento pela e para a dominação humana da natureza, característico do “homem civilizado”, conduz à barbarização da própria humanidade. A irracionalidade social, sintetizada pelo Holocausto, resultou de um processo histórico constituído pela racionalização da vida. Esta racionalização, sob o capitalismo tardio, se tornou unilateralmente instrumental e subjetiva, abdicando da reflexão sobre os fins últimos do agir do ponto de vista social ou objetivo (Horkheimer, 2015).
Adorno (1991) destaca a desproporção no campo social entre grandes empresas, governo, exército e instituições, de um lado, e o indivíduo, de outro. Diante da grandeza das instituições, são necessárias forças sobre-humanas para se opor a elas. Até mesmo a sobrevivência fora do sistema se torna impossível, reduzindo a vida à submissão para a autoconservação. Para Marcuse (1998), ao manipular a máquina, o homem aprende que a obediência é o único meio de obter os resultados desejados. Portanto, a adaptação ao aparato se impõe sobre a racionalidade individualista, preconizada no período liberal do capitalismo.
A Escola de Frankfurt argumenta que o capitalismo gera uma "racionalidade instrumental", onde os fins justificam os meios, muitas vezes em detrimento do bem comum (Terra, 2020). Nesse contexto, crimes econômicos, como fraude, corrupção e evasão fiscal, não são apenas desvios individuais, mas sintomas estruturais de um sistema que privilegia a eficiência econômica sobre a justiça social. Essa perspectiva crítica aponta para a necessidade de um direito penal econômico que vá além da punição dos atos ilícitos, abordando as raízes estruturais das práticas criminosas.
Estruturas de poder e dominação na análise da Escola de Frankfurt
Entre os autores da Escola de Frankfurt, Horkheimer foi o efetivamente se debruçou sobre o tema da socialização. Em seus textos dedicados à análise da autoridade e família, ele entende a cultura a partir da composição de várias unidades sociais e instâncias de socialização, tais como família, escola, igreja e instituições de arte, que não apenas pressupõem, mas também ultrapassam o processo de produção. Esse conjunto de relações forma a constituição psíquica dos indivíduos, que também é parte da cultura. Horkheimer argumenta que o processo de produção influencia os indivíduos não apenas de forma imediata, mas também por meio de instituições relativamente estáveis que se transformam lentamente. Para compreender o funcionamento de uma sociedade, a sua estabilidade ou desagregação, é necessário conhecer a constituição psíquica dos indivíduos nos diferentes grupos sociais e entender como seu caráter se formou em conexão com todas as forças culturais da época (Horkheimer, 1990).
Seguindo explicitamente o argumento freudiano, Horkheimer sustenta que a cultura, como forma de socialização, envolve um processo de introjeção da coerção. Daí a necessidade de incluir as instituições e a constituição psíquica derivada em sua análise. Horkheimer também destaca o duplo caráter da cultura, que pode servir tanto à conservação quanto à ruptura de uma determinada estrutura social. Desde o início, o conceito de cultura deve ser compreendido não como uma unidade independente e superior aos indivíduos, mas como uma estrutura dinâmica, dependente e, ao mesmo tempo, especial dentro do processo social (Horkheimer, 1990). Ele afirma que o status quo capitalista é mantido pela coerção, pela ameaça constante de fome e miséria sobre a classe trabalhadora. No entanto, se a coação e a coerção fazem parte da vida social, elas sozinhas não explicam a totalidade do sistema social. A cultura atua como uma "argamassa espiritual" capaz de manter a sociedade unida.
