A adolescência é considerada um período de potencial vulnerabilidade, em que grande parte da carga de doenças mentais surge. Mundialmente, estima-se que 10-20 % dos adolescentes experimentam algum problema de saúde mental ou neuropsiquiátrico, representando a principal causa de anos perdidos por incapacidade (representa o equivalente a um ano completo de vida saudável perdida devido a deficiência ou problemas de saúde) entre adolescentes e jovens (Patton et al., 2014). No Brasil, estima-se a prevalência de 30 % de Transtornos Mentais Comuns (TMC) nesse grupo (Lopes et al., 2016). Quando não tratadas na adolescência, as consequências dessas condições podem se estender à fase adulta e acarretar em prejuízos na saúde física e mental, limitando as oportunidades de obter uma vida mais saudável quando adultos. Dentre essas condições, os distúrbios emocionais, incluindo a depressão, são os mais frequentes na adolescência e representam impacto significativo na etiologia de outras doenças e incapacidades (World Health Organization (WHO), 2014).
O início de depressão na adolescência está associado à maior prejuízo funcional, comorbidades psiquiátricas e suicídio (Van Noorden et al., 2011). A maioria dos adolescentes deprimidos apresenta comorbidades psiquiátricas ao longo da vida, com os transtornos de ansiedade sendo os mais comuns (30 % a 80 %). As estimativas também apontam que de 5 % a 10 % dos adolescentes deprimidos cometem suicídio em até 15 anos após seu primeiro episódio de depressão, além de terem sete vezes mais chances de concluir o suicídio, isso quando comparados aos adolescentes sem diagnóstico de depressão. Ademais, a presença de sintomas depressivos na adolescência está associada a inúmeros desfechos adversos na vida adulta, incluindo menor escolarização e piores indicadores de saúde (Rohde, Lewinsohn, Klein, Seeley, & Gau, 2014).
Na adolescência, a depressão se caracteriza pela presença de humor irritável e instável, perda de energia, apatia e desinteresse relevantes. Outros sintomas incluem sentimentos de desesperança e culpa, alterações no sono, isolamento e dificuldades para manter a atenção em atividades cotidianas (Bahls & Bahls, 2002). Esses sintomas podem variar de acordo com a idade e o gênero do adolescente. Aqueles mais novos podem apresentar maior desinteresse nas atividades escolares, hiperatividade e sintomas psicossomáticos, como dores de cabeça. Já os mais velhos tendem a relatar menos queixas de dor e maior retraimento social, preocupação com a imagem corporal e ideação suicida mais recorrente. Tais diferenças decorrem de processos de maturação do desenvolvimento. Assim, à medida que o adolescente continua a se desenvolver, os sintomas somáticos são substituídos por psicológicos (Baptista, Borges & Serpa, 2017).
As diferenças por gênero são refletidas na incidência, curso e número de episódios depressivos (Lewis et al., 2015). Estudos também indicam que antes da puberdade há uma maior tendência da presença de sintomas nos meninos (Johnson & Whisman, 2013; Rohde et al., 2014). Após esse período, as meninas começam a apresentar consistentemente maiores taxas de depressão. Há também diferenciação quanto à sintomatologia. As meninas apresentam maior número de sintomas internalizantes, como humor mais rebaixado e choro constante, enquanto os meninos expressam mais sintomas externalizantes, como dificuldade de concentração e agressividade. A etiologia dessas diferenças é complexa e pode ser explicada a partir de fatores biológicos (alterações hormonais), ambientais (processos de socialização) e psicológicos (maior presença de afeto negativo e ruminação) (Baptista et al., 2017).
