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Revista de Ciencias Sociales

versión impresa ISSN 0797-5538versión On-line ISSN 1688-4981

Rev. Cien. Soc. vol.37 no.54 Montevideo  2024  Epub 01-Jun-2024

https://doi.org/10.26489/rvs.v37i54.3 

Dossier

Perfil de los jóvenes brasileños. Nuevos y viejos desafíos para la reconstrucción de políticas públicas

Perfil dos jovens brasileiros. Novos e velhos desafios para a reconstrução de políticas públicas

Profile of young Brazilians. New and old challenges for the reconstruction of public policies

Diógenes Pinheiro1 
http://orcid.org/0000-0001-9763-0612

Luiz Carlos Gil Esteves2 
http://orcid.org/0000-0002-9853-3539

1Universidad Federal del Estado de Río de Janeiro (UNIRIO). Email: diogenes.pinheiro@unirio.br

2Universidad del Estado de Río de Janeiro (UERJ). Email: luizesteves@yahoo.com.br


Resumen:

¿Cuáles son las principales características de los jóvenes brasileños en la época contemporánea? Guiado por esta pregunta, el estudio presenta los datos sociodemográficos que componen el perfil de la juventud en el país. Basado en entrevistas a 1740 jóvenes de 15 a 29 años, realizadas en el segundo semestre de 2019 en las cinco regiones de Brasil, el estudio integra la sección nacional de una encuesta iberoamericana que también involucró a Argentina, Chile, Colombia, Ecuador, España, México, Perú y República Dominicana. Esperando contribuir para subsidiar las políticas públicas para la juventud en tiempos de reconstrucción, se dibuja el retrato, entre otras marcas, de una juventud empobrecida, que no trabaja, religiosa y predominantemente evangélica/protestante, de color/raza negra, baja escolaridad y bastante dependiente de la familia.

Palabras clave: perfil de la juventud brasileña; características sociodemográficas; políticas públicas; sociología de la juventud

Resumo:

Quais as principais características dos jovens brasileiros na contemporaneidade? Guiado por esta pergunta, o estudo apresenta os dados sociodemográficos que integram o perfil das juventudes no país. Baseado nas entrevistas de 1.740 jovens de 15 a 29 anos, no segundo semestre de 2019, nas cinco regiões do Brasil, o estudo integra a seção nacional de pesquisa iberoamericana que também envolveu Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, México, Peru e República Dominicana. Esperando contribuir para subsidiar as políticas públicas de juventude em tempos de reconstrução, desenha-se o retrato, dentre outras marcas, de uma juventude empobrecida, que não trabalha, religiosa e predominantemente evangélica/protestante, de cor/raça negra, baixa escolaridade e bastante dependente da família.

Palavras-chave: perfil da juventude brasileira; características sociodemográficas; políticas públicas; sociologia da juventude

Abstract:

What are the main characteristics of young Brazilians today? Guided by this question, the study presents the sociodemographic data that make up the profile of youth in the country. Based on interviews with 1,740 young people aged 15 to 29 years in the second half of 2019 in the five regions of Brazil, the study integrates the national section of an Iberoamerican research that also involved Argentina, Chile, Colombia, Ecuador, Spain, Mexico, Peru and the Dominican Republic. Hoping to contribute to subsidize the public policies for youth in times of reconstruction, the portrait is drawn, among other marks, of an impoverished youth, who does not work, religious and predominantly evangelical/protestant, of black color/race, low education, and quite dependent on the family.

Keywords: Brazilian youth; public policies; sociodemographic characteristics; sociology of youth

Introdução

De quem falamos quando nos referimos aos jovens do Brasil? Quais as principais características sociodemográficas que contemplam essa parcela da população no país? Quem são, afinal, esses sujeitos, personagens onipresentes em muitas das dimensões do imaginário coletivo -que hoje têm na sua estampa o padrão em que se fundamenta a maior parte dos ideais estéticos das sociedades contemporâneas-, mas que, inversamente, revelam-se tão ausentes nas arenas de decisão e governança, cuja consequência -dentre uma série de outras- é a delegação do papel de atores secundários, ou mesmo “esquecidos”, sobretudo no campo das políticas públicas?

O esforço de tentar responder às questões enunciadas anteriormente não é tarefa menor. Muito pelo contrário: discorrer acerca das juventudes brasileiras1 equivale falar de mais de 47 milhões de indivíduos, parcela da população que abrange cerca de 23% do total dos habitantes do país (Portal EBC, 2021). Ou, em outros termos, saber quem são os nossos jovens significa atentar para a situação de cerca de 0,6% da população mundial, percentual este superior ao total de habitantes de nações como a Espanha ou a Argentina, por exemplos (UNFPA, 2023).

Sendo assim, quaisquer discussões acerca de um contingente populacional, cuja expressividade, em números, atinge patamares tão elevados, deve, obrigatoriamente, ao lado da escuta das percepções, demandas e expectativas dos sujeitos que fazem parte de tais estratos, considerar trabalhos que tenham por objeto dar a conhecer o perfil sociodemográfico desses sujeitos. Caso contrário, incorre-se no erro tantas vezes repetido por gestões públicas de diversas partes do mundo, traduzido pelo infindável número de propostas (materializadas em programas, projetos, movimentos, ações etc.) que, ou pouco têm a ver com as reais particularidades, anseios e necessidades das populações às quais se destinam, ou simplesmente não encontram respaldo na realidade em que elas mesmas pretendem intervir.

