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Archivos de Pediatría del Uruguay
versión On-line ISSN 1688-1249
Arch. Pediatr. Urug. vol.78 no.3 Montevideo set. 2007
BRASIL
ARTÍCULO ORIGINAL
Arch Pediatr Urug 2007; 78(3)
Lactato sérico como marcador prognóstico em crianças gravemente doentes
Adriana Koliski 1, Izrail Cat 2, Dinarte J. Giraldi 2, Mônica L. Cat 3
1. Mestre. Pediatra, Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR.2. Doutor. Professor, Departamento de Pediatria, UFPR, Curitiba, PR.
3. Professora assistente, Departamento de Pediatria, UFPR. Coordenadota da Unidade de Informática e Estatística, Departamento de Pediatria, UFPR, Curitiba, PR.
Artigo submetido em 01.07.04, aceito em 16.03.05.
J Pediatr (Rio J) 2005; 81: 287-92.
Resumo
Objetivo: verificar a utilidade do lactato como marcador de hipoperfusão tecidual e como índice prognóstico em crianças criticamente doentes.
Métodos: estudo prospectivo, longitudinal, tipo observacional de 75 pacientes admitidos na UTI pediátrica do Hospital de Clínicas (UFPR) entre novembro de 1998 e maio de 1999. De acordo com o nível de lactato na admissão, os pacientes foram divididos em grupo A (lactato > 18 mg/dl) e grupo B (lactato < 18 mg/dl). Com relação à evolução, em sobrevivente e óbito. No grupo A, a avaliação clínica e a coleta de amostras de sangue arterial foram realizadas na admissão, 6, 12, 24, 48 horas e, posteriormente, a cada 24 horas. No grupo B, foram realizadas nos mesmos horários e interrompidas com 48 horas após admissão.
Resultados: no grupo A, foram incluídos 50 pacientes, e no Grupo B, 25. O grupo A apresentou maior freqüência de sinais clínicos de hipoperfusão (24/50). Houve diferença estatisticamente significativa da média de lactato na admissão entre os pacientes que foram a óbito nas primeiras 24 horas de internação (95 mg/dl) quando comparados àqueles que evoluíram a óbito após 24 horas de admissão (28 mg/dl).
O nível de lactato na avaliação de 24 horas de UTI foi o que apresentou melhor sensibilidade (55,6%) e especificidade (97,2%) como parâmetro preditor de óbito.
Conclusões: a maioria dos pacientes com lactato > 18 mg/dl evidenciou sinais clínicos de hipoperfusão na admissão. A normalização ou diminuição dos níveis de lactato a partir de 24 horas de internação esteve significativamente relacionada com a maior probabilidade de sobrevida.
Palabras clave:
ACIDOSIS LÁCTICA-diagnóstico
ÁCIDO LÁCTICO-sangre
PRONÓSTICO
ENFERMEDAD CRÍTICA
UNIDADES DE CUIDADO INTENSIVO PEDIÁTRICO
Summary
Objective: to assess the use of lactate as a marker of tissue hypoperfusion and as a prognostic index in critically ill patients.
Methods: prospective, longitudinal, observational study of 75 patients admitted to the pediatric ICU of Hospital de Clínicas of Universidade Federal do Paraná, between November 1998 and May 1999. According to the lactate level on admission, patients were divided into group A (lactate > 18 mg/dl) and group B (lactate < 18 mg/dl). In terms of outcome, patients were classified into survivors and nonsurvivors. In group A, the clinical evaluation and the collection of arterial blood samples were performed on admission, at 6, 12, 24, 48 hours, and every 24 hours after that. In group B, they were carried out in the same way, but interrupted 48 hours after admission.
Results: groups A and B consisted of 50 and 25 patients, respectively. Group A presented more clinical signs of hypoperfusion (24/50). There was a statistically significant difference regarding the mean lactate levels on admission between those patients who died within 24 hours of admission (95 mg/dl) and those who died 24 hours after admission (28 mg/dl). The lactate level at 24 hours of admission revealed better sensitivity (55.6%) and specificity (97.2%) as a predictor of death.