Diferentes teorias biológicas e psicológicas buscaram estabelecer a etiologia da depressão. A Teoria Cognitiva de Beck (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979) é uma das teorias mais amplamente aceitas entre os modelos cognitivos contemporâneos. Segundo esse modelo, a depressão é causada pela ativação de esquemas que rastreiam e codificam a experiência do indivíduo deprimido de forma negativa, refletindo em três dimensões, a saber: visões negativas sobre si mesmo, nas quais a pessoa se vê como inadequada ou inapta; o mundo, incluindo uma tendência negativa de interpretar seus relacionamentos interpessoais; e o futuro, caracterizada pela ideia de desesperança (Beck et al., 1979). Na adolescência, os indivíduos adquirem novas habilidades que lhes permitem a realização de abstrações sobre si e sobre os outros, que constituirá um conjunto de auto-crenças inter-relacionado e em desenvolvimento contínuo. Esse conjunto de crenças sobre si, que inclui o autoconceito, a autoestima e a autoeficácia, exerce papel moderador da ocorrência de depressão, atuando como componente protetivo ou potencializando a presença de sintomas (Rodriguez & Loos-Sant’Ana, 2015).
A autoeficácia se refere às crenças do indivíduo acerca da sua capacidade de organizar e executar determinado curso de ação para alcançar um resultado (Bandura, 1997). A autoeficácia atua também sobre a autorregulação de estados emocionais, influindo sobre a vulnerabilidade do indivíduo à ocorrência de sintomas depressivos. Inúmeras evidências, em diferentes contextos, apontam a relação da autoeficácia e depressão em adolescentes, e sua função na promoção de desfechos adaptativos diante de adversidades inerentes a essa fase do desenvolvimento, incluindo passagem do ambiente familiar para ambientes impessoais, a complexidade do ensino médio, as descobertas relacionadas à sexualidade, entre outros (Guerra, Farkas, & Moncada, 2018; Lara, Patiño, Navarrete, Hernández, & Nieto, 2017; Muris, Meesters, Pierik, & Kock, 2016; Tak, Brunwasser, Lichtwarck-Aschoff, & Engels, 2017).
A autoestima e o autoconceito são construtos cognitivos que comumente apresentam relação próxima com a autoeficácia. A autoestima se refere à avaliação subjetiva de um indivíduo de seus valores como pessoa (Orth & Robins, 2014). O autoconceito, por sua vez, é um construto amplo que envolve a percepção das pessoas sobre si mesmas em diferentes domínios, incluindo social, familiar, físico, entre outros (Harter, 1985). Dentro do modelo cognitivo da depressão, os três construtos se referem às crenças do indivíduo acerca de si mesmo e auxiliam na explicação da presença de sintomas depressivos. Isto é, crenças negativas de autoeficácia, autoestima e autoconceito tendem a estar associadas à maior probabilidade de ocorrência de depressão (Galicia-Moyeda, Sánchez-Velasco, & Robles-Ojeda, 2013; Steiger, Allemand, Robins, & Fend, 2014). No entanto, a autoeficácia tem apresentado papel de destaque em pesquisas longitudinais e interventivas com foco no seu desenvolvimento para manejo e remissão de sintomas depressivos (Morton & Montgomery, 2012; Shoshani & Steinmetz, 2014; Tak et al., 2017).
Os construtos cognitivos, em especial a autoeficácia, expressam um aspecto importante no processo de ajustamento, pois moderam os impactos produzidos pelos desafios adaptativos. Assim, estudá-los como preditores de depressão se mostra relevante para adoção de ações preventivas e diagnósticas mais assertivas, bem como auxilia no melhor entendimento do fenômeno. Desse modo, o objetivo principal deste estudo foi avaliar a capacidade de predição da autoeficácia, autoestima e autoconceito sobre a sintomatologia depressiva em adolescentes. Outros objetivos incluíram o rastreamento de sintomas depressivos e análise do papel moderador das variáveis gênero e idade na relação entre os principais preditores e os sintomas de depressão.
