Introdução
O presente estudo apresenta como tema o paciente oncológico e a demarcação abdominal do estoma. O interesse por este tema emergiu nas discussões empreendidas no curso de especialização em estomaterapia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), quando observou-se empiricamente que era um tema complexo e pouco investigado na prática profissional. As neoplasias malignas, em termos mundiais, são responsáveis por aproximadamente 13% das causas de óbito, o que corresponde a mais de 7 milhões de pessoas 1. O câncer colorretal ocupa o primeiro lugar em incidência e mortalidade, sendo o terceiro tipo de câncer mais comum em homens e a segunda em mulheres em todo o mundo 2. Isso significa que um problema de saúde pública, especialmente complexo de acordo com a rede de Sistemas de Informação e Epidemiologia em Câncer (REDEPICAN), que inclui registros de Espanha e América Latina 3.
No Brasil também é importante causa de morbimortalidade, sendo a segunda causa de morte na população, representando quase 17% dos óbitos de causa conhecida, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares 4.O câncer de cólon e reto configura-se como o terceiro mais comum no mundo em ambos os sexos e a segundo em países desenvolvidos 5. Uma das possibilidades com a execução do procedimento cirúrgico é a confecção do estoma intestinal temporário ou definitivo, seja para proteção da anastomose, seja para desvio definitivo do trânsito intestinal, contribuindo para a cura ou sobrevida do paciente. Estoma, ostoma, estomia ou ostomia são palavras de origem grega que significam boca ou abertura, exteriorização de qualquer víscera oca através do corpo 6.
As ostomias intestinais, dependendo do segmento exteriorizado podem ser jejunostomias, ileostomias e colostomias, sendo confeccionadas para o tratamento de várias doenças que incluem o câncer colorretal, doença diverticular, doença inflamatória intestinal, incontinência anal, colite isquêmica, polipose adenomatosa familiar, traumas abdominais, megacólon, infecções perineais graves, proctite actínica e Doença de Crohn. Os estomas permanentes substituem a perda de função esfincteriana resultante do tratamento cirúrgico ou incontinência, quando não há sucesso com outras opções com o intuito de restaurar a evacuação por via anal 9.
Independente da situação, observa-se a necessidade de um acompanhamento pré, trans e pós operatório por enfermeiro especializado que elabore um plano de cuidados individualizado que contemple todas essas fases. A Estomaterapia é uma especialidade da enfermagem que tem por abrangência o cuidado com ostomias, feridas, fístulas, incontinências, tubos, sondas e drenos. Várias dessas situações são possíveis de estarem presentes nesses pacientes, que necessitam de cuidado especializado tendo como objetivo final a sua reabilitação 8.
Em cada uma das fases do planejamento cirúrgico, o estomaterapeuta possui objetivos claros, e a fase pré operatória, é essencial para a prevenção de complicações e promoção da reabilitação 9. Das várias atribuições do estomaterapeuta na consulta pré operatória está a demarcação abdominal da derivação intestinal. Para que esta atividade seja realizada no paciente com câncer de cólon e reto, conhecimentos de oncologia são fundamentais para este profissional, já que esses pacientes possuem peculiaridades importantes a serem avaliadas e que podem influenciar na demarcação. Entre elas podemos citar o estado nutricional, utilização de órteses, realização de radioterapia ou quimioterapia neo ou adjuvantes, restrições de mobilização temporárias ou permanentes, idade avançada, caquexia, patologias cutâneo-mucosas, entre outros 9.
Sendo assim, justifica-se a necessidade de estudar esta temática e para isso delimitou-se o seguinte objeto de estudo: atuação do estomaterapeuta (ET) na demarcação do estoma intestinal em clientes submetidos à cirurgia oncológica. Temos como objetivo do estudo: realizar levantamento da produção de artigos científicos referentes ao tema proposto; discutir as ações específicas utilizadas pelo enfermeiro estomaterapeuta na demarcação dos estomas intestinais em pacientes oncológicos.
Material e método
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com abordagem descritiva. Esse tipo de estudo recupera os documentos divulgados a respeito do tema de interesse, permitindo que o pesquisador tenha acesso às diversas publicações sobre o assunto 10. A pesquisa bibliográfica favorece ao investigador a cobertura de um determinado fenômeno de forma ampla, especialmente quando os dados das pesquisas são muito dispersos 11. Para isso, esse tipo de pesquisa inclui a identificação, compilação e fichamento dos documentos obtidos para sua posterior apresentação.
