Introdução
A escolarização é uma fase de mudanças e impõe um processo de adaptação à criança e ao adolescente, seus pais e professores, englobando questões como um novo ambiente, rotina, alimentação e vínculos novos. 1 As experiências no mundo da escola geram situações, hábitos e rotinas determinadas pelo espaço em que as pessoas estão inseridas, colocando-as em lugares socialmente determinados, sendo esse um momento de grandes transformações, especialmente individuais.1 Essas adaptações ganham potencialidade quando associadas à necessidade de conviver com uma doença crônica.
As doenças crônicas são aquelas de causas diversas que, inicialmente, ocorrem de forma gradual e possuem extensa ou indeterminada duração. Dizem respeito a adaptar-se às mudanças que ocorrem ao longo da vida e a períodos de agudização, que dificultam a realização de atividades cotidianas. Essas demandam intervenções clínicas e mudanças nos hábitos de vida, 2 além de um remanejamento familiar para conciliar as necessidades do membro da família com a doença crônica, refletindo nas esferas social, econômica e física.3
Entende-se que a escola é um espaço no qual o desenvolvimento das pessoas tende a ser fomentado, de forma a incentivar sua autonomia. Nesse contexto, inúmeros são os desafios aos quais os professores, familiares e alunos estão expostos na educação, sobretudo, inclusiva. A carência de materiais, infraestrutura, recursos humanos, vinculação de uma rede de apoio efetiva nesse contexto, 4 abstinência escolar, aspectos socioeconômicos, falta de informações sobre a doença, carência de conhecimento dos profissionais para lidar com a situação e a necessidade de assumir funções para as quais não estão preparados, são exemplos. (5-7
A capacidade de se fazer presente e obter um bom desempenho no âmbito escolar estão associados às condições de saúde da pessoa. Esses mostram-se divergente entre os alunos que possuem uma necessidade em saúde e os demais, podendo ser minimizados com a presença ativa dos alunos em âmbito escolar, a qual também sofre alteração devido à necessidade de se ausentar deste espaço para a assistência à saúde, que pode se dar por curtos ou longos períodos. 6
Esses alunos enfrentam uma rotina complexa, sobretudo, quando adjunta a uma necessidade especial de educação (NEE). Para isso, é preciso considerar três dimensões: o contexto educacional escolar, englobando instituição escolar e a ação pedagógica; o aluno, considerando nível de desenvolvimento e condições pessoais; e a família, tendo em vista as características do ambiente e o convívio familiar. 8 Entende-se que todas as questões elencadas são corresponsáveis no aprendizado e na escolarização do aluno.
O vínculo estabelecido entre pais e professores apresenta resultado positivo no que diz respeito ao auxílio nesse processo de escolarização, visando o bem-estar da criança ou do adolescente. Ainda, a relação com os profissionais da saúde, assim como das esferas entre si, reflete em suas experiências diárias, visto a importância das ações de cada um sobre sua vida. 3 Apesar disso, o elo entre os âmbitos saúde e educação ainda sofre resistência em seu desenvolvimento, mesmo que o objetivo de ambos, com esses alunos, seja o mesmo. 6
Além disso, essa condição evidencia situações de vulnerabilidades capazes de dificultar o processo de escolarização. Em uma visão de que a vulnerabilidade não se define unicamente como um estado proveniente e aceitável do ser humano, mas também envolve circunstâncias individuais e, especialmente, coletivas. 9
A vulnerabilidade individual, se refere ao entendimento da pessoa acerca da problemática, de maneira que possa adotar medidas protetoras e preventivas a partir do gerenciamento desse conhecimento; a vulnerabilidade social, engloba os aspectos referentes a capacidade de obter informações e acessos a serviços, envolvendo questões de gênero, étnico/raciais, econômicas, crenças religiosas, entre outros; e vulnerabilidade programática, também chamada de institucional, envolve políticas públicas, condutas assumidas para minimizar ou evitar agravos à saúde aos quais essas pessoas possam estar expostas, incluindo as formas de acesso que são ofertadas à população para usufruir dessas medidas, facilitando ou limitando esse. 10
Considera-se, também, as adversidades e limitações frente às políticas públicas, de saúde e sociais, sendo necessário efetivar medidas preventivas, protetivas e proativas, 11 tendo em vista os desafios diários enfrentados por crianças e adolescentes com doenças crônicas e, portanto, necessidades especiais de saúde, juntamente com as famílias e os profissionais da educação, no que diz respeito ao contexto escolar.
Essas situações de vulnerabilidades encontram-se atreladas a facilidades e dificuldades emergentes do processo de saúde e de doença, portanto é fundamental identificar tais situações de vulnerabilidade auxilia na forma com que essa realidade possa ser discutida e nas ações a serem desenvolvidas para minimizá-las. Com base no exposto, elaborou-se a seguinte questão de pesquisa: Qual a perspectiva dos profissionais de educação acerca das vulnerabilidades experienciadas no processo de escolarização de crianças e adolescentes com doenças crônicas?
