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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.37 no.2 Montevideo  2021  Epub 01-Dic-2021

https://doi.org/10.5935/2079-312x.20210028 

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Reseña

DANNIEL DA SILVA DE CARVALHO1 
http://orcid.org/0000-0002-9776-6963

1Universidade Federal da Bahia. dannielcarvalho@ufba.br


Matthews (2007: 22) define o léxico como “aquele aspecto da língua, ou da perspectiva do linguista sobre a língua, centrado em palavras individuais ou unidades semelhantes.” Por outro lado, o SIL Glossary of Linguistic Terms descreve o léxico como o conhecimento que o falante nativo tem sobre uma língua. Um grande esforço vem sendo feito, no entanto, para descrever como o léxico, como uma questão psicológica do falante, é mentalmente organizado (Quine 1960, Chomsky 1965, Jackendoff 1972, 1977, 1983, 1992, Jackendoff e Audring 2020, Pustejovsky 1995, entre muitos outros). As contribuições para essa discussão geralmente se concentram nos diferentes aspectos do que constitui o léxico e vêm das mais variadas perspectivas teóricas, desde a virada estruturalista feita pelo modelo da gramática gerativa.

A partir dos anos 1990, a inauguração do programa minimalista do modelo de princípios e parâmetros e as correntes lexicalista-funcionalistas (Wood 1993, Carpenter 1997) reclamam uma atenção ao léxico, idealizado como componente inicial da gramática (Foltran e Wachowicz 2000). James Pustejovsky vem se dedicando a desvendar o funcionamento desse léxico. Pelo menos desde seu The generative lexicon (Pustejovsky 1995) lança luz sobre sua arquitetura, a partir de um léxico "semanticizado", autônomo e que alimenta a derivação sintática. Essa semântica lexical tem como foco o estabelecimento dos tipos lexicais, suas estruturas e sua dinamicidade. Esse mote tem impulsionado os estudos do léxico gerativo desde então.

Assim, com o objetivo de oferecer um material didático sobre esse léxico à comunidade acadêmica, James Pustejovsky e Olga Batiukova apresentam o volume intitulado The Lexicon, na tentativa de proporcionar uma "introdução acessível", passo a passo, ao estudo do léxico como componente independente da gramática. Apesar de um tópico tão difundido na Linguística, como mencionado pelo autor em seu prefácio, este é "o primeiro livro sobre o léxico da série Cambridge Textbooks in Linguistics" (p. xv).

O livro começa com um anúncio sobre a quem o público se destina ("todos interessados ​​em saber mais sobre o léxico e seu design geral" (p. xv)), quais são suas características (cada capítulo contém as seguintes partes: Overview, Summary e Exercises), sua organização ("uma abordagem pedagógica bottom-up" (p. xvii)) e as convenções tipográficas do livro. O livro também oferece ao final um guia de recursos online e um glossário. O volume consiste em onze capítulos, divididos em três partes: Parte I - O Léxico na Teoria Linguística (The Lexicon in Linguistic Theory), contendo três capítulos introdutórios; Parte II - Estrutura Lexical (Lexical Structure), com quatro capítulos discutindo a relação entre o léxico e a estrutura sintática; e Parte III - Léxico como um Sistema (Lexicon as a System), formado por dois capítulos sobre a arquitetura do léxico e seu mapeamento até a sintaxe.

A Introdução é o capítulo de abertura da Parte I, no qual os autores descrevem os conceitos e termos básicos usados ​​no livro. Noções-chaves são introduzidas, como homonímia e polissemia. Em seguida, continua discutindo o que é palavra, passando pela definição de palavra ortográfica, palavra fonológica, palavra de conteúdo (categorias lexicais) e palavra funcional (categorias funcionais), apresentando suas limitações e, finalmente, oferecendo a seguinte definição de palavra: "um par 'forma-significado' (isto é, associação de uma forma e significado acústico ou gráfico) usado na formação de uma sentença em uma língua e intuitivamente reconhecida pelos falantes nativos como a unidade básica da fala significativa" (p. 9). Em seguida, o capítulo também apresenta alguns conceitos metalinguísticos, como lexema, palavra gramatical e entrada lexical, e apresenta a importância dos dados empíricos na pesquisa lexical.

No segundo capítulo, Lexicon and Syntax, Pustejovsky e Batiukova examinam a relação entre o léxico e a sintaxe, que é assumida abertamente a partir de uma visão formalista. É apresentada uma descrição passo a passo do conteúdo das categorias sintáticas, apresentando as relações gramaticais e semânticas mais relevantes, como papéis temáticos e ordem das palavras, respectivamente. Em seguida, os autores apresentam uma série de traços e tipos semânticos, apresentando conceitos semânticos essenciais para a compreensão da seleção lexical. Por exemplo, o conceito de contabilidade é amplamente discutido. O capítulo termina com um vislumbre da possível interação de características lexicais, que geram as diferentes hierarquias tipológicas (Smith-Stark 1974, Grimm 2012).

