Introdução
O termo humanização, que vem sendo utilizado há cerca de quarenta anos, envolve desde a atenção comprometida até a introdução do discurso dos direitos do ser humano à assistência holística 1. Ressalta-se que a humanização do parto pode ser entendida como um evento genuinamente natural e humano, com vistas a promover qualidade obstétrica, além de garantir os direitos das parturientes e cuidados assistenciais de forma integral e individual, a fim de contribuir com a dignidade materna do processo de parir 2.
Nas primeiras décadas do século XX, a saúde da mulher foi incorporada às políticas nacionais de saúde, cujos programas implementados voltavam-se para a assistência aos aspectos referentes à gestação e ao parto. Dessa forma, o Ministério da Saúde (MS) lançou as bases programáticas do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que introduziu um novo enfoque nas políticas públicas de saúde, propondo uma abordagem global da saúde da mulher em todas as fases do seu ciclo vital, com o compromisso da implementação de ações de saúde que contribuíssem para a garantia dos direitos humanos das mulheres e que reduzissem a morbimortalidade por causas preveníveis e evitáveis 3.
Sob esse prisma, o Ministério da Saúde criou o Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN) para aprimorar o PAISM, ao enfatizar os direitos da mulher e propor a humanização como estratégia para a melhoria da qualidade da atenção. O PHPN aborda que a principal estratégia para humanizar é acolher bem as gestantes, desde o pré-natal até o momento do parto e do puerpério, com base na humanização da assistência obstétrica e neonatal como condição prioritária para o adequado acompanhamento do parto e do puerpério 4.
Com a institucionalização do parto, a partir do século XX, este passou a ser medicalizado, deixando de ser um processo natural, particular e familiar. É nesse contexto de desapropriação do protagonismo da mulher no momento do parto que surge a necessidade de se humanizar esse momento 1.
Nesse cenário, o Ministério da Saúde, em 2012, lançou o Programa Nacional de Residência em Enfermagem Obstétrica, com o intuito de incentivar instituições de educação superior a formar profissionais de enfermagem especialistas em obstetrícia. Essa ação busca contribuir para a qualificação dos profissionais, de modo a possibilitar a redução das intervenções obstétricas desnecessárias, o que reflete diretamente na melhora da saúde do binômio mãe-filho 5-6.
É de suma importância a qualificação e o comprometimento dos profissionais de saúde, principalmente das enfermeiras obstetras que vão auxiliar diretamente no momento da gestação, do parto, do nascimento e do puerpério, oferecendo apoio e informações necessárias à mãe e à família, de modo a fortalecer a confiança e possibilitar, assim, uma melhora na qualidade da assistência prestada e do vínculo mãe-filho e família 7.
Essa atividade está respaldada pela Resolução COFEN nº 516/2016 que estabelece as competências do Enfermeiro Obstetra, ressaltando um modelo de assistência humanizada, que busque a integralidade do cuidado dentro da Rede de Atenção à Saúde (RAS), centrado na mulher, no parto e nascimento, com a adoção de práticas baseadas em evidências científicas, tais como: oferta de métodos não farmacológicos de alívio da dor, liberdade de posição no parto, preservação da integridade perineal do momento da expulsão do feto; avaliação da evolução do trabalho de parto e as condições maternas e fetais, adotando tecnologias apropriadas na assistência e tomada de decisão, considerando a autonomia e protagonismo da mulher 8.
Por conseguinte, a presença da enfermeira obstetra é tida como ponto importante no processo de humanização do parto, associando-se diretamente ao aumento dos índices de partos normais, à maior utilização de boas práticas na assistência ao parto e à redução das intervenções obstétricas desnecessárias 6.
Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi verificar as possibilidades e os desafios encontrados pelas residentes, para desenvolver a humanização do parto e do nascimento em sua prática assistencial em uma maternidade do Estado de Minas Gerais, onde o Programa Nacional de Residência em enfermagem obstétrica encontra-se implantado.