É, portanto, na direção de oferecer subsídios consistentes, capazes de mapear, ainda que preliminarmente, o perfil dos jovens brasileiros na contemporaneidade que se insere o estudo que ora apresentamos. Para tanto, lança mão de parte do banco de dados da Pesquisa Juventudes no Brasil (2021).2 Realizada em nove países ibero-americanos (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, México, Peru e República Dominicana), teve por objetivo, em nível geral, dialogar com educadores e gestores de políticas de juventude sobre a importância de se olhar com atenção para a condição juvenil, isto é, para o momento histórico que deixa marcas próprias em cada geração, ampliando ou restringindo as possibilidades de se vivenciar a juventude (Trancoso e Oliveira, 2016).

Ao mesmo tempo, o estudo também considerou a variedade de situações juvenis, isto é, a enorme diversidade que compõe uma mesma geração, que vivencia o mundo a partir de lugares sociais muito distintos, determinados por parâmetros tradicionais de desigualdade (como raça, gênero, renda e território), somados a novos marcadores identitários que afirmam diferenças e acionam novas discriminações (como a orientação sexual, religiosa, endereço, aparência etc.). Aliada a tais categorias de exclusão, desponta hoje uma outra que se mostra cada vez mais presente, qual seja, a que separa os jovens com maior ou menor qualidade de acesso ao mundo digital, impondo uma nova contraposição, qual seja, a de conectados versus desconectados.

Uma característica comum aos países envolvidos na pesquisa ibero-americana está relacionada à questão democrática, já que todos têm uma história marcada por rupturas na ordem constitucional e retrocessos no mundo dos direitos, com impactos profundos sobre as políticas de juventude. No Brasil contemporâneo, a estabilidade política teve como marcos a volta de um governo civil, em 1985, após vinte e um anos de ditadura, instaurada com o golpe civil-militar de 1964, e a promulgação da Constituição Federal, em 1988. Somos, portanto, uma jovem democracia, na qual os caminhos da cidadania ainda não estão totalmente pavimentados, levando a que ora se avance a passos largos e se demarquem novos campos de direitos, ora o clima político mude repentinamente, resvalando em profundos retrocessos em todos os campos da vida nacional.

O ciclo político iniciado no início da década de 2000 promoveu câmbios significativos na visão sobre o lugar dos jovens na sociedade, superando, em grande medida, a visão prevalecente na década de 1990, que, grosso modo, interpretava os jovens -sobretudo a imensa maioria daqueles considerados pobres- associados, unicamente, à pobreza e à violência decorrente do controle do narcotráfico sobre grandes parcelas dos territórios periféricos das grandes cidades, levando ao predomínio de políticas de controle e repressão policial que conduziram a um verdadeiro genocídio da juventude negra nas periferias do país.

Em 2005, durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teve início um vigoroso ciclo de políticas públicas de juventude, encerrado com o golpe parlamentar-jurídico-midiático que depôs, em 2016, Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita presidenta do país.3 Desde então, o país viveu anos de acirramento das posições políticas, que culminaram com a eleição, em 2018, de um presidente da ultradireita, Jair Bolsonaro, que mudou radicalmente a orientação das políticas públicas. Dentre elas, todo o campo de políticas públicas de juventude, que passou por um processo de desmonte e perda de direitos, inclusive daqueles garantidos pelo Estatuto da Juventude, aprovado em 2013. Santos (2017) classificou esse momento da vida social e política do país como a “democracia impedida”, etapa em que pequenos avanços nas estruturas de dominação de uma sociedade autoritária causaram rachaduras que trincaram o arranjo social e político vigente e nos relembraram do peso que ainda têm as “forças do passado” (Chalhoub, 2016). Os dados da pesquisa, por conseguinte, captaram as impressões de jovens em um período de contraciclo, cujas características são o fechamento das possibilidades de ascensão social, aumento do desemprego, predomínio da informalidade e precariedade no trabalho das juventudes. Por outro lado, há uma expansão do ativismo digital entre os jovens que ainda não foi totalmente apreendido em suas consequências sobre as novas formas de se pensar e fazer política.

No caso deste artigo, analisamos somente a seção brasileira da pesquisa iberoamericana, em especial, a série de informações relativas à identificação dos sujeitos pesquisados. A etapa nacional ouviu 1.740 jovens, entre 15 e 29 anos, de ambos os sexos. As entrevistas foram realizadas pessoalmente, entre os meses de agosto e setembro de 2019, em cinco regiões do Brasil (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste), compreendendo territórios urbanos e rurais. Os jovens, mediados por um pesquisador, responderam a um questionário com 50 questões, distribuídas em oito blocos, quais sejam:

  • 1. Confiança nas instituições;

  • 2. Coisas importantes da vida;

  • 3. Ocupação;

  • 4. Uso do tempo livre;

  • 5. Autopercepção;

  • 6. Religião/Religiosidade;

  • 7. Migrações;

  • 8. Anexo: Brasil

.

Até o sétimo bloco, todas as questões apresentadas foram comuns aos países ibero-americanos participantes; o oitavo, entretanto, foi composto de perguntas formuladas especificamente para o Brasil, abordando antigos e novos preconceitos, saúde mental e outros problemas mais diretamente afetos à realidade brasileira. Construiu-se, assim, um banco de dados rico e abrangente, cujas informações certamente servirão de base para futuros e profícuos desdobramentos.

Jovens do Brasil: perfil sociodemográfico

Como já pontuado, o estudo foi efetivado através de entrevistas realizadas com 1.740 sujeitos, cuja faixa etária respeitou o critério demográfico adotado no Brasil para classificar as juventudes, qual seja, de 15 a 29 anos. Vale mais uma vez lembrar que, no país, integram o segmento jovem mais de 47 milhões de pessoas, representando cerca de 23% da população total (Portal EBC, 2021).

