A família é o primeiro núcleo social do ser humano, sendo a responsável pela transmissão de cuidados, valores e conhecimentos, além de suprir as necessidades iniciais da vida (Baptista, 2007; Mattanah, Lopez & Govern, 2011). Lane (1984) destacou que o papel da família no desenvolvimento social e emocional de seus membros é fundamental, uma vez que, ela é tida como mediadora da relação indivíduo-sociedade.
As concepções de família sofreram diversas modificações ao longo do tempo, desta forma, ela pode ser entendida e abordada de diferentes perspectivas (Wagner, Tronco & Armani, 2011). Na ciência, tais mudanças foram observadas e acompanhadas produzindo efeitos e influências na forma de estudar e trabalhar a temática (Darling & Steinberg, 1993; Kopala-Sibley et al., 2017; Silva, Scorsolini-Comin, & Santos, 2017; Ventura & Noronha, 2014). À título de exemplo, McFarlane, Bellissimo e Norman (1995), consideraram importante diferenciar os conceitos “estrutura familiar” de “suporte familiar”, uma vez que, a família frequentemente era destacada como favorecedora ou limitadora do desenvolvimento. Os autores ressaltaram que a estrutura familiar ou configuração familiar (entendida como a quantidade de pessoas que pertencem a uma determinada família e quem são tais pessoas, por exemplo, pai, mãe, irmãos, entre outros), pouco interferia na forma como os membros se desenvolviam. Já o suporte, atrelado às trocas afetivas e à qualidade das relações entre as pessoas que convivem como família, independente de uma estrutura específica, tinham maior impacto sobre o desenvolvimento, não obstante se o impacto era positivo ou negativo.
A presença de um suporte familiar adequado esteve atrelada a aspectos saudáveis e positivos, como melhor qualidade de vida e das relações interpessoais, saúde mental, habilidades e estratégias de enfrentamento adaptativas. Por outro lado, déficits nesse suporte e relações familiares conturbadas aumentavam significativamente o risco de depressão, tentativas de suicídio, entre outros aspectos (Lo, Kwok, Yeung, Low, & Tam, 2017; Loton & Waters, 2017; Magnani & Staudt, 2018; Souza, Baptista & Alves, 2008). Avaliar a qualidade do suporte torna-se fundamental para o trabalho em diversos contextos, principalmente para profissionais da psicologia, sejam em âmbito clínico, social/comunitário, saúde, trabalho ou escolar (Gonçalves, Baptista & Farcas, 2016).
No contexto brasileiro, o Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF) foi desenvolvido por Baptista (2005) para avaliar o suporte familiar em três aspectos, quais sejam, Afetividade, Adaptação e Autonomia Familiar. A Afetividade se refere às relações afetivas positivas (carinho, proximidade, habilidade na resolução de problemas, clareza em papéis e regras dos integrantes da família). A Adaptação Familiar diz respeito aos sentimentos negativos sobre a família (raiva, isolamento, exclusão, vergonha, incompreensão e interesse). Por fim, a Autonomia Familiar se trata das relações de confiança, liberdade e privacidade (Baptista, 2009). Alguns estudos investigaram o suporte familiar por meio do IPSF, sendo identificadas associações negativas com sintomas depressivos e associações positivas com percepção de suporte social e autorregulação emocional (Baptista, Carneiro & Sisto, 2010; Baptista & Cremasco, 2013; Borges & Pacheco, 2018; Cardoso & Baptista, 2015).
Baptista et al. (2010) investigaram as associações entre o suporte familiar e a depressão em uma amostra de universitários com idades entre 18 e 52 anos. Foi identificada uma associação negativa e fraca entre os construtos (r= -0,36). Em outro estudo, Baptista e Cremasco (2013) avaliaram, em crianças e adolescentes com idades entre 8 e 17 anos, as associações entre depressão, suporte familiar e suporte social. Suporte familiar apresentou correlações negativas com depressão (r entre -0,23 e -0,61) e positivas com suporte social (r entre 0,30 e 0,65). De forma semelhante, Cardoso e Baptista (2015) identificaram associações positivas entre os suportes social e familiar (r entre 0,21 e 0,45) em universitários com idades entre 18 e 61 anos. Ressalta-se que no presente estudos são utilizadas versões ou escalar mais escalas diferentes das utilizadas nos estudos anteriores, além da relação com um construto ainda não explorado (autorregulação emocional), justificando explorar estas correlações.
