Introdução
A violência obstétrica é aquela que acontece no momento da gestação, parto, nascimento e/ou pós-parto, inclusive no atendimento ao abortamento. De acordo com Ministério da Saúde (MS), pode ser classificada em física, psicológica, verbal, simbólica e/ou sexual, negligência, discriminação e/ou condutas excessivas, desnecessárias ou desaconselhadas, muitas vezes prejudiciais e sem embasamento em evidências científicas 1.
As práticas violentas submetem mulheres a normas e rotinas rígidas e, na maioria das vezes desnecessárias, que não respeitam os seus corpos e os seus ritmos naturais e as impedem de exercer seu protagonismo, dificultando e tornando desagradável o momento do parto. Estas práticas incluem-se mentir para a mulher quanto a sua condição de saúde para induzir cesariana eletiva ou de não informar a paciente sobre a sua situação de saúde e procedimentos necessários 2.
No Brasil, uma em cada quatro mulheres sofre violência no parto. As altas taxas de intervenções empregadas na atenção ao parto e ao nascimento foram evidenciadas nos resultados da pesquisa Nascer no Brasil que teve como um de seus objetivos analisar as intervenções obstétricas em mulheres de risco habitual 3-4.
A pesquisa Nascer Brasil, um estudo nacional de base hospitalar composto por puérperas e seus recém-nascidos, realizada no período de fevereiro de 2011 a outubro de 2012, apontou que, em relação às intervenções realizadas durante o trabalho de parto, mais de 70% das mulheres foi realizada punção venosa, cerca de 40% receberam ocitocina e realizaram aminiotomia (ruptura da membrana que envolve o feto) para aceleração do parto e 30% receberam analgesia raqui/peridural. Já em relação às intervenções realizadas durante o parto, a posição de litotomia (deitada com a face para cima e joelhos flexionados) foi utilizada em 92% dos casos, a manobra de Kristeller (aplicação de pressão na parte superior do útero) teve uma ocorrência de 37% e a episiotomia (corte na região do períneo) ocorreu em 56% dos partos. Esse número de intervenções foi considerado excessivo e sem respaldo científico que as justificassem 3.
A violência obstétrica pode ser identificada também em outras formas de tratamento à mulher durante o período gravídico-puerperal, como: peregrinação por diversos serviços até receber atendimento; falta de escuta e de tempo para com usuários; frieza, rispidez, falta de atenção, negligência e maus-tratos dos profissionais, motivados por discriminação, abrangendo idade, orientação sexual, deficiência física, gênero, racismo, doença mental; violação dos direitos reprodutivos (discrição das mulheres em decurso de abortamento, aceleração do parto para liberar leitos, preconceitos acerca dos papéis sexuais e desqualificação do saber prático, da experiência de vida, diante do saber científico 5.
Embora se constate que a violência obstétrica é uma violação dos direitos das mulheres por envolver a perda da autonomia e do poder de decisão sobre seus corpos, não há no Brasil nenhuma lei federal que proteja as mulheres no período gravídico-puerperal. Por esta razão, o uso das mídias sociais vem ganhando destaque como local de discussão dessa temática, assim como de outras questões consideradas constrangedoras ou tabu pela sociedade; pois nesses ambientes as pessoas encontram espaços para troca de experiências com pessoas que passaram ou estão passando por situações semelhantes, gerando conteúdos disponíveis e acessíveis à um grande público 6. Atualmente observa-se um grande número de blogs, sites e grupos brasileiros em redes sociais na internet em torno da gravidez e da maternidade, recheados de depoimentos pessoais e de diversos tipos de informações. Estes funcionam como um repositório de relatos de parto, textos em que as mulheres expõem suas experiências (positivas e negativas) de forma pessoal e emotiva 7.
O Facebook, especificamente, tem possibilitado a interação, por meio de comentários, de participação em grupos, assim, organizando um espaço de encontro, partilha de informações e discussão de ideias 8-9. Esse recurso é frequentemente utilizado pelas adeptas ao parto humanizado como ferramenta de empoderamento feminino, fomentando intensos debates com vistas a mudanças fundamentais e urgentes na assistência ao parto no Brasil 7.
Nesse sentido, investigar as manifestações acerca da violência obstétrica postadas em grupos virtuais do Facebook mostra-se relevante no sentido de identificar as lacunas e debilidades existentes na assistência à mulher no período gravídico-puerperal que culminam em violência obstétrica. Assim, as questões que norteiam este estudo são: Quais são as manifestações acerca da violência obstétrica postadas em grupos virtuais do Facebook? Que tipo de postagens são compartilhadas? O que elas apontam sobre a assistência à mulher no período gravídico-puerperal?