Método
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, embasada na perspectiva compreensiva, utilizando o marco conceitual da vulnerabilidade conforme Ayres. 12 Esta pesquisa faz parte da pesquisa multicêntrica intitulada “Vulnerabilidades da criança e do adolescente com doença crônica: cuidado em rede de atenção à saúde”, a qual foi realizada de modo concomitante em outros municípios do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Os dados aqui apresentados referem-se a coleta feita na cidade de Pelotas, RS. Por se tratar de um estudo qualitativo, sua elaboração procurou atender ao checklist de recomendações dos Critérios Consolidados de Relato de Pesquisa Qualitativa (COREQ). 13
Participaram do estudo profissionais da educação que, em seu cotidiano, atendiam crianças ou adolescentes com doença crônica. Esses foram indicados pelas famílias de crianças e adolescentes que fizeram parte da coleta realizada na primeira etapa da pesquisa, ocorrida no âmbito hospitalar, em que se buscou crianças e adolescentes com doenças crônicas que estiveram hospitalizados em todos os hospitais com internação pediátrica, no município do estudo. Portanto, a partir da identificação dessas crianças e desses adolescentes foi feito contato com as famílias, inserindo-se na pesquisa as que concordaram em participar da etapa qualitativa, e, assim, com as informações fornecidas por essas famílias, contatou-se os profissionais de educação de referência indicados por elas.
O primeiro contato com esses profissionais foi realizado por ligação telefônica, explanado sobre os objetivos e a dinâmica da pesquisa, convidando-os a participarem. Após o aceite dos participantes realizou-se o agendamento da entrevista em âmbito escolar, tendo a mesma ocorrido, presencialmente no segundo semestre de 2019, após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Dezessete profissionais da educação foram contatados para participar da pesquisa, sendo que dois destes representavam os educadores/cuidadores da mesma criança. Dos 17 contatados 15 concordaram em contribuir com a pesquisa e dois recusaram. Os profissionais pertenciam a dez escolas distintas e foram identificados da seguinte forma “PE” (Profissional da educação) e um número sequencial, a fim de preservar o seu anonimato, por exemplo, “PE1”. No caso em que dois profissionais representam os educadores da mesma criança a identificação agregou as letras “a” ou “b” junto ao número de identificação, de forma a diferenciar suas falas: “PE8a” e “PE8b”.
Os dados foram obtidos por meio de uma entrevista semiestruturada com gravação de áudio em aparelho celular, tiveram duração média de 30 minutos e, posteriormente, foi realizada a transcrição integral (manual), com dupla checagem (verificação da transcrição por outra pessoa). As entrevistas foram realizadas por duas acadêmicas de enfermagem, bolsistas de iniciação científica, previamente capacitadas para coleta por duas docentes da Universidade Federal de Pelotas, pesquisadoras com orientações de monografias, dissertações e teses, bem como publicações científicas na temática. As coletas ocorreram em sala privativa de cada escola, em que o professor participante atuava. As entrevistas tinham questões referentes ao perfil dos participantes e mais duas perguntas abertas, a saber: Quais as facilidades e dificuldades que você encontra no que se refere ao cuidado à saúde da(o) criança/adolescente com doença crônica na escola? Quais as redes de apoio que os profissionais da escola necessitam para o acompanhamento a criança/adolescente com doença crônica na escola?
Os áudios e suas transcrições foram armazenados em arquivos digitais, em computador pertencente às docentes orientadoras e serão mantidos por um período de cinco anos, para dirimir quaisquer dúvidas quanto ao conteúdo das entrevistas.
A análise dos dados ocorreu de forma dedutiva, utilizando a análise de conteúdo dirigida, 14 que é orientada por um processo estruturado embasado em uma teoria ou concepção teórica existente. A partir dessa concepção, são elaborados conceitos-chave ou variáveis como categorias de codificação iniciais, na sequência são elaboradas definições operacionais para cada categoria de acordo com a teoria ou concepção adotada. A concepção teórica adotada para guiar a análise dos resultados neste estudo foi o quadro da vulnerabilidade e de direitos humanos proposto por Ayres 12 e colaboradores, que busca compreender os fatores individuais e coletivos conexos a maior suscetibilidade ao adoecimento ou agravo, bem como utilizar recursos para sua proteção em seus três eixos: individual, social e programática. 10,12
O projeto foi submetido à plataforma Brasil e aprovado pelo CAEE 54517016.6.1001.5327, sob o parecer 1.523.198. Além disso, respeitou-se os preceitos éticos preconizados na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, que aborda sobre os aspectos da pesquisa envolvendo seres humanos 15) a qual converge com os preceitos de não maleficência, beneficência, justiça e equidade da Declaração de Helsinki.
Resultados
Os quinze profissionais da educação participantes da pesquisa tinham faixa etária entre 26 e 53 anos, sendo a média de 46 anos de idade. Com relação ao estado civil sete eram solteiras, cinco casadas, uma divorciada e uma viúva, as demais não informaram. O tempo de atuação variou entre seis meses e 17 anos, com média de 4 anos e seis meses de atuação.
A ocupação dos profissionais da educação variou entre professora, que atende de forma integral a turma, desenvolvendo conteúdos; pedagoga, sendo a profissional responsável por séries iniciais; cuidadora/monitora, que atua como auxiliar na sala de aula e fora dela, não havendo uma formação específica na maior parte dos casos, descrita também como professora auxiliar; orientadora educacional, atuando de forma conjunta com a gestão da escola e auxiliando o professor na formação do aluno; coordenadora, a qual orienta o funcionamento coletivo, integrando as funções dos profissionais responsáveis pela educação e auxilia em determinadas atividades específicas; e psicopedagoga, englobando ações que visam o cuidado e a busca pelo entendimento do comportamento dos alunos e auxiliando no desenvolvimento desses, quando identificada alguma dificuldade.
A partir das informações coletadas com os participantes elencou-se três temas principais: vulnerabilidades programáticas vivenciadas na escolarização e cuidado a crianças e adolescentes com doença crônica; vulnerabilidades individuais experienciadas na relação da família com a escola e sua influência sobre o processo de escolarização; e vulnerabilidade social e o processo de escolarização de crianças e adolescentes com doenças crônicas.
