Todas as pessoas irão passar, em algum momento de suas vidas, por uma situação de luto ao perderem alguém próximo. No entanto, isto se torna problemático e pode afetar a saúde mental do indivíduo quando é prolongado e há uma dificuldade de superar a perda. Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, American Psychiatric Association (APA), 2013), o luto se caracteriza por um anseio intenso ou saudades da pessoa falecida, podendo ocorrer também tristeza intensa e dor emocional ao relembrar da pessoa que morreu ou das circunstâncias de sua morte. Quando estes sentimentos se tornam prologados, o luto normal passa a ser chamado de luto persistente, podendo se transformar em um Transtorno do Luto Complexo Persistente (TLCP) (APA, 2013; Maciejewski et al., 2016), com a permanência dos sintomas após um ano.
O TLCP envolve um pesar persistente pela perda do outro, que pode se associar a choros e sentimentos de tristeza frequentes, além de preocupação sobre como ocorreu o falecimento. Além disto, outras situações podem ocorrer sendo também critérios para a presença do TLCP, como por exemplo: dificuldade em aceitar o falecimento, descrença de que o outro está morto, lembranças angustiantes, raiva pela perda, vontade de morrer para ficar próximo ao falecido, isolamento, sentir que perdeu parte de sua identidade e dificuldade de engajamento e planos para o futuro. Por fim, o último critério para o TLCP é um prejuízo no funcionamento das atividades diárias ou um sofrimento clinicamente significativo, influenciando diretamente na saúde mental do indivíduo (APA, 2013; Boelen & Smid, 2017; Maciejewski et al., 2016; Prigerson et al., 2009).
No entanto, apesar de constar no DSM-5 (APA, 2013), o TLCP só foi incluído como um transtorno na última versão e na parte que fala sobre instrumentos de avaliação e modelos emergentes, mostrando que novos estudos sobre a temática ainda são necessários. Diante disto, uma possibilidade de ampliar o conhecimento da área é com o desenvolvimento de medidas, que organizem os critérios-diagnósticos, de modo que possam ser mensuráveis e futuramente, possam auxiliar na identificação clínica e em intervenções para esta população (American Educational Research Association (AERA) et al., 2014).
Buscando contemplar esta lacuna, Boelen e Smid (2017) construíram, na Holanda, um instrumento de autorrelato denominado The Traumatic Grief Inventory Self-Report Version (TGI-SR), sendo que o objetivo do instrumento é avaliar a presença de luto complexo persistente. Para isto, realizaram um estudo com 327 pacientes de um serviço mental para pessoas com traumas relacionados ao luto, e encontraram evidências de estrutura interna e baseada na relação com variáveis externas. A versão reduzida do instrumento, que será foco deste estudo, apresenta 11 itens com uma estrutura unifatorial e excelente valor de precisão (coeficiente alfa = 0,93). Ademais o instrumento apresentou correlação positiva com presença de indicadores de psicopatologia e negativa com qualidade de vida.
Posteriormente, os autores realizaram outro estudo, com pessoas em luto por uma situação natural (n = 168), mas também com pessoas que estavam em luto em função da queda de um avião (n = 167). O objetivo foi aumentar as evidências de validade para o TGI-SR (Boelen et al., 2018). No estudo de 2018 também encontraram uma estrutura unifatorial para a versão reduzida do instrumento, com cargas fatoriais acima de 0,60, Alpha de Cronbach = 0,93 e correlação com índices de psicopatologia, como por exemplo, presença de pensamentos obsessivos-compulsivos, sintomatologia depressiva, somatização e ansiedade. As correlações encontradas foram de magnitude moderada a forte. Os autores também encontraram nesse segundo artigo, estabilidade temporal para o instrumento por meio de teste e reteste em 15 participantes.
Posteriormente, o TGI-SR também foi adaptado para uso na Turquia (Baş et al., 2020). A versão turca foi aplicada em 311 participantes que passaram por uma situação de luto. Como resultado, o TGI-SR, adaptado para a Turquia, apresentou um bom índice de precisão (Alpha de Cronbach = 0,94) e evidências de validade baseadas na relação com variáveis externas (depressão, estresse e ansiedade). As magnitudes de correlação entre o TGI-SR e as variáveis externas foram de moderada a fortes.