As respostas a tais questionamentos, poderá subsidiar a prática dos profissionais de enfermagem e saúde, auxiliando-os na proposição de uma nova forma de cuidado, considerando a rede social Facebook como ferramenta de mudança para assistência à mulher no período gravídico-puerperal.
Além disso, ao fortalecer as redes virtuais, fortalecemos a participação das mulheres na política; e com a expansão do acesso à rede mundial, as informações e as trocas de experiências podem estar ao alcance de um maior número delas, as quais, mais informadas e mais conscientes sobre seus corpos e sua saúde, podem exigir mudanças no sistema de saúde. Dessa forma, o empoderamento feminino promovido por ações coletivas podem auxiliar as mulheres a exigirem mudanças fundamentais e urgentes na assistência ao parto no Brasil 7.
Diante do exposto, o presente estudo teve por objetivo geral conhecer as manifestações acerca da violência obstétrica postadas em grupos virtuais do Facebook; sendo objetivos específicos:
Método
Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo; realizado em grupos públicos hospedados na rede social virtual Facebook que abordaram a temática de violência obstétrica.
As redes sociais virtuais são organizações com determinadas características, como a intencionalidade de objetivos. Na rede social Facebook, os grupos são configuram uma associação conjunta entre pessoas que compartilham os mesmos interesses. Dessa forma, investigá-las envolve entender como os participantes se organizam e se mobilizam para integrar essas redes 10.
Quando as postagens e experiências compartilhadas pelos usuários que ficam disponíveis a qualquer pessoa com acesso a rede social, é definido como um grupo público. Já as postagens que ficam restritas apenas aos seguidores do grupo, são definidas como grupo privado 11.
O estudo foi composto por postagens de grupos públicos hospedados na rede social virtual Facebook que abordaram a temática de violência obstétrica, publicadas no ano 2017. Foram adotados como critérios de Inclusão: postagens de grupo público; nacional; direcionado a temática de violência obstétrica. Como critérios de exclusão: postagens de grupos internacionais; grupos exclusivamente de profissionais de saúde (conforme informação da descrição dos grupos) e que não possuam postagens nos últimos 30 dias.
A coleta de dados foi realizada no mês de setembro de 2018 na rede social virtual Facebook. Primeiramente, se realizou a busca pelos grupos públicos que abordaram a temática violência obstétrica na referida rede social virtual, por meio da janela de pesquisa disponibilizada pela mesma, que permite aos usuários encontrar pessoas ou grupos de interesse.
A coleta foi operacionalizada em cinco etapas:
1º) Na janela de pesquisa, procedeu a busca por meio das palavras-chave violência obstétrica, posteriormente, selecionou-se a opção grupos no painel de navegação do facebook.
2º) A partir dos resultados obtidos na pesquisa, foi empregado o filtro: mostrar apenas grupos públicos; para identificar grupos com postagens disponíveis a qualquer pessoa com acesso a rede social.
3º) Os grupos encontrados foram ainda avaliados de acordo com a nacionalidade, seus participantes e existência de postagens nos últimos 30 dias. Assim, selecionou-se os grupos para participar do estudo.
4º) Se realizou a análise do conteúdo dos grupos selecionados, contemplando os seguintes aspectos: nome do grupo, ano de criação, definição, administrador, número de seguidores e tipo de postagens. As postagens foram classificadas de acordo com a seguinte tipologia:
Citações (referências de autores consagrados, trechos de músicas, frases de efeito, epígrafes e passagens de livros).
Perguntas
Notícias
Imagens e vídeos
Histórias e vivências pessoais
Também foram captadas informações como: número de comentários, reações (Curtir, Amei, Uau, Triste, Haha, Grr) e compartilhamento. Tais aspectos foram inseridos e organizados em uma planilha, assim subsidiando a síntese dos dados e posterior caracterização dos grupos.
5º) A coleta dos dados ocorreu a partir da leitura das postagens realizadas no período de janeiro a dezembro de 2017, nos grupos selecionados. Após, as postagens foram copiadas e armazenadas nos programas Atlas ti, para análise subsequente, por meio da proposta operativa de Minayo 12.
