Introdução
No que diz respeito a autoajuda, os primeiros esboços sobre livros surgiram em meados do século XVIII, com as literaturas de autoajuda, sendo um instrumento de auto resolução dos sujeitos da época que buscavam se aperfeiçoar de maneira autônoma. 1
O final da vida e o luto representam vivências complexas, que exigem compreensão e adoção de estratégias amparadoras aos pacientes e suas famílias. O final da vida é uma fase da doença na qual a possibilidade de morte é real e a expectativa de vida é de seis meses. 2 O luto, por sua vez, é uma reação natural e esperada frente à perda e ao desenvolvimento humano, uma vez que faz parte da (in)existência humana. 3)
Nesse sentido, pessoas que passam por situações de final de vida e luto são elegíveis à abordagem dos cuidados paliativos. Os cuidados paliativos são uma abordagem que envolve a promoção da qualidade de vida de pacientes com doenças que não respondem ao tratamento modificador e seus familiares. 4 Dentre os princípios dos cuidados paliativos estão o suporte para os pacientes viverem o mais ativamente possível até a morte e o apoio às famílias durante o adoecimento e o luto. 5 Sendo assim, é importante que profissionais de saúde desenvolvam estratégias para assegurar a implementação desses princípios.
Por exemplo, incorporar cartilhas, vídeos, infográficos e folhetos na avaliação e controle da dor. As cartilhas são utilizadas como uma importante estratégia para sanar dúvidas, por meio de informações claras e objetivas, levando à compreensão do processo saúde-doença, condição clínica e práticas de autocuidado. 6 Outrossim, podem utilizar vídeos, cartilhas, grupos, chamada telefônica, websites e orientações por meio de consulta para realizar ações de educação em saúde que podem melhorar a comunicação sobre condutas, o entendimento e a aceitação dos cuidados paliativos, qualificando-os. 7 Ainda, operacionalizar serviços de autoajuda em instituições no cuidado frente ao luto. 8
Em relação às abordagens aos pacientes e familiares, a realização de grupos parece ser relevante. Entretanto, em algumas etapas do adoecimento ela parece ser mais dificultosa no sentido de sua realização, pelas limitações da doença ou pelo impacto psicológico diante da perda. Apesar disso, estudo demonstrou que pessoas com doenças que não respondem mais ao tratamento modificador ou familiares enlutados utilizam as mídias sociais como estratégia de suporte e apoio, compartilhando relatos de vivência e narrativas sobre morte, morrer e luto. Assim, espectadores que se comovem ou se identificam com as publicações aproximam-se, mesmo que virtualmente, criando um grande grupo de autoajuda virtual, oportunizando o sentimento de acolhimento e reduzindo o de solidão. 9 Corroborando, estudo 10 aponta que compartilhar acerca do próprio adoecimento faz parte do processo do indivíduo de reconhecer-se como doente e relacionar-se com o outro, dividindo histórias e conectando realidades.
Frente ao exposto, este estudo tem como objetivo identificar as estratégias de autoajuda para pacientes em cuidados paliativos e seus familiares na literatura internacional, que vislumbra auxiliar os pacientes e/ou familiares no enfrentamento do processo de final de vida. Sendo assim a pesquisa soma-se a uma investigação maior que tem por objetivo analisar de qual forma os livros de autoajuda auxiliam os indivíduos a enfrentar o final da vida no contemporâneo.
Metodologia
Trata-se de uma revisão integrativa de literatura que seguiu seis etapas 11: 1) definir e elaborar a pergunta que será o objeto da revisão; 2) realizar a busca e seleção dos estudos; 3) extrair os dados dos estudos primários; 4) avaliar criticamente os estudos incluídos na revisão; 5) realizar a síntese dos achados e 6) apresentar os resultados.
Na primeira etapa, delimitou-se como questão de pesquisa: quais as estratégias de autoajuda (grupos, livros, vídeos, filmes), encontradas na literatura nacional e internacional, para pacientes em cuidados paliativos e seus familiares? A questão teve como base a estratégia PICO, em que se teve: P - participantes: pacientes e familiares, I - intervenção: estratégias de autoajuda, C - comparação: não se aplicou, O - resultados (outcomes): efeitos das estratégias para pacientes e familiares.