No Brasil, entretanto, há uma falta de medidas com boas propriedades psicométricas para aferir a presença do luto complexo persistente. Dahdah et al. (2019), em uma revisão da literatura, encontraram majoritariamente estudos com medidas qualitativas e sem evidências de validade.
Diante desta lacuna, o objetivo do presente estudo é verificar as evidências de validade da versão reduzida adaptada para o português do Brasil do Traumatic Grief Inventory (Boelen & Smid, 2017). Os objetivos específicos foram verificar: (a) as evidências de validade com base no conteúdo (b) as evidências de estrutura interna (análise fatorial confirmatória); (c) as evidências de validade relacionadas às variáveis externas (fobia social; estresse; medo); (d) os valores de precisão do instrumento e (e) se o instrumento poderia ser aplicado também em uma amostra em luto por perder alguém em decorrência do COVID-19. Como hipótese norteadora, esperava-se que a estrutura unifatorial apresentasse bons índices de ajuste e de precisão e relação positiva com a presença de fobia social, estresse e medo (APA, 2013; Baş et al., 2020; Boelen & Smid, 2017; Boelen et al., 2018; Lee & Neimeyer, 2020).
Para descrever o processo de adaptação e busca de evidências de validade (Borsa & Seize, 2017; Van de Vijver, 2016), este estudo foi dividido em duas etapas. Na primeira, será descrito o processo de adaptação para o português do Brasil e busca de evidências de validade baseada no conteúdo e na segunda etapa, serão descritos a busca de evidências de estrutura interna, baseada na relação com variáveis externas, medidas de precisão do TGI-SR versão brasileira e análise de invariância em relação aos participantes com luto em decorrência do COVID-19 ou não.
O instrumento poderá ser utilizado no Brasil para fomentar estudos na área do luto e saúde mental, como também subsidiar intervenções com pessoas que perderam alguém ao verificar se este luto é, de fato, patológico e necessita de intervenção ou se os sintomas apresentados se encontram dentro do esperado.
Aspectos éticos
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Metodista de São Paulo. Os procedimentos do presente estudo respeitaram o constante na Declaração de Helsinki. Todos os participantes, nos dois estudos, receberam informações acerca dos objetivos da pesquisa, das atividades a serem desenvolvidas e de seus direitos, antes de assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A identidade de todos foi mantida em sigilo.
Etapa 1
Evidências de validade com base no conteúdo
O primeiro passo consistiu em obter autorização dos autores do Traumatic Grief Inventory (Boelen & Smid, 2017) para tradução para o português brasileiro. Em seguida, a adaptação semântica e cultural do instrumento foi realizada na seguinte ordem: (a) tradução independente por dois tradutores, (b) análise de conteúdo dos itens por um comitê com dois juízes especialistas para gerar a versão síntese do instrumento; e (c) análise semântica do instrumento por cinco pessoas da população-alvo, sendo 2 com ensino médio e 3 com ensino superior completo, para verificar se eles compreendiam os itens traduzidos e se havia alguma sugestão de melhoria. Caso houvesse alguma sugestão, o instrumento retornaria aos dois juízes especialistas que avaliavam a pertinência da sugestão, em conjunto. No entanto, todos os participantes compreenderam bem os itens e a forma de aplicação, o que foi demonstrado pelos índices de validade de conteúdo superiores a IVC = 0,90 para todos os itens (Alexandre & Coluzi, 2011). Assim, não foi necessária uma nova avaliação pelos especialistas (Borsa & Seize, 2017). Adicionalmente, foram feitas duas entrevistas cognitivas, também com a população-alvo, focadas na avaliação do processo cognitivo ao longo da resposta ao instrumento (Van de Vijver, 2016). Todas as etapas foram realizadas com êxito e a versão após o processo de adaptação do instrumento é mostrada na Tabela 1, sendo nomeada de Inventário de Luto Traumático (ILT-BR).
