Nas últimas duas décadas, o interesse em entender a adolescência como um período crítico para o desenvolvimento da regulação emocional tem aumentado (Crandall et al., 2016; Machado & Mosmann, 2019). Regular as emoções é uma habilidade de desenvolvimento humano essencial para manter relacionamentos bem-sucedidos com pares (Blair et al., 2016) e família (Reindl et al., 2018), funcionamento acadêmico (Kwon et al., 2017), bem-estar (Williams et al., 2018) e saúde mental (Inwood & Ferrari, 2018).
Regulação emocional significa ter estratégias para manter, aumentar ou diminuir um ou mais componentes da resposta emocional. É um processo de modulação, ocorrência, duração e intensidade de estados internos (positivos e negativos) e processos fisiológicos relacionados à emoção (Morris et al., 2017). A habilidade de regular emoções implica em influenciar a experiência emocional, de acordo com a situação, tempo e valência emocional (McRae & Gross, 2020) para atingir os estados afetivos desejados e atingir resultados adaptativos para lidar com as situações cotidianas.
Por outro lado, a dificuldade de regulação emocional (déficits na regulação emocional ou desregulação emocional) ocorre através de um processo dinâmico (D’Agostino et al., 2017) de interação entre dificuldade na consciência, compreensão ou modulação da emoção (Bjureberg et al., 2016) e histórico de aprendizado de estratégias disfuncionais para gerenciar as emoções (Bariola et al., 2011) ao longo do desenvolvimento (D’Agostino et al., 2017). Neste sentido, dificuldades de regulação emocional estão relacionadas a manifestações de sintomas internalizantes e externalizantes (Machado & Mosmann, 2019), diversos transtornos mentais (D’Agostino et al., 2017) e transtornos de personalidade (D’Agostino et al., 2017).
Por tratar-se de uma variável relacional, pesquisas na área do desenvolvimento da regulação emocional desde a infância e adolescência sugerem que a etiologia do fenômeno é multifatorial. O principal foco de pesquisas está relacionado com a regulação das próprias emoções (regulação intrínseca), mas há um aumento de interesse de pesquisas com a regulação de outras pessoas e do contexto em que as pessoas se situam (regulação extrínseca) (McRae & Gross, 2020).
O contexto, como regulação extrínseca, ganhou forte apoio empírico como contribuidor para o desenvolvimento da regulação emocional (Li et al., 2019). Estudos sobre fatores sociais sugeriram que interações com mães (Perry et al., 2020), pais (Li et al., 2019), professores (Pallini et al., 2019) e pares (Cui et al., 2020) estavam conectadas com o desenvolvimento da regulação emocional dos filhos.
Embora a regulação emocional de ambos os pais seja crucial no desenvolvimento das emoções dos filhos, muitas pesquisas têm focado suas atenções para o papel da mãe e a sua repercussão nos adolescentes (Cheung et al., 2020; Crandall et al., 2016; Lewis et al., 2020). Existe uma vasta literatura conectando dificuldade de regulação emocional das mães com desfechos sintomáticos nos filhos, tais como sintomas internalizantes nos filhos adolescentes (Cheung et al., 2020), dissociação nos filhos (Lewis et al., 2020) e dificuldade de regulação emocional (Cheung et al., 2020). Assim, mães com dificuldade de regulação emocional desempenham um impacto importante na regulação emocional de seus filhos adolescentes. Um estudo longitudinal (Cheung et al., 2020) que investigou a dificuldade de regulação emocional de 386 famílias de Hong Kong incluindo mães, pais e adolescentes em dois tempos (durante 12 meses) verificou que apenas as dificuldades de regulação emocional das mães foi preditora de dificuldades de regulação emocional nos filhos e até nos pais longitudinalmente, enquanto que a dificuldade de regulação emocional dos pais não teve influência nas emoções das mães ou dos filhos nesse estudo.