Neste estudo, a pesquisa bibliográfica veio ao encontro da temática a ser discutida, pois objetiva recolher, analisar e interpretar contribuições teóricas já existentes sobre determinado assunto 11. As pesquisas descritivas são capazes de retratar as características de indivíduos, situações, grupos e a freqüência com que ocorrem determinados fenômenos 12. Para a coleta de dados foi utilizada a base de dados LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), Bireme, periódico CAPES. O recorte temporal incluiu publicações de 1998 a 2012. Esse recorte temporal foi adotado pois, em anos anteriores a 1998, na América Latina, não foram encontrados estudos a respeito do tema.
Foram utilizados os seguintes descritores de assunto: ostomia; enfermagem e neoplasia. Para cada um desses, foram selecionados os descritores padronizados que se relacionavam ao tema. Adotou-se os operadores booleanos or entre os descritores padronizados e and entre os descritores de assunto. Os critérios de inclusão foram produções científicas disponibilizados na íntegra, tendo como autores profissionais de saúde, independente da categoria, nos idiomas português e espanhol. Foram excluídos os documentos indisponíveis na íntegra e que não versavam sobre o tema em estudo.
Inicialmente foram encontrados 40 documentos, sendo 27 artigos, 9 teses e 4 capítulos de livro. Destes, apenas 4 atendiam aos critérios de inclusão. Estes foram submetidos a leitura analítica com posterior organização e elaboração de um quadro com as características de cada artigo, a saber: autores/ano de publicação/país, título, objetivo, método, amostra, principais achados e conclusões.
Tabela 1: Estado da arte
Discussão
Após a realizar os achados, verificou-se que:
Caracterização dos artigos
De acordo com os critérios utilizados foram encontrados 4 documentos na íntegra disponibilizados on-line pela base de dados LILACS que adequavam-se aos objetivos do estudo. Todos os documentos selecionados apresentam-se como artigos, publicados no periodo de 1998 a 2012, sendo 1 estudo quantitativo e 3 revisões de literatura, todos em língua portuguesa. A estomaterapia surgiu no final dos anos 50 nos Estados Unidos da América, com o oferecimento de cursos de treinamento destinados aos pacientes ostomizados 14.
Em 1958, Norma Gill experenciou estar ileostomizada em decorrência de uma retocolite ulcerativa e, diante de suas dificuldades, procurou seu cirurgião, Dr. Turnbull, com a proposta de auxiliar outras pessoas ostomizadas. Dessa forma foi por ele contratada como técnica em estoma para atuar junto à pacientes estomizados na Cleveland Clinic Foundation15.
Nos anos 60 e 70 os profissionais de saúde começaram a buscar treinamento especializado na área. Contudo, apenas a partir de 1980, a estomaterapia foi reconhecida como especialidade exclusiva do enfermeiro pelo World Council of Enterostomal Therapists (WCET) 14. Em 1993, a Sociedade Brasileira de Estomaterapia (SOBEST) foi fundada em no Brasil com o objetivo de promover o desenvolvimento técnico e científico dos profissionais em consonância com o World Council of Enterostomal Therapists (WCET).
Os quatro artigos selecionados propuseram-se a descrever a técnica de demarcação do estoma na parede abdominal, além de outros aspectos relevantes a serem considerados para que a localização do estoma seja adequada. Nunhum deles enfocou especificamente o paciente oncológico, em suas peculiaridades.
Para dar prosseguinto à discussão utilizamos os artigos obtidos, além de outras literaturas pertinentes ao tema, relacionando ao paciente oncológico.
Após a leitura, a categorização do estudo foi a demarcação do estoma, gerando subítens: a importância da demarcação, método de demarcação e peculiaridade da demarcação do paciente oncológico.
A demarcação do estoma
Demarcar o estoma na parede abdominal significa delimitar uma região ideal e realizar a demarcação para que o cirurgião posicione o estoma em local que permita a adaptação/aderência de dispositivos coletores com o máximo de conforto para o paciente, facilitando a participação social e a otimização de recursos 15.
Na visita pré-operatória, o enfermeiro estomaterapeuta deve realizar a demarcação do local onde o estoma deve ser exteriorizado na parede abdominal, entre outras atividades. No casos de cirurgias eletivas, pode ser realizado no dia anterior a cirurgia ou algumas horas antes. Em caso de cirurgias de urgência/emergência, o procedimento pode ser realizado na sala operatória, apesar de ser mais complicado.