A relação dos indivíduos com a autoridade, preestabelecida pelo processo de trabalho na época moderna, requer uma contínua interação das instituições sociais com a criação e consolidação dos tipos característicos que lhe correspondem. Se a fome e o medo de uma existência miserável obrigam os indivíduos a trabalhar, todas as forças econômicas e culturais devem empenhar-se a cada geração para habituá-los a este trabalho em suas respectivas formas (Horkheimer, 1990). A família, como uma das principais instâncias de socialização, transforma a obediência em valor, adapta o indivíduo à nova disciplina do trabalho surgida na sociedade burguesa liberal e o sujeita ao "imperativo categórico do dever". Horkheimer desenvolveu um argumento complexo sobre a socialização burguesa e a figura da autoridade paterna, ligada à função econômica de provimento do lar. A concepção de cultura, não como reflexo da infraestrutura, mas como parte integrante do funcionamento e manutenção do capitalismo, sendo meio de socialização dos indivíduos para o trabalho e aceitação da autoridade, será mantida nas obras de Adorno, Marcuse e do próprio Horkheimer nos anos posteriores. Ao chegar aos Estados Unidos no final da década de 1930, a teoria crítica encontrou uma democracia e um capitalismo que, com seus mecanismos peculiares, impeliam igualmente ao comportamento autoritário. A cultura de massas se impunha à família, à escola, à igreja e às instituições de arte como principal instância de socialização, cuja função era, em última análise, a adaptação. Em um ensaio de 1941, Horkheimer distingue dois períodos: o do liberalismo dos séculos XVIII e XIX e um período posterior, no qual as contradições do liberalismo geram seu suposto contrário, o comportamento autoritário (Silva et al., 2023).
Alienação e sua influência nos crimes econômicos
A alienação, conforme conceituada por Karl Marx (1844/2015), emerge com a divisão social do trabalho, resultando na separação entre aqueles que dirigem e aqueles que executam o processo laboral. Nesta relação, instaura-se a alienação, na qual o trabalhador, compelido a satisfazer suas necessidades imediatas, como alimentação, vestuário e outras demandas essenciais, é obrigado a utilizar sua capacidade de trabalho como meio para alcançar esses fins. Consequentemente, sua atividade, que poderia ser livre e auto-dirigida, converte-se em trabalho alienado.
No contexto dos crimes econômicos, a alienação pode ser considerada um fator determinante que perpetua essas infrações. Indivíduos alienados, desprovidos de um sentido de pertencimento e propósito, podem estar mais propensos a se envolver em atividades criminosas como meio de alcançar ganhos materiais ou status social. Ademais, a alienação pode levar a uma falta de conscientização e crítica das práticas econômicas ilegítimas ou prejudiciais. Em uma sociedade de risco, onde perigos e incertezas são constantemente produzidos e amplificados pelo próprio sistema econômico, a alienação impede a formação de uma consciência coletiva capaz de desafiar as injustiças estruturais. Portanto, o direito penal econômico, para ser eficaz, deve considerar a dimensão da alienação e buscar formas de promover uma maior integração social e uma participação ativa dos cidadãos na construção de um sistema econômico mais justo e equitativo (Lazzari & Barcellos, 2020).
A análise crítica do direito penal econômico na sociedade de risco requer uma abordagem que leve em conta as críticas estruturais ao capitalismo, as influências das estruturas de poder e a questão da alienação. Somente assim será possível formular uma resposta jurídica que não apenas puna os crimes econômicos, mas que também aborde suas causas profundas e promova uma justiça econômica mais ampla e inclusiva.
Desafios emergentes no direito penal econômico
Conforme argumentado por Habermas e outros pensadores da Escola de Frankfurt, as leis penais transcendem o papel de meros instrumentos de controle, refletindo simultaneamente as relações de poder e a ideologia dominante na sociedade (Habermas, 1981). A crítica da Escola de Frankfurt ressalta que o afastamento das leis penais de suas funções tradicionais pode convertê-las em ferramentas de pressão política e midiática, negligenciando sua função primordial de proteção de bens jurídicos fundamentais (Hassemer, 2006).
Os defensores da teoria que nega a possibilidade de tutela penal de bens coletivos, como Winfried Hassemer e outros membros da Escola de Frankfurt, argumentam que o Direito Penal deve restringir-se à proteção de ofensas individuais. Segundo essa perspectiva, as condutas criminosas contemporâneas, que hoje são reguladas pelo Direito Penal Moderno, deveriam ser abordadas por outras áreas do direito, como o Direito Administrativo (Silva & Silva, 2021).