Para melhor situar tanto as respostas quanto os percentuais trabalhados, optamos por utilizar as perguntas/indicações constantes no questionário aplicado como títulos dos gráficos a serem aqui apresentados. Estes, por sua vez, também não terão a fonte explicitada, uma vez que, como referido, provêm do mesmo banco. Cumpre ainda esclarecer que, algumas vezes, lançaremos mão de desagregar alguns dados por sexo, idade e/ou grupo socioeconômico, mas tais desagregações, oferecidas a título de aprofundamento, não constarão nas representações gráficas.

Do total de entrevistados, a quase totalidade (99,2%) nasceu no Brasil. Entre aqueles que se declaram estrangeiros (0,8%), 8 anos é o tempo médio de chegada no país, num intervalo que vai de 1 a 17 anos. Os países relacionados a seguir foram os que tiveram alguma pontuação como lugar de origem destes últimos: Venezuela (0,3%), Japão (0,2%) e Paraguai (0,2%). Ainda que, neste caso, as demais nações mencionadas tenham pouca relevância estatística (Bolívia, Colômbia, Estados Unidos e Haiti), estas, aliadas à Venezuela, contemplam os 5 países de maior fluxo migratório para o Brasil na atualidade, que, segundo dados de 2021 provenientes do Ministério da Justiça, registrou um aumento de 24,4% de novos estrangeiros entre 2011 e 2020, fenômeno que certamente merece maior aprofundamento em estudos posteriores. No mais, estima-se que hoje residam no país cerca de 1,3 milhão de imigrantes, perfazendo cerca de 0,6% da população total, número bastante similar ao aferido na amostra desta pesquisa.

Do total de entrevistados, 51,5% são mulheres e 48,5% homens. Destaca-se que este percentual é praticamente o mesmo da estimativa da população geral do país divulgado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) 2021, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quais sejam: 51,1% e 48,9%, respectivamente (IBGE, 2022).

Sobre a cor/raça (gráfico 1), 39% declaram-se pardos e 17% pretos, o que perfaz um total de 56% negros, segundo o critério adotado pelo Estatuto da Igualdade Racial (Presidência da República, 2010); 40% são brancos; 2% amarelos; 1% indígenas e o restante 1% não sabe ou não respondeu à pergunta. No que diz respeito às duas categorias mais populosas, negros e brancos, também aqui se observa uma relativa equivalência com os números fornecidos pelo IBGE: 56,1% para os primeiros e 43% para os segundos (IBGE, 2022).

Gráfico 1. Você diria que a sua cor ou raça é... (%) 

Cabe aqui lembrar um fenômeno relativamente recente no país. Até 2007, a maioria da população brasileira declarava-se branca. Foi a partir daquele ano que os índices se modificaram e o número resultante da soma de pretos (na época, classificados como negros) e pardos passou a predominar (50% contra 49,2%), desde então com tendência estável de alta (Rossi, 2015). A despeito da ampla gama de indicadores socioeconômicos adversos que historicamente caracterizam a população negra brasileira (violências, discriminações, alta mortalidade, exploração etc.), esta crescente inversão seria “o reflexo dos anos de luta do movimento negro e também do acesso à educação” (Rossi, 2015).

Quanto à faixa etária, numa amostra em que a idade média foi de 21,5 anos, entre os quatro segmentos agrupados (gráfico 2), os jovens distribuem-se da seguinte forma, em ordem decrescente de idade: 31,6%, -o maior percentual- na faixa de 25 a 29 anos, constituindo o grupo etário que se convencionou chamar de jovem-adulto (Silva e Silva, 2011); 20,2% -o menor número- na de 21 a 24 anos e 24% na faixa de 18 a 20 anos, faixas que integram o grupo denominado jovem-jovem; e 24,2% no segmento de 15 a 17 anos, representando aqueles que integram o grupo jovem-adolescente.

Gráfico 2. Qual a sua idade? (%) 

Segundo a PNAD Contínua 2021 (IBGE, 2022), a população brasileira envelheceu. No que diz respeito à distribuição por grupo etário, houve tendência de queda no estrato abaixo de 30 anos de idade: em 2012, a estimativa era de 49,9%, passando para 44,5%, em 2020, e 43,9%, em 2021. No que diz respeito às juventudes, também nesse período, a faixa de pessoas entre 14 e 17 anos de idade declinou de 7,1% para 5,8%. Nas demais faixas, em 2021, o grupo entre 18 e 19 anos pontuou 2,9%, o de 20 a 24 anos, 8%, e o de 25 a 29 anos também 8,0%.

A grande maioria dos entrevistados se declara solteira (78%); 20,4% são casados ou têm união estável e 1,2% viúvos ou separados. Deve-se sublinhar que, ao se fazer o cruzamento do estado civil com o sexo, o número de mulheres casadas é 11 pontos percentuais superior ao de homens: 26% e 15%, respectivamente (Farah-Neto, 2021). Sobre o fato de terem ou não filhos cerca de 2/3 da amostra (67,5%) responderam negativamente.

Perguntados acerca do grupo socioeconômico em que se classificam, a maioria (51,5%) posiciona-se ou no estrato mais baixo (26,3%) ou na pobreza (25,2%). Menos de um quarto deles se considera do grupo médio/baixo (22,7%), 17,7% são do médio e apenas 8,2% responderam fazer parte do estrato alto/médio alto (gráfico 3).