Na segunda etapa, identificou-se os estudos entre abril e maio de 2022, a partir de descritores indexados como Medical Subject Headings (MESH), nas bases de dados eletrônicas Medical Literature and Retrievial System Online (Medline), via PubMed, além da Scientific Electronic Library Online (Scielo), SciVerse Scopus que pertence a editora Elsevier, Cumulative Index to Nursing and Allied Health (CINAHL) pertencente a EBSCO, e por fim Web of Science, da Clarivate Analytics. O acesso e recuperação aos documentos das bases de dados com acesso restrito ocorreu pelo Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), via Comunidade Acadêmica Federada (CAFe).
Os critérios de inclusão foram: artigos originais com adultos em cuidados paliativos e/ou familiares enlutados, publicados nos idiomas inglês, português, espanhol e francês com acesso aberto. Os critérios de exclusão foram: artigos de reflexão, crianças em final de vida, acesso fechado. Não foi estabelecida delimitação temporal, a fim de obter maior número de estudos. Após a associação dos descritores, foram identificados 3259 documentos através do uso das diferentes combinações de MESH, conforme apresentado na Tabela 1.
Após a identificação, os arquivos foram baixados e adicionados ao aplicativo online gratuito Rayyan - Intelligent Systematic Review, para a realização da leitura dos títulos e resumos, a leitura foi feita utilizando o método de dupla verificação às cegas, e posteriormente a dupla, constituída pelas autoras um e dois deste manuscrito, discutiram as divergências para concluir o número de achados.
Assim, aplicando-se os critérios de inclusão e exclusão, foram encontrados 36 artigos para leitura na íntegra, dentre os quais 16 compuseram o corpus de análise da revisão. Após os dados foram adicionados ao programa PRISMA para gerar o fluxograma de bases de dados. A Figura 1 representa o diagrama das buscas e seleção dos artigos.
Na terceira etapa, os dados foram extraídos em formulário construído no aplicativo de gerenciamento de pesquisas do Google, dividido por seções. A primeira seção foi composta por: título, autor, ano, país, participantes, abordagem do estudo, e nível de evidência em relação ao desenho metodológico. A segunda seção contemplou desenho metodológico e teoria, amostragem, seleção dos participantes, método de abordagem, quantidade e recusa dos participantes. E, por fim, a terceira seção continha dados referentes aos resultados do artigo, como: tema central, principais resultados e limitações. Posteriormente, na terceira e quarta etapa, a qualidade dos estudos quantitativos foi avaliada pelo nível de evidência 12 e a dos estudos qualitativos por meio de check-list, adaptado do guia Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). 13 Na etapa cinco os dados foram analisados de maneira descritiva, e os resultados organizados a partir da síntese das estratégias, utilizando a similaridade temática como fator principal para a construção das categorias de análise. A sexta etapa, apresentação dos resultados, está descrita a seguir. A Tabela 2 2a 2b apresenta a caracterização dos 16 artigos que integraram o material empírico da revisão.
Resultados
Com base na Tabela 2, percebe-se o predomínio de estudos realizados na Suécia, especialmente com abordagem qualitativa. Ademais, a estratégia de grupos de autoajuda foi a principal evidenciada nesta revisão, dividindo-se em grupos para pacientes e grupos para familiares.
Grupos de autoajuda para pessoas em cuidados paliativos
Nesta categoria serão apresentados os materiais encontrados sobre grupos de autoajuda para pacientes que estivessem em cuidados paliativos. Os países de realização dos estudos foram Estados Unidos da América,20 Reino Unido 25 e China.26 Todos tiveram as coletas de dados realizadas em grupos de intervenção 19,24,25 e as estratégias utilizadas foram grupo de autoajuda (20, 25) e materiais educativos de áudio, texto e reuniões online. Todos os estudos foram positivos em relação aquilo que propuseram.