Já é consenso na literatura que os filhos tendem a imitar ou internalizar as formas
de dificuldade de regulação emocional de suas mães via modelagem ou mecanismos de aprendizagem social (Bariola et al., 2011) ao longo do desenvolvimento. Porém, ao analisarmos os estudos sobre desenvolvimento da regulação emocional, encontramos outros aspectos contribuintes da regulação ou dificuldade de regulação emocional dos filhos, como socialização parental (Szkody et al., 2020), clima familiar (Morris et al., 2017; Morris et al., 2007), conjugalidade (Morris et al., 2007) e suporte parental (Karaer & Akdemir, 2019).
Ainda que os estudos em regulação emocional dos filhos e relações familiares tenham avançado nos últimos anos, autores da área sugerem que pesquisadores explorem interrelações entre os sistemas e subsistemas familiares (Gallegos et al., 2017; Thomassin et al., 2017). Dessa forma, variáveis familiares e relacionais precisam ser investigadas como fatores mediadores entre a dificuldade de regulação emocional das mães com o desenvolvimento da regulação emocional dos filhos adolescentes. Um construto que se associa a aspectos relacionais como a parentalidade, clima familiar e conjugalidade é a coparentalidade (Mosmann & Wagner, 2008; Mosmann et al., 2018).
A coparentalidade é concebida teoricamente como o subsistema interveniente entre o relacionamento marital e as relações entre pais e filhos (Mosmann et al., 2017), pois a colaboração ou não entre o par parental pode influenciar na forma que interagem com os filhos, bem como nas exigências de suas tarefas parentais. Uma revisão de escopo que versa sobre 20 anos de pesquisa sobre a coparentalidade indica que esse constructo está relacionado com a interação com que a dupla coparental coordena a parentalidade de cada um. Os principais achados dessa revisão indicam que as características de cada um da dupla coparental, o estado da relação (romântica), o contexto em que a família reside e as características do filho interferem na qualidade coparental. Em contrapartida a revisão também indica que coparentalidade positiva está relacionada com melhor relacionamento conjugal e desenvolvimento positivo dos filhos (Mosmann et al., 2017).
Um modelo teórico (Margolin et al., 2001) propõe que a coparentalidade possui três dimensões: a cooperação, o conflito e a triangulação. A dimensão cooperação (dimensão positiva) está relacionada com suporte, validação, respeito e entendimento de que o outro cuidador é emocionalmente capaz de exercer as funções parentais, a dimensão do conflito (dimensão negativa) se refere à quantidade, frequência e severidade dos desacordos ou discussões acerca da educação dos filhos, e a triangulação (dimensão negativa) está relacionada a uma distorção dos limites entre os subsistemas coparental e pai/mãe-filho, em que um dos cuidadores estabelece uma coalizão com o filho, excluindo ou enfraquecendo a outra figura parental.
Uma revisão sistemática de 2017 (Costa et al., 2017), com objetivo de analisar as características metodológicas, os objetivos e os resultados dos estudos empíricos sobre coparentalidade, investigou 29 estudos compreendidos no período de 2007 e 2016 nas línguas inglês, espanhol e português. Nesse estudo foi possível verificar que a literatura científica tem centrado esforços para identificar possíveis associações entre características do comportamento dos filhos e o exercício da coparentalidade e as repercussões no clima familiar. Isso indica que a coparentalidade pode funcionar como uma conexão entre a parentalidade e os desfechos para problemas emocionais e comportamentais dos filhos.
Muitos estudos sobre a coparentalidade associam esse fenômeno com desfechos nos filhos, como por exemplo, as dimensões negativas (conflito e triangulação) associadas a transtornos internalizantes e externalizantes (Mosmann et al., 2018), comportamentos de ansiedade social (Riina et al., 2020) e comportamentos antissociais leves (Koch et al., 2020). Enquanto que a cooperação, está relacionada com a competência social dos filhos (Barnett et al., 2011) e melhor autoestima (Macie & Stolberg, 2003).