A atenção ao ostomizado deve ser integral e individualizada, devendo ser iniciada no período pré-operatório, de acordo com as suas necessidades, objetivando a construção de recursos para a sua reabilitação 16.
Além da avaliação geral pré operatória, na cirurgia geradora de estoma, outros aspectos devem ser enfatizados como a avaliação do estado nutricional, dos padrões de eliminações, existência de alergias, condições da parede abdominal e existência de necessidades especiais que interfiram na destreza e habilidade (alterações visuais, articulares, uso de aparelhos, próteses) 17.
Quanto às condições psicossociais, é fundamental a identificação da dinâmica e relacionamento familiar, onde são evidenciadas as relações, a sexualidade e os papéis exercidos, além das atividades de vida diária, de trabalho e lazer 18.
A localização adequada do estoma é fator determinante para a reabilitação e qualidade de vida do indivíduo e está relacionado à facilidade de manuseio, higienização e adaptação de dispositivo coletor. Do contrário, afirma a autora, um estoma mal localizado pode dificultar a adesão do dispositivo com consequente extravazamento de excretas que, em contato com a pele periestoma, pode causar lesões e infecções na pele e na ferida operatória. Esse tipo de problema pode aumentar os níveis de ansiedade do paciente e dificultar a sua (re)inserção social 13.
A demarcação auxilia na promoção do auto-cuidado e redução da dependência de terceiros para realizar os procedimentos relativos ao estoma 16.
O risco de uma localização inadequada do estoma aumenta quando a demarcação não é realizada pois a posição supina propicia o relaxamento da musculatura abdominal, alterando o seu contorno, assim como a hiperextensão do corpo e posições incorretas na mesa cirúrgica 13.
A Declaração dos Direitos dos Ostomizados foi elaborada em 1993 pela Associação Internacional de Ostomizados e expõe os direitos dos ostomizados de maneira geral. Entre eles está o de possuir um estoma bem contruído e bem localizado, que proporcione conforto ao paciente 17.
Peculiaridades da demarcação no paciente oncológico
Anualmente há mais de 800.000 diagnósticos de câncer de cólon e reto no mundo, representando 9,4% e 10,1% de toda incidência de câncer em homens e mulheres, respectivamente 18.Aproximadamente 9,4% de todos os cânceres são de cólon e reto. A distribuição geográfica no Brasil é bem similar entre homens e mulheres, apesar do câncer de reto ser cerca de 20% a 50% maior em homens na maioria das populações 19.
A história familiar e a predisposição genética ao desenvolvimento de doenças crônicas do intestino são os fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento desse tipo de neoplasia. Além disso, uma dieta rica em gorduras animais, pobre em frutas, vegetais e cereais, assim como o consumo excessivo de álcool e o tabagismo, são fatores de risco para o aparecimento da doença. A idade também é considerada um fator de risco, e a incidência e a mortalidade elevam-se com o aumento da idade. A prática de atividade física regular está associada a um baixo risco de desenvolvimento 19.
Os fatores determinantes para escolha da cirurgia a ser realizada estão relacionados com o próprio tumor, com o paciente e com a equipe cirúrgica. Relacionados com o tumor são altura da localização, aspecto macroscópico, envolvimento circunferencial, fixação aos planos profundos e aspecto microscópico. Os fatores relacionados com o paciente são sua funcionalidade, idade, sexo, presença de doença metastática, presença de doenças sistêmicas e comorbidades. Quanto à equipe cirúrgica, são importantes os recursos médico-hospitalares, a experiência da equipe e a relação equipe-paciente 20.
Para o câncer de cólon, a cirurgia possui intenção curativa em 75% dos casos, recomendando-se a excisão do tumor com margem de 5 cm. Em caso de aderência a outro órgão, a ressecção em bloco é necessária 21.
A radioterapia é apresentada como uma modalidade de tratamento utilizada em diversas doenças neoplásicas, podendo ter finalidade curativa ou paliativa. Consiste, segundo os autores, na propagação da radiação ionizante (capaz de retirar elétrons de sua órbita) através de fótons (não possuem massa nem carga) ou partículas (possuem massa e carga).
A dose da radiação é medida pela unidade Gray (Gy) e a aplicação é realizada basicamente de duas formas: a externa, denominada teleterapia, e a interna, braquiterapia. Na primeira forma de aplicação, o feixe de radiação ionizante é apontado para a região-alvo do corpo denominada campo, a uma distância determinada (aproximadamente 1 metro). Já na braquiterapia, o elemento radioativo é alocado próximo, em contato ou dentro do órgão a ser tratado 21.