Nos Estados Unidos, o estudo teve como principal objetivo criar e avaliar um grupo para ajudar pacientes com câncer avançado a sustentar ou aumentar o senso de significado, paz e propósito em suas vidas, mesmo quando eles aproximavam-se do fim da vida. Foram analisados dois grupos: um que realizava intervenções que auxiliassem no bem-estar psicoespiritual e no senso de significado, e um grupo apenas de apoio. Além de melhorar o bem-estar espiritual e um senso de significado aprimorado, o primeiro grupo pareceu ter redução no sofrimento psicológico. Foram identificadas modestas melhorias na desesperança, desejo de morte e ansiedade, e esses efeitos do tratamento aumentaram ao longo do período de acompanhamento de dois meses, quando comparado ao grupo de apoio. 20
No Reino Unido, foram avaliadas reuniões de um grupo psicoeducativo para mulheres jovens com câncer. A necessidade do grupo se deu por observar que essas mulheres necessitavam de uma melhor qualidade de vida no tempo que ainda estivessem vivas. Os encontros do grupo foram variados e assumiram aspectos como jantares, seminários e terapias cognitivas. As mulheres participantes tinham menos de 55 anos e todas passaram por uma avaliação inicial, sendo observado níveis de depressão com a aplicação da escala de Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS), após elas serem inseridas no grupo. O ambiente foi pensado em uma sala privativa, porém informal, que proporcionasse um local favorável para os encontros, salas amplas, bem arejadas com cadeiras do tipo espreguiçadeiras, e a oferta de bebidas para proporcionar a quebra do ambiente hostil. As avaliações do funcionamento do grupo foram realizadas de forma informal por meio de questionários, mas os dados encontrados nos questionários sugerem melhora nos níveis de ansiedade e depressão, auxiliando para a redução desses sintomas, em pacientes com câncer de mama, seja ele com desfecho de cura ou cuidados paliativos.25)
Outra pesquisa, de abordagem quantitativa, avaliou dois grupos: 42 participantes de um grupo controle e 44 do grupo experimental. Os pacientes que participaram do grupo experimental foram treinados para utilizar uma plataforma chamada WEB LRP, dentro um aplicativo wechat, que proporcionou videochamadas para reavaliar a vida. Por meio da construção de árvore genealógica e revivendo sentimentos ao longo da vida, a plataforma dispunha de materiais de áudio e texto assíncronos 24h por dia, e uma reunião semanal por seis semanas. As reuniões de revisão da vida duravam entre 40-60 minutos, e quando o paciente experimentava emoções negativas podia ser acompanhado por psicólogos. Após esse processo foi aplicado um questionário para avaliar diferentes domínios. Embora o estudo causasse um processo doloroso por fazer as pessoas reviverem certos sentimentos e momentos da vida, foi possível avaliar que o módulo espaço e mente propiciou aos pacientes expressarem seus sentimentos de forma mais clara através de palavras, o módulo prompts de memória possibilitou reviver sentimentos familiares despertando emoções positivas. Porém não foi possível avaliar se houve diferenças significativas quanto ao sentido da vida e esperança entre os dois grupos. 26
Grupos de autoajuda com familiares de pessoas em cuidados paliativos ou enlutados
Encontrou-se materiais que abordassem grupos de autoajuda para as famílias de pessoas que estivessem em cuidados paliativos ou vivenciando a fase do luto. Três foram realizados na Suécia, 17,23,24,21,22,27 um nos Estados Unidos, 15 um na Austrália 28 e um no Reino Unido. 18 Cinco tiveram as coletas de dados realizadas apenas em intervenções em grupo, 15,18,21,22,27 uma apenas por questionário online 17 e os outros utilizaram da intervenção em grupo e questionário 23 ou entrevista 24 e um em grupo focal. 28
A participação em grupos de apoio foi avaliada como muito proveitosa por 22 dos 40 participantes. Dentre os benefícios da participação nos grupos de apoio, destacaram: a oportunidade de falar sobre os próprios sentimentos sem sobrecarregar ninguém próximo, descobrir que não se está sozinho no luto parental e experimentar um companheirismo com outros jovens em circunstâncias similares. 15
