Introdução
Nas últimas décadas, o número de idosos tem aumentado de forma exponencial, reflexo do envelhecimento populacional (Ricardi & Méndez, 2016), que advém da queda das taxas de fecundidade, e de mortalidade entre os de idade mais avançada (Silva, Santos, Soares, & Silva, 2018).
O envelhecimento pode ser definido como processo dinâmico, progressivo, que resulta em modificações irreversíveis (Oliveira, Silva, Lima, Gomes, & Olympio, 2018). Não obstante, o processo de envelhecimento não ocorre de forma igual entre todos, sendo influenciado por vários determinantes (Nascimento, Cardoso, Santos, Pinto, & Magalhães, 2017). Já a velhice pode ser compreendida como uma etapa do desenvolvimento humano que resulta do prolongar da idade cronológica e culmina um processo de maturação biológica e natural no ciclo vital (Brito, Camargo, & Castro, 2017).
Em decorrência das alterações biopsicossociais resultantes do envelhecimento, é comum o idoso necessitar de cuidados (Uyeno, Lima, Júnior, & Oliveira, 2016). Por outro lado, os idosos não são unicamente receptores de cuidados, mas também são provedores (Molina, 2017). Nesse sentido, o cuidar é inerente ao ser humano, envolvendo atributos fundamentais para a manutenção de aspectos positivos no âmbito biopsicossocial (Queiróz et al., 2016). Não obstante, a provisão de cuidados é formada em um complexo contexto que leva em consideração interesses em conflito e compreende expectativas de reciprocidade, responsabilidade, compromisso, afetividade e objetivos (Rabelo & Neri, 2015).
Nesse ponto, o surgimento do neto na vida do idoso provoca, consequentemente, alteração no papel exercido na família, podendo ser atribuído a sentimentos positivos de satisfação e gratidão, ou mesmo a sentimentos negativos, como sobrecarga, visto que o papel de avó se aproxima ao dos pais, o que pode gerar desgaste, pela vivência de uma dupla maternidade, porém com as habilidades físicas diminuídas, acarretando em esgotamento físico e emocional (Alves, 2013).
Em vista disso, a Teoria das Representações Sociais (TRS) apresenta um arcabouço para compreensão desse fenômeno, de modo que as representações são marcadas por valores sócioideológicos e a história do grupo (Fernandes, Costa, & Andrade, 2017). As RS são constituintes da forma como se percebe o mundo e como os indivíduos o criam, sendo estes marcados por representações, imagens, ideias e opiniões que atravessam suas existências, permeadas pelo tempo-espaço e que são transmitidas dentro da sociedade (Moscovici, 2012).
Por vista, o estudo objetiva apreender e comparar as RS do envelhecimento para avós que não participam e as que participam da educação dos netos.
Método
Tipo de Investigação
Tratou-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, com corte transversal, e amostra não-probabilística por conveniência.
Participantes
Obteve-se a participação de vinte avós brasileiras, do sexo feminino, com média de 64.10 anos e idades entre 60 e 81 (DP = 6.48), em que dez criavam os netos, e as demais não participavam diretamente da educação destes. Das participantes, 60% são casadas, 40% residem com os cônjuges e netos, o mesmo percentual coabita com netos, cônjuges e filhos, e 20% vivem apenas com os netos e filhos. Das avós, 40% preferem brincar com os netos e 30% gostam de passear com estes.
Instrumentos
Foram utilizados um questionário sociodemográfico, a fim de caracterizar a amostra, e a técnica de associação livre de palavras (TALP), que consiste em evocar cinco palavras relacionadas à indutora “envelhecimento”. Ressalta-se que ambos foram elaborados pelos autores da pesquisa.
Procedimentos Éticos
Este projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição dos autores (retirado para avaliação cega), em que se seguiu todos os termos éticos citados pelo Conselho Nacional de Saúde, Brasil, conforme as Resoluções 466/12 e 510/2016. Após a aprovação (parecer 1.837.204), foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para as idosas.
Procedimentos de Coleta de Dados
Após a explicitação dos objetivos e apresentação do TCLE, o questionário sociodemográfico foi ministrado, o que levou cerca de 2 minutos para o preenchimento. Em seguida, a TALP foi aplicada, levando cerca de 5 minutos para conclusão.
Procedimentos de Análise de Dados
Realizou-se as estatísticas descritivas do questionário sociodemográfico através do software IBM SPSS 23. Já a TALP foi analisada por meio da análise prototípica, através do software Iramuteq. Assim, obteve-se um diagrama de duas coordenadas, uma representando as frequências e outra a ordem média de evocações (OME), com valores de alto a baixo (Wachelke & Wolter, 2011), delimitando quatro zonas.
Resultados
As palavras referentes a elementos centrais da representação (ver Tabela 1) sobre envelhecimento são: “dificuldades”, “feliz” e “experiência”. O conhecimento compartilhado por essas avós que criam os netos caracteriza-se por conceber o envelhecimento como processo com dificuldades, contudo, se mostram felizes por envelhecer.
Os elementos “longevidade” e “realização”, apesar de não serem centrais, deveriam ser analisados em pesquisas futuras, por possuírem alta frequência. Nota-se que a palavra “inquietação” é lembrada prontamente, o que sugere que aspectos ligados a agitação no envelhecimento das avós cuidadoras sejam investigados posteriormente.