Vulnerabilidades programáticas vivenciadas na escolarização e cuidado a crianças e adolescentes com doença crônica
A falta de recursos humanos, materiais, infraestrutura e/ou apoio no ambiente escolar foi destacada como fator capaz de dificultar a inserção de crianças e adolescentes com necessidades especiais de saúde no ambiente escolar, sendo estas vulnerabilidades definidas como programáticas. As falas a seguir demonstram como isso ocorre nas instituições:
Tem horas assim que precisa de um apoio (...). Que ele estava vindo nas aulas do apoio ali com ela (coordenadora), mas vinha mais duas ou três crianças com mais deficiência (...) daí não dá para trabalhar só com ele.(...)tem falta (...) no período da manhã só tem eu de professora auxiliar e tem muitas crianças que tem problemas, deficiência (...) eu sou cuidadora, então eu lido mais com a parte higiênica da criança e na parte do pátio. (...) o acesso até ao banheiro (...) só que é um berçário muito alto para ele(...) o material tem que controlar, para que tenha sempre (...) as vezes eu trazia de casa. (PE8b)
Nesse relato pode-se observar tanto a deficiência nos recursos humanos e materiais quanto a infraestrutura inadequada para atender às necessidades das crianças. Nesse sentido, é preciso que as crianças/adolescentes sejam incentivadas a desenvolver autonomia no autocuidado:
A gente esse ano está trabalhando para criar uma autonomia porque ano que vem ele vai para o 5º ano, eu trabalho de manhã, não tem ninguém a tarde, então ele tem que começar (...). Então a gente está tentando treinar ele para ficar sozinho. (PE13)
Em termos de dificuldades vivenciadas pelos profissionais das escolas percebe-se pouca elucidação sobre medidas a serem adotadas quando a criança/adolescente com doença crônica apresenta uma exacerbação do problema de saúde no ambiente escolar. Nesse aspecto a presença do profissional de saúde mostra-se necessária, englobando ainda a falta de uma rede de apoio entre os setores educação e saúde.
Sem a questão do profissional da saúde (...). Eu faço assim uma avaliação mais superficial para poder informar no momento que eu ligo pra o SAMU (Serviço de atendimento móvel de urgência) (...). E aí é feito essa locomoção da criança direto para o atendimento médico. (...) quanto à saúde mesmo, se tem uma criança em crise atualmente a gente não tem um profissional de enfermagem na APAE e se faz muito necessário. (PE5)
Com base nessa fala, observa-se que pelo fato da instituição de ensino atender crianças e adolescentes com necessidades especiais é essencial a presença de profissionais capacitados a prestar assistência, sendo relevante a presença do profissional da saúde no ambiente escolar. Além disso, a falta desse profissional impõe a necessidade de acionar a família para dar suporte em casos como medicação ou intercorrências:
A gente não costuma medicar em sala de aula, a gente pede que os pais venham naquele momento e tragam a medicação. Até para não ter problema de (...) que os pais venham naquele momento ou que os pais tentem organizar o horário de forma que não seja em horário de escola. (PE7)
Tem várias vezes que ele (aluno) parece que vai se engasgar, o pai traz (...) o sugador (...) a gente da área da educação (...) não está muito preparado para lidar (...).(...) porque a gente não tem uma formação pra tratar com esses eventos. (PE3)
O sentimento de impotência frente a situações que ocorrem no ambiente escolar, quando fogem da rotina tornam a assistência educacional dificultada, conforme as falas a seguir:
O único apoio que a gente tem é a boa vontade dos professores e da direção que é chamar os pais. E se os pais autorizarem algum outro encaminhamento. (PE14) No primeiro momento nós vamos comunicar a família e depois a gente vai chamar a SAMU sim, porque nós não temos outros meios. (PE4)
Com base no exposto, é possível identificar que existe uma falha na relação entre a rede escolar e a da saúde. Evidenciando-se importância da inserção do profissional de saúde no âmbito escolar:
Eu acredito que seria necessário (...) um acesso mais próximo da saúde (...)essa rede que a escola precisaria estar inserida para troca de informações, para saber como agir com determinadas crianças, um contato maior com os profissionais da saúde (...) esse conhecimento melhor (...) do que fazer em determinadas situações. (PE1)
Eu acho (...) que a gente deveria ter uma assistência maior da parte psicológica. Eu vejo uma grande carência (...) se nós tivéssemos uma disponibilidade do profissional dessa área facilitaria muito o trabalho. (PE10)
Toda essa rede, precisa juntar. Só que ainda a quantidade de profissional é muito pouca. É pouca porque por exemplo psiquiatra a gente, bem dizer, não tem na rede, psicólogo a gente consegue encaminhar, as vezes leva dois, três anos para um atendimento. A gente precisa de fonoaudiólogo. (PE12)
Atendimento (...) da área da saúde (...) a enfermagem para fazer um acompanhamento das famílias dos alunos, mas a parte nutricional são grandes eixos (...) a área da saúde é uma área distanciada. (PE5)
Vulnerabilidades individuais experienciadas na relação da família com a escola e sua influência sobre o processo de escolarização
A relação entre a família e a escola é fundamental no processo de escolarização, contudo, apresenta fatores facilitadores e dificultadores. Nesse interim, os participantes compreendem que a falta de participação ativa da família junto à escola é um elemento dificultador.