Etapa 2
Evidências de validade com base na estrutura interna e na relação com outras variáveis e precisão do TGR-SI
Método
Participantes
Participaram deste estudo 211 brasileiros da comunidade em geral, com idade média de 37 anos (DP = 13). A maior parte eram mulheres (73 %), se declararam brancos (75 %), seguido de pardos (15 %), negros (3 %), amarelo (2 %) e outros (4 %). No que diz respeito à escolaridade, 12 % tinham ensino médio completo, 42 % ensino superior e 43 % cursaram algum curso de Pós-graduação. Dentre os participantes, 3% não responderam qual seu nível de escolaridade. Como critério de inclusão eles deveriam ter passado por alguma situação de luto em sua vida e responder ao instrumento de acordo com o que sentiram no momento que vivenciaram o luto. A amostra do estudo foi por conveniência e não-probabilística, o poder estatístico encontrado foi de 0,95 com erro do tipo alfa a 0,05 e tamanho do efeito pequeno a moderado (0,20 ~ 0,25) na estimação a posteriori (Faul et al., 2007).
Instrumentos
Questionário Sociodemográfico. Questionário elaborado pelos pesquisadores para levantar os dados sociodemográficos, como escolaridade, renda, idade e identidade racial. A última pergunta do questionário se referia a perda de um ente querido em decorrência da pandemia do Covid-19: “Você vivenciou alguma perda de um ente querido devido à pandemia?”. A escala de resposta para essa pergunta era de dois pontos 1 (sim) e 2 (não).
Questionário de Autopercepção de Saúde Mental. Questionário breve de autorrelato, com três questões, elaboradas pelos pesquisadores e fundamentado em literatura específica da área (APA, 2013; Carver & Connor-Smith, 2010; Elizur & Shye, 1990) para descrição de condições gerais de saúde mental dos participantes. Os seguintes sinais e sintomas foram questionados: (a) pensamento obsessivos; (b) estresse excessivo; (c) medo excessivo, por meio das seguintes perguntas: “Você tem evitado situações sociais, incluindo obrigações gerais (trabalho, lazer, convívio com familiares, etc.), por medo de adoecer”; “Você tem se sentido extremamente estressado com dificuldades de executar suas atividades do dia a dia?” e “Você tem se sentido paralisado e aterrorizado, com muito medo de enfrentar as situações cotidianas e de adoecer?”. A escala de resposta para essas perguntas era de cinco pontos 1 (nunca) e 5 (sempre).
Inventário de Luto Traumático (ILT-BR). Trata-se da versão brasileira do Traumatic Grief Inventory (Boelen & Smid, 2017), adaptado na etapa anterior deste estudo. O instrumento tem o objetivo avaliar a presença de um luto persistente por parte dos participantes. A versão traduzida apresenta onze itens, sendo que as respostas são de cinco pontos, podendo ser: “nunca”, “raramente”, “algumas vezes”, “muitas vezes” e “sempre”. Nelas o participante deve assinalar como se sentiu ao perder uma pessoa próxima, considerando a situação relatada no item. Os itens constam na tabela 1. No que tange às propriedades psicométricas, o instrumento apresentou Alpha de Cronbach de 0,93 em sua versão original construída por Boelen e Smid (2017).
Procedimentos
Inicialmente esta pesquisa foi submetida Comitê de ética e pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo. Após sua aprovação, os instrumentos foram organizados na plataforma digital denominada Google Forms para a realização da coleta de dados. Em seguida, foi realizado o recrutamento dos participantes, que ocorreu de forma online, em mídias sociais como Facebook e WhatsApp, além de convites de pessoas conhecidas dos pesquisadores deste estudo em suas instituições de origem. Para participarem, foi solicitado que eles acessassem o link do Google Forms disponibilizado pelos pesquisadores e na primeira página, havia a explicação do estudo, assim como as questões éticas e contato dos pesquisadores, caso desejassem esclarecer alguma dúvida. Após a leitura das informações, eles deveriam clicar concordando em participar, para ter acesso à página seguinte e a coleta de dados, de fato, iniciar. Após concordar, os instrumentos foram disponibilizados na seguinte ordem: Questionário Sociodemográfico, Questionário de Autopercepção de Saúde Mental e Inventário de Luto Traumático. O tempo médio de participação da pesquisa foi de cerca de 30 minutos.
