Introdução
A crítica ao processo de institucionalização psiquiátrica ganhou relevo e intensidade a partir do início dos anos 60 com as discussões envolvendo o hospital psiquiátrico, a própria Psiquiatria juntamente com o modelo biomédico de intervenção no tratamento dos portadores de transtornos mentais, vigentes desde o século XIX.
Nesse debate sobre as formas de cuidado das pessoas com transtornos mentais alguns componentes são chamados a atenção por Hespanha (2010) em especial, aqueles que denunciavam o caráter repressivo das instituições e da disciplina (Foucault, 2012), o seu papel político de controle do desvio social (Szasz, 1973), a falência total dos procedimentos terapêuticos (Wing & Brown, 1970) e o corte radical do doente relativamente ao seu meio social de origem.
Como reflexo, iniciou-se um processo de desintitucionalização e desospitalização das pessoas com transtornos mentais mediado por políticas públicas visando alternativas à internação em hospital psiquiátrico, o que se tornou possível com o avanço da psicofarmacologia que revolucionou a prática psiquiátrica pela possibilidade de controle dos sintomas psicóticos.
Para Basaglia (1967) a lógica assistencial aboliria o internamento psiquiátrico devolvendo a pessoa com transtorno mental ao convívio social com a criação de serviços de saúde mental descentralizados para o acompanhamento terapêutico, tratamento de situações agudas e programas educacionais e profissionais para reintegração social.
No contexto da Reforma da Assistência Psiquiátrica Brasileira, a Política Nacional de Saúde Mental - PNSM (Lei nº 10.216, 2001) busca consolidar um modelo de atenção à saúde mental aberto e de base comunitária. Este modelo conta com uma rede de serviços de saúde (Portaria MS nº 3.088, 2001) cuja finalidade é a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde.
O Hospital-Dia - HD na assistência em saúde mental representa um recurso intermediário entre a internação e o ambulatório, que desenvolve programas de atenção de cuidados intensivos por equipe multiprofissional, visando substituir a internação integral (Portaria MS nº 224, 1992). Apesar do HD ainda guardar resquícios da assistência hospitalocêntrica onde cumpre uma função de semi-internação ou internação parcial remunerada por Autorização de Internação Hospitalar - AIH, esta forma de assistência foi preservada e mantida em funcionamento principalmente pela dificuldade de adequação que determinadas instituições de saúde, entre essas os hospitais universitários, as exigências da legislação como, por exemplo, de que os Centros de Atenção Psicossociais - CAPS não poderiam manter-se nas dependências hospitalares. Com a evolução da legislação da assistência psiquiátrica o HD passou a não ser mais credenciado, aspecto este que ganha contornos de destaque para realçar a noção de estrutura intermediária do HD a qual foi abolida com a reorientação do modelo assistencial para serviços de base territorial marcando uma outra lógica de intervenção comunitária.
Weber & Juruena (2016) salientam que o hospital-dia em saúde mental ao tratar o paciente durante um tempo limitado sem a necessidade de afastamento do seu meio social, familiar, de trabalho ou acadêmico, tenta prevenir a reclusão e a marginalização/exclusão do paciente psiquiátrico.
O Hospital-Dia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - HD/HCFMRP/USP é um dos equipamentos terapêuticos que, ainda remanescente da lógica do modelo anterior de atenção, busca atender ao propósito de desospitalização, da reinserção familiar e comunitária, através da inclusão social das pessoas com transtorno mentais mental em seu meio.
Atualmente, acredita-se que os serviços extra-hospitalares que integram a Rede de Atenção Psicossocial - RAPS (Portaria MS nº 3.088, 2001) podem aumentar sua efetividade de assistência e cuidado às pessoas com transtorno mental, mediante a potencialização dada pelo apoio de associações, grupos de autoajuda, iniciativas de grupos sociais de associações de bairros, comunidades religiosas que representam a rede de apoio social na saúde mental como outras possibilidades que se somam na procura de uma melhor qualidade de vida dessas pessoas (Souza, Kantorski & Mielke, 2006).
Brusamarello, Guimarães, Labronici, Mazza, y Maftum (2011) em estudo que investigou as redes sociais de apoio de pessoas com transtornos mentais e familiares salientam que o ser humano, durante toda sua vida, participa de uma rede social que corresponde a uma trama interpessoal, que envolve as relações percebidas por ele como significativas ou diferenciadas (Souza, Kantorski, & Mielke, 2006). Por conseguinte, todo indivíduo pertence a um subgrupo social que engloba pessoas com quem mantém interações regulares (Jussani; Serafim, & Marcon, 2007).