A mãe esse ano está bem ausente das atividades da escola, (...) é um dos motivos que está fazendo com que ela (aluna) esteja mais tristinha, mais irritada. (PE1)
A dificuldade aqui com ele (aluno) foram as faltas e a família. A família mais comprometida no apoio. (PE12)
Nesse contexto, a comunicação efetiva entre escola e família mostra-se como fator imprescindível para o desenvolvimento pleno do processo educacional do aluno:
E não é assim por falta de chamar, de pedir “tem que atualizar seus dados”, aí tem gente que “ah, mas eu não tenho celular”, mas tem que ter alguém na volta que tu possas pedir um número para um caso de emergência, porque a gente não pode ficar simplesmente incomunicável com a família do aluno. (PE2)
Muitas vezes as mães são as únicas cuidadoras das crianças e/ou adolescentes e não veem seu direito de atendimento prioritário cumprido em diversos locais, por se tratar de responsáveis de crianças/adolescentes com necessidades especiais de saúde, fato que interfere na sua rotina e, possivelmente, na participação ativa dentro da instituição de ensino, dificultando o processo de educação. Fato que pode ser observado nos relatos a seguir:
Tem mãe sozinha, então elas enfrentam uma grande dificuldade. Relatam muito a questão de ônibus (...) as vezes precisam de um atendimento numa unidade básica e não conseguem transporte, porque têm poucos ônibus adaptados. Outra coisa é (...) questão de fichas. (...) posto não entende que é só no tal dia e tal horário que elas terão alguém para ficar com o cadeirante em casa (...). E aí as vezes elas precisam de uma consulta e elas tem que se expor com aquela criança estrada fora porque não tem com quem deixar e também precisam de atendimento. (PE5)
Complementarmente, mostrando a importância da participação da família, outro ponto destacado de forma positiva pelos educadores foi a participação das mães na escola:
A mãe é uma pessoa assim maravilhosa, sempre preocupada, a gente chama ela vem. Nem precisa chamar para ela vir conversar conosco (...). Sempre que ela não pode vir, que tá com algum problema respiratório, ela nos liga nos comunica. (PE4)
A mãe é muito acessível (...) sempre muito disposta assim (...) ela é bem presente. (PE1)
Além disso, pode-se perceber a presença de outras figuras femininas da família no acompanhamento à escola:
Ela (aluna) é muito cuidada pela vó (...) ela tem muito apoio da vó. (PE6)
Ademais, os profissionais da educação acreditam que a presença da mãe na escola dá segurança, como é possível observar na seguinte fala:
Algumas mães permanecem na escola já em decorrência da patologia da criança no período que eles estão em atendimento. (PE5)
Vulnerabilidade social e o processo de escolarização de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Nesta categoria serão apresentadas questões que envolvem a vulnerabilidade social e o processo de escolarização no contexto escolar, abrangendo a interrupção ou ausência de atividades escolares devido à condição de saúde, a dificuldade na aprendizagem como reflexo da condição de saúde, as restrições enfrentadas devido à doença crônica, a negação frente ao diagnóstico e o convívio, vínculo e inserção social do aluno com doença crônica.
Aqui é uma escola que atende muito aluno que é de periferia mesmo, de bairro carente, então assim nem sempre é o mesmo cuidado que uma outra criança teria. Nem digo por parte da escola (...) a parte que é feita com o familiar já não é aquele mesmo cuidado até mesmo por falta de condições (financeiras. (PE2).
Ele requer muitos cuidados. Infelizmente por causa da saúde dele mesmo a gente não consegue manter uma continuidade no trabalho (...) ele tem essa saúde um pouco debilitada, com problemas respiratórios, isso é uma coisa que dificulta. (PE3)
O horário dele é reduzido, (...) fica até as dez horas (...). Às vezes ele não vem um dia ou dois, as vezes ele volta mais agitado que tem que tomar medicação. (PE8a)
A dificuldade de manter a rotina escolar se potencializa quando há necessidade de uma internação, com um afastamento prolongado do aluno, interferindo no aprendizado, desenvolvimento e inserção social.
Em alguns momentos em que ela faz a transfusão daí ela não vem. (PE1)
Devido ao problema respiratório ela acaba faltando muito a aula (...) perdendo conteúdo, como ela tem déficit intelectual, eu trabalho com ela individualmente, então ela acaba perdendo isso. (PE4)
Muito preocupante porque no fim ele passou muito mais tempo no hospital, nesses últimos tempos, do que na própria escola. (PE12)
Difícil porque ela é uma criança que falta muito. (...) eu acredito que seria mais por questões familiares. (...) se ela vem duas vezes no mês é muito. Não tem nem como eu avaliar ela nas questões de aprendizagem. (PE9)
Dessa forma, a infrequência ou a interrupção da atividade escolar, entre outros motivos, refletem negativamente no que diz respeito à escolarização, como a dificuldade na aprendizagem, mencionada pelos profissionais da educação, já que, dentre os alunos que participaram do estudo, a maioria necessita de atendimento especializado.