Método
Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, descritivo, exploratório, com seis enfermeiras egressas de um Programa Nacional de Residência em Enfermagem Obstétrica que atuaram em uma maternidade de um município de Minas Gerais. Optou-se por pesquisar esses sujeitos, uma vez que compuseram a totalidade de uma turma matriculada no referido programa.
As residentes foram convidadas a participar do estudo, sendo orientadas quanto à pesquisa e aos seus objetivos, sendo, posteriormente, solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre esclarecido (TCLE) para iniciar a coleta de dados. Em seguida, utilizou-se a entrevista semiestruturada, que foi gravada e transcrita posteriormente. Essa entrevista foi dirigida por um roteiro, no qual constam informações do perfil do pesquisado e uma questão norteadora, sendo aplicada no período de maio a julho, atentando para a compreensão das informações das respondentes, bem como para com o ambiente, de modo a facilitar a disponibilidade das informações.
No processo de organização e de análise dos dados, todas as entrevistadas foram identificadas com codinomes de flores, escolhidos pelas próprias participantes, garantindo-se, assim, o anonimato da população estudada.
O material empírico foi transcrito de forma fidedigna e, posteriormente, submetido à Análise de Conteúdo de Bardin, sendo adotados os seguintes passos: 1. pré-análise; 2. exploração do material e 3. tratamento dos resultados, categorização e interpretação 9. A primeira fase destinou-se à organização e à sistematização dos dados coletados e das ideias, fazendo o que Bardin chama de “leitura flutuante”, por meio da qual destacaram-se os pontos considerados relevantes para a compreensão do objeto pesquisado.
Posteriormente, procedeu-se à descrição analítica dos dados, destacando-se as partes relevantes da coleta. Realizou-se, assim, um estudo mais acurado das entrevistas, articulando-as com os objetivos e com o referencial teórico das políticas de humanização ao parto e puerpério do Ministério da Saúde e Organização Mundial de Saúde, constituído para a pesquisa. Nesse momento, estabeleceram-se os eixos de análise. No terceiro momento, chamado de interpretação, realizou-se a análise dos dados, para buscar o aprofundamento do tema pesquisado e definir quais falas nas entrevistas das residentes puderam ser interpretadas segundo os eixos de análise já estabelecidos.
Dessa forma, realizaram-se leituras sucessivas do material produzido. As entrevistas foram codificadas e analisadas de acordo com os seguintes passos: leitura flutuante de cada uma das respostas e ordenação destas; interpretação vertical (interpretação situada de cada residente) e horizontal (comparações e contrastes entre os dados coletados das residentes) e análise final. Os dados obtidos foram discutidos entre si e confrontados com a literatura.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alfenas, conforme parecer nº 975.752.
Resultados
Realizada a caracterização das residentes entrevistadas, foi possível perceber que estas se encontravam na faixa etária adulta, entre 25 e 47 anos de idade, prevalecendo a faixa de 25 a 27 anos. Com relação ao tempo em que atuam na Enfermagem, obteve-se um predomínio de três a quatro anos, tratando-se, portanto, de residentes recém-formadas, enquanto apenas uma, com mais experiência, atua há 18 anos. Quanto ao tempo de serviço em obstetrícia, constatou-se que duas atuaram somente durante a residência, ou seja, durante dois anos, e quatro residentes atuam há mais de dois anos. Ao regime de trabalho, duas trabalham com escala de plantão de 12/36 horas; uma exerce por 26 horas semanais e outra exerce a docência como professora horista em uma faculdade de enfermagem na área de saúde da mulher; quanto às duas últimas, uma não trabalha no momento e a outra se encontra matriculada em um Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - nível mestrado na área de Enfermagem Materno Infantil.
Ao considerar o tópico “especialização”, aferiu-se que quatro delas não realizaram especialização e duas profissionais concluíram cursos de especialização de 360 horas, nas áreas de Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área da Saúde: Enfermagem e Urgência e Emergência Hospitalar. Cumpre assinalar que, no contingente daquelas que não concluíram a especialização, duas estão cursando o mestrado acadêmico em Enfermagem. Sobre os vínculos empregatícios, três possuem apenas um vínculo, as quais são contratadas pelas instituições de saúde sob o regime da Consolidação das Leis Trabalhista (CLT); e três não possuem nenhum, haja vista não estarem inseridas no mercado de trabalho.