Alguns estudos que avaliam a coparentalidade com a regulação emocional indicam a importância da associação. O primeiro (Machado & Mosmann, 2019) avaliou a regulação emocional de 229 filhos adolescentes brasileiros (11 a 18 anos) como mediadora entre as dimensões negativas da coparentalidade e sintomas internalizantes a partir da percepção dos adolescentes. Os resultados revelaram que a regulação emocional possui papel determinante para o desenvolvimento de sintomas internalizantes no contexto de dificuldades coparentais. Outro estudo (Thomassin et al., 2017), realizado nos Estados Unidos, buscou examinar o papel do afeto coparental nas dificuldades de regulação emocional dos filhos em 51 tríades mãe-pai-filhos (filhos com idades entre 7 e 12 anos), como também se essa associação mediava a ligação entre os sintomas depressivos dos pais e das crianças. As tríades foram gravadas conversando sobre situações de tristeza e alegria. Esse estudo verificou que a congruência de afeto positivo dos pais durante a discussão sobre a emoção tristeza previu desregulação emocional dos filhos, tanto pelo afeto negativo da criança, como reações punitivas dos pais. Outro estudo (Qian et al., 2020) que realizou um modelo de mediação com foco no funcionamento familiar e a satisfação conjugal para entender as relações entre coparentalidade e a regulação emocional dos filhos, indicou que a relação coparental está positivamente associada com a regulação emocional dos filhos. Entretanto, esses estudos não identificam as relações entre a regulação emocional das mães e o papel da coparentalidade como parte do desenvolvimento da regulação emocional nos filhos, portanto o caráter dessas conexões ainda não foi suficientemente esclarecido.
Nesse sentido, estudos apontam como limitação a necessidade de entender de que forma as variáveis individuais contribuem para a coparentalidade (Campbell, 2022; Mosmann et al., 2018). Ainda que existam algumas evidências da relação entre a coparentalidade e desfechos sintomáticos nos filhos, existe uma lacuna sobre o entendimento da dinâmica da dificuldade de regulação emocional das mães, as dimensões da coparentalidade (variável contextual) e regulação emocional dos filhos. É possível mensurar essa interação através de modelos interacionais como Modelagem de Equações Estruturais. Para tanto, esse estudo objetivou testar um modelo estrutural de relação direta e indireta entre desregulação emocional de mães e a percepção da regulação emocional de seus filhos, avaliando o papel mediador da coparentalidade (triangulação, conflito e cooperação).
Materiais e Métodos
Delineamento
Trata-se de um estudo quantitativo, transversal e explicativo (Creswell, 2010). As abordagens quantitativas visam apresentação numérica de dados almejando a descrição, a explicação e ou a predição de um fenômeno (Sabadini et al., 2009). O caráter explicativo visa aprofundar o conhecimento da realidade afim de explicar fatores que contribuem para a ocorrência de determinado fenômeno (Gil, 2010).
Amostra
Participaram desse estudo 210 mães de adolescentes, com idades entre 30 e 58 anos (M = 43,19 e DP = 6,93). Os critérios de inclusão foram ser mães de adolescentes com idades entre 14 e 18 anos (M = 15,59 e DP = 1,39) e estar em uma díade coparental, em que os cuidadores não precisavam ser necessariamente pais ou casados, mas duas pessoas exercendo os cuidados parentais. O número de participantes foi determinado de acordo com o cálculo da amostra proposto por Hair et al. (2010), em que 200 é o número mínimo de participantes para o cálculo de modelagem de equações estruturais.
Dentre as participantes, a maior concentração da amostra (28,1 %) assinalou que possui pós-graduação completa (n = 59), seguido de 23,3% (n = 49) ensino superior completo, 18,1 % (n = 38) possuem ensino médio completo, 13,3% (n = 28) ensino superior incompleto, 5,2 % (n = 11) ensino médio incompleto, 3,3% (n = 7) pós-graduação incompleta, 3,3 % (n = 7) ensino técnico, 3,3 % (n = 7) ensino fundamental incompleto e 1,9 % (n = 4) ensino fundamental completo. Quanto à renda das participantes, 51 % (n = 107) recebem de 1 a 4 salários-mínimos, 21,4% (n = 45) recebem de 4 a 6 salários-mínimos, 13,3 (n = 28) relataram não ter renda pessoal, 7,1 % (n = 15) recebem de 7 a 9 salários-mínimos, 5,2 % (n = 11) recebem de 10 a 15 salários-mínimos e 1,9 % (n = 4) da amostra recebem 16 ou mais salários-mínimos.