Ela sente que ela não consegue (acompanhar). (...) percebo este ano que ela está mais revoltada, mais impaciente, ela não se vê mais tão disponível à aprendizagem. A aprendizagem parece que passou a ser alguma coisa menos prazerosa, tediosa, cansativa, coisa que até final do ano passado a gente não percebia isso (...) o grande problema dela é essa falta de retenção da aprendizagem. (PE1)
É muito difícil (...) hoje a gente explica uma atividade, um conteúdo para ela daqui a dez minutos ela já esquece, então ela não conserva o que a gente ensina para ela então é complicado. (PE4)
E ele vai aprender, é claro, tem coisas assim que parece que ele regrediu, ele aprende umas coisas, mas tem outras que parece que perde, (...) antes ele era mais carinhoso ele não batia, ele aprendeu as letras, agora ele aprendeu a dá (bater), se tornou agressivo. (PE8a)
Outra consequência pertinente à doença crônica visualizada pelos profissionais da educação é a restrição de participação a determinadas atividades ou eventos vivenciados nessa fase da vida, que os alunos sofrem devido à patologia, isso ocorre de diferentes formas:
Para essas crianças, principalmente portadoras de doenças como a diabetes (...) é uma doença que acaba privando (...) de muitas coisas, vamos dizer entre aspas, boas, (...) como o refrigerante, uma boa batata frita. (...) e assim, não é uma privação, não é por uma semana, não é uma dieta, não é um mês, é uma vida. (PE10)
Além das restrições que a doença crônica pode acarretar na rotina diária da criança/adolescente por toda vida, tem-se um processo no qual a mesma tende a negar a existência da doença, tornando a questão do cuidado e as limitações em ambiente escolar ainda mais complexos:
Diminuiria o sofrimento dele seria uns 50%, (...) se tivesse uma aceitação maior e aí entra (...) o lado psicológico. (...) a dificuldade eu vejo(...)a questão da aceitação do próprio doente, (...) ele não tem uma aceitação boa da própria doença. (PE10)
A família estar consciente e conscientizar a criança dos cuidados que ele deve ter com ele mesmo. (PE11)
Outro aspecto que pode se apresentar tanto como fator positivo quanto fator negativo é o convívio com a turma e o vínculo. Em determinados casos, pode-se observar certo afastamento dos colegas e dificuldade de interação, o que se torna um elemento negativo para a adaptação na escola, potencializando as dificuldades enfrentadas por essa criança/adolescente.
Então está limitando (...) ele interagia com as crianças ali, mas agora ele (...) fica na dele, mas tem aquele horário dele, depois já começa o modo querer ir para mãe, chamar a mãe, a vó. (PE8a)
Ele vinha de uma turminha, esta demorou a ter aquela aceitação, mas que todo mundo abraçava, estava junto, brincava, chamava, trazia ele para junto. Essa turma (...) já é mais afastada dele. (...). São poucos os que vão ali e fazem alguma interação. (PE13)
Discussão
A partir dos resultados encontrados é possível identificar situações de vulnerabilidades programáticas vigentes no processo de escolarização, nota-se que a necessidade de apoio profissional tanto em quantidade de recursos humanos, quanto de materiais, básicos ou de uso pedagógico e recreativo, além da inadequação da infraestrutura, destacam-se como dificultadores da escolarização.
Segundo pesquisa desenvolvida, a manutenção da sala e da estrutura física, atividades extracurriculares/jogos, ambientes/recursos que promovem o aprendizado mostram-se como elementos essenciais na visão de pais, alunos e professores sobre a escola e a inclusão, 4 destacando o seu papel potencializador para uma aprendizagem adequada. O fato de haver um trocador para realizar a higiene do aluno, tarefa essencial e rotineira, de tamanho inadequado, por exemplo, configura-se como uma vulnerabilidade programática,10 na qual a infraestrutura do serviço fornecido pela ambiência da escola não é adequada.
A falta de recursos reflete na carência para uma abordagem lúdica, que é uma ferramenta para promoção do conhecimento e desenvolvimento em crianças e adolescentes, de maneira prazerosa e atrativa. 16 O lúdico tem como significado usual brincadeiras e atividades de lazer e/ou entretenimento de forma geral, contudo, apesar desse termo ser designado desta maneira, entende-se que nem toda atividade visualizada desta forma pode ser assim considerada, pois sofre forte influência de quem está realizando-a. 17 A falta desse, torna a escolarização e a permanência do aluno na escola dificultados, especialmente aqueles que necessitam de cuidados especiais de saúde, interferindo no processo de escolarização.
Esse fato é potencializado quando a criança ou o adolescente apresenta carência educacional e necessita de atenção especial para sua adaptação, desenvolvimento, tendo ausência de profissionais disponíveis para auxiliar em ambos os turnos.
Os depoimentos destacaram a falta de acesso a serviços de saúde, de um profissional auxiliar na sala de aula, como situações que dificultam o processo, essas vulnerabilidades também foram encontradas em outras pesquisas. (7,10 Nesse aspecto, a ausência do cumprimento de políticas públicas e programas estruturados visando a proteção de crianças e adolescentes podem ser contribuintes para a dificuldade no desenvolvimento infantojuvenil. 18
A falta de recursos humanos, materiais e de apoio físico caracterizam-se como vulnerabilidade social, que engloba os aspectos referentes a capacidade de obter informações e acesso a serviços, envolvendo questões de gênero, étnico/raciais, econômicas, crenças religiosas, entre outros, 10 no que diz respeito a materiais de uso cotidiano, pois se a escola não tem para oferecer e os pais ou familiares não tem condições financeiras de comprar, o aluno fica sem. Identifica-se também os aspectos sociais referentes às questões de renda familiar que é considerada importante fator associado a baixa qualidade de vida, que surge ou se acentua após o diagnóstico da condição crônica, especialmente pela demanda de cuidado. 19
Nota-se que essa situação acaba por impedir que haja uma assistência especializada fora do turno escolar, visto a problemática de ordem financeira. Além disso, os depoentes destacaram o sentimento de impotência, decorrente da falta de capacitação. Nesses casos é percebido um cuidado empírico, visto que não há formação e conhecimento para tanto, entretanto, algumas situações são manejas com habilidades para as quais os profissionais não se sentem preparados. 5
Constata-se a presença da vulnerabilidade individual, que se refere ao entendimento da pessoa acerca da problemática, de maneira que possa adotar medidas protetoras e preventivas a partir do gerenciamento desse conhecimento. Verifica-se nas falas o sentimento de despreparo sobre os métodos capazes de minimizar os problemas decorrentes da condição crônica dos alunos, especialmente por não ser um tema oriundo de sua formação. Acredita-se ser difícil de manter um vínculo cooperativo por parte da escola e dos profissionais sem que haja um conhecimento destes a respeito da situação clínica do aluno.7,10
Os profissionais buscam maneiras de se adaptar às necessidades do aluno, mesmo sem haver uma orientação oriunda de suas formações, tendo iniciativas como aderir a novos métodos capazes de minimizar suas fragilidades, desmistificando alguns pensamentos cristalizados e incentivando-os, levando em consideração o tempo de aprendizagem de cada aluno. 20,21
Outro ponto, elencado nos depoimentos foi a falta de um profissional da saúde, como o Enfermeiro, inserido no âmbito escolar o que reflete as diversas limitações com relação as ações da escola para com o aluno, foram destacadas situações como a agudização da doença crônica já existente e o uso de medicamentos, pelos quais os profissionais da escola não podem se responsabilizar e, com isso, há necessidade de acionar a família como suporte.