Método
Participantes
A amostra foi constituída por 501 adolescentes, com média de idade de 16,4 anos (DP = 1,15; Mín. = 14 e Máx. = 19), com maior parte do gênero feminino (n = 276; 55,1 %). Participaram da pesquisa estudantes do ensino médio, sendo 32,9 % do 1º ano (n = 165), 42,3 % (n = 212) do 2º ano e 24,8 % do 3º ano (n = 124), de escolas públicas e privadas de uma capital (n = 315; 62,9 %) e do interior (n = 186; 37,1 %) do Nordeste brasileiro. O delineamento da pesquisa foi do tipo não probabilístico, com amostragem por conveniência, feita em sala de aula.
Instrumentos
Utilizou-se um questionário sociodemográfico contendo informações para caracterização da amostra, como gênero (masculino ou feminino), idade (em anos) e escolaridade (1º, 2º ou 3º ano do ensino médio). Aplicou-se a Escala de Autoeficácia Geral Percebida (EAGP; Schwarzer & Jerusalem, 1995), adaptada e validada para o Brasil por Souza e Souza (2004). A EAGP contém 10 itens em uma escala tipo Likert de 1 (não é verdade ao meu respeito) a 4 (é totalmente verdade ao meu respeito). A pontuação final foi obtida a partir da soma dos itens, variando entre 10 e 40 pontos, em que quanto maior o escore, maior a crença de autoeficácia. Na presente investigação, a escala apresentou alfa de Cronbach equivalente a 0,85.
A Escala de Autoconceito Multidimensional (EAM; Sarriera et al., 2015), versão adaptada para o contexto brasileiro a partir da Escala de Autoconceito Forma 5 (AF5; García & Musitu, 2014). A medida contém 24 itens com possibilidade de resposta entre 1 (nunca) e 5 (sempre) pontos, contemplando as dimensões autoconceito acadêmico, familiar, físico e social. A escala varia entre 24 e 120 pontos, em que escores mais alto indicam percepção mais positiva do autoconceito do indivíduo. A escala apresentou alfa de Cronbach de 0,87 nesta pesquisa.
Utilizou-se, também, a Escala de Autoestima de Rosenberg (EAR; Rosenberg, 1965), adaptada para o Brasil por Hutz (2000). A escala apresenta 10 itens dispostos numa escala de 1 (discordo totalmente) a 4 pontos (concordo totalmente). O escore total varia entre 10 e 40 pontos; quanto maior a pontuação, maior a percepção de autoestima do participante. O instrumento obteve alfa de Cronbach de 0,87 nesta amostra.
Por fim, aplicou-se o Patient Health Questionnaire-9 (Questionário de Saúde do Paciente (PHQ-9); Kroenke, Spitzer, & Williams, 2001), versão traduzida e adaptada por Lima, Mendes, Crippa e Loureiro (2009), que foi utilizado para rastrear os sintomas depressivos. O instrumento foi construído com base nos critérios diagnósticos para transtorno depressivo maior do DSM-IV, permitindo a classificação dos níveis de gravidade (leve, moderada ou grave). A medida é composta por nove itens, avaliados em uma escala (0 “nunca” a 3 “em quase todos os dias”) que mede a frequência de sinais e sintomas de depressão nas últimas duas semanas. O escore final varia de 0 a 27 pontos. A pontuação igual ou acima de 10 pontos representa indicação positiva de depressão. Neste estudo, essa medida apresentou alfa de Cronbach de 0,85.
Aspectos Éticos e Procedimentos
A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (Registro da Pesquisa, CAAE: 10476319.2.0000.5546). Inicialmente, obteve-se a autorização das instituições de ensino, bem como dos pais ou responsáveis através do Termo de Autorização. Os adolescentes que aceitaram participar assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), contendo o objetivo da pesquisa, as garantias de sigilo e direito de recusa ou retirada do consentimento em qualquer fase do processo de pesquisa. Os dados foram coletados de forma presencial em sala de aula, autoaplicada e com duração média de 30 minutos.
