O bullying é definido como conjunto de comportamentos agressivos, indesejados e provocados por um ou mais colegas de escola contra o outro. O fenômeno envolve desequilíbrio de poder entre pares, com alta probabilidade de reiteração e componentes de intencionalidade (Olweus, 2013). Ele pode se manifestar por meio de agressões físicas e verbais (bullying direto) ou por comportamentos mais sutis e de difícil identificação (bullying indireto) como fazer fofoca, espalhar boatos ou isolar a vítima do grupo de pares (Silva et al, 2014). Trata-se de problema acadêmico-pedagógico, psicossocial e de saúde pública cujas consequências incidem sobre os estudantes envolvidos (Moore et al., 2017). Uma das consequências mais graves do fenômeno é a ideação ou adoção de comportamentos suicidas por parte da vítima (Costa & Miranda, 2020).
Pesquisas brasileiras apontam que as salas de aula são locais da escola onde a prática do bullying é mais provável de ocorrer (Silva et al., 2014). É neste local que os professores desempenham papel fundamental e, consequentemente, deveriam ser capazes de prevenir conflitos ou agressões entre os alunos (Kollerová et al., 2021; Zequinão et al., 2020). Contudo, muitas vezes, os educadores deixam de intervir nessas situações, por considerarem que constituem eventos típicos da faixa etária e/ou por superestimarem suas habilidades na identificação do fenômeno (Zequinão et al., 2016). Outras vezes, as medidas adotadas são insuficientes para prevenir ou inibir comportamentos de bullying (Ahtola et al., 2012).
No que se refere à família, a literatura científica tem evidenciado que pais e responsáveis devem se preocupar com o envolvimento de seus filhos em situações de bullying e que alunos com relação familiar de qualidade positiva apresentam menores chances de desencadear ou perpetuar comportamentos de bullying (Oliveira et al., 2020). Por outro lado, famílias que passam por dificuldades de diferente natureza ou com casos de violência doméstica são associadas ao aumentam do risco de envolvimento dos estudantes com o fenômeno.
Como o bullying ocorre no contexto das interações sociais, a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento, proposta pelo psicólogo Urie Bronfenbrenner, fornece potente enquadre teórico-metodológico para analisar o fenômeno (Senna & Dessen, 2012). Segundo essa teoria, o desenvolvimento ocorre em sistemas classificados como: microssistema (escola, família, trabalho, por exemplo), mesossistema (interação entre dois ou mais microssistemas), exossistema (trabalho dos pais, por exemplo) e macrossistema (dimensões culturais, sociais e políticas) (Analisah & Indartono, 2019). Esse modelo teórico pode colaborar, ainda, com a proposição de intervenções multidimensionais que são as mais eficazes para reduzir a frequência de bullying e o manejo de fatores de risco individuais e extrínsecos, incluindo a atuação dos adultos diante do fenômeno.
Particularmente, observa-se que nos últimos anos houve aumento do interesse acadêmico em compreender como séries de TV podem contribuir para conhecer a representação de certos fenômenos psicossociais de relevo na contemporaneidade. Esse estudo selecionou a série Thirteen reasons why (TRW) que já foi objeto de investigações anteriores (Levinzon, 2018; Ribeiro & Guerra, 2020; Silva & Rodrigues, 2020), mas que não contemplaram a perspectiva dos adultos, sendo essa uma das suas contribuições originais. Adicionalmente, observa-se que o estudo se concentrou nas figuras adultas que, segundo a literatura científica, têm potencial para adotarem medidas que inibam a ocorrência do bullying nas escolas, aspecto também relevante para justificar o desenvolvimento da investigação.
Assim sendo, esse estudo objetivou analisar os discursos e as práticas de adultos (professores, diretores, familiares) ao tomarem conhecimento ou testemunharem situações de bullying no cenário da escola da série Thirteen reasons why.
Método
Tipo de estudo
Trata-se de estudo exploratório e de abordagem qualitativa que utilizou material de natureza audiovisual como fonte secundária de dados.