Dessa amostra, 17,1 % das participantes relataram ser diagnosticadas com transtorno psiquiátrico. Foram citados transtornos de ansiedade (Ansiedade, Transtorno Obsessivo Compulsivo e Síndrome do Pânico) e transtornos de humor (Transtorno Depressivo Maior e Transtorno de humor Bipolar). Sobre a pessoa que exerce a coparentalidade com a mãe a grande maioria (82,9 %) citou o pai ou companheiro (a) (n = 174) seguido de 12,9 % relatando os avós (n = 27), 1,9 % assinalaram filhos (n = 4), 1,9 marcaram outros parentes (n = 4) e 0,5 % apontaram os amigos (n = 1) como díade coparental.
Instrumentos
Questionário sociodemográfico. Construído para esse estudo, conta com 15 questões, buscando obter informações como: sexo, idade, escolaridade, número de filhos, idade dos filhos etc.
Dificuldade de regulação emocional de Mães. Difficulties in Emotion Regulation Scale (DERS) (Gratz & Roemer, 2004). A DERS é uma escala de autorrelato de 36 itens que mede dificuldades na regulação da emoção. O presente estudo utilizou a versão breve (Bjureberg et al., 2016) no qual o instrumento é composto por 16 itens em escala Likert de 5 pontos, (1: quase nunca se aplica a mim e 5: aplica-se quase sempre a mim). A escala avalia as dificuldades de regulação emocional através das dimensões: não aceitação das emoções negativas (3 itens), incapacidade de se envolver em comportamentos dirigidos por objetivos quando experiencia emoções negativas (3 itens), problemas em controlar comportamento impulsivo quando experiencia emoções negativas (3 itens), acesso limitado às estratégias de regulação emocional (5 itens) e falta de clareza emocional (2 itens). A DERS-16 já possui evidências de validade para o público adulto no Brasil (Miguel et al., 2017), apresentou bons índices de propriedades psicométricas sendo os valores de alfa de Cronbach > 0,080 e os índices de Análise Fatorial Confirmatória foram RMSEA 0,096, NNFI 0,96, CFI 0,97 e SRMR 0,054.
Regulação emocional dos adolescentes. A variável regulação emocional dos filhos adolescentes foi medida através da adaptação da Emotion Regulation Checklist- ERC (Shields & Cicchetti, 1995). A versão original busca averiguar regulação emocional de filhos crianças (disposta para crianças de 3 a 12 anos), a partir da percepção dos pais. É composto por 24 itens em escala tipo Likert de quatro pontos segundo a frequência do comportamento (1: nunca a 4: quase sempre). Os itens são distribuídos em duas escalas: Regulação Emocional (RE) e Labilidade/Negatividade Emocional (L/N). A adaptação brasileira (Reis et al., 2016) da escala original, que apresentou pressupostos para análise fatorial exploratória foram adequados e a solução bifatorial (RE e L/N) foi a indicada, explicando 57% da variância (L/N α = 0,77 e RE α = 0,73). Os scores de Labilidade/Negatividade devem ser invertidos para a correção.
Para esse estudo se propôs uma adaptação para adolescentes, em que foram realizadas etapas para análise da validade e confiabilidade do instrumento, compreendendo: I) adaptação da escala; II) Análise de conteúdo; III) Análise fatorial exploratória; e IV) Análise fatorial confirmatória. O índice CVCt (análise de conteúdo realizada por 3 juízes experts na área) da escala foi de 0,936921, considerado aceitável o nível de concordância entre juízes sobre o nível de clareza de linguagem e pertinência prática da escala. Para a análise fatorial exploratória, o Alfa de Cronbach da escala apresentou um índice 0,85. Os índices da análise fatorial confirmatória foram CMIN/DF 1,53, CFI 0,90, RMSEA 0,05 e SRMR 0,04.