As redes sociais são definidas como teias de relações que circundam o indivíduo e, desta forma, permitem que ocorra união, comutação, troca e transformação. Ao integrá-la, existe a possibilidade de se organizar socialmente como uma estrutura descentralizada, em que todos podem, simultaneamente, ocupar diferentes e distintas posições, dependendo dos interesses e dos temas tratados (Rocha, 2005).
A noção de rede (de apoio social) simbolizada como um conjunto de pontos conectados por fios, de modo a formar a imagem de uma teia (Hamu & Costa, 2003) representa, comumente, a mobilização comunitária no propósito de contribuir no enfrentamento dos problemas de saúde vivenciados por integrantes do seu meio social.
Nessa direção e em linhas gerais, os Programas de Suporte Comunitário - PSC consistem numa rede organizada de cuidados, composta por pessoas da comunidade que se comprometem a prestar assistência à população de doentes mentais assistindo suas necessidades a fim de reduzir as hospitalizações e favorecer a evolução clínica, o funcionamento social e a qualidade de vida, sem que o paciente seja isolado da comunidade (Bettarello, Greco, Silva Filho & Silva, 2008).
Na esteira das redes de apoio social, PSC e grupos terapêuticos comunitários, a prática dos grupos de Terapia Comunitária - TC foi uma elaboração do psiquiatra, antropólogo e professor universitário Dr. Adalberto de Paula Barreto que visou, inicialmente, atender às necessidades de saúde (sobretudo de sofrimento psíquico) de uma determinada comunidade em Fortaleza/Ceará.
Como ressalta Barreto (2005) a TC se propõe ser um instrumento de aquecimento e fortalecimento das relações humanas, na construção de redes de apoio social, em um mundo cada vez mais individualista, privatizado e conflitivo.
A Terapia Comunitária Integrativa - TCI vem se consolidando como uma nova tecnologia de intervenção psicossocial caracterizado por acolher, escutar e cuidar dos sujeitos e de seus sofrimentos. É um espaço de promoção de encontros interpessoais e intercomunitários, de compartilhamento de experiências e acumulações de vida de forma a valorizar cada uma das histórias de vida dos participantes, resgatando a auto-estima, a confiança em si, na perspectiva de ampliação da percepção dos problemas e do consequente vislumbrar de possibilidades de suas resoluções a partir das competências locais.
Nessa perspectiva, é importante salientar que a integração interdisciplinar no âmbito da saúde mental representa a noção de trabalho em equipe multidisciplinar constituindo-se na chave de uma estratégia que envolve o real compartilhamento de conhecimentos e uma integração efetiva e coordenada entre disciplinas e não a ideia que se limita compreender tal processo como sendo uma justaposição de várias disciplinas em função de um determinado trabalho.
Este manuscrito foi desenvolvido com base nos resultados parciais de estágio de pós-doutoramento, tendo como objetivo identificar entre as práticas terapêuticas instituídas no HD/HCFMRP/USP aquelas dirigidas ao suporte as redes de apoio social a pessoas com transtornos mentais.
Metodologia
Estudo qualitativo, exploratório, descritivo associado às técnicas de observação participante, entrevistas e da revisão documental.
As atividades de campo para coleta dos dados e observação participante foram realizadas no período de 31 de março a 17 de abril de 2014, e se desenvolveram no horário das 7h às 18h, nas dependências do HD/HCFMRP/USP, localizado no Campus Universitário, em Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil.
A observação participante for realizada em todos os encontros semanais realizados pelo Grupo Comunitário de Saúde Mental do HD/HCFMRP/USP, permitindo ao pesquisador conhecer a prática da roda de conversa onde o compartilhamento das experiências de vida entre os participantes criava as condições de possibilidade de construção de estratégias de enfrentamento aos problemas levantados. A cada solução a marca da valorização da expertise individual relatada e da transformação da acumulação individual das vivências em uma acumulação coletiva, e a crença de que estas soluções podem ser encontradas no próprio âmbito local e comunitário.
As informações sobre a criação, funcionamento, integrantes e fundamentação teórica do Grupo Comunitário de Saúde Mental - GCSM foram obtidas pelo pesquisador mediante entrevistas abertas com o coordenador do grupo e psicólogos do núcleo diretivo das atividades, cujos dados foram registrados em diário de campo. Ao total foram realizadas 4 entrevistas com duração de 90 minutos cada, tendo sido duas entrevistas com a coordenação e outras duas entrevistas com psicólogos, ocorridas, respectivamente, na sala da Coordenação e sala do Serviço de Psicologia, ambas do GCSM e localizadas nas dependências do HD/HCFMRP/USP.