Sobre o tipo de Instituição onde atuam, duas trabalham em privadas com fins lucrativos e uma, em filantrópica; da mesma forma, o questionamento não se aplica às demais, visto que não trabalham em instituição de saúde. Dentre as três que apresentam vínculo empregatício, apenas uma dedica 26 horas às atividades de docência. Verifica-se, portanto, uma população exclusivamente feminina, com apenas uma das entrevistadas trazendo para a residência experiência na área.
Destaca-se que a análise dos dados empíricos, com vistas a expressar de forma mais veemente as falas das entrevistadas, assegurar a compreensão dos elementos constituintes a partir de suas falas, bem como facilitar a disponibilidade de informações, fez emergir duas categorias temáticas, a saber: “Possibilidades desveladas pelas residentes em Enfermagem Obstétrica para a implementação da humanização do parto e do puerpério” e “Desafios apontados pelas residentes em Enfermagem para a humanização do cuidado ao parto e ao puerpério”.
Categoria I: Possibilidades desveladas pelas residentes em Enfermagem Obstétrica para a implementação da humanização do parto e do puerpério”
Nessa categoria, as reflexões das residentes reconheciam como pontos positivos: o apoio da coordenação e da tutoria do curso de residência obstétrica; o relacionamento interpessoal claro e objetivo com toda a equipe multiprofissional; a estrutura física da Instituição; os recursos adequados; e a receptividade da parturiente à atenção obstétrica humanizada.
Apoio da coordenação e da tutoria do curso de residência obstétrica:
“Achei como possibilidade, por parte da tutora, da coordenadora do curso de residência, o que elas puderam fazer para facilitar para nós, defender, acolher e nos ajudar(...). Então, aqui na Universidade, elas se desdobraram para fazer da residência a melhor residência, foi maravilhoso, foi nota mil. A gente teve facilidade, sim, eu vejo de forma muito positiva” (Margarida).
“(...)da tutoria que estava muito perto, quando a gente precisava, tinha a Universidade que estava muito perto para buscar (...) E uma facilidade grande para humanização foi um incentivo da Universidade em relação a isso, do curso em si, da humanização” (Lírio).
Relacionamento interpessoal claro e objetivo com toda a equipe multiprofissional:
“(...) parcerias com as enfermeiras e alguns médicos que deram muito autonomia e abertura para gente” (Rosa).
“A gente logo de início teve uma facilidade, uma parceria com um médico específico, ele desde o início nos estimulou bastante a acompanhar os partos, como ele tinha muita paciente, a gente sempre conseguia adquirir uma experiência muito boa. A interação com a equipe de enfermagem e mesmo com a equipe médica sempre foi boa, então eu acho que isso facilitou pra gente se ambientar e ir crescendo ali dentro” (Orquídea).
“Durante todo período de residência, tínhamos uma enfermeira obstetra que era nossa preceptora, então ela tinha uma visão diferenciada do profissional médico, que era muito intervencionista, enxergava o processo do parto de forma patológica, nós enxergamos de maneira fisiológica e mais natural. Nós tínhamos a enfermeira obstetra como aliada e isso eu acho um ponto positivo que facilitava o nosso atendimento” (Violeta).
Estrutura física da Instituição:
“As potencialidades que eu encontrei em relação à estrutura foram boas(...) (Margarida).
“(...) A estrutura física da Instituição é maravilhosa, principalmente agora depois da reforma, então isso facilitava muito o nosso atendimento e cuidados mais humanizados, porque se você tem um espaço físico que te ajude, também facilita no cuidado” (Violeta).
Recursos adequados:
“As potencialidades que encontrei foi o material, eu acho que não é preciso muito para a humanização do parto, precisamos mais da bola, sendo o recurso mais caro que a gente teve(...)” (Rosa).