Evidencia-se assim que o IPSF, desde sua publicação, tem apresentado índices psicométricos adequados e os estudos com sua utilização coincidem com aspectos teóricos já estabelecidos na literatura (Batista & Noronha, 2018; Cruvinel & Boruchovitch, 2011; Pinto, Carvalho & Sá, 2014). Porém, apesar dos aspectos citados, não se sabe se os resultados são impactados por diferentes estilos de resposta, uma vez que, por ser um instrumento de autorrelato, as variáveis podem ser facilmente manipuladas (Wetzel & Greiff, 2018). Os estilos de resposta são tendências do avaliado a responder a partir de um padrão, que podem ser influenciadas pelo ambiente, como desejabilidade social e respostas falsas, ou pela forma como o sujeito costuma se comportar. Como exemplo se incluem as respostas extremas, a aquiescência e a desaquiescência. Quando não controlados, esses tipos de respostas podem enviesar os resultados (Van Vaerenbergh & Thomas, 2012). Mais especificamente, a aquiescência é um estilo de resposta no qual o respondente tende a concordar com o item, independentemente de seu conteúdo, aspecto que pode inviabilizar ou inflar os resultados do teste (Cronbach, 1942; Ferrando, Condon, & Chico, 2004).
Desta forma, considerando que os testes precisam constantemente ter suas propriedades testadas e reformulações que propiciem melhoras na forma de medir e interpretar os dados (Borsa & Seize, 2017; Urbina, 2009), o principal objetivo do presente estudo foi buscar evidências de validade para o IPSF com base na estrutura interna utilizando análises fatoriais confirmatórias (CFA) e com base nas relações com variáveis externas (depressão, suporte social e autorregulação emocional). Posteriormente, também foi verificado se a aquiescência interfere na estrutura interna e nas cargas fatoriais dos itens do IPSF. Diante dos objetivos expostos, hipotetiza-se que: H1) a estrutura interna encontrada corresponderá a teoria de base do instrumento (Baptista, 2005; 2007; 2009); H2) o controle de aquiescência impactará na estrutura fatorial da escala, nos índices de ajuste e nas cargas fatoriais dos itens do IPSF; H3) as correlações do IPSF com a Escala Baptista de Depressão versão triagem (EBADEP-triagem) serão todas negativas (Baptista et al., 2010; Borges & Pacheco, 2018); H4) as correlações entre o IPSF e a Escala de Autorregulação Emocional (EARE-AD) serão positivas (Borges & Pacheco, 2018; Cruvinel & Boruchovitch, 2011); H5) as correlações entre IPSF e Escala de Suporte Social (EPSUS-A) serão positivas (Cardoso & Baptista, 2015).
Método
Participantes
Participaram deste estudo 234 pessoas, com idades entre 18 e 68 anos (M= 31,66; DP= 11,75). A maioria dos participantes era do sexo feminino (73,9 %), solteiro (61,3 %) com ensino superior (43 %) e pós-graduação (36,2 %) e com representatividade maior das regiões norte (28,7 %) e sudeste do Brasil (46 %). Em relação a estrutura familiar, 34,9 % relataram morar com pais e irmãos, seguidos de 20 % com companheiro (a) e 17,9 % com companheiro (a) e filhos.
Instrumentos
Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF; Baptista, 2009). O instrumento foi desenvolvido com base no modelo teórico proposto por Olson, Russell e Sprenkle (1983) e também em medidas desenvolvidas por outros autores (Gomide, 2003; Green, Kolevzo & Vosler, 1985; Olson, Potner & Lavee, 1985; Parker, Tupling & Brown, 1979). O IPSF é um instrumento de autorrelato que visa avaliar a percepção que indivíduo possui sobre o suporte que recebe da sua família. O instrumento é composto por 42 itens, respondidos em uma escala tipo Likert de três pontos, (0= quase nunca ou nunca, 1= às vezes, e 2= quase sempre ou sempre). Os itens são distribuídos em três fatores, afetivo-consistente (21 itens; α= 0,91), adaptação (13 itens; α= 0,90) autonomia (8 itens; α= 0,78), além de um escore geral (42 itens; α= 0,93). “Há regras sobre diversas situações na minha família” e “Eu sinto que minha família não me compreende” são exemplos de itens. Para o presente estudo foram criados seis itens inversos aos existentes na escala, dois de cada fator, para possibilitar analisar o impacto da aquiescência no instrumento. Os pares opostos são: “As pessoas da minha família se sentem distantes umas das outras e As pessoas da minha família se sentem próximas umas das outras”; “Viver com minha família é agradável e Viver com minha família é desagradável”; “Eu sinto orgulho da minha família e Eu sinto vergonha da minha família”; “Minha família controla tudo que eu faço e Minha família me dá tanta liberdade quanto quero”; “Em minha família é proibido que eu faça as coisas que eu gosto de fazer e Em minha família é permitido que eu faça as coisas que gosto de fazer”; “Os membros da minha família expressam interesse e carinho uns com os outros e Os membros da minha família são desinteressados uns com os outros”.