Conclusions: most patients with lactate levels > 18 mg/dl showed clinical signs of hypoperfusion on admission. The normalization or reduction of lactate levels at and after 24 hours of admission was significantly related with higher chances of survival.
Key words:
ACIDOSIS, LACTIC-diagnosis
LACTIC ACID-blood
PROGNOSIS
CRITICAL ILLNESS
INTENSIVE CARE UNITS, PEDIATRIC
Introdução
Os achados clínicos e os resultados dos exames laboratoriais no momento de admissão do paciente na unidade de terapia intensiva (UTI) refletem os eventos fisiopatológicos mais recentes. Os acontecimentos das horas seguintes à admissão geralmente são a seqüência evolutiva daqueles eventos. Baseado nisso, as alterações destes parâmetros no momento da admissão, bem como na evolução dos pacientes nas UTI, têm sido utilizadas para estabelecer a probabilidade do risco de óbito, tanto em adultos como em crianças, e o nível de lactato do sangue é um dos mais empregados para essa finalidade (1).
Os níveis de lactato do sangue têm sido utilizados em várias situações, entre elas como marcador de hipoperfusão tecidual em pacientes com choque, indicador de ressuscita- ção adequada após o choque, índice prognóstico pósressuscita ção, fator prognóstico em situações de doenças graves (2) e como diagnóstico etiológico (3,4).
A maioria dos casos de hiperlactatemia em pacientes graves é decorrente da inadequada oxigenação tecidual. Esta, por sua vez, pode ser originada de transtornos respiratórios com insuficiente oxigenação do sangue ou devido a alterações circulatórias que determinam hipoperfus ão tecidual. Como nem sempre pacientes com hipoperfus ão tecidual apresentam exteriorização clínica, a hiperlactatemia pode ser o único marcador dessa alteração (5,6).
A acidose láctica é definida como a acidose metabólica na qual o lactato do sangue arterial é igual ou maior que 45 mg/dl (5 mmol/l) e o pH arterial menor que 7,357. Pacientes criticamente doentes podem ter níveis de lactato considerados normais até 18 mg/dl (6), embora os valores de referência para sangue arterial sejam de até 10 mg/dl. Os valores entre 18 e 45 mg/dl são descritos como pertencentes à denominada “zona cinzenta”, cuja valorização ainda não está estabelecida. Em paciente criticamente doente, cujos níveis de lactato do sangue arterial se situam entre 18 e 45 mg/dl, o principal objetivo é determinar se há ou não hipoperfusão, porque a sua não detecção poderá acarretar conseqüências potencialmente deletérias (6).
O presente trabalho tem por objetivos verificar a utilidade da hiperlactatemia como marcador de hipoperfusão tecidual (metabolismo anaeróbico) e como índice prognóstico em pacientes criticamente doentes.
Casuística e métodos
Este trabalho foi realizado na unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP), Departamento de Pediatria do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), entre novembro de 1998 e maio de 1999. O estudo foi prospectivo, longitudinal, tipo observacional. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital de Clínicas da UFPR.
Nesse período, foram admitidas 182 crianças na UTIP. Foram incluídos no estudo 75 pacientes, independente da doença básica. Não foram incluídas crianças com menos de 28 dias, nem pacientes cuja internação ocorria em horários em que não era possível realizar a coleta de dados clínicos e laboratoriais sempre pelo mesmo observador.
Os critérios de internação na UTIP, procedimentos para diagnóstico e tratamentos instituídos foram os mesmos dos protocolos já estabelecidos pela UTIP. A avaliação nutricional dos pacientes foi realizada conforme padrões de refer ência do National Center of Health Statistics (NCHS). Foram adotados os sinais clínicos indicadores de hipoperfus ão da American Academy of Pediatrics, 1998 (8).
Em todos os horários de avaliação clínica, foram também coletadas amostras de sangue arterial e processadas no Analisador de pH, gases e eletrólitos (modelo ABL 635 da Radiometer).