Composição do corpus
TRW é uma série televisiva estadunidense e distribuída, no Brasil, pela plataforma de streaming Netflix. Na primeira temporada (2017), o enredo conta os possíveis motivos que levaram a adolescente Hannah Baker a cometer suicídio e as consequências psicológicas desse ato para os seus colegas. A segunda temporada (2018) retrata o processo judicial que os pais de Hannah moveram contra a escola. A terceira temporada (2019) muda radicalmente o enredo ao abordar o assassinato do aluno Bryce Walker. Após assistir aos 39 episódios, disponíveis em dezembro de 2020, foram selecionados 16 episódios para análise das cenas de envolvimento dos adultos em relação ao bullying, sendo nove da primeira temporada e sete da segunda. Considerando o objetivo desse estudo, nenhum episódio da terceira temporada foi selecionado. Além das ações e discursos dos adultos foram documentadas as cenas nas quais se identificaram situações de bullying.
Procedimentos
Os procedimentos adotados para composição do corpus foram: (1) análise da sinopse dos episódios disponíveis na plataforma Netflix; (2) pré-seleção dos episódios com participação de adultos; (3) seleção dos episódios a serem analisados; (4) identificação de cenas que retratavam bullying; (5) classificação das perspectivas e ações empreendidas pelos adultos; (6) produção de síntese analítica. A etapa de seleção dos episódios foi realizada por dois pesquisares previamente treinados, sob orientação do pesquisador responsável pelo estudo, que assistiram as três temporadas iniciais da série. As etapas foram desenvolvidas no período de outubro de 2020 a julho de 2021.
Análise dos dados
A análise temática (Braun & Clarke, 2006) foi aplicada a partir dos seguintes passos: (1) leitura de sinopses e acompanhamento dos episódios; (2) geração de códigos iniciais; (3) agrupamento dos códigos em temas potenciais; (4) revisão dos temas com intuito de gerar “mapa” temático da análise; (5) definição e nomeação dos temas; (6) produção do relatório final.
Após definição dos temas, foi realizada categorização inspirada no material Violência escolar e bullying: Relatório sobre a situação mundial (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, 2019). Observa-se que não foram definidas categorias a priori e esse material apenas inspirou a nomeação dos temas construídos a partir do processo analítico. O processo de codificação e geração de temas foi realizado conjuntamente por dois pesquisadores (KYK e WAO). Assim sendo, os dois pesquisadores assistiram as cenas e discutiram juntos os potenciais temas ou características que poderiam resultar no processo de categorização. Por exemplo: personagem relata em um bilhete sentimentos depressivos de uma pessoa da escola e a professora coloca o tema em debate com a classe; baseados na tentativa de ajuda da professora para resolver o problema, os pesquisadores qualificaram o tema como “modesta disponibilização de ajuda especializada” e o incluíram na categoria “estratégias de intervenção e prevenção”; e dessa forma com todas as cenas analisadas.
Resultados
Para qualificar as situações acompanhadas na série TRW como indicativas de bullying, foram aplicados os critérios descritos por Olweus (2013): repetitividade, intencionalidade e desequilíbrio de poder. Identificou-se que a maioria das agressões do tipo bullying foi praticada por estudantes do sexo masculino. Também chamou a atenção a ocorrência de bullying do tipo verbal, caracterizado pelo uso de termos pejorativos, apelidos humilhantes ou vexatórios, entre outros. Outros tipos de violência foram verificados, mas não qualificados como bullying.
Para análise dos discursos e práticas de adultos, 16 episódios foram selecionados e analisados. Três contextos gerais relacionados à vida do adolescente foram revelados: a escola (envolvimento do corpo docente, direção e demais funcionários com os alunos); família (vínculos estabelecidos entre adolescentes e familiares/responsáveis); sociedade (envolvimento dos adolescentes com o sistema de direitos e seus respectivos operadores - advogados, policiais). Nas Tabelas 1 1a e 2 2a são apresentadas as cenas selecionadas para o estudo e os temas que emergiram a partir do processo de análise. Para facilitar a apresentação nas tabelas, temas e categorias foram sintetizados em códigos que estão apresentados em notas.
Nota: Temas: 1: Controle institucional; 2: Contato dos adultos com evidências de violência entre os adolescentes; 3: Tentativa de normalizar comportamentos negativos ou o fenômeno; 4: Modesta disponibilização de ajuda especializada; 5: Falta de vínculo de qualidade entre os contextos escola-família; 6: Falta de confiança dos adolescentes nos adultos; 7: Estabelecimento de canais de comunicação qualitativos entre adolescentes e adultos; 8: Contenção do risco de suicídio; 9: Falta de reconhecimento do ambiente escolar; 10: Falta de acolhimento e postura investigativa; 11: Transferência de responsabilidade; 12: Reforço do comportamento agressivo; 13: Menção a programas de intervenção. Categorias: EC: Estratégias de controle; CEA: Compreensão equivocada dos adultos; EIP: Estratégias de intervenção e prevenção; EPC: Escassez de parcerias contextuais.