Análise dos dados
As análises foram realizadas por meio do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, versão 25). A priori, foram efetuadas estatísticas exploratórias, com a substituição de casos perdidos e extremos (menos do que 1 % da amostra total) pela média, bem como a análise dos coeficientes de assimetria e achatamento para avaliação da normalidade das distribuições. Em seguida, obtiveram-se as estatísticas descritivas (frequência percentual, média e desvios-padrão).
Para a avaliação da predição dos sintomas de depressão, conduziu-se análise de regressão linear múltipla (método backward) (Field, 2009). O escore de depressão no PHQ-9 foi inserido como variável dependente (VD) e os escores de autoeficácia, autoconceito e autoestima como variáveis independentes (VIs). A partir do resultado dessa análise, verificou-se o papel moderador das variáveis gênero e idade na relação entre depressão e a(s) variável(is) preditora(s). A análise de moderação consiste no efeito de uma variável na direção ou intensidade da relação entre uma variável preditora (independente) e a variável predita (dependente). A análise de moderação permite identificar diferenças individuais ou condições situacionais que alteram a relação estabelecida entre duas outras variáveis (Edwards & Lambert, 2007).
Inicialmente, analisou-se o atendimento aos pressupostos para realização da análise de moderação: os dados devem apresentar homocedasticidade (as variâncias constantes dos erros são as mesmas para todas as combinações de variáveis independentes e moderadoras) e não podem indicar multicolinearidade (variáveis altamente correlacionadas); e os resíduos devem ser normalmente distribuídos (Hayes, 2012). Posteriormente, verificou-se se as variáveis dependentes e independentes estabeleciam associações significativas com as variáveis moderadoras por meio de teste t (gênero) e correlação de Pearson (idade). Tendo sido atendidos esses critérios, conduziu-se a análise de moderação na ferramenta Process para SPSS (versão 3.4). O nível de significância adotado para todas as análises foi de p < 0,05.
Resultados
Nas escalas de autoeficácia, autoestima e autoconceito, os participantes obtiveram escore médio de 27,9 (DP = 6,22; Mín. = 10; Máx. = 40), 26,9 (DP = 6,45; Mín. = 11; Máx. = 40) e 81,9 (DP = 16,34; Mín. = 41; Máx. = 120), respectivamente. Na escala de depressão, o escore médio foi de 10,4 (DP = 6,58; Mín. = 0; Máx. = 27), sendo que 48,7 % (n = 244) apresentaram diagnóstico de rastreamento positivo para depressão na PHQ-9 (escore igual ou superior a 10 pontos).
Relação entre depressão e construtos
Análises de correlação de Pearson apontaram que os escores das variáveis mensuradas obtiveram uma correlação estatisticamente significativa (p < 0,001), atendendo pressuposto para realização da regressão linear. A Tabela 1 apresenta os coeficientes de correlação entre depressão, autoeficácia, autoestima e autoconceito.
Na análise de regressão múltipla, tendo como variável dependente o escore de sintomas depressivos na PHQ-9, o modelo gerado apresentou coeficiente de determinação ajustado (R²) de 25 % (R² = 0,250, F = 167,44; p < 0,001) e a autoeficácia foi a única variável que permaneceu no modelo, sendo preditora negativa de depressão (β = -0,50; p < 0,001). As variáveis autoestima e autoconceito não apresentaram significância estatística e foram excluídas do modelo final (p > 0,05). A avaliação inicial dos pressupostos da regressão linear, de multicolinearidade e a análise dos resíduos da regressão não indicaram problemas de validade do modelo final.
Análise de moderação
A partir dos resultados na análise de regressão múltipla, conduziu-se análise de moderação das variáveis gênero e idade na relação entre autoeficácia e depressão. Na avaliação dos pressupostos, não se constatou problemas que impedissem a realização da análise. O teste t indicou diferenças estatisticamente significativas por gênero do adolescente nos escores de autoeficácia (t = 6,37; p < 0,001) e depressão (t = -6,53; p < 0,001). A correlação de Pearson demonstrou uma associação positiva e significativa entre idade e escore de autoeficácia (r = 0,12; p = 0,006) e negativa e significativa com o escore de depressão (r = -0,16; p < 0,001).