Gráfico 3. Grupo socioeconômico (%) 

Na representação anterior tem destaque o elevado número daqueles que se percebem como pobres (25%), percentual que se complexifica ao ser interpretado à luz dos dados contidos em estudo do IBGE relativo ao ano de 2021(Portal G1, 2022), ou seja, cerca de 2 anos após o início da pandemia, quando diversos dos indicadores socioeconômicos brasileiros atingiram seus níveis mais baixos. Nele, afirma-se que, naquele período, o número de jovens de 15 a 29 anos considerados pobres (33,2%) abarcava mais do que o triplo do percentual de idosos (10,4%). Mais: a extrema pobreza teria batido o recorde histórico no país, atingindo 1 em cada 10 brasileiros, o que significa dizer que tal condição ultrajante atingiu à estratosférica parcela de mais de 20 milhões dos habitantes de uma das maiores economias do mundo (Portal G1, 2022).

No que concerne à escolaridade (gráfico 4), o Ensino Médio é o segmento educacional que concentra cerca de metade do total de respondentes: 50,4%; destes, 31,6% afirmam tê-lo completado e o restante, não. Chama atenção, entretanto, o elevado número de jovens que apresenta escolaridade abaixo da que seria desejável, em uma amostra cuja idade mínima é a de 15 anos: cerca de 25% declaram ter o Ensino Fundamental incompleto, quando, em termos ideais, deveria já ter, ao menos, iniciado o Ensino Médio. Excluído 1% que alega ter curso de pós-graduação completo, o Ensino Superior, completo ou não, abrange 11,8% dos pesquisados; deste total, apenas 3,9% o completaram, percentual este que, ao ser cruzado com o grupo de jovens entrevistados acima de 25 anos (31,6%) -ou seja, que potencialmente já poderia ter escolaridade nesse nível-, atinge menos de 15% dele.

Gráfico 4. Qual é seu nível de ensino completo? (%) 

A grande maioria dos jovens que indicam escolaridade nos níveis fundamental e médio (92,2%) -ou seja, na Educação Básica- provém da escola pública e o restante de estabelecimentos particulares (7,8%); convém destacar que, segundo o Censo Escolar de 2022 (INEP, 2023), 81% dos estudantes naquele ano estavam matriculados na rede pública, tendo a rede privada apresentado um crescimento de 1,6% em relação a 2021. Por sua vez, este número declina para apenas 27%, no caso daqueles que responderam passar ou ter passado pelo nível superior em estabelecimentos públicos, percentual este quase acima 15 pontos em relação àquele divulgado pelo Censo da Educação Superior 2021: 12,2% (INEP, 2022). Os demais 73% são de instituições particulares, que, de acordo com o a mesma fonte (Portal G1, 2022), respondem pela oferta de 87,8% do ensino superior no país.

Perguntados sobre que tipo de trabalho realizam (gráfico 5), não trabalhar foi a situação apontada pela maior parte dos jovens entrevistados: 56,3%. Entre os que declaram ter um vínculo de trabalho formal (25,5%), a grande maioria (19,7%) é de empregados, contra apenas 3,4% que alegam negócio próprio legalmente estabelecido e 1,4% que trabalha em empresa familiar. Por fim, 18,2% trabalham informalmente, sendo a maioria (16,9%) na condição de “empreendedores”. Este último percentual é bastante similar ao divulgado por Veloso (2022), quando estima que atualmente trabalhem sem qualquer proteção legal cerca de 40 milhões de brasileiros, o que representa, aproximadamente, 18% da população total do país. Pessoas que, nas palavras do pesquisador, “não têm previdência, se perderem o emprego, não têm seguro-desemprego. (…). (São) trabalhadores sem carteira de trabalho assinada que estão na empresa, até trabalhadores que estão na rua tentando de alguma forma conseguir um sustento”.

Gráfico 5. Que tipo de trabalho você realiza? (%) 

Vale aqui pontuar que o percentual de jovens que afirma não trabalhar é mais bem entendido quando cotejado com alguns dos dados constantes na Nota Técnica do Ministério da Economia, intitulada “Caracterização da taxa de desemprego de longo prazo brasileira” (Ministério da Economia, 2021). O documento, que traça um panorama dessa situação entre 2012 e 2020, demonstra que, naquele período, cerca de 2/3 da população brasileira que estava desempregada há mais de 2 anos eram compostos por mulheres. Sua incidência era bem maior no grupo etário entre 17 e 29 anos (cerca de 50%), parcela esta que, quanto à escolaridade, caracterizava-se por apresentar também cerca de 50% com ensino médio completo e significativos 38% que sequer haviam completado esse nível de ensino4. Ainda assim, a magnitude dos que afirmam não trabalhar na pesquisa que serve de base para este estudo (56,3%) é bastante significativa, situação que obriga fazer duas ponderações. A primeira diz respeito à possibilidade de, entre os que dizem não trabalhar, haver aqueles que, embora não tivessem um emprego, não poderem ser considerados desempregados, segundo os critérios adotados pelo IBGE (IBGE, 2022). Nesta categoria estão, por exemplo, estudantes que ocupam todo o tempo com os estudos e donas de casa que não trabalham fora. A segunda implica na probabilidade de também haver, entre os respondentes, jovens que realizam atividades de trabalho informais ou eventuais, mas que não se reconhecem como trabalhadores (Farah-Neto, 2021).