Análise de dados
As estatísticas descritivas foram empregadas para caracterizar os dados sociodemográficos no JASP 0.16. O índice KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) e o teste de esfericidade de Bartlett foram inspecionados para aplicação da análise fatorial na matriz de dados também no software JASP 0.16 (Hair et al., 2006). A análise fatorial exploratória foi utilizada para testar a adequação do modelo na população brasileira em relação ao instrumento original, tendo como retenção fatorial o critério de raíz Kaiser e análise paralela implementados no JASP 0.16.
Posteriormente, fez-se uso da análise fatorial confirmatória no Mplus 8.8, sendo utilizada a extração fatorial mediante algoritmo WLSMV (Weighted Least Square Mean and Variance Adjusted) para a análise de invariância. Foram comparados os modelos de invariância para a medida, sendo considerado indicativo de violação da invariância alterações em relação ao modelo anterior (Damásio, 2013). Os grupos comparados na invariância se distinguiam pelo luto decorrente ou não em função da pandemia do COVID-19. Na análise de invariância, foram comparados os modelos de invariância para a medida e para a heterogeneidade da amostra, sendo considerado indicativo de violação da invariância alterações de CFI superiores a 0,01 em relação ao modelo anterior (Damásio, 2013), ao comparar o luto decorrente ou não da perda de alguém em função da pandemia do COVID-19.
Os índices de consistência interna empregados para avaliar as medidas de precisão do instrumento foram Alfa de Cronbach e Ômega de McDonald no JASP 0.16, sendo aceitáveis valores acima de 0,70 (Dunn et al., 2014; Ventura-León & Caycho-Rodríguez, 2017). A correlação de policórica foi empregada para verificar as relações entre os valores encontrados no Inventário de Luto Traumático com as variáveis medo excessivo, estresse e pensamento obsessivos, avaliados no Questionário de Autopercepção de Saúde Mental com o uso do software jamovi 2.3.9 e addon seolmatrix. Os valores considerados para a magnitude das correlações foram: fraca (< 0,30), moderada (0,30 a 0,59), forte (0,60 a 0,99) ou perfeita (1.0) (Hu & Bentler, 1999; Levin & Fox, 2004).
Resultados
Estrutura interna
A primeira parte da avaliação da estrutura interna do instrumento consistiu em verificar se o instrumento apresentava os requisitos para a realização de uma análise fatorial. O valor encontrado para o KMO foi de 0.91 e p = 0.01 no teste de Barlett, indicando que a matriz de correlação é fatorável (Damásio, 2012; Hair et al., 2006). A análise fatorial exploratória indicou retenção fatorial para um fator. Percebe-se que a estrutura fatorial explorada na amostra do estudo, apresenta uma modelo plausível ao comparar a versão adaptada para o Brasil com a versão de encontrada por Boelen e Smid (2017), com bons índices de ajustes. Na Tabela 2 são apresentadas as cargas fatoriais e os valores de consistência interna encontrados.
A partir dos resultados da Tabela 3, percebe-se que os itens apresentaram boas cargas fatoriais, todas acima de 0,40 (Putnick & Bornstein, 2016) e que o valor de precisão para o instrumento, tanto pelo cálculo do Ômega de McDonald, como pelo Alpha de Cronbach, foi considerado excelente (Ventura-León & Caycho-Rodríguez, 2017). Em seguida, foi realizada a análise fatorial confirmatória para verificar se a versão brasileira apresentava índices de ajuste adequados. Esses resultados são apresentados na Tabela 3.
Os índices de ajuste foram razoáveis, obtendo valores próximos aos valores de referência. Os valores de x²/gl e RMSEA superaram os valores de referência, enquanto os demais se mantiveram de forma desejável ao valor referenciado. Na Tabela 4, são apresentados os resultados em relação à análise de invariância do instrumento para pessoas em luto em decorrência ou não da pandemia do COVID-19.
A partir dos resultados da Tabela 4, percebe-se que o instrumento apresentou invariância, uma vez que os índices de ajuste como CFI e TLI não foram maiores que 0,01 ao comparar com o modelo anterior. Também não houve diferença significativa (p > 0,05) ao contrastar os modelos testados (configural vs métrica; métrica vs escalar; escalar vs métrica). Isto indica que pessoas que perderam alguém em função da pandemia do COVID-19 quando comparadas a pessoas que perderam em outras situações, entendem o instrumento de forma semelhante. Por fim, na Tabela 5, observa-se as correlações encontradas entre o Inventário de Luto e as medidas de saúde mental.