A divergência entre os alunos que possuem uma necessidade em saúde com relação aos demais reflete especialmente no fato de se ausentarem mais frequentemente desse ambiente. 6 Se a escola possui os recursos necessário em saúde para que a criança se estabeleça, mesmo que os pais não os possuam em tamanha quantidade, é possível que o aluno integre esse meio, 7 configurando-se, neste estudo, como uma vulnerabilidade programática.
Há preocupação por parte dos pais frente à demanda de saúde que as crianças apresentam. Esse fato pode ser amenizado a partir da adoção da presença do profissional Enfermeiro na esfera escolar, tornando-se um mediador entre escola, aluno e família, favorecendo na promoção de uma melhor qualidade de vida e saúde das crianças, prevenindo agravos e facilitando o convívio e os aspectos sociais envolvidos, tornando-se um elemento fundamental nessa vivência. 22
O enfermeiro é o profissional que, quando inserido em âmbito escolar, é capaz de realizar educação em saúde, favorecer o preparo e a capacitação dos profissionais da educação para lidar, manejar ou encaminhar de forma inicial as complicações, 22 gerando autonomia e confiança deles, bem como promover associação entre educação e saúde. Além de visualizar o aluno em sua integralidade com base nas dimensões de vulnerabilidade, visando adotar medidas que de fato promovam uma assistência a este, tendo vista o contexto inserido. 11
A relação com os profissionais da saúde, assim como de todas as esferas entre si, reflete em suas experiências diárias, visto a importância das ações de cada um sobre a vida do aluno. 3 Apesar disso, o elo entre os âmbitos saúde e escola ainda sofre resistência em seu desenvolvimento, mesmo que o objetivo de ambas com esses alunos seja o mesmo. 6 A integração desses setores é demasiadamente importante, contudo, nota-se uma dissociação entre ambos, ainda que se tenha políticas pensadas nesse cenário, saúde e educação, a efetuação ainda não se encontra vigente, por causa da falta de primazia em investimentos que a consolidam, resultados sob o desenvolvimento da criança e na falha em articular o contexto da Saúde com os demais. 18
Por outro lado, as questões que englobam a esfera escolar e familiar referem-se a um fator essencial no processo de escolarização. Identifica-se que para ocorrer um desenvolvimento pleno deste é essencial que haja participação e inter-relação entre escola e família. Entende-se que apesar de serem divergentes e, por vezes, apresentarem objetivos diferentes, ambos são essenciais na capacitação de crianças e adolescentes, visando a integração na sociedade. No entanto, a relação apresentada entre esses dois setores é comumente em volta de uma situação problema exclusivamente, não estando associada ao desenvolvimento e ao progresso do aluno, sendo a relação entre família-escola, de maneira que pontue os aspectos positivos do desenvolvimento, ainda um desafio. 23
Considera-se importante salientar como determinantes de constituição familiar não apenas aspectos matrimonial, patrimonial e consanguíneos. Em estudo realizado 24 constatou-se que a família é descrita não apenas no modelo tradicional, incluindo pai, mãe e filhos, mas também aquela construída a partir da convivência ou parentesco, como nos casos em que se incluem avós ou tios, devendo haver laços acolhedores independente da constituição familiar, levando em conta os membros do grupo familiar que detém a responsabilidade pela criança/adolescente.