Ao serem perguntados sobre a sua principal ocupação na ocasião da coleta de dados, os respondentes ofereceram o panorama desenhado no gráfico 6. Apenas trabalhar e apenas estudar atingem o mesmo número de jovens: 30%. Desagregado o percentual dos que somente trabalham, percebe-se que este incide mais nos homens (39%) do que nas mulheres (22%), no grupo de jovens-adultos (55%) e no dos que se percebem como pobres (31%). Destaca-se que, se somados os que trabalham ou desenvolvem algum trabalho com aqueles que se dedicam ao lar ou cuidam de outros, temos o percentual de 48%, número que corrobora as ponderações apresentadas no parágrafo anterior. Quanto ao quantitativo dos que apenas estudam, a incidência é maior entre as mulheres (32%) do que entre os homens (28%); nos grupos socioeconômicos, tem destaque a distância percentual -10 pontos- verificada entre os respondentes do estrato médio (35%) e os pobres (25%); em relação à faixa etária, destaca-se a já esperada alta incidência no grupo de jovens-adolescentes (76%).

Gráfico 6. Atualmente, qual é sua principal ocupação? (%) 

Como neste estudo havia a possibilidade de os jovens indicarem estar buscando ativamente uma colocação (apontada por 6% deles), infere-se que o grupo de 14% que assinala não estudar e nem trabalhar (terceira maior indicação entre os entrevistados) diz respeito à chamada geração “nem-nem-nem”, ou seja, que não frequentava a escola formal, não trabalhava e não estava procurando emprego.5 Tal percentual praticamente se iguala ao divulgado na pesquisa do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), afirmando que, no ano de 2021, 15% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos (o que traduz um universo de aproximadamente 7,6 milhões de pessoas) não frequentaram a escola, não trabalharam e não procuraram emprego (Infomoney, 2022). Ao ser desagregado por sexo, tal número (14%) revela alguns aspectos interessantes, quais sejam: apresentar um percentual 10 pontos superior ente as mulheres e os homens (19% e 9%, respectivamente); incidência similar na faixa de 18 a 29 anos (cerca de 17%) e bem menor na de 15 a 17 anos (6%); localizar-se majoritariamente (38%) nos estratos pobre (22%) e baixo (16%), situação que também se assemelha à descrita na pesquisa do Dieese antes referida (Infomoney, 2022).6

Perguntados sobre serem ou não religiosos, os jovens pesquisados responderam, em sua grande maioria, que sim (68%), número este que incide majoritariamente nas mulheres (72%), no grupo de jovens-adultos (71%) e nos estratos socioeconômicos médio (77%) e alto/médio (75%). Dentre os 31% que responderam negativamente, além dos homens (34%), têm destaque os percentuais dos estratos baixo (35%) e pobre (34%). Apenas 1% não sabe ou não respondeu à questão.

Sobre a religiosidade da população brasileira, Carranca (2023) assinala, de acordo com dados do Censo de 2010, que aqueles que se diziam sem religião representavam 8% da população total (ou mais de 15 milhões de pessoas), percentual este que veio subindo década após década: eram 0,5% em 1960, 1,6% em 1980, 4,8% em 1991 e 7,3% em 2000. Ainda segundo esta autora, na análise das pesquisas eleitorais, “cujas amostras são construídas com objetivo de refletir a realidade da população brasileira”, encontram-se pistas importantes acerca do tema. Para tanto, cita as primeiras pesquisas Datafolha de 2022, que demonstram, em nível nacional, que 14% dos entrevistados se declaram sem religião, índice 6 pontos percentuais acima do verificado no Censo de 2010. Ainda segundo Carranca (2023), entre os jovens de 16 a 24 anos, o percentual dos sem religião, nessas pesquisas, chega a 25% em âmbito nacional (valor 6 pontos acima no aferido em nosso estudo para todo o segmento jovem), sendo que nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, os números sobem para 34% e 30%, respectivamente, superando todas as citações daqueles que indicam ter algum credo religioso.

Os que responderam positivamente à pergunta anterior foram convidados a aprofundar suas respostas. O gráfico 7 revela que 44% deles de consideram evangélicos/protestantes, percentual 10 pontos acima da segunda citação, qual seja, a de católicos (34%). Na terceira colocação apontam “outra religião” como resposta (10%), seguida pelos que acreditam em Deus, mas não tem religião (4%).

Gráfico 7. Com qual das opções a seguir você mais se identifica? (%) 

Retomando o estudo de Carranca (2023) citado anteriormente, verifica-se que os números de nossa pesquisa, ainda que referentes exclusivamente à população jovem brasileira, diferem bastante daqueles apresentados pela autora para a população total do país, a partir dos dados das primeiras pesquisas eleitorais Datafolha de 2022. Nestas, a ordem de grandeza se inverte e quase a metade dos respondentes (49%) se dizem católicos, contra 26% que se declaram evangélicos. Entretanto é a mesma autora que adverte que “do Censo de 2000 para o de 2010, o percentual de evangélicos no Brasil saltou de 15% para 22%, e os católicos diminuíram de 74% para 65%”, crescimento que também se repete nas pesquisas Datafolha antes citadas. Tal incremento sugere atenção redobrada para essa dinâmica, uma vez que, como advertem Suzuki, Villami e Araújo:

As religiões constituem um dos alicerces nos debates contemporâneos em relação à democracia, aos direitos humanos, à construção do Estado, à política partidária, à arquitetura de identidades políticas, à intolerância, entre outros temas, que se direcionam à análise da secularização, da laicidade, do pluralismo e das formas de produção aparentemente fronteiriças entre o secular e o religioso. (2021, p. 6)

Os jovens pesquisados moram em famílias cuja média é de 4 pessoas. Conforme revela o gráfico 8, a maioria (57%) aponta viver ou com os pais (31%) ou com apenas um deles (26%). Este dado, conjugado ao elevado número de respondentes que não trabalham, que se encaixam nos grupos mais empobrecidos e que possuem baixa escolaridade, deixa inferir que essa permanência na casa dos pais está profundamente associada à escassez/ausência de oportunidades que caracteriza a vida das juventudes provenientes dos estratos mais depauperados da sociedade brasileira. Finalizando, 27% deles declaram viver com a própria família e somente 5% vivem sós.