Receptividade da parturiente à atenção obstétrica humanizada:
“(...) A aceitação das parturientes, elas tinham muito desejo de aceitar aquilo que a gente estava propondo, viam que fazia efeito, que o cuidado humanizado e o respeito eram diferentes e novos, elas aceitavam de uma maneira positiva” (Bromélia).
“Outra facilidade que a gente pode citar é que a cultura está mudando, a população está aceitando um pouquinho mais, está difícil ainda, mas aqui estamos com uma abertura grande em relação a isso (..)” (Lírio).
Categoria II: Desafios apontados pelas residentes em Enfermagem para a humanização do cuidado ao parto e do puerpério
Em conformidade com o que foi investigado pelas participantes acerca dos desafios para a implementação da humanização do parto e do puerpério, identificou-se que as residentes reconheciam como pontos negativos: a conquista do ambiente; a resistência por parte da equipe multiprofissional e dos pacientes; as normas institucionais; e a cultura intervencionista.
Conquista do ambiente:
“O primeiro desafio, falando da Instituição, foi que encontramos uma resistência grande no início, mas que foi melhorando depois (...) resistência por parte das próprias enfermeiras, elas estranharam um pouco a nossa presença no início” (Margarida).
“(...) como não fazia parte da cultura, como não existia essa questão de humanização inserida na conduta dos próprios médicos, dos próprios enfermeiros a gente teve um pouco de dificuldade de instituir um método não farmacológico, até mesmo de oferecer às mulheres porque eram vistos como desnecessários pelos profissionais e por elas próprias, porque não era rotina daquele lugar” (Bromélia).
“Nós tivemos muita dificuldade com os profissionais médicos de não aceitarem a nossa atuação dentro do serviço, não entenderam a importância do enfermeiro obstetra dentro do serviço, o que acabava dificultando o atendimento mais humanizado, mas mesmo assim a gente tentava prestar um atendimento mais humanizado(...) muitas vezes fomos retiradas da sala de trabalho de parto ou então do puerpério pelo fato da nossa assistência ser humanizada e o médico não concordar com isso” (Violeta).
(...) eu acho que temos que aceitar que o problema da humanização é o próprio profissional, ele dificulta essa humanização, que bloqueia” (Lírio).
Resistência por parte da equipe multiprofissional e dos pacientes:
“(...) infelizmente, não tivemos a colaboração de todas as enfermeiras que a gente encontrou (...) elas eram responsáveis por nós, a gente não conseguia às vezes realizar algumas coisas, por não ter essa abertura da própria enfermeira, então se ela não liberava, não conseguíamos fazer os procedimentos e dar a assistência devida” (Rosa).
“(...) principalmente a coordenadora do setor, ela mostrou uma resistência clara, a gente era bem-vinda, mas ela deixou claro que ali tinha um limite (...) com as outras preceptoras a gente pôde atuar e já com ela não, a gente só observava” (Margarida).
“(...) no final foi muito ruim, a preceptora deixou claro e nítido, não sei se é porque estava no final, que nós não iríamos fazer nada sem ela perto, sem ela ter feito primeiro. Teve uma situação que eu fui dar banho no RN, aquele banho humanizado que você coloca o bebê todo embrulhadinho na água e vai desembrulhando devagar, eu fiz essa técnica maravilhosamente bem e pelo fato de eu não ter falado com ela antes ou dela não ter visto, ela me bloqueou, disse: não, não vai fazer mais (...)” (Margarida).
“Outro desafio que encontramos para prestarmos um cuidado mais humanizado foi muitas vezes da própria enfermeira obstetra, que em um dado momento, tudo que tínhamos alcançado para avançar nos cuidados, nós retrocedemos (...) então foram muitos cuidados que fomos impedidas de realizar e aquilo que estava dando certo, nós fomos impedidas de estar avançando nos nossos cuidados” (Violeta).