Ressalta-se que as postagens que não tiveram relação com a temática de violência obstétrica foram desconsideradas.
O presente estudo respeitou a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, que aborda a pesquisa envolvendo seres humanos. O mesmo foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa conforme parecer número 2.845.836 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 95390418.2.0000.5316.
Para proteger a identidade das pessoas nas postagens selecionadas, foram suprimidos os dados que permitem sua identificação como nome, lugar, residência, estado, grupo virtual, entre outros. O anonimato dos participantes foi garantido pela utilização de códigos para a identificação, como exemplo “P”, que representa a “Postagem” no grupo, acrescido do algarismo arábico que indica a ordem de coleta do dado.
Resultados
A seguir será apresentada a caracterização das postagens compartilhadas nos grupos virtuais do Facebook e as lacunas na assistência à mulher no período gravídico-puerperal que culminam em violência obstétrica.
Caracterização das postagens compartilhadas nos grupos virtuais do Facebook
Por meio de busca no painel de navegação do Facebook foram localizados 113 (100%) grupos que abordavam a temática de violência obstétrica, sendo 30 (26,54%) grupos públicos e 53 (46,90%) grupos privados.
Dentre os grupos públicos, excluíram-se 21 (18,58%) grupos internacionais, a saber: 11 (9,73%) da Argentina, quatro (3,54%) do México, dois da Colômbia (1,77%), um do Chile (0,88%), um da Venezuela (0,88%), um da Guatemala (0,88%) e um do Paraguai (0,88%). No cenário nacional foram identificados nove (7,96%) grupos, dos quais sete (6,19%) não possuíam postagens nos últimos 30 dias e, portanto, excluídos do estudo. Não foram identificados grupos com postagens realizadas exclusivamente por profissionais.
Assim, foram selecionados dois (1,77%) grupos hospedados na rede social virtual Facebook que abordavam a temática de violência obstétrica, para análise das postagens (Figura 1).
Ao analisar os grupos selecionados, constatou-se que o 1º Grupo possuía um total de 27 postagens no ano de 2017 e o 2º Grupo possuía 36, totalizando 63 (100%) postagens. Foram excluídas 19 (30,16%) postagens: uma (1,59%) por estar repetida no mesmo grupo e 18 (28,57%) por não atenderem aos objetivos do presente estudos, por vezes, refletindo o interesse de pesquisas com enfoque diverso.
As postagens selecionadas (n=44, 100%) apresentaram diversidade em relação a tipologia: dez (22,73%) citações de frases de efeito; duas (4,55%) perguntas, que indicavam a busca dos participantes por especialistas (psicólogo e advogado); 13 (29,54%) notícias, que denunciavam situações de violência obstétrica em determinado serviço, eventos relacionados a temática; oito (18,18%) imagens e vídeos, que mostravam trechos de trabalhos de conclusão de curso, comediantes ironizando a naturalidade do agendamento de cesarianas, por conveniência médica; ou ainda, exaltando atitudes positivas contra a violência obstétrica; e 11 (25%) histórias e vivências pessoais, que retratavam situações de violência obstétrica vivenciadas pelos participantes (Quadro 1, Continuação Quadro 1 e Quadro 2, Continuação Quadro 2 ).
Constata-se que as postagens selecionadas para este estudo foram realizadas, predominantemente, pelas administradoras dos grupos. No 1º Grupo, do total de 20 (100%) postagens selecionadas, 17 (85%) foram realizadas pela administradora e três (15%) por membros do grupo. Já no 2º Grupo, do total de 24 (100%) postagens, 17 (70,83%) foram realizadas pelas administradoras e sete (29,17%) por membros do grupo.
Quanto as comentários, reações e compartilhamentos, pondera-se que tais ações não foram expressivas, uma vez que o quantitativo se mostrou baixo. O 1º Grupo obteve o máximo de quatro comentários, 13 reações e apenas um compartilhamento. O 2º Grupo obteve o máximo de 23 comentários, 95 reações e 263 compartilhamentos.
Lacunas na assistência à mulher no período gravídico-puerperal que culminam em violência obstétrica
A partir da análise das postagens compartilhadas nos grupos virtuais do Facebook, emergiram duas categorias relacionadas as lacunas na assistência à mulher no período gravídico-puerperal que culminam em violência obstétrica: Negação dos diretos a mulher no período gravídico-puerperal e Negligência, imprudência e imperícia na assistência obstétrica.