Em qualquer um dos casos, a pele abdominal e da região perianal podem sofrer alterações perceptíveis ou não. Caso a radioterapia neoadjuvante seja necessária, especial atenção deve ser dada à pele da região abdominal pois pode ser necessária a construção de um estoma nesse local. Contudo, áreas irradiadas devem ser evitadas já que não há garantia de boa adesividade do dispositivo coletor nesse local 13.
Como outra forma de tratamento, a quimioterapia antineoplásica é uma modalidade sistêmica que pode ter objetivo curativo ou paliativo, dependendo do tipo e extensão da doença neoplásica e das condições físicas do paciente.
Consiste na administração de uma ou mais substâncias químicas que atuam nos processos de crescimento e divisão celular. Os medicamentos, em sua maioria, são aplicados por via venosa, podendo também ser por via oral, intramuscular, subcutânea, tópica e intratecal 1.
Os quimioterápicos não são seletivos apenas para as células tumorais. Os tecidos saudáveis que se renovam constantemente, como a medula óssea, os pêlos, a pele e a mucosa do tubo digestivo, são também atingidas pela ação dessas drogas. Todavia, como as células normais apresentam um tempo de recuperação previsível, a quimioterapia pode ser administrada repetidamente, desde que o intervalo necessário para a recuperação das células sadias seja respeitado. Por este motivo, a quimioterapia é aplicada em ciclos periódicos 4.
Os efeitos terapêuticos e tóxicos dos quimioterápicos dependem do tempo de exposição e da concentração plasmática da droga. A toxicidade é variável para os diversos tecidos dependendo da droga utilizada 4.
As modalidades de tratamento do câncer pode ter sobre a qualidade de vida do paciente ostomizado. Em pacientes obesos, o estoma deve ser localizado nos quadrantes superiores (direito ou esquedo), pois facilitará a visualização do estoma e, consequentemente o auto-cuidado. Em pacientes emagrecidos a demarcação do estoma deve ser realizada na parte superior do abaulamento infra-umbilical, evitando-se áreas escavadas, que podem dificultar a aderência do coletor 13.
Em pacientes idosos com ostomias abdominais participam de um grupo com especificidades importantes, a começar pelas alterações fisiológicas da pele e das possíveis comorbidades que podem afetar a capacidade de autocuidado relacionado ao estoma, como doenças neurológicas, distúrbios visuais e alterações na habilidade manual.
Considerações finais
Com o envelhecimento da população mundial e a transição epidemiológica observada no Brasil, a morbimortalidade por câncer aumenta, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares.O câncer de cólon e reto possui como modalidade principal de tratamento a cirurgia, podendo ser necessária a confecção de um estoma intestinal definitivo ou temporário. A depender do estadiamento e localização do tumor, outras terapias como a quimioterapia e radioterapia podem ser necessárias, contribuindo para a cura ou sobrevida do paciente.
Durante a produção do presente estudo, foi observado um número reduzido de produções com enfoque no tema abordado. Não foi encontrado nenhum artigo que abordasse as peculiaridades da demarcação no paciente oncológico.
Apesar disso, ficou claro que, independente da doença de base, a construção de um estoma exige o acompanhamento pré, trans e pós operatório por enfermeiro especializado.Em todos os artigos, foi enfatizada a importância da demarcação do estoma na parede abdominal, delimitando uma região propícia para que o cirurgião o posicione, permitindo a adaptação dos dispositivos coletores, proporcionando assim, conforto para o paciente e facilitando principalmente a participação social e a realização de suas atividades habituais.
Outra conclusão relevante foi que todas as produções científicas captadas e utilizadas na análise e discussão deste estudo foram brasileiras, o que nos leva a inferir que a Estomaterapia no Brasil tem se interessado pela temática mais que em outros países da América Latina. Além disso, este achado aponta para uma produção científica na área que denota o envolvimento significativo dos enfermeiros brasileiros com a produção do conhecimento em Estomaterapia.
Para o cumprimento dos objetivos propostos optou-se por relacionar a literatura sobre demarcação do estoma com o conhecimento oncológico, descrevendo as principais situações encontradas nos pacientes para que a assistência seja integral e individualizada, priorizando o período pré-operatório como aquele em que é possível prevenir complicações e construir recursos para a reabilitação.