Embora os valores de referência para sangue arterial sejam de até 10 mg/dl, para este estudo foram definidos como normais, para paciente criticamente doente, níveis de lactato de até 18 mg/dl; hiperlactatemia, entre 18 e 45 mg/dl sem acidose metabólica e acidose láctica, com níveis acima de 45 mg/dl e pH abaixo de 7,35 (6).
De acordo com o nível de lactato apresentado na admissão, os pacientes foram divididos em dois grupos: grupo A, pacientes admitidos na UTIP com nível de lactato igual ou superior a 18 mg/dl, e Grupo B, pacientes admitidos com níveis inferiores a 18 mg/dl.
No grupo A, as avaliações clínica e laboratorial foram efetuadas nos seguintes horários: admissão, 6, 12, 24, 36, 48 horas e, posteriormente, a cada 24 horas. A avaliação era interrompida se ocorresse normalização do nível de lactato, alta da UTIP ou óbito. Nos pacientes do Grupo B, as avaliações foram realizadas nos mesmos horários, sendo interrompidas com 48 horas ou antes, em caso de alta ou óbito do paciente.
Referente aos diagnósticos, os pacientes foram subdivididos em: pós-operatório de cirurgia cardíaca, infecção (subdividida em sepse, meningite, broncopneumonia, gastroenterocolite e outras infecções), diabete melito, outros pós-operatório e miscelânea. Com relação à evolução, os pacientes foram divididos em: sobrevivente e óbito.
Estatística
O tamanho da amostra foi estimado considerando um erro de tipo I máximo de 5% (alfa) e erro do tipo II de 20%, com um poder de teste estimado de 80% na dependência da análise realizada.
As variáveis contínuas de distribuição normal estão expressas através das médias ±2 DP e foram comparadas através da aplicação do teste paramétrico t de Student, enquanto aquelas de distribuição assimétrica estão expressas em mediana e respectivo intervalo de variação (mínimo - máximo) e foram comparadas através da aplicação do teste não-paramétrico de Mann-Whitney para amostras independentes. Para análise das diferenças de proporções de variáveis categóricas, foram utilizados os testes de quiquadrado de Pearson, correção de Yates para as tabelas 2x2 e teste exato de Fisher. Para a análise de possível relação entre variáveis contínuas e a probabilidade de um evento, foi utilizado um modelo de regressão logística. Para todos os testes, foi considerado como nível mínimo de significância um valor de p < 0,05. Para verificar a habilidade de uma variável na discriminação da evolução dos casos, ou seja, sobrevida ou óbito, foi utilizada a curva ROC (Receiver Operating Characteristic) com intervalo de confian ça de 95% (9).
Para a maioria dos pacientes, nas primeiras 48 horas de evolução já havia acontecido a normalização dos níveis de lactato, ou havia ocorrido alta ou óbito. Por esse motivo, a análise estatística somente foi realizada até aquele horário.
Resultados
Com relação ao nível de lactato apresentado na admiss ão, 50 pacientes foram incluídos no Grupo A e 25 pacientes no Grupo B. Em três pacientes, os níveis de lactato eram normais na internação, porém se elevaram acima de 18 mg/dl antes de ter sido completada a sexta hora de evolução, e, por este motivo, foram incluídos no Grupo A. Dos 47 pacientes que apresentaram lactato ³ 18 mg/dl no momento da admissão, em 31 os níveis estavam entre 18 e 45 mg/dl e em 16 eram superiores a 45 mg/dl. Destes, 14 casos apresentaram acidose metabólica concomitante. As características dos grupos estudados estão apresentadas na Tabela 1.
A Tabela 2 mostra a distribuição dos 75 pacientes em relação aos diagnósticos e os níveis de lactato do sangue na admissão na UTIP.
Na admissão na UTI, os pacientes do grupo A apresentaram maior freqüência de sinais clínicos de hipoperfusão (Grupo A: 24/50; Grupo B: 3/25; p = 0,0001). Os sinais de hipoperfusão presentes no exame físico por ocasião da admissão dos pacientes estão na Tabela 3.