Foram revisados ainda os documentos disponibilizados pela coordenação do GCSM, tais como as bases teóricas das intervenções no GCSM, agenda de programação e roteiro de reuniões bem como os materiais impressos para a divulgação das datas, horários e locais das reuniões do GCSM, tanto das reuniões programadas para realização no HD/HCFMRP/USP quanto àquelas programadas para realização na comunidade, com o propósito de subsidiar o pesquisador no conhecimento e sistematização das informações sobre como, quando, onde e horários em que ocorreriam as atividades terapêuticas do GCSM do HD/HCFMRP/USP.
Resultados
No HD/HCFMRP/USP o usuário recebe tratamentos biológicos, psicológicos e sociais executados por uma equipe terapêutica multidisciplinar, diariamente, de segunda a sexta-feira, no horário das 7 às 16h. É importante ressaltar o papel da família no tratamento oferecido ao paciente, inclusive a participação nas abordagens terapêuticas que lhe são próprias.
Durante as atividades de campo e, portanto, no acompanhamento das diversas ações desenvolvidas pela equipe de assistência e cuidado do HD/HCFMRP/USP - mediante a técnica da observação participante -, foi possível a identificação do GCSM, que pode e foi a um primeiro momento, compreendido como sendo uma iniciativa própria e específica da instituição como uma contribuição à comunidade naquilo que se reconhece como rede de apoio social ou suporte social a doentes mentais, no âmbito das abordagens terapêuticas desenvolvidas nessa modalidade de atenção em saúde mental.
De fato, impõe que se chame a atenção para o fato de que a estruturação do GCSM não se restringe aos limites de serem os seus integrantes doentes com diagnóstico de patologia psiquiátrica em sua fase aguda ou remissão, em tratamento ou em momento pós-tratamento. É um grupo mais amplo, aberto a comunidade, cujas características serão exploradas em seus detalhes nas descrições a seguir quanto ao seu objetivo, formação e funcionamento.
O GCSM foi criado no HCFMRP/USP pelo médico psiquiatra e psicanalista Dr. Sergio Ishara, em 1977, com a colaboração do Centro de Psicologia Aplicada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP. Com o objetivo de ser um espaço para o exercício dialogado de apropriação e comunicação de vivências cotidianas protagonizadas pelos seus participantes, teve na valorização crescente dessas experiências as condições para a ampliação dos temas abordados para além dos aspectos clínicos e terapêuticos consolidando a proposta como uma busca por saúde mental.
A fundamentação teórica do GCSM está apoiada nas bases do Construcionismo Social de Kenneth Gergen (Bettarello et al., 2008; Hamu & Costa, 2003; Oliveira & Alessi, 2005; Rocha, 2005), para quem a investigação construcionista social se preocupa em compreender o modo pelo qual as pessoas constroem sentido acerca de si mesmas e do mundo em que vivem em seus relacionamentos.
Para o ano de 2014, o GCSM trabalhou com o tema “A Formação da Pessoa Humana na perspectiva de elaboração e compartilhamento das próprias experiências tendo como horizonte o cuidado com a própria vida e com a comunidade” (Weber, 2014).
O modus operandi do GCSM, em suas reuniões nas dependências do HD/HCFMRP/USP, se caracteriza pela disposição de seus participantes no ambiente em que está acontecendo em forma da chamada roda de conversa. Os encontros do GCSM ocorrem todas as terças-feiras, das 8h 30 min às 10h, nas dependências do HD/HCFMRP/USP, sob a coordenação de seu criador.
Inicialmente o coordenador do grupo faz uma fala niveladora e motivadora do e sobre o tema que está sendo trabalhado para, então, seguir para o primeiro momento da reunião do grupo, com duração aproximada de 30-40 min e nos moldes de um sarau, onde os participantes trazem músicas, poesias, textos, imagens (fotos, gravuras, figuras, etc.), entre outros, e fazem uma exposição de motivos das razões para terem escolhidos essas contribuições.
No segundo momento da reunião, também com duração aproximada de 30-40 minutos, os integrantes do grupo compartilhavam experiências de vida e refletiam sobre as mesmas.