Dimensões da coparentalidade. The Coparenting Inventory for Parents and Adolescents CI-PA. A versão para pais (Teubert & Pinquart, 2011) consiste em duas partes, e cada uma avalia três subescalas, a cooperação, o conflito e a triangulação. Na primeira parte, os cuidadores relatam sobre a coparentalidade no nível diádico (avaliação da díade), por exemplo, “Meu parceiro e eu concordamos em cumprir os desejos e demandas de nosso filho”. A segunda parte avalia a percepção do cuidador sobre a contribuição de seu parceiro para a coparentalidade (avaliação do outro cuidador), por exemplo, “Meu parceiro me informa sobre eventos importantes relacionados ao nosso filho”. Nesse estudo utilizou-se apenas a primeira parte, relatando a coparentalidade em nível diádico. Cada item do CI-PA é classificado numa escala Likert variando de 0 (completamente verdadeiro) até 4 (pouco verdadeiro). A versão brasileira (manuscrito em preparação), apresentou bons índices de propriedades psicométricas sendo os valores de alfa de Cronbach para Cooperação Coparental (α = 0,89), Conflito Coparental (α =0,76) e a Triangulação Coparental (α = 0,79). A análise fatorial confirmatória dessa escala apresentou os índices de RMSEA 0,6, SRMR 0,5 e CFI 0,96 para a parte que avalia a díade.
Procedimentos éticos e de coletas de dados
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. As participantes foram selecionadas por critério de conveniência, com o método Snowball (Flick, 2009), através de redes sociais como, Facebook, WhatsApp e Instagram. A aplicação foi realizada de forma online, através do Google Forms. Todas ases participantes marcaram SIM, concordando com a participação no estudo, no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do questionário online. Foi assegurada a confidencialidade e autonomia no caso de não querer mais fazer parte da pesquisa.
Análise de dados
Os dados coletados foram inseridos no software Statistical Package for Social Sciences 22.0 (IBM SPSS) e o nível de significância adotado foi de p ≤ 0,05. Foram realizadas análises descritivas a fim de conhecer o comportamento das variáveis do estudo e análise de correlação através do Coeficiente de Spearman, para verificar a existência de correlação entre as variáveis sociodemográficas, as dimensões da coparentalidade e a desregulação emocional de mães e a regulação emocional dos filhos adolescentes.
Para testagem do modelo de interação proposto, os dados foram inseridos no software Statistical Package for Social Sciences Analysis of Moment Structures 2.0 (IBM SPSS AMOS). Foi realizada modelagem de equações estruturais para analisar as relações explicativas e o valor preditivo da desregulação emocional de mães e o papel mediador das dimensões da coparentalidade de forma simultânea, analisando as relações diretas e indiretas com a regulação emocional dos filhos adolescentes, com estimação através do método Maximum Likelihood. Para a avaliação de ajuste de modelo os seguintes índices foram utilizados: medidas absolutas (qui-quadrado/graus de liberdade (χ²/gl), Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA)) e medida de ajuste incremental (Comparative Fit Index (CFI)). Os indicadores de bom ajuste de modelo se referem a valores de χ²/gl abaixo de 5, valores de RMSEA menores do que 0,10 e de CFI maiores do que 0,90 (Hair et al., 2010).
Resultados
Análise descritiva e correlação entre os fatores
Foram realizadas estatísticas descritivas com as variáveis trabalhadas neste estudo, desregulação emocional das mães com as dimensões: não aceitação das emoções negativas (Não Aceitação), incapacidade de se envolver em comportamentos dirigidos por objetivos quando experiencia emoções negativas (Objetivos), problemas em controlar comportamento impulsivo quando experiencia emoções negativas (Impulsos), acesso limitado às estratégias de regulação emocional (Estratégias) e falta de clareza emocional (Clareza) (variável exógena), regulação emocional dos filhos adolescentes: dimensões labilidade/negatividade e regulação emocional (variável endógena) e coparentalidade: dimensões cooperação, conflito e triangulação (variável mediadora). A descrição das análises de média e desvio padrão se encontra na Tabela 1.
As experiências de desregulação emocional das mães medidas pela DERS, apontaram que essas estão relacionadas com as variáveis de mediação e de desfecho. Depois de verificar que se tratava de uma amostra não-normal, foi realizada a análise de correlação de Spearman para avaliar as relações internas entre as dimensões. Muitas correlações moderadas e altas foram observadas, conforme apresentado na Tabela 2.