Escala Baptista de Depressão-Versão Triagem (EBADEP-Triagem; Baptista & Carvalho, 2018). A EBADEP-triagem foi desenvolvida com base na versão adulta da EBADEP (EBADEP-A; Baptista, 2012) e tem como objetivo avaliar os sintomas da depressão. Na EBADEP-triagem, foram selecionados 15 itens com base nos principais sintomas dos manuais psiquiátricos, para compor a escala. No estudo de Baptista e Carvalho (2018) a EBADEP-triagem foi capaz de discriminar 40 pacientes diagnosticados com depressão pela SCID-I de 40 pessoas sem depressão, com sensibilidade igual a 95 % e especificidade de 87 %. “Não tenho vontade de chorar” e “Não consigo concentrar em minhas atividades” são exemplos de itens. Na amostra do presente estudo, a fidedignidade por consistência interna da EBADEP-triagem foi igual a 0,78. A consistência interna da escala com amostra deste estudo foi α = .93.
Escala de Percepção do Suporte Social-Adulto (EPSUS-A; Cardoso & Baptista, 2016). Criada com base na teoria de Rodriguez e Cohen (1998), a escala avalia a percepção do respondente em relação ao suporte social recebido. É composta por 36 itens com escala tipo Likert quatro pontos (0= nunca e 4= sempre). Os itens se agrupam em quatro fatores, a saber, afetivo (17 itens; α= 0,92), interações sociais (5 itens; α= 0,75), instrumental (7 itens; α= 0,82) e enfrentamento de problemas (7 itens; α= 0,83). “Me fornecem alimentação quando preciso” e “São agradáveis para se conversar” são exemplos de itens.
Escala de Autorregulação Emocional-Adulto (EARE-AD; Noronha, Baptista & Batista, 2019). A teoria que embasou a construção da EARE-AD foi a de Gratz e Roemer (2004), além de contribuições de Thompson (1994), Berking, Ebert, Cuijpers, & Hofmann, (2013) e Weiss, Gratz e Lavender (2015). A escala avalia a capacidade de controle das emoções frente a situações que geram tristeza. É composta por 34 itens, respondidos em uma escala Likert de cinco pontos (0= nunca e 4= sempre) e quanto maior a pontuação maior a autorregulação emocional. Os itens são agrupados em 4 fatores, a saber, estratégias de enfrentamento adequadas (15 itens; α= 0,98), pessimismo (6 itens; α= 0,88), paralisação (6 itens; α= 0,92) e externalização de agressividade (7 itens; α= 0,69). As pontuações dos fatores 2, 3 e 4 devem ser invertidas. O respondente precisa considerar a frase “Quando estou triste...” para responder os itens. “Tento pensar em outras coisas” e “Maltrato as pessoas” são exemplos de itens.
Procedimento
Este estudo seguiu as normas éticas de pesquisas com seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de São Francisco. A coleta de dados foi realizada por meio de um link do Google Forms e os participantes receberam convites para participação na pesquisa nas redes sociais (WhatsApp, Facebook). Ao concordar em participar da pesquisa por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os participantes responderam o questionário sociodemográfico, EBADEP-Triagem, IPSF, EPSUS e EARE-AD.