Como resultado da avaliação da moderação, viu-se que ambas as variáveis sociodemográficas não apresentaram um efeito de interação significativo com a autoeficácia, indicando que a relação entre autoeficácia e depressão não foi moderada pelo gênero (b = -0,525, IC95 % (-0,221; 0,116); t = -0,61; p = 0,542), nem pela idade do adolescente (b = 0,007, IC95 % (-0,061; 0,075); t = 19; p = 0,842).
Discussão
Os adolescentes desta amostra apresentaram níveis acima da média nas escalas de autoeficácia, autoestima e autoconceito. Outros estudos também relataram achados semelhantes (Carlsen et al., 2017; Chui & Wong, 2016; Sznitman, Zimmermann & Petegem, 2019). Esses três construtos refletem um conjunto de crenças sobre si mesmo que estão inter-relacionadas e em desenvolvimento contínuo. Na adolescência, o indivíduo adquire novas habilidades cognitivas que permite a realização de abstrações e reflexões sobre si mesmo, os outros e suas capacidades. Essas crenças passam a ter significado e integram um senso único de identidade, desenvolvido a partir de experiências pessoais, autorreflexão e feedback de figuras afetivas importantes (Rodriguez & Loos-Sant’Ana, 2015). Portanto, níveis acima da média de autoeficácia, autoestima e autoconceito estão associados a um funcionamento mais adaptado, exercendo influência no ajustamento psicológico diante de desafios inerentes à adolescência. Enquanto crenças abaixo da média estão associadas à presença de desfechos negativos em saúde, a exemplo da ocorrência de transtornos mentais comuns (Shoshani & Steinmetz, 2014; Stoddard & Pierce, 2015).
Quanto à sintomatologia depressiva, quase metade dos participantes deste estudo apresentou diagnóstico de rastreamento positivo para depressão, seguindo a tendência de outros estudos nesse público (Bhatta, Champion, Young & Loika, 2018; Moeini, Bashirian, Soltanian, Ghaleiha & Taheri, 2019; Yang, Lau & Lau, 2018). A presença de sintomas depressivos na adolescência, ainda que em níveis clinicamente não significativos, está associada a uma série de resultados desadaptativos, incluindo presença mais frequente de problemas de saúde física (Wright et al., 2016), maior absenteísmo escolar (Gonzálvez et al., 2018), maior risco de tentativa e conclusão de suicídio (Twenge, Joiner, Rogers & Martin, 2018), entre outros. Por causa disso, a depressão em adolescentes tem sido pauta global nas discussões em saúde. De qualquer modo, embora o conjunto de conhecimento acerca do fenômeno tenha avançado em inúmeros aspectos, ainda se observa a necessidade de aperfeiçoar de métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento (Thapar, Collishaw, Pine & Thapar, 2012). Assim, analisar construtos cognitivos como preditores de depressão contribui tanto na avaliação, ao passo que se identifica quais indivíduos apresentam maior vulnerabilidade, quanto no tratamento, a partir da elaboração de estratégias para o desenvolvimento de crenças mais adaptativas sobre si mesmo.