Compreende-se, dessa maneira, que quando há associação entre escola e família, sendo o melhor ao aluno o objetivo de ambas, havendo diálogo e planejamento com relação ao aluno, visando dar continuidade em domicílio, tem-se um fator facilitador para o seu desenvolvimento. 20 Apesar disso, esse vínculo refere-se a uma construção difícil de ser estabelecida, em determinados casos, mesmo sabendo da sua essencialidade. Mostra-se importante que a família disponha de informações essenciais para o cuidado com a criança/adolescente, como a despeito da patologia, confiando na escola e tornando-se parceiros. 7
O não exercício da participação escolar, pode ser oriundo de diversas vertentes, contudo, é necessário que haja uma rede de apoio familiar para que essa participação seja ativa. Em muitos casos não se percebe essa rede estruturada, como é o caso de mães sozinhas que, não podem contar com apoio de terceiros. Há um predomínio expressivo da figura feminina como principal responsável pela criança. 25 Esse contexto abrange os demais cuidados inerentes ao cuidador, como a manutenção da casa e se fazer presente em atendimentos e na instituição escolar, e foi retratado nas falas, quando os profissionais não destacavam a presença das mães, mas de uma outra figura feminina da família. A rede de suporte social a famílias monoparentais representa-se, sobretudo, por meio do próprio grupo familiar e de amigos, mas também está relacionada a vizinhos, instituições, trabalho e estudos e entre os principais desafios para essas mães, encontra-se a esfera econômica, emocional e educacional de seus filhos. 26 Entende-se juntamente as instituições, a escolar, que associada a família representa elemento essencial na vida de crianças e adolescentes. Essa realidade envolve aspectos de vulnerabilidade social, em termos de recursos econômicos e rede de apoio, e vulnerabilidade programática ao olhar para as condutas assumidas para evitar ou minimizar essas dificuldades. 10
De modo a facilitar a associação entre ambos, a comunicação entre os familiares e os profissionais da escola é essencial. Contudo, existem barreias capazes de dificultar e tornar ineficaz esse processo, dentre elas as barreiras físicas, como ruídos ou o distanciamento entre o emissor e o receptor da fala, as barreiras pessoais como as limitações e emoções de cada indivíduo, e as sistemáticas, quando símbolos ou até mesmo gestos possuem diferentes sentidos para cada pessoa. 27 Nesse sentido, entende-se que um aspecto importante de ser levado em consideração no tocante à comunicação é a escolarização dos pais/responsáveis pelo aluno que, não raras vezes é precária, sendo preciso ter entendimento e capacidade para que o diálogo ocorra de forma que ambos compreendam, visando os aspectos individuais.
A vulnerabilidade individual está presente também devido à condição de saúde, havendo necessidade do cuidado especial. 10 As crianças e os adolescentes com doenças crônicas enfrentam uma rotina diferente dos demais. Fatores como clima, doença que descompensa, não realização de algumas necessidades básicas em âmbito escolar, exames e consultas, são exemplos. Esse distanciamento do ambiente escolar para realização de tratamento e cuidados, é mostrado em um estudo 28) que buscou identificar as principais causas de internação em dois hospitais da região nordeste do Brasil, sendo elas semelhantes, havendo um número significativamente elevado para as doenças crônicas não transmissíveis quando comparadas com as transmissíveis, sobretudo, em decorrência da asma. Tal fato deve apontar para uma atenção e cuidado dos familiares e professores, no que diz respeito à escolarização e ao desenvolvimento.
Desta forma, a possibilidade de frequentar o ambiente escolar e obter um desempenho mostra-se diferente a depender se há uma condição de saúde relacionada, bem como a necessidade de se ausentar desse espaço para realizar os cuidados a sua saúde, afetando o desenvolvimento. 6 É possível perceber que essa interrupção interfere no aprendizado e no convívio social dos alunos, visto que a escola é também um local de socialização. Com isso, a criança/adolescente com doença crônica tende a sofrer esse distanciamento escolar em diversos momentos da vida, fator que pode refletir no processo de aprender.
A infância e a adolescência são fases da vida nas quais é natural que ocorram descobertas de autoconhecimento e construção de novos vínculos e gostos. Essas etapas tornam-se limitadas quando se tem uma doença crônica que impede a criança ou o adolescente de vivenciá-las de forma intensa, restringindo-as. Quando essa situação envolve alimentos, ainda que haja grande propaganda de alimentos do tipo fast-foods e refrigerantes, não se pode pressupor que a limitação e a restrição alimentar reflitam de forma negativa no cotidiano desses indivíduos, visto que esses elementos levam em conta a cultura e os hábitos.
Apesar disso, a restrição alimentar é elencada significativamente em casos de crianças e adolescentes com Diabetes. As restrições aplicadas devido às doenças crônicas atingem de forma negativa não apenas a criança/adolescente, mas seu meio social, pois ao se privar de determinada atividade ou alimento acaba por se sentir constrangida a participar de encontros com amigos e sentir-se diferente dos demais em atividades do cotidiano, em alguns casos, tornando-se mais isolada. 29 Há uma constante busca pelo equilíbrio nos casos de Diabetes, visto que os carboidratos são fontes importantes de glicose que é transformada em energia, sendo que uma alteração entre o que se consome e o que é utilizado pode comprometer o desempenho acadêmico e, nesses casos, os aspectos cognitivos. O baixo desempenho escolar quando criança ou adolescente pode vir a resultar em uma consequência socioeconômica enquanto adulto. 30
Essas limitações atingem essa população de diversas formas, podendo ser física, cognitiva, alimentar, entre outros. As limitações decorrentes da doença, evitando que haja uma agudização, como o correr, andar de bicicleta e nadar, no caso da asma por exemplo, tomam medidas mais profundas influenciando na rotina escolar como as atividades físicas e o brincar com os demais colegas. 31
O processo de negação da doença também foi destacado, essa situação pode ser compreendida pois ela advém dos mecanismos de defesa que o ser humano lança mão, no entanto, gera um sofrimento extremo na criança/adolescente, pois não aceita a doença e tão pouco o tratamento necessário para a manutenção de sua saúde, contribuindo para agravos físicos e aspectos emocionais negativos. 29