Análise de dados
Os programas utilizados na análise de dados foram o SPSS 20.1 e Mplus 7.11. Foi criado um índice de aquiescência somando as respostas nos pares de itens opostos e calculando as médias que posteriormente foram utilizadas no Multiple Indicator Multiple Cause (MIMIC; Muthén, 1989) para verificar o impacto da aquiescência sobre os itens da escala. Com intuito de verificar a estrutura interna da escala e o impacto da aquiescência, foram testados dois modelos de análise fatorial confirmatória (CFA) para o IPSF partindo da teoria de construção desta escala (Baptista, 2005): três fatores de primeira ordem (CFA-1); três fatores de primeira ordem com controle de aquiescência (CFA-2). Além disso, com objetivo de verificar a existência de uma mesma variável latente explicando os itens e, consequentemente, uma evidência empírica para utilização do escore geral desta escala, foram testados dois modelos confirmatórios bifactor: um fator geral e três fatores específicos (CFA-3); um fator geral e três fatores específicos controlando o índice de aquiescência (CFA-4).
Foram utilizados os indicadores chi-square y degrees of freedom ratio (X²/df <2), Confirmatory Fit Index (CFI; > 0.90), Tucker-Lewis Index (TLI > 0.90), e Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA; <0.05) para verificar qual modelo melhor se adequava aos dados (Hu & Bentler, 1999). O teste de correlação de Pearson, com significância de p < 0.05, foi utilizado para identificar as associações entre os instrumentos, com base na interpretação de magnitudes de Levin e Fox (2004), sendo fracas (< 0.30), moderadas (entre 0.30 e 0,59), fortes (entre 0.60 e 0.99) ou perfeitas (1.0).
Resultados
As primeiras análises realizadas foram as CFA’s, com base na construção do IPSF (Baptista, 2005). Os índices obtidos em cada modelo estão dispostos na Tabela 1.
Nota: CFA-1: três fatores de primeira ordem; CFA-2: três fatores de primeira ordem com controle de aquiesência; CFA-3: um fator geral e três específicos; CFA-4: um fator geral e três fatores específicos com controle de aquiesência; F1: afetivo-consistente; F2: adaptação; F3: autonomia; F4: fator geral.
O modelo CFA-1, com três fatores, apresentou índices de ajustes satisfatórios e as cargas fatoriais variaram entre 0.15 e 0.92 no fator afetivo consistente (apenas um item abaixo de 0.30); 0.56 a 0.92 no fator adaptação; e 0.60 a 0.95 no fator autonomia. Com controle de aquiescência o ajuste do modelo CFA-2 com três fatores específicos também apresentou índices de ajustes satisfatórios e as cargas fatoriais foram, de modo geral, menores quando comparado ao modelo sem controle de aquiescência, no fator afetivo consistente as cargas estiveram entre 0.19 a 0.62 (apenas um item abaixo de 0.30), adaptação 0.35 a 0.79 e autonomia 0.46 a 0.77).
O modelo com um fator geral e três específicos, CFA-3, apresentou índices de ajustes melhores quando comparado ao modelo com três fatores de primeira ordem. As cargas fatoriais variaram entre 0.23 a 0.93 no fator geral, com apenas um item com carga menor que 0.30. Nos fatores específicos as cargas fatoriais estiveram entre 0.07 a 0.70 no afetivo-consistente, 0.27 a 0.56 no adaptação e 0.25 a 0.66 no fator autonomia. O modelo CFA-4 de fator geral com controle de aquiescência também apresentou índices de ajustes adequados. Os itens apresentaram menores cargas no fator geral após o controle da aquiescência, porém não houve alteração importantes de cargas nos fatores específicos, no fator geral as cargas foram entre 0.14 e 0.76, (dois itens apresentaram cargas menores do que 0.30), afetivo-consistente entre 0.07 e 0.60, adaptação entre 0.27 a 0.50 e autonomia entre 0.25 e 0.65. A consistência interna deste modelo foi de α = 0.95 para o fator geral, α = 0.88 no afetivo-consistente, α = 0.87 na adaptação e α = 0.86 para autonomia.
Por meio do teste de correlação de Pearson foi possível identificar correlações significativas do IPSF com as variáveis externas. O IPSF total apresentou as correlações mais elevadas com as outras medidas em comparação com os três fatores do IPSF. Cabe destacar que as pontuações dos fatores pessimismo, paralisação e externalização de agressividade foram invertidos. Na Tabela 2 são apresentadas as correlações do IPSF com as variáveis externas.
Nota: * = p<0.05; ** = p<0.01; 1= EBADEP-Triagem; 2= - Estratégias de enfretamento adequadas (EARE-AD); 3= Externalização de agressividade (EARE-AD); 4= Pessimismo (EARE-AD); 5= Paralisação (EARE-AD); 6= Afetivo (EPSUS-A); 7= Interações Sociais (EPSUS-A); 8= Instrumental (EPSUS-A); 9= Enfrentamento de Problemas (EPSUS-A).