No terceiro capítulo, “Lexicon in Syntax Frameworks”, Pustejovsky e Batiukova apresentam a maneira como diferentes quadros teóricos tratam as informações lexicais. Os autores enquadram sua excursão desde uma perspectiva de um léxico passivo dirigido por regras sintáticas e semânticas a um ativo, que impulsiona a derivação. Assim, eles apresentam brevemente o estudo do léxico da perspectiva aristotélica clássica ao estruturalista, passam pela perspectiva gerativista inicial até sua abordagem de Princípios e Parâmetros, depois passando pela Head-driven Phrase Structure Grammar(HPSG), e prosseguem com a Gramática Léxico-Funcional, Gramática das Construções, e finaliza sua exposição com a Teoria do Léxico Gerativo, proposta por Pustejovsky na década de 1990.

A Parte I continua com o capítulo quatro, Lexicon and Semantics, no qual Pustejovsky e Batiukova discutem a relação entrelaçada entre os domínios lexical e semântico. Os autores orientam a discussão questionando quanto significado linguístico uma palavra transmite. Assim, o conceito de semântica como o estudo do significado é refinado ao longo do capítulo e apresentado também a partir de diferentes perspectivas, como os modelos representacional e denotacional, retratando diferenças na noção de significados conceituais e conotativos, por exemplo.

A representação do léxico nas diferentes perspectivas sobre semântica é apresentada no capítulo cinco, Lexicon and Semantic Frameworks, que encerra a Parte I do livro. Os autores apresentam ao leitor como abordagens formais, conceituais, cognitivas e prototípicas da semântica lidam com conteúdo lexical.

A Parte II do livro trata da estrutura lexical e começa com o capítulo seis, The Structure of a Lexical Entry. Assim, Pustejovsky e Batiukova iniciam seu debate discutindo o que diferencia o conhecimento linguístico e extralinguístico do falante sobre uma entrada lexical. Tendo os autores apresentado algumas perspectivas teóricas sobre o léxico, eles consideram a entrada lexical a partir dessas abordagens. Assim, eles examinam a entrada lexical na tentativa de capturar sua estrutura, apresentando, portanto, alguns conceitos essenciais à estrutura gramatical. Como resultado, argumentam a favor de quatro estruturas linguísticas principais que permitem a configuração do significado da palavra: estrutura de traços tipificados, estrutura argumental, estrutura de eventos e estrutura qualia.

A Parte II continua com o capítulo sete, Semantic Typing and Decomposition, que explora (de)composicionalidade. Dessa forma, os autores apresentam estratégias diferentes de decomposição lexical e a noção de tipo semântico, concebida como "o tipo de entidade denotada pela entrada lexical" (p. 188), que resulta em hierarquias linguísticas ou ontologias.

O capítulo oito é dedicado ao papel de estrutura argumental, que nomeia o capítulo (Argument Structure), na codificação do impacto predicativo quando associado a itens lexicais. A partir da noção de saturação, o capítulo desenha uma estrutura argumental a partir das diferentes classes lexicais, como verbos, nomes, adjetivos e preposições.

O capítulo nove, intitulado Lexical Aspect, Tense, and Modality, encerra a Parte II. Assim, Pustejovsky e Batiukova continuam no desenvolvimento de uma funcionalidade quase que totalmente semântica do léxico. Ao desenvolver a estrutura de eventos, apresentada no capítulo seis, os autores primeiramente definem evento como uma situação ou acontecimento denotado pelo predicado. Eles fazem isso de uma abordagem fortemente formal, ilustrando com um extenso conjunto de exemplos.

A Parte III completa o livro. Intitulada Lexicon as a System, a parte final apresenta um sistema lexical independente dentro da faculdade da linguagem. Começa com o capítulo dez, General Architecture of the Lexicon, que fornece o conteúdo, a funcionalidade e a organização deste módulo da linguagem humana. Percorrendo algumas das ideias do léxico como um dicionário mental apresentado no capítulo introdutório, Pustejovsky e Batiukova oferecem a estrutura do léxico, que deve conter informações de tipos sintáticos e semânticos, relações léxico-semânticas e uma sintaxe de palavras.