Um grupo destinado a familiares enlutados tinha como principal objetivo ofertar um local de compartilhamento de experiências de luto, para receber apoio e apoiar quem estivesse em situação semelhante. Foram realizados sete encontros quinzenais e como profissionais coordenadores da atividade tinham enfermeiros, assistentes sociais, capelães e diáconos. Os tópicos abordados nos encontros foram: quem tinha morrido e como; mudanças, por exemplo, na família; sentimentos e experiências de luto e pensamentos existenciais; o que eles encontravam como apoio; recordações e vínculos continuados; e seguindo em frente. Houve pouca diferença relacionada aos dados de bem-estar, entre o primeiro e o último encontro. O baixo bem-estar psicossocial e a pouca melhoria durante o período do estudo indicam a potencial necessidade de apoio ao luto, não apenas de forma temporária. 17)
Outra estratégia de grupo com familiares os separou em dois grupos por identificarem que as pessoas se encontram em momentos e processos distintos: um grupo foi constituído por pessoas vivenciando a fase anterior à morte e o outro grupo era de apoio aos enlutados. Assim, o familiar iniciava no grupo anterior à morte, e após o óbito passava a participar das reuniões do grupo de apoio a enlutados. Os pacientes não eram autorizados a participar das reuniões. Os encontros ainda foram sub categorizados por idade, e as famílias envolvidas indicaram que, frequentar o grupo as ajudou a aceitar sentimentos e a comunicá-los de forma mais eficaz, além de conhecer outras famílias na mesma posição, o que proporcionou conforto e apoio. Na faixa etária dos 10 aos 16 foi identificado que com o tempo restrito de 90 minutos não se sentiam à vontade para expressar-se, assim foram realizadas noites de jogos, com atividades como pizza e boliche para tentar aproximá-los e auxiliá-los. 18
O programa de grupo de apoio atendeu a diferentes tipos de necessidades dos familiares como mencionado no estudo anterior e dessa investigação anterior e através do banco de dados, surgiram dois outros estudos. Os participantes sentiram que os temas apresentados no grupo de apoio refletiam sua vida cotidiana e concentravam em situações significativas para suas vidas com pessoas gravemente doentes. Os participantes mencionaram que a estrutura do programa, com reuniões semanais, tempo livre para conversas em grupo e contribuições dos profissionais da equipe assistencial, oferecia uma oportunidade de estabelecer relações. Um aspecto importante do programa do grupo de apoio era que os líderes do grupo e os profissionais convidados eram membros da equipe que cuidava da pessoa doente. Os participantes puderam conhecer membros de todas as profissões, algo que foi visto como vantajoso. Eles se sentiram convidados e incentivados a entrar em contato, alguns participantes entraram em contato com os diversos membros da equipe para consulta e ajuda após a reunião. Isso lhes deu confiança de que a pessoa doente estava recebendo bons cuidados de enfermagem no dia-a-dia. 23,24
Alguns participantes acharam o programa estressante e se sentiram inseguros na primeira vez que se reuniram em grupo. Esses sentimentos foram amenizados pelo ambiente acolhedor nas reuniões desde o início. Os líderes do grupo eram vistos como companheiros que compartilham sentimentos e pensamentos, davam conselhos e apoio enquanto orientavam o grupo em conversas descontraídas. Dentro do grupo, eles se sentiram à vontade para chorar e falar sobre o quanto estavam cansados; o grupo de apoio se tornou um lugar onde podiam abandonar aquilo que escondiam de si mesmos, da pessoa doente e de outros membros da família ou rede de apoio. Além disso, no grupo, eles falavam sobre raiva e aborrecimento com a pessoa doente e com a própria doença.23,24
O programa de grupo de apoio mencionado nos três estudos anteriores, gerou outros resultados demonstrados nesta investigação. São apresentados dados de um estudo maior que foi subdivido, familiares de pacientes em final de vida, foram acompanhados em serviços especializados para cuidados paliativos e em uma unidade hematológica, os encontros do grupo ocorreram entre janeiro e dezembro de 2009. Os membros da família que participaram do programa de grupo de apoio aumentaram significativamente suas percepções de preparo, competência e recompensa ao cuidar. A intervenção pareceu afetar as percepções dos participantes sobre o desempenho no cuidado, e eles se sentiram mais preparados e competentes em seu papel. Não houve mudanças significativas na esperança, ansiedade, sintomas de depressão ou saúde.