As associações entre suporte familiar e depressão foram todas negativas, com magnitudes moderadas. As correlações entre o IPSF e as medidas de suporte social e autorregulação emocional foram todas positivas, com magnitudes variando entre fracas e moderadas.
Discussão
O objetivo do presente estudo foi buscar evidências de validade com base na estrutura interna e nas relações com variáveis externas (depressão, suporte social e autorregulação emocional) para o IPSF. Além de verificar se a aquiescência interfere nos resultados do IPSF. As hipóteses elaboradas para este estudo foram, de modo geral corroboradas. H1) os três fatores de primeira ordem foram recuperados conforme esperado, porém, os resultados indicaram a possibilidade de existência de um fator geral. O controle da aquiescência impactou na estrutura fatorial do instrumento, nos índices de ajustes e nas cargas fatoriais dos itens no fator geral (H2). As correlações do IPSF com a EBADEP-triagem foram negativas (H3); correlações entre o IPSF e a escala de EARE-AD foram positivas (H4) e por fim, as correlações entre IPSF e EPSUS-A também foram positivas (H5).
A estrutura interna do IPSF esteve em consonância com literatura prévia que indicava três fatores (Baptista, 2005; 2007; 2009). Entretanto, no presente estudo um fator geral foi encontrado, o que sugere que, além dos fatores específicos previamente encontrados, há a contribuição dos itens para uma variável latente em comum. Este resultado possibilita verificar empiricamente que além da contribuição dos itens para calcular os escores para cada fator específico, um escore geral de suporte familiar pode ser obtido. O modelo bifactor, porém, pode estar relacionado com problemas de método, sendo esse um dos problemas da aquiescência. A aquiescência refere-se à tendência de responder positivamente aos itens, sem considerar o conteúdo descrito, distanciando os escores obtidos com aplicação do instrumento do escore verdadeiro do sujeito (Billiet & McClendon, 2000). Os resultados obtidos com o controle de aquiescência, diminuíram as cargas do fator geral, o que demonstra que a aquiescência pode estar afetando os escores oriundos da aplicação, e que o controle deste viés no IPSF seria importante para este instrumento. Ressalta-se que apesar do impacto da aquiescência no fator geral, quando esta é controlada, mesmo com cargas menores, o fator geral se mantém e o modelo bifactor ainda é o modelo que melhor se ajusta aos dados. Apesar disso, os dois itens com cargas menores que 0,30 no fator geral demostra não estar funcionando com o controle de aquiescência, o que pode gerar exclusão destes itens no instrumento.
Na hipótese 3 era esperado que as associações entre o IPSF e a EBADEP-Triagem fossem negativas. Os resultados encontrados nas correlações entre o IPSF e a EBADEP-Triagem são coerentes e similares à literatura (Baptista et al., 2010; Baptista, Souza & Alves, 2008; Borges & Pacheco, 2018), confirmando a hipótese 3 do presente estudo. O suporte familiar envolve a percepção de carinho, de relações colaborativas e compreensão entre os membros da família, habilidades de estratégia de enfrentamento, autonomia e confiança (Baptista, 2005; Baptista et al., 2010). Assim, os resultados indicam que a família e o suporte que ela pode proporcionar estão associados à saúde mental das pessoas podendo ser considerado um fator de proteção contra o desenvolvimento de sintomatologia depressiva (Baptista et al., 2008; Borges & Pacheco, 2018).
Ademais, há de se considerar que as correlações entre os fatores total e afetivo-consistente do IPSF com a depressão tiveram magnitudes mais elevadas quando comparadas a amostras de crianças e adolescentes, ao passo que com o fator adaptação as correlações foram menores (Borges & Pacheco, 2018; Cruvinel & Boruchovitch, 2011). Aventa-se a possibilidade de a faixa etária ser uma variável que pode impactar na percepção de suporte familiar, remetendo a possibilidade do desenvolvimento de versões específicas para ciclos desenvolvimentais diferentes e/ou normas específicas (Baptista & Cremasco, 2013).