Vale ressaltar os elementos “naturalidade”, “harmonia”, “diversão” e “conflitos”, todos periféricos. Desse modo, envelhecer, para os participantes dessa pesquisa, está mais próximo de “um período de dificuldades, porém feliz” que de “processo natural e harmonioso”.
No primeiro quadrante (ver Tabela 2), encontra-se o núcleo central das representações formado pela alta evocação e hierarquização, com destaque para “sossego” e “saúde” pelas avós que não educam os netos, o que reforça a centralidade de tranquilidade e saúde no envelhecimento.
No segundo quadrante, destaca-se a alta frequência de “nostalgia” e “autonomia”, que apesar de baixa OME complementam o núcleo. Assim, as participantes vivem o envelhecimento com nostalgia e autonomia, o que reforça o sentido de tranquilidade.
O terceiro quadrante retrata os elementos contrastados. Portanto, “naturalidade” e “inquietação” contrastam com “sossego” e “saúde”, o que pode indicar complemento à primeira periferia, ou a existência de um subgrupo.
O último quadrante, composto por “realização”, “longevidade”, “doenças” e “descanso”, permitiu variações pessoais, sem alteração do núcleo, servindo como prescritor de comportamentos e sendo a parte operacional da representação.
Discussão
Os achados evidenciam o caráter dinâmico e heterogêneo das representações do envelhecimento. Ressalta-se a diferença entre os grupos, de modo que as avós cuidadores representaram o envelhecimento como período de dificuldades, porém feliz e carregado de experiências, enquanto o outro grupo destacou o envelhecimento como período de tranquilidade e saúde.
Destarte, fica claro que os idosos que cuidam dos netos, por possuírem maior responsabilidade, não vivenciam alguns aspectos positivos do envelhecimento. Nesse sentido, as avós cuidadoras ao apresentarem um conflito de papéis, visto que seus papéis se confundem por serem “mães” novamente, não vivenciam os aspectos relacionados ao envelhecimento integralmente (Silva, Magalhães, & Cavalcante, 2014).
Sobre as avós que não cuidam dos netos, estas por não participarem diretamente dos cuidados conseguem experimentar a vivência do papel de avós, já que não exercem as tarefas parentais (Landry-Meyer & Newman, 2004).
Contudo, apesar do cuidado na maioria das vezes ser concebido como obrigação, este também compreende a expressão de afeto, proteção e reciprocidade (Hedler, Faleiros, Santos, & Almeida, 2016). Em vista disso, em relação às avós cuidadoras, nota-se que as relações entre estas e netos coabitantes permite que sejam parceiros de múltiplas atividades, reforçando a afeição e criação de vínculos (Ramos, 2012).
A despeito das avós que não criam os netos, algumas idosas associaram “doença” ao envelhecimento. Em decorrência do declínio da capacidade de adaptação às agressões endógenas e exógenas, estes têm maiores chances de adoecerem (Locatelli, 2017). No entanto, a relação entre envelhecimento e doença significa uma forma do idoso representar o cansaço e o desânimo provenientes do passar do tempo, pois, por menor que seja o comprometimento, esses idosos sentem-se doentes e associam o envelhecimento a um estado psicológico (Martins, 2013).
Nesse aspecto, idosos que residem sozinhos apresentam pior saúde, geralmente, por não terem familiares que os auxiliem (Camargos, Rodrigues, & Machado, 2011). Nesse sentido, o a família ainda permanece como ponto de apoio para seus membros quando estes apresentam problemas de saúde (Valença, Santos, Lima, Santana, & Reis, 2017), sendo considerada de suma importância no suporte emocional e físico, de forma que a solidão é indesejável (Brito, Belloni, Castro, Camargo, & Giacomozzi, 2018). Assim, as relações entre avós e netos que coabitam são recíprocas, nas quais não apenas os avós cuidam dos netos, mas estes também oferecem ajuda aos mais velhos (Ramos, 2012).
Em prosseguimento, ao se referirem a definidora “descanso”, semelhante ao elemento central “sossego”, ressaltam sobre a tranquilidade de vivenciarem o envelhecimento sem ter que cuidar diretamente dos netos. Em contraponto, um estudo enfatiza a presença de estresse em avós que cuidam dos netos (Yamashiro & Matsukura, 2015). Portanto, as avós não cuidadoras, por não terem o peso da responsabilidade de cuidar dos netos, vivenciam os papéis de avós de forma mais afetiva (Landry-Meyer & Newman, 2004).
Conclusões
A partir dos achados da presente pesquisa, observou-se que as avós cuidadoras representaram sobre o envelhecimento as dificuldades encontradas, ao passo em que as avós que não criam estes evidenciaram o sossego do envelhecimento.
Por se tratar de um estudo descritivo e com amostra muito reduzida os dados não podem se generalizados. Contudo, evidencia-se os aspectos psicossociais de idosos que cuidam dos netos e suas implicações. Assim, espera-se que sejam realizados novos estudos com amostras maiores e em outros contextos.
Portanto, espera-se que o estudo relatado possa contribuir para a abordagem do conhecimento das RS do envelhecimento no contexto da coabitação intergeracional, assim como incentivar o aprimoramento de políticas públicas e mais pesquisas sobre o tema no âmbito da gerontologia.