Considerando os resultados da Tabela 5, observa-se que quanto mais traumático foi o luto que a pessoa vivenciou, maior foi a presença de medo excessivo, pensamentos obsessivos e estresse aumentado. Todas a correlações foram estatisticamente significativas e de magnitude moderada.
Discussão
O objetivo do presente estudo foi verificar as evidências de validade da versão reduzida adaptada para o português do Brasil do Traumatic Grief Inventory (Boelen & Smid, 2017). Neste sentido, a primeira etapa consistiu em realizar a tradução e adaptação do instrumento para o Brasil. A partir da verificação da versão final do instrumento, que passou tanto pela avaliação de juízes especialistas como da população-alvo, percebe-se que ele apresentou evidências de validade baseadas no conteúdo (AERA et al., 2014), pois todos conseguiram entender de forma clara os itens, como também sua forma de aplicação, além de serem considerados equivalente à versão original pelos especialistas. Estes dados indicam que há uma coerência teórica entre a versão construída nos Estados e a brasileira, o que faz com o que o instrumento possa ser utilizado no Brasil e futuramente, há também a possibilidade de estudos interculturais, uma vez que as versões são equivalentes.
Na etapa seguinte, foi realizada a verificação das propriedades psicométricas por meio de uma análise fatorial confirmatória, relação com variáveis externas e precisão do TGI-SR. A partir destes resultados, pode-se afirmar que o instrumento apresenta boas evidências de estrutura interna, pois foram encontrados bons índices de ajuste na análise fatorial confirmatória, além de cargas fatoriais acima de 0.63. As cargas fatoriais estão muito próximas às encontradas por Boelen e Smid (2017), que foram todas acima de 0.59 e melhores que as encontradas no estudo de seguimento de Boelen et al. (2018), na qual as cargas fatoriais ficaram acima de 0.45. A carga fatorial de cada item indica o percentual de variância que é explicado pelo fator, portanto, quanto maior for, melhor indicador da dimensão do construto é o item. Ou seja, as cargas fatoriais encontradas neste estudo indicam que a variância explicada para cada item é significativa, o que justifica a permanência de todos os itens no instrumento (Putnick & Bornstein, 2016). Em relação ao valor de precisão encontrado, este foi considerado excelente (ω = 0.93 e α = 0.93 (Ventura-León & Caycho-Rodríguez, 2017), sendo idêntico ao do estudo Boelen e Smid (2017) e de Boelen et al. (2018) e próximo ao de Baş et al. (2020), que foi de 0.94. Este dado indica que o instrumento é estável, o que é fundamental para que ele possa ser utilizado de forma confiável para medir a presença de luto traumático na população brasileira.
Ademais, percebe-se então que todas as versões encontradas do instrumento, inclusive a adaptada neste estudo, parecem estar representando o que se propõem dentro de suas culturas, no caso o luto traumático persistente, e são equivalentes. A existência de medidas que avaliem um mesmo construto de forma similar permite, que futuramente, comparações entre as diferentes culturas possam ser realizadas (Borsa & Seize, 2017; Van de Vijver, 2016). O fato de ser possível avaliar a presença de luto traumático de forma adequada e futuramente, normatizar esta medida, pode servir para propor intervenções para pessoas que esteja experienciando o luto de uma forma patológica, uma vez que há estudos que indicam que isto tem um efeito negativo na saúde mental dessas pessoas (Boelen et al., 2018). Essas intervenções poderão ajudar no tratamento e identificação desses correlatos.