Os autores chamam a atenção, porém, para o escopo dessa arquitetura, que vai além das características específicas da linguagem e vem sendo usada em outras disciplinas para representar outros tipos de conhecimento que não os linguísticos. Assim, eles desenvolvem os papéis das hierarquias do tipo sintático e do tipo semântico na organização lexical, assumindo que a herança lexical (uma associação supertipo-tipo) é o principal princípio na estruturação da informação lexical. Nesse capítulo, os autores também defendem que a composição interna da palavra desempenha um papel essencial na estruturação do vocabulário de uma língua, uma vez que permite ao falante estabelecer uma conexão diferentes formas gramaticais do mesmo lexema e de diferentes lexemas.

O capítulo final da terceira parte é intitulado Compositionality in the Mapping from the Lexicon to Syntax e mostra como itens lexicais individuais são inseridos e integrados ao sistema gramatical na construção de unidades sintáticas e suas representações semânticas. O capítulo começa discutindo o conceito de composicionalidade, revisitando a noção de função na linguística, apresentando alguns fenômenos que aparentemente representam violações da composicionalidade, como polimorfismo sintático, coerção, significado construcional e metonímia.

Assim, Pustejovsky e Batiukova revisam quatro abordagens principais para expressões não composicionais: léxicos enumerativos dos sentidos, mecanismos de ajuste, construções e entradas lexicais subespecíficas combinadas com processos de composição dinâmicos. O capítulo termina com questões pertinentes à integração de itens lexicais em sistemas gramaticais maiores.

O livro é encerrado com uma seção de respostas para os exercícios de cada capítulo (Answers to Selected Exercises), um breve guia de recursos online para pesquisa e consultas sobreo tema (Online Resources) e um glossário, contendo os principais termos especializados utilizados no corpo do texto (Glossary).

A impressão geral do livro é certamente positiva, embora mostre que estudar o léxico não é uma tarefa simples. O livro é um excelente recurso para o entendimento do funcionamento do léxico, embora não seja tão introdutório quanto os autores defendem no Prefácio. Como é mencionado no capítulo introdutório, a literatura linguística carece de um livro que descreva um passo a passo sobre o assunto. Embora tenham sido feitas outras introduções no léxico como módulo mental (por exemplo, Aronoff 1976, Jackendoff 1997, Aitchison 2012), nenhuma delas possui esse formato pedagógico.

Considerando o escopo do livro e seu público, no entanto, definitivamente não é uma introdução para iniciantes sobre o assunto. O leitor deve ter algumas leituras sobre semântica formal e uma boa introdução à gramática gerativa para acompanhar algumas discussões. A terceira parte do livro é especialmente intrincada, exigindo do leitor um conhecimento introdutório ao léxico generativo. Acredito que o livro se beneficiaria da apresentação de um conjunto mais amplo e diverso de exemplos, comparando línguas, por exemplo. No geral, o livro foi pensado para leitores falantes de inglês e não torna seu acompanhamento fácil para falantes de outras línguas.

Aos leitores brasileiros, os livros de Chierchia (2003), Basílio (2004), Cançado (2012) e Cançado e Amaral (2016) são recomendados como leituras auxiliares (ou prévias) para o leitor crédulo na promessa feita pelos autores na apresentação do livro, já apontando anteriormente ("todos interessados ​​em saber mais sobre o léxico e seu design geral" (p. xv)).

Ainda assim, é importante destacar o caráter didático do volume. Pustejovsky e Batiukova esforçam-se em tornar o tema o mais acessível possível, utilizando-se, para isso, do formato de textbook, com exercícios e definição de termos técnicos. E de fato, o volume é o mais extensivamente educacional disponível na literatura. Por exemplo, o empenho dos autores em incluir instrumentos de reflexão em cada capítulo, tais como pontos de discussão e exercícios, auxiliam em tornar a leitura menos árida, sem, entretanto, eximir a complexidade de temas e abordagens que acompanha a discussão.

Em suma, o livro é uma contribuição muito valiosa para o desenvolvimento do estudo do léxico como mecanismo mental e pode suscitar o interesse em ir ainda mais longe na pesquisa de um componente tão instigante da linguagem humana.

Referências bibliográficas

Aitchison, Jean. 2012. Word in the Mind: an Introduction to the Mental Lexicon. London, John Wiley & Sons. [ Links ]

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Cançado, Márcia. 2012. Manual de semântica: noções básicas e exercícios. 3 ed. São Paulo, Contexto . [ Links ]

Cançado, Márcia e Luana Amaral. 2016. Introdução à Semântica Lexical. Papéis temáticos, aspecto lexical e decomposição de predicados. Petrópolis, Vozes. [ Links ]

Chierchia, Genaro. 2003. Semântica. (Trad. de Luis Arthur Pagani, Lígua Negri e Rodolfo Ilari). Campinas, Editora da Unicamp. [ Links ]

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