“Então eu vejo que, a meu ver, foi imaturidade de alguns profissionais porque o nosso cuidado começou a se destacar, então eu senti uma insegurança, um medo do profissional que estava lá, que talvez esse diferencial nosso, com relação aos cuidados humanizados que estávamos prestando, pudesse interferir no trabalho deles ou alguma coisa desse tipo. Então, por causa de uma enfermeira obstetra específica, ela fez a gente voltar anos luz, tudo o que tínhamos avançado, ela fez a gente retroceder tudo de novo e ainda voltou pior” (Violeta).
“(...) quanto dos próprios pacientes, que eles nos veem como estudantes, então eles falam assim: você está aprendendo em mim, eu sou sua cobaia?” (Rosa).
Normas institucionais:
“Um outro desafio que nós tivemos foi com as próprias regras do hospital (...)” (Margarida).
“Os desafios eu acredito que foi o próprio sistema da maternidade onde a gente passou” (Bromélia).
“Os desafios eram em relação à rotina do hospital, as normas da instituição” (Orquídea).
Cultura intervencionista:
“Um outro desafio também foi a cultura, uma cultura intervencionista, na qual o pessoal acha que a anestesia e o pós-cesárea é menos pior do que a dor de parto, tratando-se da obstetrícia. A dificuldade vem da cultura intervencionista que temos vivido depois da década de 70/80. E uma outra grande dificuldade também é a falta de incentivo, de que isso tem que mudar, já citei como a residência foi um incentivo disso, mas eu acho que ainda falta um pouco de incentivo para mudar essa realidade brasileira, a cultura de que o povo não aceita essa humanização. Quando falamos em humanização, as pessoas acreditam que seja um parto domiciliar ou um parto na água e não um atendimento, não sabem diferenciar que uma cesárea pode ser humanizada, por exemplo. Então eu acredito que seja mais na ignorância mesmo na população em si, não por maldade, mas por falta de conhecimento que gera esses desafios maiores e, se o profissional adquirir esse papel de humanização, ele deve exercer então a humanização” (Margarida).
Discussão
A humanização refere-se ao processo que se inicia no pré-parto, com ações voltadas ao recém-nascido, à parturiente e ao acompanhante, desenvolvidas por uma equipe multiprofissional 10.
No que tange ao “apoio da coordenação e da tutoria do curso de residência obstétrica às residentes”, verificou-se que estas apontaram este apoio como importante auxílio para a implementação de uma assistência mais humanizada e de maneira qualificada. Essas residentes consideram, ainda, que o curso proporcionou uma base de conhecimentos teórico-práticos satisfatórios, que conferiram competências e habilidades necessárias para o exercício profissional com excelência e com segurança.
Nessa perspectiva, pode-se apreender o quão são essenciais o apoio e o incentivo de um curso de residência em obstetrícia para, por meio do conhecimento e da prática, fazer com que a humanização dos cuidados no ciclo gravídico-puerperal se torne uma realidade. Esses achados também foram encontrados em um estudo 11, por meio do qual as egressas elucidaram que a residência possibilitou a obtenção de grande aporte de experiências práticas, revelando-se um componente de extrema magnitude para a percepção de segurança para o exercício da especialidade, sobretudo, na assistência ao parto normal.
Quanto ao “relacionamento interpessoal claro e objetivo com toda a equipe multiprofissional”, é notório nas falas das residentes a valoração da parceria que estabeleceram com a equipe multiprofissional, em destaque com o profissional médico, o que promove, dessa forma, sua autonomia, na medida que tiveram uma maior abertura para assumir os partos junto a estes profissionais, o que auxiliou na aquisição de experiências.
Também foi bastante elucidativo o apoio das enfermeiras preceptoras dos serviços de saúde, as quais conseguiram introduzir as residentes no serviço, que apresentaram um olhar diferenciado dos demais profissionais, sendo menos intervencionista, mais fisiológico e natural, favorecendo, assim, a prática humanizada e holística à gestante/parturiente/puérpera.