A crença na sua própria capacidade de exercer ações para alcançar resultados é um fator crucial para o bem-estar emocional de adolescentes. Neste estudo, a autoeficácia foi o único construto cognitivo que permaneceu no modelo de análise de regressão linear múltipla, tendo sido visto que níveis rebaixados de autoeficácia foram preditivos para níveis mais altos de sintomas depressivos. Não foi identificado na literatura nenhum estudo que tenha investigado os três construtos em conjunto e sua relação com sintomas depressivos, tal como se realizou nesta pesquisa. No entanto, há evidências que apontam para a relevância da autoeficácia na explicação da depressão em adolescentes (Guerra et al., 2018; Muris et al., 2016; Tak et al., 2017). Bandura, Pastorelli, Barbaranelli e Caprara (1999) explicam que níveis rebaixados de autoeficácia podem produzir sintomas depressivos através de três caminhos. O primeiro seria a partir das discrepâncias entre as aspirações pessoais e habilidades percebidas. Nessa perspectiva, os adolescentes estabelecem padrões incompatíveis com suas habilidades, diminuindo a probabilidade de sucesso e realização de seus objetivos e, consequentemente, produzindo sentimentos de culpa e incapacidade. Um segundo caminho seria por meio de um baixo senso de eficácia social para desenvolver relacionamentos interpessoais satisfatórios que auxiliem no controle de estressores crônicos. Por fim, uma terceira via se daria através do baixo senso de exercer controle sobre os próprios pensamentos depressivos.
A autoestima e o autoconceito não apresentaram significância estatística na predição de sintomas depressivos em adolescentes desta pesquisa. Outras investigações que analisaram a relação de ao menos dois dentre os três construtos aqui avaliados e a ocorrência de depressão já haviam observado alguma sobreposição entre eles (Chang, Yuan & Chen, 2018; Yang et al., 2018). Essa sobreposição pode ter causado a exclusão das variáveis, uma vez que a regressão tende a controlar essa condição e, conceitualmente, a proximidade entre os três pode ter afetado a mensuração simultânea (Rodriguez & Loos-Sant’Ana, 2015). Essa proximidade conceitual exerce influência no processo de mensuração dos construtos. Por exemplo, para medir autoeficácia, o item 1 questiona “Eu posso resolver a maioria dos problemas, se fizer o esforço necessário”, ao passo que na medida de autoestima, o item 4 avalia se “Eu acho que sou capaz de fazer as coisas tão bem quanto a maioria das pessoas”, o que pode sugerir, de algum modo, sobreposição das medidas. Ainda assim, vale salientar que a avaliação de multicolinearidade do modelo final deste estudo não indicou a presença de problemas na análise, o que significa dizer que essa sobreposição não foi um problema dos instrumentos em si, mas de um efeito até esperado no uso de conceitos que congregam alguma semelhança. De qualquer modo, isso não significa que a autoestima e o autoconceito não sejam relevantes para explicação do fenômeno, mas que em conjunto com a autoeficácia, apenas essa última variável teve capacidade preditiva exclusiva na previsão do escore de depressão da presente amostra.
Viu-se que a relação entre autoeficácia e a sintomatologia depressiva não foi moderada pelas variáveis gênero e idade. Isso demonstra que a capacidade da autoeficácia em predizer sintomas depressivos não sofre influência significativa em detrimento dessas variáveis sociodemográficas. Isto é, níveis rebaixados de autoeficácia predizem níveis elevados de sintomatologia depressiva em meninos e meninas, mais novos ou mais velhos, sem alterar a intensidade ou a direção dessa relação. Esse achado fornece subsídios para elaboração de protocolos de intervenção e práticas mais assertivas, parcimoniosas e pragmáticas, visto que é possível utilizar técnicas indistintas para ambos os gêneros e faixas etárias. Em outras palavras, intervenções que visam ao desenvolvimento adaptativo de autoeficácia na prevenção, redução ou remissão de sintomas depressivos em adolescentes serão efetivas indistintamente entre os grupos.