Notas: 1 NA: não aceitação; 2 OBJ: objetivos; 3 IMP: impulsos; 4 EST: estratégias; 5 CLA: clareza; 6 L/N: labilidade; 7 RE: regulação emocional; 8 COO: cooperação mãe; 9 CON: conflito mãe; 10 TRI: triangulação mãe. ** A correlação é significativa no nível 0,01 (2 extremidades) * A correlação é significativa no nível 0,05 (2 extremidades)
Modelo Estrutural
Modelagem de equações estruturais é uma técnica que permite separar relações para cada conjunto de variáveis dependentes fornecendo a técnica de estimação apropriada e mais eficiente para uma série de equações de regressão múltipla separadas e estimadas simultaneamente. Nesse sentido, observar esse modelo nos permite verificar os caminhos das variáveis independentes (desregulação emocional das mães) com as dependentes (regulação emocional dos filhos) e a mediadora (coparentalidade).
Inicialmente o modelo apresentou ajuste adequado de dados CFI = 0,93, CMIN/DF = 2,40 e RMSEA = 0,08. Porém, ajustando a covariância existente entre objetivos e impulsos na desregulação emocional das mães e na cooperação e conflito da coparentalidade, o resultado apresentou ajuste excelente de dados CFI = 0,97, CMIN/DF = 1,52 e RMSEA = 0,05.
Quanto aos coeficientes padronizados de regressão do modelo, as direções já indicavam que as dimensões da desregulação emocional das mães interferem negativamente na regulação emocional percebida dos filhos adolescentes, bem como negativamente na variável mediadora coparentalidade (apresentou um caminho negativo para cooperação, enquanto para conflito e triangulação se relaciona positivamente). Identifica-se que a previsão das dimensões da desregulação emocional das mães para coparentalidade (β = -0,31) e para regulação emocional dos adolescentes (β = -0,32) apresentou índices moderados.
Os coeficientes padronizados de regressão do modelo indicam que as dimensões da desregulação emocional apresentaram índices altos e moderados, sendo β = 0,99 para estratégias, β = 0,77 para não aceitação, β = 0,64 objetivos, β = 0,63 impulsos e β = 0,61 clareza. Os coeficientes da variável latente coparentalidade apresentaram índices altos sendo β = 0,82 para cooperação, β = -0,59 para conflito e β = -0,58 para triangulação. Os coeficientes das dimensões da variável regulação emocional dos filhos adolescentes apresentaram índices β = 0,70 para labilidade e β = 0,72 para regulação emocional, considerados índices altos.
No caso da variável de mediação, considera-se que desregulação emocional das mães é reduzida ao adicionarmos a variável coparentalidade como preditor adicional (β = 0,44), portanto a mediação é sustentada (parcial). Identifica-se ainda que a magnitude de previsão da dimensão cooperação da variável latente é alta, que por sua vez impacta fortemente na regulação emocional dos filhos adolescentes. A Figura 1 retrata o modelo final.
Discussão e Conclusões
O objetivo desse estudo foi verificar o papel da desregulação emocional das mães, bem como a possível mediação da coparentalidade na regulação emocional dos filhos adolescentes a partir da percepção das mães. As habilidades de regulação emocional em adolescentes estão sendo relacionadas com fatores de proteção de saúde mental (Antunes et al., 2018) se forem adaptativas e com ansiedade (Young et al., 2019), depressão (Young et al., 2019) e ideação suicida (Miller et al., 2018), nos casos de déficits na regulação emocional de adolescentes. Dada tal magnitude, os resultados desse estudo demonstram a importância da família no desenvolvimento dos filhos adolescentes, reforçando o que vem sendo apontado nas pesquisas sobre a coparentalidade e a reverberação nos filhos (Machado & Mosmann, 2019; Mosmann et al., 2018).