Nesse contexto, uma tendência emergente no direito penal econômico é o fortalecimento da criminalização de atos econômicos que causam grandes danos sociais, como a lavagem de dinheiro, a corrupção e os crimes ambientais. A abordagem crítica sugere que essas normas devem ser compreendidas não apenas como mecanismos punitivos, mas também como instrumentos de transformação social voltados para a promoção da equidade e da justiça distributiva. A prevenção e o controle desses crimes não devem basear-se exclusivamente em medidas repressivas; é crucial integrar políticas públicas que abordem as causas estruturais das desigualdades econômicas.
Além disso, a crítica da Escola de Frankfurt à instrumentalização do direito penal como ferramenta de controle social é relevante. Quando o direito penal é priorizado como meio de controle social, há um distanciamento de sua função essencial de proteção dos bens jurídicos fundamentais, transformando-o em um instrumento de pressão política e midiática (Hassemer, 2006).
Desafios na sociedade de risco no combate aos crimes econômicos
A sociedade contemporânea, caracterizada pelo conceito de "sociedade de risco" de Ulrich Beck (2011), enfrenta desafios substanciais na prevenção e controle de crimes econômicos. A globalização e a complexidade das operações financeiras aumentam a dificuldade de detecção e punição de tais crimes. Segundo Hassemer (2006), a análise econômica do direito penal, voltada para a eficiência e a prevenção geral negativa, enfraquece a legitimidade das medidas penais quando estas não conseguem demonstrar sua eficácia em prevenir o crime.
Os principais desafios incluem a necessidade de cooperação internacional, a adaptação das legislações nacionais às novas formas de criminalidade econômica e a implementação de tecnologias avançadas para a detecção de crimes. A eficácia das medidas penais está diretamente ligada à sua legitimidade: um sistema que não seja percebido como justo e eficaz perde a confiança do público e a sua capacidade de dissuasão.
Dado o caráter transnacional das transações envolvidas na lavagem de dinheiro, as observações são relevantes na compreensão deste fenômeno, particularmente em seu contexto internacional. A lavagem de dinheiro transcende a esfera de um crime financeiro comum; é uma questão de alcance global que demanda respostas eficazes tanto em nível nacional quanto internacional para ser adequadamente combatida. Abel Souto (2001) afirma:
La lucha contra la criminalidad internacional no se puede llevar a cabo con eficacia mediante iniciativas estatales aisladas e internas, sino únicamente a través de la más estrecha colaboración a escala internacional. La verdadera batalla contra el blanqueo, pues, debe plantearse, principalmente, en sede internacional, puesto que el lavado Derecho Universidad Católica del Uruguay dinero se orienta hacia países que no disponen de normas apropriadas para prevenir y reprimir el reciclaje, e incluso hande contemplarse sanciones graves frente a los estados que no se adecuen al estándar de efectividad establecido dentro del marco de la concertación internacional en la lucha contra el blanqueo (p. 48).
Além disso, a eficiência das medidas de prevenção e controle está em constante tensão com os direitos individuais e as liberdades civis. A busca por uma justiça penal mais eficiente não deve comprometer os princípios fundamentais do Estado de Direito, como o devido processo legal e a presunção de inocência. Portanto, o desafio reside em equilibrar a necessidade de segurança com a proteção dos direitos humanos.
A educação e a conscientização pública sobre os impactos dos crimes econômicos são igualmente cruciais. Programas de educação financeira e ética corporativa podem reduzir a incidência desses crimes e promover uma cultura de conformidade e responsabilidade social. É essencial que o direito penal econômico evolua para incluir uma abordagem preventiva, voltada para a eliminação das condições que favorecem a prática de crimes, em consonância com os princípios defendidos pela Escola de Frankfurt (Carnut et al., 2022).