Cumpre ressaltar que foram observadas diferenças estatisticamente significativas por gênero nos níveis de autoeficácia e depressão, tendo as meninas apresentado níveis mais baixos de autoeficácia e mais elevados de depressão, comparativamente aos meninos. No entanto, essa variável não moderou a relação entre a VI e a VD em análise neste estudo, ou seja, níveis rebaixados de autoeficácia predizem a ocorrência de depressão independentemente do gênero do adolescente. Esse achado demonstra consistência na capacidade explicativa das crenças de autoeficácia e desfechos em saúde mental do adolescente e não implica que se deve ignorar a influência das diferenças individuais nos níveis de autoeficácia ou ocorrência de depressão. Inúmeros estudos apontaram diferenças por gênero nos níveis de autoeficácia em domínios distintos, por exemplo, meninas apresentam níveis mais elevados de autoeficácia no gerenciamento de atividades acadêmicas e sociais, ao passo que os meninos têm crenças mais elevadas para lidar com estados emocionais e afetivos (Claster & Blair, 2017; D’Lima, Winsler & Kitsantas, 2014). Sabe-se também que meninas têm mais chances de apresentar sintomas depressivos dos que os meninos (WHO, 2014). São apontadas, ainda, diferenças nos níveis de autoeficácia (Ndika, Olagbaiye & Agiobu-Kemmer, 2009; Scott et al., 2008) e sintomas depressivos (Baptista et al., 2017) em decorrência da faixa etária do adolescente. Portanto, o gênero e idade do adolescente são variáveis consideradas quanto às diferenciações das crenças de autoeficácia e ocorrência de depressão. No entanto, essas variáveis sociodemográficas, de acordo com os resultados da presente pesquisa, parecem não alterar a relação estabelecida entre autoeficácia e sintomatologia depressiva.
Conclusões
Em resumo, viu-se que os adolescentes desta amostra apresentaram níveis moderados de autoeficácia, autoconceito e autoestima e quase metade deles obteve diagnóstico de rastreamento positivo de sintomas depressivos. Dentre os construtos cognitivos, a autoeficácia foi a única autocrença preditora de sintomatologia em adolescentes. Além disso, observou-se que essa relação não é moderada pelo gênero ou idade do participante. Ressalta-se que não foi identificado na literatura nacional e internacional nenhum estudo com esses objetivos, sendo este o primeiro junto a adolescentes do nordeste brasileiro.
Como limitação deste estudo, destaca-se que a amostra foi do tipo não probabilístico e por conveniência, sem representatividade populacional. Portanto, é preciso parcimônia quanto à generalização dos resultados em adolescentes de outros contextos. Em futuros estudos com amostras representativas, e de outras regiões, talvez seja possível constatar a estabilidade das crenças de autoeficácia na explicação da ocorrência de depressão nesse grupo. Nesta pesquisa, o delineamento foi transversal e os instrumentos utilizados tinham características de rastreamento, não sendo realizado diagnóstico clínico de depressão nos adolescentes. Sugere-se, portanto, a realização de estudos longitudinais, de caráter interventivo e em amostras clínicas, a fim de verificar não só a capacidade da autoeficácia em predizer a ocorrência de depressão, como avaliar o seu papel na remissão dos sintomas. Ressalta-se, ainda, que foi utilizada uma escala geral de autoeficácia, sendo recomendado que futuros estudos busquem identificar quais domínios específicos estariam mais associados a quadros depressivos, visto que, para Bandura, a autoeficácia é mais bem explicitada a partir de crença específica à domínios de ações (acadêmica, social, emocional, entre outros).
Finalmente, a partir dos achados desta investigação, espera-se a ampliação da discussão acerca da saúde na adolescência, considerando que inúmeras condições que ocorrem nessa fase do desenvolvimento tendem a acarretar uma série de complicações na vida adulta. Espera-se, assim, que os cuidados em saúde mental possam ser cada vez mais baseados em evidências, potencializando ações que promovam bem-estar nesse público, por meio do reconhecimento de fatores de protetivos à sua saúde. Os achados aqui reunidos demonstram a notoriedade do papel da autoeficácia no entendimento da sintomatologia depressiva em adolescentes, caracterizando-se como um foco potencial na elaboração de intervenções que visem o fortalecimento e desenvolvimento de crenças positivas junto a esse público.