Um estudo realizado com familiares enlutados na Suécia, adotou a inserção em um grupo de apoio, não especificando as abordagens desenvolvidas. Evidenciou que o luto é bastante severo para pessoas que perdem parentes muito próximos, mas que tende a diminuir e até mesmo cessar em um ano após a perda. A participação em grupo não repercutiu em melhora no luto, ansiedade ou depressão durante um ano de intervenção, sendo que após esse período 49 % dos participantes demonstrou que não achava necessária a participação e que conseguia lidar com o luto sozinho. 21
Outro estudo identificou alguns fatores que não puderam ser sanados no estudo anteriormente mencionado, sobre o grupo de apoio aos familiares, demonstrou aspectos que tiveram impacto positivo para os participantes dos grupos, por exemplo, na autoimagem. Por exemplo, alguns participantes mencionaram que sentiram uma visibilidade e autodeterminação como a necessidade de se colocar como protagonista novamente, além das relações sociais, convivendo e conversando com outras pessoas. O estudo não conseguiu identificar se a longo prazo o efeito dos grupos foi benéfico, pois se trata de um estudo randomizado que ainda está em andamento a análise. Porém, a curto prazo consegue-se avaliar aspectos positivos identificados pelos participantes. 22
Na Suécia, um grupo reunia os participantes para expressarem seus sentimentos, revivendo o momento em que o familiar recebeu o diagnóstico da doença. Todos os encontros começaram com uma roda aberta, o espaço era de amplo diálogo e assim, ao longo do tempo, os facilitadores começaram a identificar certos temas que eram considerados tabu, como cuidados, que muitas vezes era ponto de discussão entre o familiar e o moribundo e os demais familiares. O conceito de transição apareceu nos diálogos, muito pelos familiares terem deixado de assumir um papel para se tornarem cuidador, e a não presença mais daquela pessoa, deixava sem um sentido na vida. Os familiares sentiram que o espaço era necessário para identificarem novas formas de se apoiarem e se restabelecerem, embora o término do grupo tenha dificultado o acompanhamento mais longo dessas pessoas. 27
Outra abordagem encontrada foi um grupo de apoio que se reunia no mesmo local da morte dos entes. Três temas foram identificados: a experiência pessoal de luto; revisitando o hospital; e experiências de cuidado ao luto. Os participantes falaram sobre a natureza pessoal e dificuldades do luto e suas experiências e necessidades. Sobre a revisitação do hospital após a morte de um ente querido, para alguns dos participantes do estudo, o hospital foi um local significativo para a família e o retorno a ele foi uma fonte de conforto. Para outros participantes, o retorno ao hospital por qualquer motivo após a morte do ente querido foi muito difícil. Os participantes relataram que os elementos mais importantes do cuidado prestado foram as informações práticas, a oportunidade de pernoitar com seu ente querido e o apoio da equipe em geral. O apoio às pessoas enlutadas não era religioso, apesar de o hospital apresentar essa característica, e o atendimento ser prestado pelo serviço pastoral. Os grupos de apoio a pessoas enlutadas puderam proporcionar uma oportunidade de interação com outros indivíduos que vivenciam o luto e a perda, principalmente se o grupo focal for realizado no hospital, onde alguns participantes encontraram uma sensação de conforto devido à familiaridade com o local e com os profissionais de saúde. 28
Outras estratégias de autoajuda: espaços, cartilha, programas
Outras estratégias de autoajuda também apareceram nos materiais encontrados. São estratégias alternativas, tanto para pacientes quanto para familiares, que têm o objetivo de melhorar o enfrentamento de quem está passando por situações de final de vida.