Na avaliação de 6 horas, também foram encontrados, com mais freqüência no grupo A, sinais de hipoperfusão (Grupo A - 12/47; Grupo B - 1/25; p = 0,02) e hipofonese de bulhas (Grupo A - 29/47; Grupo B - 8/25; p = 0,02). Nas avaliações de 12, 24, 36 e 48 horas, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas nos sinais clínicos entre os dois grupos.
Com relação aos exames laboratoriais na admissão, a mediana do nível de lactato do sangue dos pacientes do Grupo A foi de 35,5 mg/dl (Mín-Máx: 6-191 mg/dl) e do Grupo B, de 10 mg/dl (Mín-Máx: 4-17 mg/dl). Além do lactato, somente foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre as medianas de glicemia (Grupo A - 181,5 mg/dl, Mín-Máx: 13-992 mg/dl; Grupo B - 128 mg/dl, Mín-Máx: 72-401 mg/dl; p = 0,01), não sendo observadas diferenças em outros exames laboratoriais realizados, nem na admissão e nem na evolução dos pacientes. As medianas dos níveis de lactato, de acordo com os horários de avaliação, estão demonstradas na Tabela 4.
Com relação aos diagnósticos, nos 31 casos de infecções, foram incluídos: sete (22,5%) casos de meningite, oito (25,8%) casos de sepse, nove (29%) casos de broncopneumonia, dois (6,4%) casos de gastroenterite e cinco (16%) casos de outras infecções.
Dos pacientes internados para pós-operatório de cirurgia cardíaca, todos os 10 classificados no Grupo A foram submetidos à circulação extracorpórea. Esse procedimento não foi realizado nos quatro pacientes do Grupo B.
No que diz respeito ao uso de ventilação mecânica, os pacientes do grupo A foram mais freqüentemente submetidos à ventilação mecânica do que os pacientes do grupo B (Grupo A - 32/50; Grupo B - 09/25; p = 0,02) e também utilizaram maior fração inspirada de oxigênio (Grupo A - 75,8±32,1%; Grupo B - 53,4±38,2%; p = 0,01).
O óbito ocorreu em 18 pacientes (15 do Grupo A e 3 do grupo B), sendo que, em sete (38,9%), esse evento ocorreu nas primeiras 24 horas. Em relação à mediana do nível de lactato no sangue na admissão, houve uma diferença estatisticamente significativa entre os pacientes que foram a óbito nas primeiras 24 horas (95 mg/dl, Mín-Máx: 19-191 mg/dl) e os que foram a êxito letal após 24 horas de evolução (28 mg/dl, Mín-Máx: 5-74 mg/dl).
Por meio de regressão logística, foram analisadas as medidas de lactato do sangue de 0, 12, 24, 36 e 48 horas de internação, com o objetivo de verificar a utilidade do lactato do sangue como marcador prognóstico no sentido de probabilidade de óbito.
A curva de probabilidade estimada com o lactato do sangue de admissão evidencia que são necessários níveis extremamente elevados de lactato para determinar um risco de óbito maior que 50% (p = 0,03). Excluindo-se os casos com lactato do sangue > 80 mg/dl (cinco casos), foi verificado que, com níveis de lactato do sangue de até 30 mg/dl, não há diferença significativa na probabilidade de óbito (p = 0,07). Foi observado que, especialmente nas avaliações a partir de 24 horas, a normalização dos níveis de lactato do sangue (< 18 mg/dl) diminui significativamente a probabilidade de óbito (p = 0,0009).
Na admissão, o valor do nível de lactato que determinou os maiores índices de sensibilidade e especificidade foi de 25 mg/dl, sendo os índices de 70,6 e 63,2%, respectivamente. A área sob a curva ROC foi de 0,684 (IC = 0,566 a 0,787) (Tabela 5). Na avaliação de 12 horas, para valores de lactato do sangue maiores de 12 mg/dl, foram obtidos índices de 63,6% de sensibilidade e 60,7% de especificidade. A área sob a curva ROC foi de 0,623 (IC = 0,497 a 0,739). Com 24 horas, foram observados melhores índices de sensibilidade e especificidade para um nível de lactato de 27 mg/dl, com valores de 55,6 e 97,2%, respectivamente. A área sob a Curva ROC foi de 0,809 (IC = 0,664 a 0,910) (Figura 1).