Ao avaliar a composição das variáveis latentes do modelo de interação, corroborados com as médias e os índices de correlação, os dados refletem para uma amostra com níveis de desregulação emocional de mães, indicando dificuldades em se envolver em comportamentos dirigidos por objetivos quando experienciam emoções negativas (β = 0,64), problemas em aceitar emoções negativas (β = 0,77) e acesso limitado às estratégias de regulação emocional (β = 0,99), como as dimensões com médias mais altas construindo a variável latente desregulação emocional das mães. Esses índices de desregulação emocional podem estar relacionados com a sobrecarga de tarefas domésticas e parentais das mães. Em 2017 um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, apontou que as mães dedicam o dobro de tempo dos homens em afazeres domésticos e cuidados com pessoas. Nesse sentido, a sobrecarga de atividades e o sentimento de desproporcionalidade na responsabilidade pela gestão da casa e dos filhos, estão associados com a falta de bem-estar emocional das mães (Ciciolla & Luthar, 2019).
No entanto, percentual significativo da amostra relatou diagnóstico de transtornos mentais como transtornos de ansiedade e transtornos de humor. Esses grupos de transtornos estão associados com dificuldades de regulação emocional. No contexto da psicopatologia déficits na regulação emocional apresentam relações negativas com o bem-estar do sujeito (Kraiss et al., 2020), portanto trata-se de uma amostra de mães com importantes índices de transtorno mental e consequentemente com dificuldades de regulação emocional.
A composição da variável coparentalidade, foi primordialmente composta por cooperação coparental (β = 0,82). As análises descritivas mostram mães com níveis altos de desregulação, mas que se percebem com altos níveis de cooperação quando se referem ao exercício coparental. Este cenário, ainda que aparentemente contraditório, pode apontar para famílias com mães que, ainda que reconheçam ter dificuldades de regulação emocional, em nível individual, no que se refere a relação coparental adotam postura cooperativa, talvez justamente em um comportamento de compensação. Cientes de suas dificuldades individuais, buscam o apoio do par coparental.
Além disso, sabe-se que os cuidadores tendem a responder estudos acerca de seu desempenho parental de forma mais positiva, apresentando respostas de desejabilidade social (Almiro, 2017). Esse enviesamento ainda é um dos maiores desafios na avaliação de fenômenos psicológicos. É possível que os altos níveis de cooperação estejam expressando uma autoavaliação positiva dessas mães na sua postura coparental.
Essas particularidades contribuíram para compor aspectos específicos desta amostra. Porém para além das características desse grupo, foram investigadas as relações entre os construtos desregulação emocional das mães e regulação emocional dos filhos e a coparentalidade, tanto em nível de relações e correlações, quanto em nível de interações no modelo proposto, corroborando com a literatura científica da área e avançando em alguns aspectos.
A partir dessas considerações, esse estudo possui dois resultados principais. O primeiro resultado está relacionado com o papel mediador da coparentalidade entre a desregulação emocional de mães e a regulação emocional dos filhos adolescentes. No caso da regulação emocional dos filhos, o modelo interacional apontou que três variáveis observáveis tiveram magnitudes importantes e demostraram-se fortemente explicativas para esse construto, a dimensão falta de estratégias e não aceitação das emoções da mãe (na variável latente desregulação emocional das mães) e cooperação coparental (na variável latente coparentalidade). Essas variáveis observáveis foram significativas para explicar o modelo, destacando que as dimensões cooperação coparental (0,82) (impactando positivamente) e falta de estratégias para regular as emoções da mãe (0,99) (impactando negativamente) foram substancialmente maiores dos que as outras variáveis.
Nesse sentido, ao inserir a variável latente coparentalidade na equação estrutural a força do impacto da variável desregulação emocional das mães para a regulação emocional dos filhos foi reduzida (Hair et al., 2010), apresentando mediação parcial da coparentalidade entre elas. Isso significa que para além do que já é previsto, sobre a aprendizagem de regulação emocional através da aprendizagem social e modelagem (Morris et al. 2007; Reindl et al., 2018), observado na relação direta o subsistema coparental, a forma como o par parental exerce suas funções na família (Costa et al., 2017; Margolin et al., 2001) faz parte dessa relação.