No que tange às evidências de validade em relação às variáveis externas, foram encontradas correlações significativas entre o ILT-BR e presença de medo excessivo, pensamentos obsessivos e estresse aumentado. Estes dados corroboram os estudos anteriores de Boelen e Smid (2017), Boelen et al. (2018) e de Baş et al. (2020), mostrando correlação positiva entre presença de luto traumático persistente e medidas de psicopatologia, além de confirmarem as hipóteses iniciais, indicando a presença deste tipo de evidência de validade. Isto pode ser explicado pois pessoas que apresentam luto traumático podem passar a sentir medo de perder outras pessoas também ou até de virem a falecer e com isto, podem surgir pensamentos frequentes relacionados a esta temática ou até outras formas de “morrer”, o que pode acarretar um estado de estresse frequente. No entanto, seria interessante propor um modelo teórico para verificar essas correlações e as direções entre elas. Pode-se afirmar também, a partir destes dados, que pessoas com maior dificuldade de superarem um processo de luto, são mais susceptíveis a presença de comorbidades que podem prejudicar sua saúde mental, de forma geral, como maior probabilidade de apresentarem depressão e ansiedade. Diante disto, ressalta-se a necessidade avaliar também essas comorbidades, em intervenções, para que seja feito um atendimento integral à pessoa com luto (Cortez et al., 2020; Dahdah et al., 2019; Maciejewski et al., 2016).
Por fim, a última análise proposta para o ILT-BR foi verificar se ele apresentava algum tipo de invariância de medida, considerando pessoas que perderam ou não alguém durante a pandemia do COVID-19. De acordo com os resultados encontrados, percebe-se que não houve nenhum tipo de invariância, o que sugere que a medida é entendida de forma similar em toda a amostra, independente de possíveis reflexos decorrentes da pandemia. Este é um bom resultado, pois avaliações de presença do luto traumático podem ser feitas mesmo nesta população. Considerando que a invariância mede diferenças de grupos que são decorrentes muitas vezes de questões sociais, conseguir controlar isto e verificar que não há na amostra, indica um instrumento mais justo de medida. No entanto, como ainda não decorreu de um ano da perda destas pessoas próximas em função da pandemia, este pode ser um viés. Sugere-se que futuramente novos estudos de invariância comparando diferentes tipos de perdas sejam realizados para verificar se a presença de invariância se mantém.
Conclusões
O objetivo do presente estudo foi investigar as evidências de validade do ILT-BR, sendo que os resultados encontrados sustentam a hipótese de que o instrumento apresenta boas evidências de validade para uso no Brasil. No entanto, mesmo diante de resultados positivos, ressalta-se que os dados devem ser considerados com ressalvas, uma vez que a coleta foi realizada somente de forma online e que os participantes que estavam em luto em decorrência da pandemia do COVID-19, não poderiam ainda, ser considerados com luto traumático persistente. Diante disso, sugere-se a realização de novos estudos para que o instrumento tenha mais evidências de validade. Por fim, o ponto positivo do ITL-BR é que ele é capaz de identificar a presença de luto traumático persistente, podendo ser uma ferramenta importante tanto para o desenvolvimento de pesquisas na área, como também para orientar intervenções com esta população, independente do tipo de situação que ocasionou a morte da pessoa próxima (Baş et al., 2020; Maciejewski et al., 2016).
Em relação às limitações deste estudo, destaca-se a amostragem não probabilística por conveniência e as características sociodemográficas da amostra, uma delas foi a escolaridade dos participantes, pois tanto no estudo-piloto como na etapa seguinte de aplicação na população em geral, a maioria dos participantes tinha no mínimo ensino médio, ou seja, pelo menos 11 anos de escolaridade, além de serem brancos e do sexo feminino. Seria interessante testar os itens em pessoas com menores níveis de escolares ou até sem escolaridade para verificar seu entendimento e a possibilidade da aplicação dos instrumentos por terceiros (no caso de pessoas sem escolaridade), assim como ampliar a amostra para pessoas que se classifiquem de outras identidades em relação à cor e ao sexo. Outra limitação foi o fato de a coleta ter sido somente online e da busca de evidências de validade conteúdo considerar somente uma avaliação qualitativa. Sugere-se também em estudos futuros a coleta presencial e até a comparação entre os dois tipos de coleta. Ademais, em estudos futuros seria importante analisar a relação com outras variáveis também relacionadas, como por exemplo, depressão, estresse pós-traumático e ansiedade (APA, 2013; Maciejewski et al., 2016), seguido da proposição de normas para o ILT-BR.