Conforme aponta a pesquisa, para que a assistência prestada seja eficaz, faz-se necessário que o profissional da enfermagem mantenha relacionamento interpessoal claro e objetivo com toda a equipe multiprofissional, uma vez que o enfermeiro está em constante contato com os cuidados do cliente e, assim, ligado aos outros serviços de saúde. Além disso, o formato multiprofissional tem a possibilidade de alcançar a promoção da saúde de maneira mais qualificada 12. Essas informações vão ao encontro dos resultados de um estudo, o qual demonstra que o trabalho em equipe multiprofissional e interdisciplinar promove a apreensão dos vastos conhecimentos e práticas, por meio dos quais, as ações se convergem e possibilitam o trabalho em equipe 13. Nessa direção, as ações integrais na assistência obstétrica presumem a participação ativa de seus membros e a conjunção dos conhecimentos de cada área do saber, na execução de projetos conjuntos que visem melhorar a qualidade da assistência realizada no parto e no puerpério.
Ressalta-se, ainda, que os depoimentos elencados pelas residentes, nessa categoria, corroboram uma pesquisa, na qual os participantes destacaram que a residência possibilitou obter novos conhecimentos acerca de outras áreas e permitiu atender à paciente de forma integral, por meio do trabalho multiprofissional 14.
Conforme observado nas falas das residentes, estas apontaram como um facilitador a atuação dos preceptores, que são profissionais responsáveis pelo acompanhamento do desempenho do residente em suas atividades teórico-práticas. Dessa forma, possuem importância singular na inserção do residente nos campos de prática, sendo os mediadores das relações, dos conflitos e dos embates existentes. As residentes destacaram que a presença da preceptora no campo de estágio foi extremamente importante para gerar autonomia e para promover uma prática assistencial segura.
Dessa forma, o preceptor precisa ser protagonista, em razão do compartilhamento da responsabilidade na formação dos residentes. Nesse contexto, a fundamentação pedagógica e científica oferecida pelos preceptores é imprescindível para que os residentes possam aplicar seus saberes nos cenários de prática, modificando-se, assim, o ambiente do cuidado em um espaço de múltiplas aprendizagens 15.
Outra pesquisa evidencia que, além disso, a supervisão dos discentes que estão em formação nas unidades onde eles exercem suas atividades laborais colabora para a intensificação do trabalho desses especialistas, inferindo ser um aspecto relacionado à própria expansão dos programas de qualificação em Enfermagem Obstétrica nas maternidades públicas. Em consequência ao estímulo induzido pelas políticas de saúde e de educação permanente no SUS, ressalta-se que é de suma importância o compartilhamento do ensinar e do aprender, a partir de reflexões sobre a prática, da troca de experiências e da re (construção) do conhecimento nos cenários da atenção à saúde 16.
Outra possibilidade elucidada pelas residentes diz respeito à estrutura física da instituição, destacando que esta auxiliava a desempenhar, de maneira exitosa, os cuidados de assistência humanizados. Corroborando tal perspectiva, estudo 17 destaca que uma infraestrutura adequada se faz necessária para transformar o espaço hospitalar num ambiente mais acolhedor e favorável à implantação de práticas humanizadas da assistência, o que possibilita uma melhor experiência para a mulher, como a sala de relaxamento.
Ainda em relação à infraestrutura, uma residente elencou como facilidade a disponibilidade de “recursos na Instituição”, haja vista que não se precisa de muitos insumos para realizar os cuidados na assistência humanizada; somente se faz necessário que a Instituição se organize para tal e ofereça o mínimo indispensável para uma assistência de qualidade.
Esses achados vão de encontro àqueles observados na pesquisa a qual verificou que 40% das mulheres relataram falta de materiais durante a internação, principalmente itens de uso pessoal, como roupa de cama e camisola 18.
Por fim, outra possibilidade mencionada pelas residentes foi a “receptividade das pacientes à atenção obstétrica humanizada”, visto que a forma como estas promoviam a assistência, de maneira respeitosa, era aceita de modo totalmente positivo pelas pacientes.