Em um serviço de ajuda dentro de um Hospice, auxiliavam os pais com uma doença grave a se comunicar com seus filhos sobre o final de vida e a perda, auxiliando os filhos no luto. Para tal, utilizavam metodologias psicoeducativas. A equipe do hospice criou uma sala chamada cantinho do silêncio que possui estrutura preparada para lidar com as crianças e jovens, livros de não ficção que os estimulam a falar sobre seus sentimentos, além de auxiliar os adultos a usarem uma linguagem apropriada para entender e localizar os momentos de intensidade emocional. 16)
Em outro estudo, os pacientes recebiam trimestralmente, por correio, um material que se assemelha a uma cartilha de autoajuda com estratégias para conhecer e reduzir a ansiedade, a depressão, a melhorar a espiritualidade e a aceitação da morte. No estudo dois grupos foram divididos, um era intervenção e o outro controle, sendo que 37 participantes receberam a intervenção. Em relação à ansiedade, à depressão e à espiritualidade não houve melhora significativa após as intervenções. Quanto à aceitação da morte, houve pequena melhora quando comparado ao grupo controle. 14
Para pais diagnosticados com câncer sem resposta ao tratamento modificador, esses descrevem como o Programa de Apoio à Família os ajudou e apoiou para falar e contar às crianças sobre o diagnóstico. No programa eles puderam conhecer melhor os pensamentos e reações de seus filhos e como a situação afetou sua vida diária. Os pais ficaram agradecidos quando os trabalhadores do projeto fizeram as 'perguntas difíceis' e acreditaram que isso era importante para a união da família, servindo como mediadores. Os pais relataram que os conflitos foram reduzidos, puderam falar mais abertamente sobre a situação na família e o modo como foi demonstrado, como apoiar o enfrentamento de seus filhos bem como planejar o futuro. Os pais valorizaram e apreciaram este serviço e relataram muitos benefícios em relação ao funcionamento familiar, comunicação e abertura. 29)
Discussão
Algumas características como a aceitação da morte sendo parte do processo natural são discutidas durante as sociedades pós-modernas. E, para isso, as diferentes sociedades caminham para a identificação de fatores que possam auxiliar na melhoria do processo de morrer.
A Suécia apareceu como país predominante nos estudos identificados nesta investigação, e alguns fatores podem justificar tal achado. O país discute narrativas políticas de cuidados paliativos desde a década de 1970, e estabeleceu nos últimos anos propostas que se concentram em direção a uma universalização desse tipo de cuidado. 30)
Considerando que a Suécia apresenta um sistema de saúde pública, as últimas discussões circularam em torno de indicadores de qualidade. Um estudo 31 publicado no ano de 2015, que avaliou a qualidade da morte em 80 países, classificou a Suécia como décima sexta. A arguição procurou avaliar os países quanto à disponibilização de cuidados paliativos, ambientes de saúde, recursos humanos e profissionais, qualidade de cuidados e participação da comunidade. 30 E embora algumas narrativas se concentrem acerca de questões como: medicalização, rotinização e burocratização, que se opõem ao que a filosofia dos cuidados paliativos indica. É possível avaliar que essas narrativas não são lineares e se modificam conforme as necessidades encontradas pelas populações.