Negação dos diretos a mulher no período gravídico-puerperal
As postagens retratam situações vivenciadas pelas mulheres no período gravídico-puerperal em que são negados direitos como analgesia no trabalho de parto; acompanhante de sua escolha no trabalho de parto e pós-parto; realização de procedimentos sem consentimento ou respeito à sua preferência, como a Manobra de Kristeller, Episiotomia e “ponto do marido”. Evidenciando que a assistência à mulher no período-puerperal ignora seu protagonismo, distanciando-a como participante ativa de um evento fisiológico que lhe é próprio, agregando medicamentos e procedimentos inadvertidamente.
Negligência, imprudência e imperícia na assistência obstétrica
As postagens apontam as ações praticadas pelos profissionais de saúde na assistência obstétrica, as quais cunham negligência, imperícia e imprudência. A negligência é evidenciada quando o profissional coloca em risco a vida do binômio mãe-bebê por omissão de cuidados ou quando libera do atendimento a gestante com alteração grave dos níveis pressóricos. A imperícia fica explícita no despreparo dos profissionais para o exercício da assistência humanizada na gestação, parto e puerpério. A imprudência é revelada quando os profissionais possuem conhecimento acerca dos direitos da mulher no período gravídico-puerperal e mesmo assim realizam procedimentos sem o consentimento da mulher ou proferem falas desrespeitosas e pejorativas a elas; ou ainda, quando realizam cesarianas por conveniência mesmo cientes dos riscos envolvidos.
Discussão
A análise dos dados aponta que o maior número de grupos que abordam a temática de violência obstétrica no Facebook são privados, o que pode ser entendido como forma de proteção e garantia de coesão entre os interesses de seus participantes. No Brasil ainda são incipientes as discussões sobre violência obstétrica, por essa razão as mesmas estão sendo mobilizadas pelo uso de estratégias de ciberativismo, em que as ativistas pela humanização do parto formam uma esfera pública única, mais visível e com maior probabilidade de desafiar o discurso dominante 14, do conhecimento médico hegemônico, em que as práticas violentas e agressivas são perpetuadas como “praxe” e respaldadas em função do saber/prática médico-hospitalar 15.
De acordo com a busca realizada, o Brasil ocupa o segundo lugar em relação a quantidade de grupos públicos relacionados a temática de violência obstétrica, com nove grupos, sucedendo a Argentina, com 11 grupos. Destaca-se que na Argentina, com o avanço da democratização, foram introduzidas as primeiras políticas públicas com ênfase na igualdade de gênero, inclusive garantindo a representatividade feminina e a participação na formulação, implementação e controle dessas políticas 16.
Já no Brasil, o movimento contra a violência obstétrica surgiu nas décadas de 1980 e 1990, impulsionado por grupos de profissionais da saúde, defensores dos direitos humanos e reprodutivos das mulheres e por uma parcela do movimento feminista, como forma de promover a discussão sobre a violência no parto e combatê-la 15.
O movimento contra a violência obstétrica no Brasil emergiu das críticas crescentes a respeito da assistência ao parto no país, que culminou em um “movimento em prol da humanização do parto e nascimento”. Tal movimento se baseia no reconhecimento da participação ativa da mulher e de seu protagonismo no processo de parto, com ênfase nos aspectos emocionais e no reconhecimento dos direitos reprodutivos feminino 15. Atualmente, sendo respaldado pelas políticas públicas vigentes.
Com relação a alimentação dos grupos por meio de postagens, identificou-se que apenas dois grupos públicos, no Brasil, mantinham-se ativos, com postagens nos últimos 30 dias antecedentes a coleta. Além disso, a maioria das postagens foram realizadas pelas suas administradoras, denotando um esforço individual em dar visibilidade ao tema, principalmente, por meio de divulgação de notícias (n=12; 27,27%), de histórias e vivências pessoais (n= 11; 25%) que retratam situações de violência obstétrica, bem como a publicação de citações de frases de efeito (n=10; 22,73%) visando a divulgação dos direitos da mulher no período gravídico-puerperal, o empoderamento da mulher e a garantia da humanização do parto e nascimento.