Esses achados evidenciam a potencialidade da cooperação no coparentalidade, indica que a relação positiva entre os cuidadores pode reverberar na qualidade da saúde mental dos filhos. Na maioria das pesquisas encontradas sobre a coparentalidade as preocupações estão em torno das dimensões negativas como observados em estudos prévios (Margolin et al., 2001). Entretanto, teóricos que estudam esse tema salientam que a qualidade da coparentalidade na família parece ser mais importante para o funcionamento da criança do que outros aspectos do casal (Schoppe-Sullivan et al., 2001). Essa descoberta fornece mais evidências substanciais em apoio às pesquisas existentes que indicam que a cooperação coparental está relacionada com ajustamento socioemocional dos filhos (Choi et al., 2019), pois ela é a dimensão que mais impacta positivamente para a regulação emocional dos filhos adolescentes.
Salienta-se também, que a desregulação emocional das mães, apresentou efeito indireto na regulação emocional dos filhos adolescentes. Esse resultado pode ser mais bem explicado pelo fato de que a desregulação emocional das mães afeta a regulação emocional dos filhos se ela for direcionada ao adolescente e não somente atuando de forma individual. Esse achado é consistente com alguns estudos que examinaram a desregulação emocional das mães, sugerindo que essa variável estivesse relacionada com consequências na prole (Giordano et al., 2021), mas não somente com efeitos diretos na regulação emocional dos filhos.
Nesse sentido, o segundo resultado principal desse estudo está relacionado com a desregulação emocional de mães tendo um efeito negativo na cooperação coparental e positivo no conflito e na triangulação coparental. Ainda que as mães dessa amostra tenham se declarado cooperativas, o caminho negativo da variável latente desregulação emocional das mães para a coparentalidade indica que a desregulação emocional das mães reportada na DERS pôde predizer menor capacidade de cooperar com o par coparental. Esse resultado pode estar relacionado ao fato de que as mães precisam ter capacidade de regulação emocional para cooperar com seu par coparental. Isso também foi observado nas correlações em que a direção negativa corresponde a quanto mais desreguladas as mães, menos cooperação coparental. Consequentemente essa baixa cooperação pode impactar em menor regulação emocional dos filhos.
Esse dado fornece uma contribuição para os estudos a respeito da coparentalidade, pois acrescenta o que já foi visto anteriormente sobre as variáveis pessoais que contribuem ou atrapalham a qualidade da relação coparental. Fatores como qualidade conjugal antes do nascimento do filho (Schoppe-Sullivan et al., 2007), estresse (Kang et al., 2022), e a capacidade de resolução de problemas (Majdandžić et al., 2012), necessariamente são perpassadas pela regulação emocional (McRae & Gross, 2020) dos agentes da coparentalidade.
No geral, o presente estudo sugere que a qualidade da coparentalidade, a cooperação coparental, está associada à regulação emocional dos filhos adolescentes e a desregulação emocional das mães parece ter um impacto prejudicial na cooperação coparental. Dada a importância da coparentalidade para as crianças e o bem-estar da família (Costa et al., 2017; Mosmann et al., 2018), esses resultados indicam, no âmbito clínico, que atuar preventivamente junto a pais, com intervenções em regulação emocional para o desenvolvimento de habilidades no exercício do subsistema coparental são essenciais ao desenvolvimento adaptativo dos filhos (Frizzo et al., 2005).
Algumas limitações desse estudo precisam ser discutidas. Primeiramente, esse estudo foi aplicado durante o início da pandemia do Covid-19, enquanto pais, mães, outros cuidadores e filhos ficaram confinados, consequentemente aumentando os índices de estresse (Freisthler et al., 2021). A situação pandêmica pode ter impactado nos resultados de desregulação emocional relatado pelas mães. Outra limitação importante está relacionada com o método de delineamento transversal. A pesquisa longitudinal poderia testar as relações temporais entre os constructos e a ordem cronológica das variáveis. Outra consideração importante é que a pesquisa parte somente da perspectiva das mães. É possível que se acrescentada as perspectivas dos pais e dos adolescentes acerca da coparentalidade e regulação emocional, os resultados poderiam ser divergentes. Finalmente, para direções futuras sobre estudos em regulação emocional de pais e adolescentes e o papel da coparentalidade, poderiam investigar quais estratégias de regulação emocional estão relacionadas com as dimensões da coparentalidade, além de investigar as variáveis a partir das percepções de pai, mãe e filho que poderá fornecer respostas sobre a dinâmica das interações diádicas e triádicas que ocorrem na coparentalidade.