Investigação que avaliou a prestação de cuidados a pessoas em fim de vida em 81 países, buscou compreender através de 13 indicadores alguns aspectos, entre eles, como a equipe auxilia os pacientes a lidarem com questões emocionais, como os profissionais auxiliam o indivíduo a manter contato com amigos e familiares e se os profissionais de saúde auxiliam o doente a lidar com preocupações não médicas. A arguição avaliou aspectos qualitativos e quantitativos, com isso, conseguiu rankear com base na classificação de indicadores e aspectos econômicos. Através deste a Suécia encontra-se na posição 17, recebendo nota B. Já o Brasil ocupa a posição 79 e recebeu nota F. O estudo avaliou a alta correlação entre a renda e o desempenho dos sistemas de saúde de cada país. Importante aspecto abordado no estudo e que trata da necessidade de avaliar e classificar experiências dos pacientes e cuidadores que utilizam os serviços, pois os esforços devem ser direcionados a melhoria para este público. 32)
A estratégia de autoajuda mais frequentemente identificada foram os grupos, tanto para pacientes quanto para familiares. Evidências encontradas em investigação feita com mulheres acometidas por câncer de mama, que participaram de grupo de apoio demonstrou que a participação foi benéfica pois auxiliou as mesmas a compartilhar as experiências com demais pessoas que passam pela mesma situação, assim compreendendo, acolhendo e estimulando o enfrentamento à doença a melhora da autoestima e apoio social. 33
Investigação realizada na Alemanha, avaliou por meio de líderes de grupos de autoajuda realizados a pacientes com câncer, quais os pontos que os mesmos consideram favoráveis ou não na implementação desse tipo de serviço. Foi possível identificar que a disponibilidade dos profissionais dos serviços, assim como o interesse em manter uma equipe multidisciplinar atualizada e atenta às demandas foi apontada como fator essencial para a realização. Já a falta de disponibilidade para estrutura física e de recursos humanos, desconhecimento, subestimação da eficácia da autoajuda, demonstraram-se fatores negativos e importantes para o insucesso dos grupos. 34)
Estudo realizou grupos de apoio a pessoas em processo de luto, sendo realizadas reuniões com média de 45 minutos, com o objetivo de promover a desmistificação de tabus, preconceitos, estereótipos, além de atividades de relaxamento para diminuir ansiedade e tensão. Foi identificado que durante os primeiros encontros havia muitas reclamações acerca da temática, os participantes achavam desnecessário falar sobre morte, ao longo dos encontros passou a ser de grande intensidade a troca de experiências e assim passaram a entender a necessidade de tornar habitual o assunto. 35
Outro estudo buscou oferecer subsídio teórico para fomentar o uso de grupos de reflexão a enlutados. Foi identificado através da investigação que a utilização de perguntas condicionadas reproduzidas de um participante a outro, demonstra-se benéfico como disparador das discussões, além da prática de mútua ajuda que expressa aprendizado a partir da partilha e troca de experiência social. 36
Ao descobrir uma doença potencialmente incurável, determinantes são instaurados tanto para quem é acometido como para os indivíduos que os cercam. Uma investigação realizada para demonstrar o suporte a família, que está juntamente ao doente em cuidados paliativos, expressa que alguns aspectos devem ser analisados e trabalhados durante o processo de adoecimento, sendo eles: a integração do familiar no processo de cuidado, mediar situações de conflito entre os membros da família, apoiar e estimular formas diferentes de comunicação a quem apresenta dificuldade em expressar seus sentimentos, prevenir situações de isolamento social e solidão bem como identificar situações de risco ao luto complicado. 37)
Outra arguição investiga os tipos de luto presenciados por familiares de pessoas que possuem uma doença sem possibilidade de terapêuticas curativas, o que se mostrou mais necessário para aprofundamento, foi o luto antecipatório que se dá desde o momento do diagnóstico da doença. O estudo demonstrou que parte dos participantes foi acometida por um diagnóstico tardio, quando a doença já estava em processo avançado o que faz com que o luto se instale imediatamente, e para isso deve haver um trabalho das equipes de saúde que acompanham esses indivíduos familiares para tornar a laboração menos dolorosa. 38
Durante os últimos três anos, o mundo foi acometido pela pandemia de COVID-19, que obrigou a utilização de diferentes recursos para manter a permanência de diversos serviços, e assim o uso das tecnologias foi disseminado. Com isso, estudo realizado com pessoas que perderam algum familiar por COVID-19 e que participaram de um grupo de apoio online, evidenciou que em decorrência do aumento de pessoas em vulnerabilidade social com baixos recursos financeiros, a oportunidade de apoio psicológico gratuito e online foi extremamente relevante, e que o grupo pode proporcionar um ambiente de mútua troca, ressignificação da perda, apoio social e emocional. 39)