Gráfico 8. Com quem você mora atualmente? (%) 

De acordo com o gráfico 9, os respondentes moram em lares cujos mantenedores têm, na maioria, nível educacional completo que quase dobra aquele apontado como sendo o mais corrente entre eles próprios o Ensino Médio (31,6%): se somamos os 38,7% de provedores com o ensino técnico completo aos 20,3% com o ensino médio também completo, chegamos a 59% das indicações, dado que nos faz inferir que o maior percentual de jovens entrevistados é dependente economicamente de arranjos familiares liderados por pessoas mais velhas, muito possivelmente mães7 ou outros familiares diretos.8 10,8% indicam viver com provedores sem estudos formais e 12,5% não sabem ou não responderam à questão.

Gráfico 9. Qual é o nível de educação alcançado (último ano finalizado) pelo principal provedor do lar? (%) 

Quanto à ocupação desses mantenedores, a maior parcela (30%) é composta por trabalhadores qualificados em vendas e prestação de serviços, ou seja, pertencentes ao setor terciário da economia nacional, segmento este que responde, atualmente, por mais da metade do PIB brasileiro, gerando 75% dos empregos e representando o maior ramo da economia do país (Portal da Indústria, 2023).

Em resumo, com base na série de dados anteriormente analisados, podemos dizer que o retrato das juventudes do Brasil, na contemporaneidade, é desenhado por sujeitos maciçamente brasileiros (99,2%) e do sexo feminino (51,5%). Declaram cor/raça predominantemente negra (56%) e 40% são brancos. Integram, na maioria, a faixa etária de 25 a 29 anos (31,6%), são solteiros (78,4%) e sem filhos (67,5%). Situam-se nos extratos mais baixos da sociedade brasileira (51,5%), com destaque para um quarto dos que se consideram na pobreza. A maior parte tem o Ensino Médio (31,6%) completo, ainda que uma expressiva parcela (25%) apresente escolaridade abaixo da considerada ideal. Cursaram ou cursam a Educação Básica predominantemente em estabelecimentos públicos (92,2%), ao contrário da trajetória no Ensino Superior, majoritariamente em instituições privadas (73%). A maioria não trabalha (56,3%), enquanto, entre os que declaram trabalhar, 25,5% têm vínculo formal de emprego e 18,2% estão inseridos informalmente, 16,9% dos quais na condição de “empreendedores”. Têm unicamente como ocupação principal o estudo e o trabalho na mesma proporção (30%), ao passo que significativos 14% não estudam, não trabalham e não estão procurando qualquer colocação, caracterizando o chamado grupo “nem-nem-nem”. São religiosos (68%) e o credo evangélico/protestante é aquele com que mais se identificam (44%), ainda que um percentual considerável se declare sem religião (14%). Vivem, na maioria dos casos, com os pais (57%), ao passo que 27% moram com as próprias famílias (companheiros e/ou filhos). Vêm de grupos familiares compostos, em média, por 4 pessoas. Os provedores de suas famílias têm escolaridade completa cerca de 2 vezes superior (59%) à da maioria dos respondentes, estando inseridos no maior setor da economia brasileira, o terciário (30%).

Considerações finais

O Brasil nunca teve tantos jovens como nas duas primeiras décadas do século XXI, fenômeno demográfico classificado como “bônus de juventude”, o que significa dizer que quase ¼ da população total encontra-se pronta e ávida por ingressar ou permanecer no mundo do trabalho, entre outros mundos… Nesse período, o número de indivíduos dessa faixa superou o dos demais grupos etários -crianças e idosos, mais dependentes economicamente-, sendo também, por conseguinte, um tempo histórico de grande relevância para os processos de formulação de políticas específicas, investimentos em qualificação e suportes para a transição da juventude para a vida adulta.

Os desafios colocados por um contingente tão grande de indivíduos contribuíram para o crescimento de um campo específico de estudos de juventude no país, de caráter interdisciplinar e interinstitucional, envolvendo pesquisadores com distintas formações e inserções profissionais, desde instituições tradicionais de pesquisa, como universidades e institutos, jovens ativistas de diferentes movimentos juvenis, até organizações sociais, principalmente Organizações Não-Governamentais (ONG) e Fundações Educativas. Essa rede intergeracional de pesquisadores vem constituindo um campo de estudos sobre políticas públicas de juventude (PPJ) bastante vigoroso, com um conjunto robusto de pesquisas sobre mudanças no perfil socioeconômico, político e cultural das juventudes no Brasil.9

Uma das mais fortes características dos estudos nesse campo tem sido o investimento em metodologias de escuta dos jovens, processo acelerado a partir da construção de uma arquitetura institucional mais participativa por parte de governos do período. Uma marco nessa direção foi a promulgação da Lei 11.129, de 30 de junho de 2005, que deu início a um vigoroso ciclo de políticas públicas, principalmente por meio da criação da Secretaria Nacional de Juventude, do Conselho Nacional de Juventude e de diversos programas e políticas públicas que buscam afirmar a participação das juventudes como eixo estruturante no desenho e na implementação das políticas de proteção social, para que os jovens com idade entre 15 e 29 anos pudessem usufruir, de forma mais integral, da condição de sujeitos de direitos.