Para a finalização de cada reunião, o coordenador conduzia uma intervenção na direção de uma elaboração de natureza sintética, do tipo de uma clarificação, sobre como se desenvolveu a reunião e sobre quais as repercussões individuais decorrentes do encontro, buscando ressaltar o momento de aprendizagem e de acumulação dessas experiências compartilhadas.
Com efeito, o GCSM do HD/HCFMRP/USP se constitui em uma das abordagens terapêuticas do plano terapêutico para os pacientes em tratamento sob o regime de semi-internação, ao mesmo tempo em que se consolidou como uma estrutura para além do HD. Isto é, com a participação de usuários de serviços de saúde mental, familiares, profissionais, estudantes e a comunidade em geral, o GCSM se insere no calendário das atividades regulares do HD/HCFMRP/USP integrando o conjunto de abordagens terapêuticas propostas aos usuários do HD e seus familiares, ainda que se trate de um grupo aberto à comunidade.
Sem descuido, no campo de ação comunitário, entendido aqui como atividade realizada fora dos limites do HD/HCFMRP/USP, o grupo possui um calendário de atividades externas. Desse modo, configura-se, de fato, como uma atividade de apoio social comunitário na medida em que permite a participação de usuários de outros serviços de saúde mental e a comunidade em geral, inclusive com reuniões em outros locais da comunidade que não as dependências do HD. A valorização crescente dessas experiências permitiu a ampliação dos temas abordados para além dos aspectos clínicos e terapêuticos consolidando a proposta como uma busca por saúde mental.
Discussão
Com o redirecionamento da assistência psiquiátrica, o atual modelo de atuação busca substituir a assistência excludente, que causava o abandono e a marginalização, por uma rede de atenção integral à saúde mental (Portaria MS nº 3.088, 2001) que favoreça a integração social e familiar dos portadores de transtornos mentais (Oliveira & Alessi, 2005).
Nesse cenário é importante se chamar à atenção a dois aspectos. O primeiro aspecto é aquele que se refere ao fato de que a doença mental constituiu desde sempre um desafio à capacidade de as sociedades integrarem e cuidarem dos seus portadores (Hespanha, 2010).
O segundo, é que uma das maiores preocupações da Psiquiatria deve ser auxiliar pessoas a libertarem-se das limitações impostas pelos respectivos quadros clínicos ou, quando isso não é possível, a melhor conviverem com suas deficiências (Bettarello et al., 2008).
Assim, o cuidado em saúde mental tem evidenciado a necessidade de focar a atenção para intervenções que ofereçam alternativas de se trabalhar a realidade social, a fim de promover suporte mútuo, democracia participativa e movimentos sociais (Rocha, 2005).
Nesse diapazão, os PSC e as redes de apoio social ganham extrema relevância na reconstrução de um cotidiano, muitas vezes perdido pela doença mental, funcionando como dispositivos de resgate da autoestima, autoconfiança e autonomia na direção da reabilitação e reinserção na sociedade.
A presença de uma doença ou incapacitação crônica não só provoca a erosão na rede social habitual como às vezes também pode gerar novas redes como as que correspondem aos serviços sociais, de saúde ou grupos terapêuticos (Sluzki, 1997).
No campo da saúde mental, a intervenção em redes sociais tem apresentado crescimento significativo nas estratégias de cuidado e, especialmente, nas práticas desenvolvidas pelos serviços substitutivos territoriais (Muramoto, 2008).
Entretanto, o retorno à vida comunitária de pessoas com transtornos mentais não vem se mostrando uma tarefa fácil por diversas razões, entre as quais, o fato de que os locais onde está sendo realizada a assistência, seja em regime de internação integral, semi-internação ou em CAPS, como exemplos, acabam por se transformar no único centro de referencia, proteção e aceitação.
Como questão estar-se-ia em saber como as propostas alternativas em Saúde Mental pensam em preservar a possibilidade de uma temporalidade diferenciada, em que a lentidão não seja impotência, em que a diferença de ritmos não seja disritmia, em que os movimentos não ganhem sentidos apenas pelo seu desfecho.
De um lado, os meios terapêuticos devem propiciar, passo a passo, condições para a aplicação das intervenções terapêuticas necessárias à reabilitação psicossocial do doente mental. Esse trabalho será muito facilitado com apoio da família e a criação de dispositivos sociais que tornem menos problemático o engajamento do paciente na comunidade (Bettarello et al., 2008).