Notas: Temas: 2: Contato dos adultos com evidências de violência entre os adolescentes; 3: Tentativa de normalizar comportamentos negativos ou o fenômeno; 4: Modesta disponibilização de ajuda especializada; 6: Falta de confiança dos adolescentes nos adultos; 7: Estabelecimento de canais de comunicação qualitativos entre adolescentes e adultos; 8: Contenção do risco de suicídio; 11: Transferência de responsabilidade; 13: Menção a programas de intervenção; 14: Controle institucional (coerção e punição); 15: Punição da vítima; 16: Educação sexual; 17: Compreensão multifatorial do fenômeno; 18: Disponibilização de ajuda especializada; 19: Compreensão dos adultos sobre o fenômeno e suas consequências; 20: Perpetuação do ciclo de violência; 21: Compreensão geral sobre o fenômeno do bullying. Categorias: EC: Estratégias de controle; CEA: Compreensão equivocada dos adultos; EIP: Estratégias de intervenção e prevenção; EPC: Escassez de parcerias contextuais. Sobre os participantes incluídos nas análises nas Tabela 1 e Tabela 2: Hannah Baker = aluna, vítima de bullying, suicida; Clay = aluno, espectador de situações de bullying; Alex: aluno, espectador; Zach: aluno, espectador; Justin: aluno, agressor; Jéssica: aluna, espectadora; Tyler: aluno vitimizado; Marcus: aluno, agressor; Courtney: aluno, espectador; Montgomery: aluno, agressor; Bryce: aluno, agressor; Olivia Baker: mãe de Hannah; Andrew Baker: pai da Hannah; Porter: conselheiro escolar; Matt Jensen: pai de Clay; Lainie Jensen: mãe de Clay e advogada de defesa da escola; Gary Bolan: diretor; Jane Childs: vice-diretora; Bradley: professora de comunicação; Dannis Vasquez: advogado da família dos pais da Hannah; Bill Standall: pai de Alex; Rick: técnico de beisebol; Down: Pai de Tyler.
Conforme descrição das Tabelas 1 e 2, pode-se observar que no microssistema familiar os processos de comunicação entre os pais/responsáveis e filhos são frágeis, dificultando a compreensão do bullying vivido ou praticado pelos estudantes. Isso ocorre ao mesmo tempo em que não são construídas relações de confiança, o que incrementa vivências de insegurança e desproteção dos adolescentes. A leitura naturalizante dos adultos da família sobre comportamentos e angústias, próprios do contexto e dos conflitos entre os estudantes, aumenta o sentimento de desamparo vivido intensamente na escola. Quando os adultos manifestam preocupações, elas estão relacionadas ao suicídio de Hannah e como esse ato poderia afetar a vida de seus filhos ou dos demais alunos. Nesse momento da série, são esboçadas tentativas para a abertura de canais de comunicação, iniciativas muitas vezes frustradas. Contudo, no decorrer dos episódios, os pais/responsáveis também descobrem os segredos de seus filhos e acolhem suas angústias, consolidam canais de comunicação e apresentam alternativas de enfrentamento exequíveis para os problemas vividos na escola.
No microssistema escola também foi retratada a falta de confiança dos adolescentes para com os adultos (professores, conselheiros e diretor). A relação verticalizada e a falta de diálogo efetivo/acolhedor sobre questões que permeiam o convívio no ambiente escolar são flagrantes. As autoridades escolares se mostram, inclusive, insensíveis e alheias ao que acontece nas dependências da própria instituição (pichações no banheiro, agressões verbais, por exemplo). Ao mesmo tempo, via de regra, os profissionais mostram-se despreparados para abordar aspectos relacionados ao bullying e ao suicídio. Muitas vezes as vítimas eram culpabilizadas pelas agressões sofridas. Por outro lado, verifica-se que os adolescentes buscam estabelecer relações mais horizontais com os adultos.