Estudo evidenciou que a comunicação de más notícias, principalmente as que cernem o final de vida podem ser um desafio, ainda considerando que quanto mais jovem for o público alvo das informações, mais implicadores se apresentam. Conforme estudo,39 a percepção dos pais tende a subestimar a capacidade cognitiva e emocional de crianças, para lidar com determinadas situações e assim propiciando o ocultamento das verdades, sendo assim, dificultam um diálogo aberto sobre a temática da morte de um progenitor. 40 Outro estudo que analisa a comunicação da morte de algum familiar às crianças, identificou que alguns elementos são utilizados para adequar as informações conforme a faixa etária das crianças, sendo elas: metáforas, ajudar a criança a manter a imagem do ente seja por meio de narrativas, fotos ou vídeos ou ainda promover a participação da criança em rituais. 41)
O uso de cartilhas tem sido um importante método de promover a disseminação de diferentes conteúdos, de um modo mais acessível e que pode ser consumido por diferentes pessoas a qualquer momento. Um estudo que trata sobre o desenvolvimento e compartilhamento de cartilhas para difundir o conhecimento sobre o transtorno de ansiedade para adolescentes em escolas, verificou que esse tipo de material pode auxiliar no papel social e na qualidade de informação, incentivando que os indivíduos que identificam determinados sintomas possam procurar ajuda especializada. 42)
Outro estudo relevante promove a confecção e disseminação de materiais educativos a familiares/cuidadores de pessoas em cuidados paliativos. Essa cartilha possibilitou que os indivíduos pudessem recorrer ao conteúdo, sempre que houvesse dúvidas sobre algum cuidado, horários de serviços de atendimento e diferença entre determinados tratamentos. Promovendo mudanças positivas no auxílio ao processo de adaptação perante a condição de doença incurável do familiar. 43)
Sobre o espaço, a informalidade demonstrou um aspecto positivo em estudo. 44 A investigação realizada com pacientes, familiares e profissionais, buscou avaliar dentro de diferentes perspectivas a relação que o ambiente proporciona nas relações. E evidenciou que um espaço fora do ambiente clínico, proporciona a liberdade de temáticas a serem discutidas, sendo capaz de proporcionar uma conexão verdadeira com as pessoas, melhorando aspectos como: troca de experiências, conhecimento, segurança e significação.
A presente investigação apresentou como limitações a restrição dos idiomas, o acesso a artigos com disponibilidade aberta ou via plataformas específicas, que resultaram em um baixo número de estudos. O fato de não terem sido encontrados estudos brasileiros demonstra a necessidade de aprofundamento da temática no país. Tanto no sentido da abordagem em pesquisas quanto no desenvolvimento de estratégias grupais para qualificar as experiências de adoecimento, final de vida e luto de pacientes em cuidados paliativos e seus familiares.
Conclusões
Este artigo permitiu identificar as estratégias de autoajuda para pacientes em cuidados paliativos e seus familiares na literatura internacional, pois conforme demonstram os resultados não foi identificado nenhum estudo nacional que atendesse os critérios da investigação. Pesquisas de abordagem qualitativas predominaram e a Suécia foi o país que mais se destacou nas produções sobre a temática.
Como identificado alguns fatores influenciam para que a Suécia assuma uma posição de destaque. A inserção de políticas públicas para ampliação dessa modalidade de cuidado, implica na garantia de acesso e recursos financeiros, materiais e humanos. Em contraponto a isso, podemos avaliar que a falta de estudos nacionais sobre o tema, pode ter relação com a falta de políticas públicas voltadas aos cuidados paliativos.
Os grupos de autoajuda fomentam a troca de experiências entre indivíduos que vivenciam situações semelhantes. Assim como esse processo final vem permeado de medos, inseguranças e dificuldades, serviços que ofereçam apoio na comunicação de más notícias se mostram favoráveis, compreendendo que cada público e faixa etária necessita de uma abordagem singular. Ressalta-se que a participação nos grupos não demonstrou evidências de melhora quanto a significação da vida ou esperança, ou em relação à redução do estresse, depressão e ansiedade.
Os achados na pesquisa, permitem avaliar as lacunas encontradas e ampliar os estudos de maneira a aprofundar estratégias que não foram identificadas na investigação e que fornecem fontes de auxílio aos indivíduos que se encontram em final de vida, e/ou familiares enlutados.