De outro, e concordante com outros autores, a realidade de que a mobilização sistemática das estruturas sociais para favorecer esse trabalho de reabilitação é praticamente nula, dificulta muito a construção de caminhos que possibilitem ao paciente psiquiátrico crônico participar ativamente da sociedade, mesmo nos casos em que sua contribuição poderia ser extremamente profícua (Bettarello et al., 2008).
É importante destacar que a TCI vem se revelando como um instrumento de grande valor estratégico para efetivação de importantes diretrizes como a equidade e universalidade, na direção da inclusão e cidadania.
O grupo terapêutico, de um modo geral, possibilita o compartilhamento de experiências entre os participantes, propicia escuta, orientação e construção de projetos terapêuticos condizentes com as necessidades dos sujeitos (Benevides, Pinto, Cavalcante, & Jorge, 2010).
Ao mesmo tempo, a vivência em grupo favorece maior capacidade resolutiva, por possuir vários olhares direcionados para um problema em comum (Schrank & Olschowsky, 2008).
Essa vivência enseja a construção de novas visões e sentidos capazes de proporcionar mudanças significativas na percepção de vida de seus integrantes (Guanaes & Japur, 2005).
O GCSM do HC/HCFMRP/USP é um espaço dedicado ao cuidado com a saúde mental e com o amadurecimento pessoal. Por meio de reuniões, o grupo propõe um exercício continuado de atenção e reflexão sobre a vida cotidiana, partilhando experiências e buscando aprender com elas. A atividade apresenta a perspectiva de aprofundamento do contato da pessoa consigo mesma, com os outros e com os acontecimentos, em meio a um processo de construção pessoal e grupal.
O grupo é um local de descobertas. Ao conhecer os caminhos de vida trilhados por outros participantes, é possível ampliar a capacidade de perceber e compreender a realidade, experimentando ajudar e ser ajudado. Os encontros promovem o desenvolvimento de uma rede de pessoas articuladas a partir do cuidado com a própria vida.
Com a participação usuários de serviços de saúde mental, familiares, profissionais e estudantes junto com membros da comunidade em geral, o GCSM do HD/HCFMRP/USP se desenvolve na perspectiva de contribuir, ancorado nos eixos temáticos, no alívio do sofrimento, na valorização pessoal e na formação de vínculos solidários na direção da reinserção dos participantes na sociedade. Ou seja, estimulam a descoberta de que, enquanto cidadãos tornam-se capazes de provocar mudanças em suas vidas e na de seus semelhantes.
Permite, ainda, o acolhimento dos participantes a partir da comunicação de experiências em torno de um eixo temático previamente determinado. A valorização da apropriação de saberes, a reflexão, a aprendizagem e a partilha consolidam-se como condições de possibilidade para a busca da construção de um ambiente de acolhimento, que favoreça o desenvolvimento de vínculos interpessoais em uma rede social de apoio ampla e diversificada, caracterizando um processo de construção coletiva da saúde mental.
Entretanto, observa-se que tanto os efeitos da hospitalização quanto a carência de iniciativas para compensar a falta de uma rede de suporte social e comunitário à pacientes psiquiátricos, agravam ainda mais as discriminações sofridas, pelo afastamento da sociedade e dos familiares.
O desafio nessas situações é aquele em que se constata na incapacidade ou impossibilidade de fazer a “ponte” entre as abordagens terapêuticas desenvolvidas nesses serviços de saúde mental e a comunidade. No primeiro caso, a incapacidade pode estar na razão direta das limitações impostas pelo próprio transtorno mental. No segundo caso, a impossibilidade se materializa pela inexistência de suporte social comunitário nos moldes experimentados durante o tratamento especializado.
Por tal razão, encaminhar o paciente para uma instituição de ensino, de trabalho ou de amparo social sem o cuidadoso preparo podia comprometer todo o sucesso terapêutico alcançado anteriormente, especialmente por se poder desconhecer que poucos são os recursos sociais disponíveis em nosso meio para suprir as necessidades de pacientes com limitações de funcionamento psicossociais (Bettarello et al., 2008).
Como sugestão, estudos de seguimento de pessoas com transtornos mentais que participam de serviços de saúde mental ambulatoriais de base comunitária, de grupos comunitários e de outras modalidades terapêuticas que integram a rede de apoio social devem ser estimulados para o acompanhamento e a avaliação dos efeitos dessas intervenções na inclusão do doente mental em seu meio, já que é sabido que a reinserção social desses pacientes demanda, na maior parte das vezes, um lento e prolongado trabalho, cujos efeitos são mais bem observados 12 a 24 meses após a alta do tratamento.