Em termos de mesossistema, os contextos familiares e escolares se conectam, objetivamente, apenas na cena da palestra que a escola promove com foco nos principais comportamentos indicativos de suicídio para os pais/responsáveis. A ausência de maior quantidade de cenas sobre a intersecção desses contextos sugere que a relação entre escola e família ocorre ocasionalmente e apenas quando há uma situação/problema. É ainda notório que tanto a escola como as famílias se preocupem com o suicídio, mas frequentemente negligenciam casos de assédio sexual, estupro e bullying. Esse cenário ambivalente favorece as condições para que se estabeleçam relações pautadas na mera transferência de responsabilidades entre contextos.
No nível do macrossistema, a sociedade ampla retratada é incluída apenas quando se mencionam programas antibullying e de prevenção ao suicídio, principalmente nos diálogos entre os advogados da escola e dos pais de Hannah. Quando a maior parte das cenas ocorre no tribunal, é notória a transferência da responsabilidade entre a escola e família, ao mesmo tempo em que se revela dificuldade de compreensão sobre a complexidade dos fatores envolvidos no bullying ou no comportamento suicida de jovens. Na conclusão do julgamento, perpetua a incompreensão do fenômeno do bullying e suas leituras baseadas em questões individuais.
Os principais temas atribuídos aos discursos e práticas dos adultos em seus respectivos contextos estão apresentados na Figura 1.
Discussão
Neste estudo verificou-se baixa representação de cenas em que os adultos presenciaram diretamente situações de bullying. Por outro lado, destacaram-se modesta disponibilização de ajuda especializada, movimentos de transferência de responsabilidade e a tentativa de normalizar comportamentos negativos ou o próprio bullying. Revelou-se que, mesmo quando o fenômeno ganha proporção fatal entre os indivíduos, os adultos oferecem discreta ou nenhuma ajuda qualificada. A tíbia compreensão do bullying por parte dos adultos, que frequentemente o entendem como comportamentos normais/aceitáveis da adolescência, favorece a adoção de comportamentos coercitivos e punitivos, que devem ser evitadas em casos de manejo do fenômeno, o que aumenta a falta de confiança dos adolescentes e contribui para a perpetuação do ciclo de violência.
O modelo bioecológico, enquanto chave de leitura, forneceu informações que permitem compreender como diferentes níveis podem se articular, contribuindo para a ocorrência do fenômeno nas escolas. Essas conclusões não são simples, não dizem respeito apenas aos modelos que pressupõem a replicação de experiências de um contexto em outro, mas favorecem um modelo de compreensão multinível sobre como as questões ambientais/contextuais são relevantes para compreender o fenômeno, ultrapassando a lógica de responsabilização individual e contemplando inclusive aspectos macrossistêmicos (Rivara & Le Menestrel, 2016).
Especificamente sobre as questões familiares representadas na série, percebe-se que é fundamental manter canais de comunicação abertos, promover relações positivas e clima familiar não violento, conforme pressupõe a literatura científica (Oliveira et al., 2020). Prevenir e inibir comportamentos de bullying não deve ser responsabilidade apenas das escolas, mesmo sendo nesse espaço que ocorrem as agressões, pois suas raízes psicossociais atravessam outros níveis sistêmicos. Pais e cuidadores de crianças e adolescentes em idade escolar precisam amadurecer suas percepções sobre o problema para que possam assumir responsabilidades. Alerta-se nesse ponto para a responsabilidade dos estudantes que praticam bullying na escola e, muitas vezes, não têm seus comportamentos interpretados como problemáticos.
No caso das escolas, a série aponta diferentes problemas, tais como a falta de qualificação apropriada dos profissionais para lidar com a questão. Contudo, pesquisas indicam que um dos fatores que melhor contribuem para a prevenção ou diminuição das ocorrências de bullying nas escolas são as respostas ativas dos professores (Kollerová et al., 2021). Há que se propor uma transformação das relações de poder e que a verticalização não seja apenas pautada em posturas arrogantes, mas no estabelecimento de posturas de autoridade cujo objetivo é melhorar o clima escolar a partir do próprio exercício da adultez, composta por sujeitos capazes de auxiliar no processo de desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.
Entrementes, dada a complexidade das relações interpessoais estabelecidas nas salas de aula, os professores podem, inadvertidamente, participar ativamente na prática de intimidação, reforçando comportamentos agressivos dos alunos ou quando impõem que os estudantes resolvam os conflitos entre si sem sua devida intervenção (Fung, 2012). Os professores também apresentam crenças errôneas sobre o bullying, por exemplo, o pressuposto de que alunos vítimas não seriam intimidados caso evitassem contato com seu agressor ou caso soubessem se defender das agressões; outra crença difundida é a de que o bullying constituiria conjunto de comportamentos normativos que ajudam na aprendizagem das normas sociais (Silva et al., 2014). Esses aspectos estão relacionados, ainda, a valores culturais que são compartilhados e vividos não apenas no contexto da escola, pois se referem ao nível macrossistêmico e a maneira como as pessoas, de forma geral, interpretam o problema.