Em relação à hipótese 4, esperava-se que as associações entre os fatores do IPSF e da EARE-AD fossem positivas após a inversão dos fatores pessimismo, externalização de agressividade e paralisação (EARE-AD). Os resultados confirmaram a hipótese e são coerentes com os dados identificados em outros estudos (Borges & Pacheco, 2018; Cruvinel & Boruchovitch, 2011; Gratz & Roemer, 2004). A justificativa para os resultados pode ser o fato da autorregulação emocional, quando em baixos níveis, estar associada às dificuldades no estabelecimento de relacionamentos interpessoais saudáveis e acarretar em problemas emocionais (Gratz & Roemer, 2004; Simon & Durand-Bush, 2015). A dificuldade de alguns indivíduos em relação à administração das próprias emoções poderia impactar negativamente no bem-estar e na convivência familiar (Tamir, 2015), não percebendo o suporte que os familiares oferecem. Nesse sentido, faz-se importante considerar o funcionamento familiar e as características pessoais de cada indivíduo para minimizar interpretações isoladas, por exemplo, aquelas que focam somente nos pais ou somente nos filhos (Noronha & Batista, 2017; Weber, Bradenburg & Viezzer, 2003).
A hipótese 5 também foi confirmada no presente estudo. Esperava-se que as associações entre o IPSF e a EPSUS-A fossem positivas. Como identificado em estudos anteriores (Baptista & Cremasco, 2013; Cardoso & Baptista, 2015), as associações entre os suportes familiar e social foram positivas. Tais resultados podem ser explicados pelo fato do suporte familiar ser uma espécie de dimensão reduzida do suporte social (Baptista, Cardoso & Gomes, 2012; Duru, 2007). Quando comparadas ao estudo de Cardoso e Baptista (2015), as magnitudes encontradas na presente investigação foram mais altas. Ademais, tanto no presente estudo quanto no de Cardoso e Baptista (2015) as associações entre os fatores do IPSF e o fator Instrumental da EPSUS-A foram as que apresentaram magnitudes menores. O fator Instrumental diz respeito a percepção do indivíduo tem no que se refere às ajudas financeiras e práticas que recebe dos membros de sua família (Baptista et al., 2012). Esses resultados parecem indicar que as questões que permeiam o desenvolvimento familiar vão além de aspectos materiais, sendo necessário levar em conta os aspectos emocionais que circundam as relações entre membros de uma família (Baptista et al., 2012; Noronha & Batista, 2017).
Além disso, há de se considerar as características da amostra e seus possíveis impactos nos dados do IPSF. À título de exemplo, apenas 34 % da amostra residia com pais e irmãos. Ou seja, é possível que a maior parte dos participantes tenha saído de casa por ter desenvolvido certa independência e autonomia da família, sobretudo ao se considerar que se tratam de adultos jovens (Carter & McGoldrick, 1995; Pellegrini, Silva, Barreto & Crepaldi, 2015). Dessa forma, os dados precisam ser analisados com cautela, uma vez que a fase da adultez jovem é marcada por uma diferenciação do self em relação aos familiares, permeando noções de hierarquia entre pais e filhos, e a escolha por uma profissão e relacionamentos íntimos (Carter & McGoldrick, 1995; Fiorini, Moré, & Bardagi, 2017). Pode ser que, em alguns casos, o suporte familiar tenha sido de uma forma, porém, por ser um período de transição permeado de estresse e ansiedade (Aylmer, 1995), tal percepção tenha se alterado.
Os resultados obtidos no presente estudo demonstraram consistentes evidências de validade para o IPSF com base na estrutura interna e na relação com variáveis externas. Os achados parecem indicar que o IPSF pode ser impactado pelo estilo de resposta aquiescente, o que permite levantar a hipótese de que controlando esse viés, os escores obtidos podem ser mais próximos do escore verdadeiro do sujeito. Algumas limitações deste estudo precisam ser ponderadas: (a) o número da amostra pode ter impactado nos resultados obtidos; (b) a escala não foi totalmente balanceada para o controle de aquiescência, ou seja, não foram criados pares opostos para todos os itens e sim dois para cada fator; (c) as características sociodemográficas dos participantes são pouco representativas da população brasileira (predominantemente mulheres, solteiros e com ensino superior completo). Sugere-se que estudos futuros verifiquem o impacto da aquiescência com a escala totalmente balanceada e, além disso, possa controlar também a desejabilidade social dos itens e identificar possíveis interferências das variáveis de caracterização dos participantes.