As transformações teórico-metodológicas dos estudos sobre juventude só foram possíveis em função de mudanças na própria configuração do campo das PPJ, com destaque, no Brasil, para a renovação no quadro de pesquisadores dessa área, a partir da formação de uma geração de estudiosos que atuavam nos processos na base, junto aos jovens e/ou formadores de jovens, mas que se qualificou na temática também nas pós-graduações de universidades públicas, onde os estudos de juventude avançaram bastante, em nível de Aperfeiçoamento, Especialização, Mestrado ou Doutorado. O perfil mais jovem dos pesquisadores, muitos deles de origem popular, diferentemente dos da geração anterior, oriundos predominantemente das classes médias, favoreceu uma renovação no debate conceitual sobre os limites das políticas universais (“todos têm direito à educação”) e levou a uma guinada em direção a políticas focalizadas (“não tratar igualmente desiguais”), mudança que, no Brasil, incidiu principalmente nas desigualdades raciais e de gênero.

Em 2012, o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade de ações afirmativas com ênfase nas questões raciais abriu um ciclo importante de políticas públicas antirracistas, superando décadas de silenciamento sobre o racismo no país. Mais recentemente, o mesmo movimento vem ocorrendo em relação aos estudos de gênero, com uma renovação trazida pelo debate sobre decolonialidade, feminismo e raça. Uma agenda de estudos como essa era impensável se olhássemos o campo de estudos de juventude há pouco mais de duas décadas atrás. Isso coloca desafios inéditos para o novo ciclo de políticas de juventude voltada para essa geração pós-cotas, pois, de um lado, as políticas focalizadas implementadas nos últimos anos promoveram deslocamentos sociais inéditos ao colocar identidades tradicionalmente estigmatizadas no centro das políticas de inclusão, mas, por outro, o estreitamento dos horizontes de ascensão social desses jovens, principalmente no mundo do trabalho, conduziu ao que Fraser (2021) descreveu bem, ao analisar os movimentos ocorridos na sociedade norte americana, como “reconhecimento sem redistribuição”.

No Brasil, apesar dos esforços de elevação de escolaridade sobretudo de jovens mais vulneráveis, não houve alterações relevantes na distribuição de renda. A ruptura democrática ocorrida com o golpe de 2016 e as políticas de austeridade dos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro interromperam o ciclo de políticas públicas inclusivas para as de juventudes, levando à regressão de todos os indicadores sociais, dentre eles a volta da fome no país, que atinge hoje cerca de 30 milhões de brasileiros. Duas conclusões se impõem: a primeira, é que políticas públicas importam e fazem a diferença na vida das pessoas por elas atingidas. A segunda, mais desafiadora, é que mudanças mais permanentes demandam o enfrentamento das bases da desigualdade (distribuição de terras e renda, taxação do capital etc.), no que pese o fato de a nossa jovem democracia ainda não ter acumulado forças para tal embate.

Vivemos num contexto caracterizado, local e globalmente, pela explosão de conflitos, doenças e guerras, cujas consequências resultam e/ou podem resultar em perdas humanas e políticas sem precedentes na história. Diante isso, os dilemas experimentados pelos jovens brasileiros na atualidade levam-nos a pensar sobre as mudanças subjetivas provocadas por décadas de domínio da lógica neoliberal, que reforçou o egoísmo social, a baixa solidariedade e a percepção de imutabilidade do mundo, tal como postulam Dardot e Laval. Vale aqui recorrer às suas próprias palavras, visto que, de acordo com tal lógica,

A figura do “cidadão” investido de uma responsabilidade coletiva desaparece pouco a pouco e dá lugar ao homem empreendedor. Este não é apenas o “consumidor soberano” da retórica neoliberal, mas o sujeito ao qual a sociedade não deve nada, aquele que “tem de se esforçar para conseguir o que quer” e deve “trabalhar mais para ganhar mais”, para retomarmos alguns dos clichês do novo modo de governo. A referência da ação pública não é mais o sujeito de direitos, mas um ator autoempreendedor que faz os mais variados contratos privados com outros atores autoempreendedores. (2016, p. 381)

O retrato que emerge da pesquisa nacional que fundamenta nossa análise aponta inéditas e consistentes contribuições para o desenho de uma nova geração de políticas de juventude, ao mesmo tempo em que também revela sujeitos em situação relativamente pior do que se encontravam há dez anos atrás, tanto objetiva (quando se pensa em variáveis-chave, como educação e trabalho) quanto subjetivamente. Isto porque o sofrimento juvenil tomou a dimensão hoje, no Brasil, de uma epidemia, após a pandemia de coronavírus que, no país, matou mais de 700 mil pessoas e gerou pioras em todos os indicadores de desigualdade, com impactos indeléveis sobre os jovens e seu futuro.

Por sua vez, a Pesquisa Juventudes no Brasil (2021) soma-se a uma série histórica de consultas e escutas que permitem compor uma linha do tempo sobre as mudanças experimentadas por essas sociedades, sob a ótica dos jovens, em uma etapa bastante conturbada de nossa também jovem democracia. O acirramento da crise econômica, com desemprego até três vezes maior entre a parcela juvenil em comparação à média da população economicamente ativa, a crescente informalidade e a oferta predominante de trabalhos de baixa qualidade são fatores que têm afetado diretamente a capacidade de os jovens brasileiros se projetarem no futuro. Ouvi-los com atenção e alteridade, para que se possa efetivamente saber quem são, como se percebem e, sobretudo, o que querem, é, portanto, a única saída possível, no sentido de oferecer subsídios consistentes e confiáveis para a construção de ações com as quais eles de fato se reconheçam. Nesse sentido, o perfil aqui delineado reafirma sua consistência e confiabilidade, ao aproximar-se vigorosamente de outros indicadores presentes entre os jovens e a população brasileira hoje, haja vista sua compatibilidade com a série de estudos com que foram cotejados.