Assim, o direito penal econômico deve se adaptar às novas realidades sociais e econômicas, utilizando tanto medidas repressivas quanto preventivas, enquanto mantém um equilíbrio delicado entre eficiência, legitimidade e proteção dos direitos individuais. A perspectiva crítica da Escola de Frankfurt oferece uma base teórica robusta para repensar e aprimorar estas abordagens.
Considerações finais
Diante do exposto, torna-se clara a relevância e a complexidade do direito penal econômico no contexto contemporâneo, caracterizado pela sociedade de risco e pela influência das teorias críticas da Escola de Frankfurt. A crescente importância dos delitos financeiros, aliada à interdependência econômica global, exige uma abordagem interdisciplinar robusta para a compreensão e aprimoramento das estratégias de prevenção e repressão.
As contribuições da Escola de Frankfurt, notadamente suas críticas à racionalidade instrumental, à alienação e à dominação, são cruciais para a análise crítica do direito penal econômico. Esses conceitos fornecem uma lente que permite enxergar as estruturas de poder que sustentam os crimes econômicos e suas interações com a sociedade de risco. A racionalidade instrumental, por exemplo, revela como o direito penal é frequentemente instrumentalizado para atender a interesses econômicos e políticos, em detrimento dos direitos fundamentais e da justiça social. Essa instrumentalização pode resultar na criação de tipos penais que priorizam o controle social e a segurança econômica, muitas vezes em detrimento da proteção da dignidade humana e da promoção da equidade.
A teoria crítica também expõe o fenômeno da alienação, presente tanto nas práticas criminosas quanto na aplicação do direito penal econômico. A alienação, agravada pela globalização e pela complexidade dos mercados financeiros, não apenas facilita a perpetração de crimes econômicos, mas também distancia o cidadão comum dos mecanismos de controle e justiça. Nesse cenário, as estruturas de dominação econômica exercem uma influência desproporcional sobre a formulação e a aplicação das leis penais, perpetuando desigualdades e limitando a eficácia das políticas de prevenção e repressão.
Ao examinar casos concretos, verifica-se que as dinâmicas de alienação e as estruturas de dominação econômica impactam tanto a perpetração quanto a regulação dos crimes econômicos. A abordagem interdisciplinar adotada neste trabalho permitiu uma análise crítica abrangente, evidenciando a necessidade de uma resposta jurídica e social mais eficaz frente aos desafios impostos pela sociedade de risco.
Nesse sentido, a crítica à racionalidade instrumental proposta pela Escola de Frankfurt mostra-se particularmente pertinente para o direito penal econômico, ao questionar a eficácia de um sistema jurídico que, em sua busca por eficiência e controle, pode acabar negligenciando princípios fundamentais de justiça e igualdade. A teoria crítica sugere, portanto, que a reformulação das políticas públicas e das práticas jurídicas no âmbito do direito penal econômico deve considerar não apenas a repressão dos crimes, mas também as causas estruturais que os perpetuam, buscando soluções que promovam a emancipação social e a redução das desigualdades.
Contudo, é imperioso reconhecer que o direito penal econômico enfrenta desafios constantes e demanda por evolução contínua. As perspectivas futuras indicam a necessidade de atualização das legislações e dos mecanismos de controle, levando em conta as mudanças sociais, econômicas e tecnológicas em curso. A colaboração entre diferentes áreas do conhecimento, como o direito, a sociologia e a economia, é fundamental para o desenvolvimento de abordagens mais eficazes e justas na prevenção e repressão dos crimes econômicos.
Conclui-se, portanto, que a compreensão do direito penal econômico à luz dos conceitos de sociedade de risco e das teorias críticas da Escola de Frankfurt enriquece não apenas sua profundidade teórica, mas também sua aplicabilidade prática. A integração dessas perspectivas críticas oferece uma base sólida para o aprimoramento das políticas públicas e das práticas jurídicas, permitindo um enfrentamento mais eficaz e justo dos desafios impostos pela criminalidade econômica em um mundo cada vez mais interconectado e arriscado.