Quando as necessidades especiais do aluno com doença crônica ultrapassam aspectos de saúde e detém questões educacionais, é importante oferecer atendimento capaz de minimizar as dificuldades vivenciadas no cotidiano. Demanda-se uma assistência individualizada para que isso ocorra, sendo necessário que haja outros profissionais responsáveis por auxiliar na conduta com os demais alunos da sala de aula e, por vezes, especificamente com a CRIANES, contudo percebe-se a necessidade de lidar com todos de forma simultânea, em alguns casos. 7 Assim, é preciso uma adaptação na forma como as metas serão traçadas e alcançadas, de maneira que o aluno consiga acompanhar, contudo sem que ocorra uma interrupção no planejamento já estipulado para a turma. 20
As doenças crônicas afetam o físico e, significativas vezes, o emocional de crianças e adolescentes. Muitas vezes, esses se percebem com um corpo com marcas, cicatrizes e limitações decorrentes da doença crônica, que os impede de realizarem funções e atividades que os pares realizam. 32 A aprendizagem está vinculada a autoestima do aluno, entre outros fatores, sendo essa uma variável que sofre estímulos internos e externos. Quando a autoestima do aluno se encontra afetada, esta reflete na forma como o aluno se percebe, havendo um papel importante de profissionais e familiares como incentivadores. 18
Os aspectos da vulnerabilidade individual, ocasionada pela doença crônica, sobretudo pela dificuldade de aprendizado e a necessidade de atendimento educacional especializado, podem ser compreendidos por se tratar de algo que é reflexo de uma condição particular desses alunos. Da mesma maneira, é possível identificar casos em que há uma dificuldade na concentração e na retenção de conteúdos já abordados no decorrer das atividades com o aluno, impossibilitando uma evolução no desenvolvimento, potencializando-se quando há falta de recursos para auxiliar nesse processo, configurando não apenas uma vulnerabilidade individual, mas também programática. 10
A família pode apresentar influência positiva para que a criança perceba e aceite suas restrições, contudo, sem deixar de se perceber como criança, ou adolescente nesse caso, não excluindo de sua rotina suas vivências, experiências e descobertas marcantes nessa fase da vida. A readaptação familiar a fim de incentivar o aluno a adotar novos hábitos de vida que possibilitem uma melhor condição de saúde para ele é vista como um fator potencializador positivo. 31 Esses ajustes são inerentes a toda a família e afetam questões nas áreas social, econômica e física, modificando o contexto familiar. 3
Segundo os participantes o sentimento de acolhimento por parte da turma também facilita nesse processo, quando se sente acolhido, compreendido e interagindo com os demais. Em determinados casos a inserção do aluno nesse ambiente é falha e isso gera prejuízos na interação social, sentimentos como menosprezo, incapacidade de aprender, especialmente no mesmo período em que outros alunos, podem surgir, fazendo com que se sinta excluído desse meio. 18 Contudo, quando a interação e o apoio, são bem-sucedidos, por parte da família e dos colegas, são capazes de minimizar as consequências advindas da vulnerabilidade individual do aluno com uma doença crônica.
O aluno que sofre com doenças crônicas relata expectativas com relação ao apoio dos colegas para enfrentar as limitações que a doença impõe, contudo, determinadas vezes a situação ocorre de maneira não esperada, levando ao isolamento social, gerando exacerbação das dificuldades já enfrentadas. 33 Tal fato evidencia o convívio com a turma como sendo um fator tanto positivo quanto negativo a depender daqueles que nesse meio se encontram inseridos. Assim, descortina-se ainda mais fortemente a importância do papel de familiares, professores e da rede de saúde.
Conclusão
A partir dos resultados, identificou-se as diversas faces das situações de vulnerabilidade na escolarização de crianças e adolescentes com doenças crônicas, com base na perspectiva dos profissionais da educação. Essas englobam desde aspectos individuais, programáticos e sociais advindos das necessidades do aluno, da família e dos profissionais frente a doença crônica até fatores potenciais, positivos e negativos, no desenvolvimento e com isso, desafios a serem enfrentados.
A carência de profissionais, recursos materiais e infraestrutura para a escolarização, a falta de orientação dos profissionais educadores a respeito da doença do aluno e o sentimento de impotência refletem obstáculos ao desenvolvimento e a não efetividade da rede de apoio entre as esferas saúde e educação e a importância dessa associação. Concomitante a isso tem-se a ausência de profissional Enfermeiro no âmbito escolar, que seria capaz de auxiliar na manutenção do cuidado à saúde durante o período escolar e na capacitação dos profissionais nesse meio.
A associação entre escola e família mostra-se essencial ao desempenho escolar, entretanto, não é uma realidade vislumbrada em sua totalidade por fatores variáveis. Atrelado a isso, observa-se a influência da vulnerabilidade social, visto que as condições nas quais esse aluno está inserido têm ligação direta com o acesso desse aos serviços.
Evidencia-se a necessidade de um olhar apurado para as dimensões das vulnerabilidades envolvidas nesse processo, compreendendo a necessidade de recursos humanos e materiais, a fim de minimizar adversidades e limitações na escolarização, objetivando sanar demandas individuais dos alunos.
Para que o cuidado à saúde, de crianças e adolescentes com doença crônica, seja inovador e resolutivo é imprescindível planejar, estabelecer redes de apoio entre as esferas saúde e escola, sobretudo, com a inserção do profissional da saúde nesse meio, visando a promoção de saúde do aluno, refletindo na sua escolarização e desenvolvimento.
Nesse interim, acredita-se que o presente estudo possui potencial para contribuir como subsídio para reflexão a despeito da efetiva rede de apoio à escola e necessidade de capacitar os profissionais da educação, bem como planejar propostas de melhorias, a fim de auxiliar no processo de educação e inclusão. Dentre as limitações do estudo encontra-se a dificuldade em agendar os momentos de conversa com os profissionais, visto que estes se desenvolveram em âmbito profissional, sendo necessários profissionais substitutos durante o período da entrevista e, portanto, um planejamento por parte da escola e dos pesquisadores a fim de possibilitar a coleta de dados.