Pesquisadores apontam que as discussões sobre violência obstétrica, mobilizadas pelo uso de estratégias de ciberativismo coletivo, dá voz às mulheres que passaram por situações de violência no período gravídico-puerperal, visibilidade à temática, espaço para discussão e, paulatinamente, desnaturaliza sua ocorrência. Nesse sentido, podemos destacar: as postagens coletivas, textos autorais publicados nos espaços pessoais em data pré-determinada, para alcançar uma maior mobilização em torno do assunto; o compartilhamento fácil e virtualmente sem custo de informações, o que possibilita a disseminação de conteúdos de longo alcance e instantaneamente; e os canais para troca de mensagens entre pessoas ou grupos, que facilitam a articulação e a organização de mobilizações 14).
Nesse sentido, a utilização das redes sociais tem grande potencial de configurar canais para o renascimento do parto e a desnaturalização da violência obstétrica, na medida em que suas autoras estão mobilizadas a buscar uma assistência ao parto mais humanizada e menos violenta, dando maior visibilidade à temática, ao tirá-la da obscuridade 14. Para tanto, se faz necessário que tais mobilizações se constituam em um continuum, promovendo discussões acerca do significado da expressão “violência obstétrica”, problematizando-a, tirando o véu invisibilizador que a torna presença silenciosa 15.
Diante desse cenário, faz-se imperativo que profissionais da saúde se engajem e até mesmo liderem grupos virtuais ligados a temática, uma vez que não foi encontrado grupos com este perfil. Por meio dessa iniciativa, acredita-se que as postagens ganhem maior credibilidade pelos demais usuários, visto que adquirem o cunho de conhecimento científico. Consequentemente, poderão ser compartilhadas, dando visibilidade a temática e tornando-se pauta de discussões no ambiente virtual; assim permitindo o ensaio e potencializando a expressão, a manifestação e o empoderamento das mulheres em relação ao evento que lhe é próprio, o parto e nascimento.
Os resultados do presente estudo mostram que, mesmo com a política de humanização do parto e nascimento, ainda hoje as práticas que buscam garantir o protagonismo da mulher e seus direitos no período gravídico-puerperal possuem pouco reconhecimento no âmbito social, refletindo na prática assistencial violenta. Ao encontro de tal afirmativa, a pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo apontou que uma em cada quatro mulheres sofre violência no parto 17.
Como lacuna na assistência à mulher no período gravídico-puerperal que culminam em violência obstétrica, as postagens selecionadas para esse estudo evidenciaram a negação de direitos, tais como: analgesia no trabalho de parto; acompanhante de sua escolha no trabalho de parto e pós-parto; realização de procedimentos sem consentimento ou respeito à sua preferência, como a Manobra de Kristeller, Episiotomia e “ponto do marido”.
Segundo o Ministério da Saúde, todas as mulheres durante o trabalho de parto devem ter acesso a métodos de analgesia, incluindo os não farmacológicos (banheira, chuveiro, massagens, etc), analgesia regional e outras substâncias analgésicas (opióides). Além disso, é vetada a realização da manobra de Kristeller no segundo período do trabalho de parto, como também a realização da episiotomia de rotina no parto vaginal espontâneo 1).
Com relação a presença de um acompanhante no período gravídico-puerperal, a Lei do Acompanhante (Lei Nº 11.108, de 7 de abril de 2005), determina que os serviços de saúde do SUS, da rede privada ou conveniada, são obrigados a permitir à gestante o direito a acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto. O acompanhante é indicado pela gestante, podendo ser o pai do bebê, o parceiro atual, a mãe, um (a) amigo (a), ou outra pessoa de sua escolha 18.
No entanto, pesquisas assinalam o descumprimento de tais recomendações e direitos. A pesquisa “Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento” apontou que, em relação às intervenções realizadas durante o trabalho de parto, 30% das mulheres receberam analgesia raqui/peridural; em 37% dos partos foram realizadas a manobra de Kristeller (aplicação de pressão na parte superior do útero) e em 56% ocorreu a episiotomia (corte na região do períneo). Esse número de intervenções foi considerado excessivo e sem respaldo científico em estudos internacionais 3.
Outra pesquisa, cujo objetivo foi verificar a prevalência de violência obstétrica na Maternidade de um hospital escola do interior do Estado de São Paulo, revelou as formas mais comuns de violência foram: a proibição de acompanhante, falhas no esclarecimento de dúvidas e a realização de procedimentos obstétricos sem autorização/esclarecimentos (episiotomia, amniotomia artificial e enema) 19.