Em um estudo desenvolvido, com o objetivo de analisar a assistência oferecida por enfermeiras obstetras durante o trabalho de parto e parto sob a ótica da puérpera, um adjetivo destacado pelas puérperas ao profissional enfermeiro foi o companheirismo frente à dor no momento do parto 19. Pesquisa evidencia que o parto é uma experiência dolorosa e difícil, enraizada culturalmente pelo medo e por aspectos psicoemocionais negativos. Sendo assim, é indispensável a atuação desse profissional 20. Adicionalmente, estudo desenvolvido em Espinosa, Minas Gerais, Brasil, evidenciou satisfação das puérperas quanto à assistência respeitosa e segura, com escuta qualificada, orientação efetiva e cuidados corporais desenvolvidos pelos profissionais da enfermagem 21.
Nesse contexto, destaca-se que a essência do cuidado de enfermagem durante o parto na perspectiva da humanização, consolidado no conhecimento técnico-científico, deva ser efetivo e solidário, permeado pelo respeito, pelo acolhimento, pela valorização e pela individualidade da paciente, com escuta qualificada de seus problemas de saúde, sempre com uma resposta positiva e com a responsabilização pela solução do seu problema, o que proporciona um atendimento seguro.
Diante de tais ponderações, apreende-se que as possibilidades supracitadas fizeram com que as residentes conquistassem seu espaço na maternidade, criando, assim, autonomia e, consequentemente, evolução, atendendo às expectativas de uma formação de qualidade na área da enfermagem obstétrica.
Dentre os desafios apontados pelas residentes, destacam-se o de conquistar o ambiente da assistência e a resistência por parte da equipe multiprofissional. Essa realidade foi intensificada no início da residência, em virtude da grande resistência dos profissionais para instalar os métodos não farmacológicos para o alívio da dor, uma vez que estes eram vistos como desnecessários dentro da rotina na maternidade. Como citado por uma participante do estudo, a rotina dos demais profissionais era diferente do que as residentes acreditavam que seria o ideal para a assistência humanizada.
A resistência por parte de alguns profissionais, sobretudo, de médicos, foram averiguadas em estudos 22-23, constatando-se que estes não permitem a realização de boas práticas devido à presença de seus conceitos, valores, crenças, compatíveis com sua formação, ainda intervindo com ações desnecessárias.
Sob esse prisma, observa-se uma falta de entrosamento e até de entendimento entre a equipe de saúde multiprofissional e se compreende que o modelo biomédico ainda predomina, com uso de intervenções desnecessárias, o que dificulta o trabalho dos enfermeiros e retira a possibilidade de exercer sua autonomia perante o parto, com as boas práticas. Todavia, percebe-se que isso não é constante, dependendo da equipe médica, sendo necessário manter o respeito, com o escopo de se ter um ambiente de trabalho tranquilo e propício para se implementar a humanização da assistência 24.
Essa resistência também foi apontada por algumas residentes em relação a uma preceptora, a qual deixava nítido que existia um limite entre preceptor-residente, e que muitas vezes não as liberava para praticar os cuidados humanizados. Em uma das falas, a residente mostra sua indignação do quanto elas foram impedidas de avançar em seus cuidados, apesar de estarem alcançando resultados positivos. Isso aponta que tal atitude acaba prejudicando o aprendizado contínuo da assistência humanizada, o que impossibilita de se poder chegar ao objetivo final: a evolução da atenção obstétrica humanizada.
Uma das residentes, por meio de seus relatos, alega que certa vez realizou a técnica do banho humanizado no RN. Pela falta de comunicação, a preceptora impediu a residente de realizar outras vezes a técnica, havendo assim prejuízo para a Instituição, para os RNs e para as mães, que não poderiam mais receber esta assistência humanizada, que, de acordo com a literatura, é considerada a mais indicada no cuidado ao RN de baixo peso 25.
Em relação a esse depoimento, um estudo 12 traz à tona que há conflitos de interesses bastante evidentes no âmbito da Residência, uma vez que os discentes se encontram no programa para desenvolver habilidades técnicas mais elaboradas e a instituição de saúde relaciona o residente como um profissional efetivo, tendo este que ser submisso aos preceptores, às normas e às rotinas, o que, desse modo, impede, muitas vezes, de se poder aplicar a assistência humanizada.