A lição que tiramos dos últimos anos é que não há caminhos fáceis à nossa frente e a luta social nem sempre segue um rumo constante de conquistas progressivas. Há um longo percurso para recuperar o que havia sido conquistado e consolidar a democracia no país, tarefa na qual os jovens têm papel central. Por este caminho, considerar o perfil desses sujeitos, sobretudo daqueles que integram os estratos mais expostos às inúmeras vulnerabilidades que as sociedades capitalistas não sabem ou, pior, não querem enfrentar, deve constituir a base, o ponto de partida para que se possam pensar ações, tanto no campo das políticas públicas quanto nas demais instâncias da vida social, que pretendam ter incidência de fato na ampliação dos direitos individuais e coletivos das juventudes brasileiras.

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Contribución de autoría Este trabajo fue realizado en partes iguales por Diógenes Pinheiro y Luiz Carlos Gil Esteves.

Disponibilidad de datos El conjunto de datos que apoya los resultados de este estudio se encuentra disponible en: <https://oji.fundacion-sm.org/pt-br/nossos-estudos/pesquisa-juventudes-no-brasil-2021/>

1Neste trabalho, a exemplo de outros autores, optamos por utilizar o termo “juventudes” predominantemente no plural, pois, como alertam Esteves e Abramovay (2007, p. 22), reconhecemos a existência “de múltiplas culturas juvenis, formadas a partir de diferentes interesses e inserções na sociedade (situação socioeconômica, oportunidades, capital cultural etc.)”, os quais, em nosso entender, o tratamento no singular não contempla. Buscamos, assim, não dar conta de todas as especificidades, mas, “justamente, apontar a enorme gama de possibilidades presente nessa categoria” (Esteves e Abramovay, 2007).

2Coordenada pela equipe do Observatorio de la Juventud em Iberoamérica (OIJ-Fundação SM, Espanha/Brasil).

3 Esteves (2018) descreve tal período como “marcado por uma crise política sem precedentes, traduzida por uma série de mandos e desmandos emanados pelo grupo que tomou, sem amparo legal e legítimo, a esfera políticoadministrativa de poder no âmbito federal. Como já era de se esperar de uma ‘confraria’ com tais características por aqueles desprovidos de um mínimo de ingenuidade política, o fato é que a sociedade brasileira […] [experimentou] um desastroso processo de cassação de uma série de direitos duramente conquistados por meio de lutas históricas, processo este que se traduz pela ‘proposição impositiva’ de medidas deletérias em muitas e diversas áreas, que abrangem desde a previdência social, o trabalho e a educação, desembocando até mesmo na esfera constitucionalmente protegida do direito à livre expressão, entre uma série de outras” (pp. 28-29).

4Números um pouco mais recentes, registrados na PNAD Contínua Trimestral, considerando o período de 2013 e 2022 (Gombata, 2023), mostram que o desemprego no segmento de 18 a 24 anos (jovem-jovem) tem aumentado ao longo dos anos: “a população em idade ativa (PIA, com 14 anos de idade ou mais) teve variação anual de 1,1% em 2018 para 0,9% em 2022, enquanto a PIA de 18 a 24 anos variou de 0,5% em 2018 para -1,9% em 2022.Apesar da redução, o desemprego nessa população tem se mostrado mais persistente do que no geral. A taxa de desocupação da população foi de 7,4% em 2012 para 13,7% em 2020 e 9,3% em 2022. Entre os jovens, passou de 14,8% em 2012, atingiu 28,6% no primeiro ano de pandemia e caiu para 19,2% no ano passado, ainda acima da mínima histórica de 14,7% em 2013 e 1014. Os números mostram, portanto, que na comparação com dez anos atrás o desemprego entre os jovens subiu 4,4 pontos percentuais, acima do 1,9 ponto percentual do crescimento da população no período”.

5Existem muitas críticas entre os pesquisadores de juventude quanto à classificação desses jovens como “nem-nem”, tanto por se tratar de um retrato muito transitório, pois no momento seguinte esse jovem poderá estar novamente na escola ou em um trabalho precário, quanto por estigmatizar e culpabilizá-lo pela situação de vulnerabilidade em que se encontra, como se estar fora da escola e do mercado de trabalho fosse uma escolha. Na militância juvenil, costuma-se dizer que, na verdade, são “sem-sem”, isto é, sem direito à escola ou sem direito a um trabalho decente. Ver, a esse respeito, Andrade e Souza (2019).

6O estudo do Dieese demonstra ainda, com base em levantamento feito com dados da PNAD Contínua de 2021, que os motivos e a quantidade de jovens que eram “nem-nem-nem” variam conforme a renda. Atingem, assim, 24% das famílias mais pobres, sendo os afazeres domésticos e os cuidados de pessoas os principais motivos alegados para a permanência nessa condição; por outro lado, apenas 6% estão entre os mais ricos, cuja justificativa é o estudo em outros cursos, como os pré-vestibulares.

7Estudo recente dá conta que as mulheres lideram 50,8% dos lares brasileiros, mas, por conta do machismo estrutural presente há séculos no país, além de ganhar menos, sofrem mais com o desemprego (CUT, 2023).

8A permanência na casa dos pais, situação que parece caracterizar parte dos sujeitos do segmento etário mais velho da pesquisa (25 a 29 anos), sugere sua inclusão na chamada “geração canguru”, só que, neste caso, preponderantemente em função de uma variável que parece ainda pouco aprofundada nesse campo de estudos, qual seja a socioeconômica (Ciríaco, Júnior e Rodrigues, 2018).

Nota: Aprobado por Paola Mascheroni (editora responsable).

Recibido: 04 de Junio de 2023; Aprobado: 27 de Octubre de 2023

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