O modelo bioecológico pode auxiliar na compreensão da vida cotidiana apresentada na série TRW, uma vez que a teledramaturgia é protagonizada por adolescentes e, portanto, um sujeito ativo, produto e produtor do seu desenvolvimento em interação com seu contexto e tempo (Senna & Dessen, 2012). Ao mesmo tempo que confere protagonismo aos adolescentes, a série revela a incapacidade de instituições sociais tradicionais, como a família e a escola, de se reorganizarem para lidar com problemas complexos que assolam o cotidiano de crianças e adolescentes na contemporaneidade.
Na série, as interações estabelecidas entre os adultos de diferentes contextos (mesossistemas) também são retratadas e revelam a ausência de compreensão do fenômeno bullying de forma multifatorial, ou seja, encarando-o como problema que acontece no perímetro da escola, mas que, na verdade, é de responsabilidade de todos, inclusive da família e da sociedade como um todo (Oliveira et al., 2020; Rivara & Le Menestrel, 2016). Nesse sentido, é importante destacar que professores e demais autoridades escolares estão em posição privilegiada para lidar com situações de bullying, mas esses agentes só conseguirão empreender iniciativas eficazes se houver mudanças no contexto social que, muitas vezes, incentiva comportamento intolerante, violento ou agressivo como meio para resolver conflitos ou lidar com a diversidade.
Em termos de implicações práticas, o presente estudo assinala a importância dos adultos para minimizar ou diminuir a ocorrência do bullying nas escolas. Principalmente ao se perceber, a partir dos dados da série, que o fenômeno não é claramente enfrentado pelos adultos e, muitas vezes, é tolerado. Nesse sentido, ações de conscientização de pais, professores e outros profissionais da educação são estimuladas. Essas ações podem utilizar trechos da série TRW como disparador para sensibilização e discussão dos adultos sobre a problemática. Também faltam canais de comunicação e/ou diálogo para que os estudantes possam pedir ajuda aos adultos e as escolas dedem criar estratégias para fomentar denúncias de situações vividas ou observadas nas escolas.
Iniciativas de intervenção que incluem os adultos são, ainda, condizentes com programas antibullying multidimensionais que já foram amplamente avaliados pela literatura científica. São exemplos dessa natureza as intervenções NoTrap! (Itália), Olweus Bullying Prevention Program (diferentes países) e KiVa (Finlândia e outros países). O sucesso desses programas na redução da violência entre pares é justificado, principalmente, pelo envolvimento de toda a escola e comunidade (Gaffney et al., 2021). Em termos teóricos, essas intervenções também estão em sintonia com a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano utilizada como matriz de orientação nesse estudo.
Considerações finais
Este estudo analisou a série TRW e identificou uma compreensão limitada de professores, pais e demais adultos que testemunharam ou tomaram conhecimento de situações de bullying na escola. Percebe-se que a série tem potencial para inspirar reflexões ampliadas sobre questões cotidianas, bem como para promover a sensibilização de gestores e da sociedade civil sobre o papel dos adultos no estabelecimento de metas de prevenção e gerenciamento de casos de bullying nas escolas. Além disso, os resultados obtidos podem estimular outros estudos para que a compreensão da temática seja expandida, principalmente na perspectiva do papel estratégico dos adultos na prevenção e inibição de comportamentos de bullying.
No que tange às limitações do estudo, é preciso mencionar que se trata de uma análise de série dramática com contexto específico e que, apesar de guardar certa verossimilhança com a realidade, as situações representadas são soluções dramatúrgicas e ficcionais. Evidentemente, as cenas retratadas pouco ou nada têm a ver com o cotidiano da sociedade ou de escolas da América Latina. Também é possível perceber que, em muitas situações, coloca-se uma lente de aumento em relação aos fenômenos abordados (bullying; suicídio etc.). Em que pesem essas limitações, devido à repercussão de público e divulgação em escala mundial da série, TRW torna-se matéria interessante como exercício de compreensão de diferentes problemas tais como o bullying.