Pôde-se perceber pelos depoimentos a existência de conflitos entre preceptora-residentes, devido à insegurança de que os cuidados humanizados tivessem um resultado diferencial, e assim interferissem no trabalho e na rotina da maternidade, com consequência, o impedimento da implementação das práticas humanizadas.
Esses achados corroboram a pesquisa 12, na medida em que referem que os conflitos existem, uma vez que as pessoas apresentam diferenças em seus valores, interesses e afetos particulares. Adicionalmente, a enfermagem apresenta-se num contexto hierarquizado, no qual, muitas vezes, há abuso de poder. Sendo assim, o enfermeiro deve saber liderar uma equipe e delegar atribuições.
Faz-se mister apontar que essa resistência também ocorreu por parte de algumas pacientes, no sentido de que o ato de ser residente e de estar em formação, acaba gerando um certo receio na mulher que recebe o cuidado, pelo fato de correr o risco de um possível erro que faz parte do processo de aprendizagem.
Entretanto, estudo 25 chama a atenção para a formação por meio do programa de residência, que contribui, significativamente, para a sedimentação de conhecimentos adquiridos na graduação e possibilita o crescimento do profissional na articulação entre os conceitos teóricos aprendidos e sua empregabilidade no cotidiano da prática.
Por conseguinte, os profissionais formados por residências obstétricas possuem condições críticas ampliadas, o que permite uma atuação diferenciada na busca pela integralidade da assistência, seja na formação de outros profissionais em atividades de docência, seja na prática profissional.
Também foram apontados pelas residentes os desafios com as normas da Instituição, as quais as impediam de aplicar as práticas humanizadas, em função de uma cultura que lá estava implantada.
Diante desse desafio, percebe-se que os programas de residência têm sido utilizados de forma errônea pelas instituições de saúde, como forma de suprir os recursos humanos, fazendo com que o enfermeiro residente seja mais um profissional previsto na escala de serviço 12, ou seja, este tem que ser submisso às normas, sem poder colocar em prática seus conhecimentos humanizados, haja vista que, ao empregar tais conhecimentos, estaria fora do contexto das regras institucionais.
Por fim, a cultura intervencionista, a partir da qual as mulheres são submetidas a intervenções desnecessárias, também foi apontada como um desafio, uma vez que se destacam diversos mitos em relação ao processo de parto-nascimento, passados de geração em geração, tais como: o medo da dor no parto; a destruição do canal vaginal (o que impediria as mulheres de terem relações sexuais prazerosas); o incentivo à realização da episiotomia ou o parto cirúrgico; e o medo de morrer no parto.
As pessoas acham cômodo ir para as Instituições de saúde e se submeter ao modelo biomédico, apesar de toda argumentação sobre a humanização, pois a predominância da técnica e da cultura sobre procedimentos são tidos como normais. Ainda falta conhecimento por parte da população sobre as políticas de humanização no ciclo gravídico-puerperal, o que gera uma dificuldade também pela falta de divulgação, pois desse modo não há incentivo para a promoção das práticas humanizadas.
O presente estudo apresenta como limitações não poder fazer generalizações em relação aos dados obtidos a partir dos relatos dos residentes participantes da pesquisa, visto que se trata de uma experiência específica. Diante disso, sugere-se a condução de novos estudos sobre a temática, com populações maiores e com outros delineamentos, com vistas a se buscar a implementação de estratégias de assistência à mulher, com a finalidade de melhorar o cuidado, como um processo alicerçado na humanização.
Considerações Finais
Fica evidente a importância do Programa Nacional de Residência em Enfermagem Obstétrica nas maternidades do serviço público de saúde, visto que a enfermagem obstétrica é de suma importância para se propagar a humanização no cuidado à gestante/parturiente/puérpera, a fim de se propiciar um atendimento de qualidade, satisfatório e holístico.
Percebe-se que as residentes em enfermagem obstétrica ainda necessitam conquistar seus espaços nas maternidades de maneira mais enfática, a fim de se possibilitar maior autonomia, com vistas a se colocar em prática a implementação de novas estratégias fundamentadas na humanização do cuidado.