Diante de tais dados, ressalta-se que as mulheres em trabalho de parto devem ser tratadas com respeito, ter acesso às informações baseadas em evidências e serem incluídas na tomada de decisões. Para isso, os profissionais que as atendem deverão estabelecer uma relação de confiança com as mesmas, perguntando-lhes sobre seus desejos e expectativas. Devem estar conscientes da importância de sua atitude, do tom de voz e das próprias palavras usadas, bem como a forma como os cuidados são prestados 1.
O presente estudo apontou ainda que outra lacuna da assistência à mulher no período gravídico-puerperal que culmina em violência obstétrica são as ações praticadas pelos profissionais de saúde na assistência obstétrica, as quais cunham negligência, imperícia e imprudência. Ao encontro desse achado a literatura revela que o modelo obstétrico brasileiro é marcado pela necessidade de um parto rápido, sem respeito a autonomia da mulher, favorecendo a ocorrência de intervenções desnecessárias, baseadas em práticas sem evidências científicas que as apoiem, condição que favorece a ocorrência de violência obstétrica 20.
A respeito disso, destaca-se a legitimação do conhecimento médico hegemônico, em que o profissional realiza intervenções mesmo sabendo que o uso inadequado pode ser nocivo as parturientes, como uso de ocitocina com o intuito de acelerar o parto, cesárias eletivas, episiotomia entre outros 15. Em decorrência dessas ações algumas mulheres morrem, outras carregam sequelas físicas e psicológicas, e muitas sobrevivem marcadas pela violência 21.
Pesquisadores explicitam que os modelos de assistência obstétrica em vigência no Brasil desrespeitam e/ou ignoram os direitos sexuais, reprodutivos e humanos, o que pode ser observado nos altos índices de cesárea e nos maus-tratos sofridos pelas mulheres nas maternidades 22. Este cenário revela a urgência de lutar por melhores condições de parturição, livre de imposições rotineiramente desnecessárias, que prejudiquem a autonomia da mulher e a coloquem como ser incapaz de parir sem procedimentos médicos, muitas vezes, ofertados como uma cascata de práticas intervencionistas, que interferem no processo de nascimento 23.
Salienta-se que todas as mulheres têm direito a uma assistência obstétrica livre de negligência, imperícia e imprudência. Logo, não basta que a mulher e o bebê sobrevivam ao parto, é imperioso que seu atendimento seja digno, respeitoso, humanizado e com práticas embasadas em evidências, visto que isso é o mínimo que os profissionais e serviços de saúde devem oferecer.
Conclusão
Os resultados do presente estudo apontam a existência de poucos grupos públicos que abordam a temática da violência obstétrica, revelam que a mesma é polêmica, e em função disso a maioria dos grupos prefere explorá-la no âmbito privado, de forma protegida e resguardando a coesão entre os interesses de seus participantes. Por outro lado, destaca-se que no Brasil os usuários da rede social Facebook vem dando maior visibilidade a temática por intermédio dos grupos virtuais.
No entanto, trata-se de um movimento isolado, centrado no esforço de poucas pessoas, sem de fato haver engajamento e reconhecimento social, o que fica evidente nas postagens, uma vez que são realizadas, em sua maior parte, pelas administradoras dos grupos. Além disso, apresentam reduzida propagação no ambiente virtual, pois poucos conteúdos foram compartilhados ou motivaram os demais usuários a expressar reações.
No que se refere especificamente a tipologia das postagens, constatou-se que a mesma é diversificada, constituindo-se principalmente pela divulgação de notícias, de histórias e vivências pessoais, e pela publicação de citações de frases de efeito. Essas postagens buscam de diferentes formas dar visibilidade ao tema, como também desnaturalizar a ocorrência da violência obstétrica e empoderar a mulher por meio da disseminação de informações e divulgação de seus direitos no período gravídico-puerperal.
Como lacuna na assistência à mulher no período gravídico-puerperal que culminam em violência obstétrica, as postagens selecionadas para esse estudo evidenciaram a negação de seus direitos e as ações praticadas pelos profissionais de saúde que cunham negligência, imperícia e imprudência. Esses achados mostram que, mesmo com a política de humanização do parto e nascimento, ainda hoje as práticas que buscam garantir o protagonismo da mulher e seus direitos no período gravídico-puerperal possuem pouco reconhecimento no âmbito social, refletindo na prática assistencial violenta.
Como limitação do presente estudo aponta-se o fato do mesmo ter sido realizado com postagens de grupos virtuais específicos que abordavam a temática de violência obstétrica: públicos e nacionais. Assim, seus resultados não retratam as manifestações de membros de grupos privados e internacionais.