Desse modo, foi constatado por meio da curva ROC que, na admissão e com 12 horas de internação, os níveis de lactato não foram úteis na discriminação da ocorrência de óbito entre os pacientes. Apenas com 24 horas de internação ela indicou que o nível de lactato é capaz de discriminar entre óbito e sobrevida. Nesse horário, foram observadas melhor sensibilidade e especificidade (Figura 1).
Discussão
A medida do lactato do sangue nos pacientes criticamente doentes vem sendo utilizada com significado progn óstico em várias situações, como em trauma, choque e outras doenças graves, tanto em adultos como em crianças, inclusive recém-nascidos prematuros (10). Pacientes internados em UTI costumam apresentar níveis mais elevados de lactato do sangue que os internados em outras unidades.
Isso ocorre porque esses pacientes são os que manifestam mais freqüentemente distúrbios de perfusão com conseqüente hipóxia tecidual (11).
A maioria dos pacientes com mais de 50 mg/dl de lactato na internação apresentou acidose metabólica láctica. A ocorrência de acidose metabólica láctica nos estados de hipoperfusão é um achado comum (12), e essa associação provavelmente não depende diretamente do lactato aumentado, mas dos H+ originados da hidrólise dos estoques de ATP como conseqüência de hipóxia tecidual (5). Por outro lado, haverá também acréscimo de H+ pela diminuição da utilização do lactato na neoglicogênese ou no ciclo de Krebs (13).
Nos estados de choque (cardiogênico, hipovolêmico e séptico) com hipóxia tecidual, costuma ocorrer uma despropor ção entre a necessidade aumentada de energia e a síntese de ATP. Isso determina aumento do fluxo glicolítico, resultando em produção aumentada de lactato. Na sepse, além da inibição de vias metabólicas que transportam H+ do citoplasma para a mitocôndria, ocorre o aumento da oxidação de aminoácidos de cadeia ramificada e aumento do fluxo glicolítico em função do aumento da atividade da fosfofrutoquinase (14). Tais alterações ocorrem, na maior parte dos órgãos, aparentemente em condições adequadas de transporte e oferta de oxigênio aos tecidos (4).
Em nossa casuística, a maior parte dos casos de sepse apresentava sinais de hipoperfusão em todos os horários de avaliação. No entanto, é importante salientar que na sepse também pode haver perfusão tecidual inadequada na aus ência de sinais clínicos (hipoperfusão oculta). O seu mecanismo não está completamente esclarecido, porém pode ser uma combinação de fatores, como alteração da distribuição de fluxo sangüíneo pela vasodilatação, bem como aumento da distância para difusão entre o capilar e a célula, ocasionado pelo edema intersticial, associado à lesão do capilar (15).
Dos oito casos de sepse, apenas um não apresentou aumento do lactato. Esse fato já está descrito e é explicado pelo aparecimento de uma resposta hemodinâmica compensatória (16). Nos casos em que essa resposta não pode ser constatada, o nível de lactato permanece alto ou aumenta na evolução com 100% de mortalidade (15).
Esses achados levaram os clínicos de UTI a verificar se a concentração de lactato, além de ser utilizada clinicamente como indicador de comprometimento circulatório e do estado de oxigenação, também poderia ser empregada como marcador prognóstico para a probabilidade de óbito nos pacientes gravemente doentes (5,16,17).
A hiperlactatemia tem sido encontrada em pacientes gravemente doentes, e numerosas investigações clínicas têm demonstrado uma associação entre seus níveis e o tipo de evolução, sendo mais elevados naqueles que evoluem para o óbito (18). Em nossa casuística, a média do lactato do sangue do grupo de pacientes que foi a óbito era mais elevada que a do grupo que sobreviveu.
O aumento da mortalidade tem sido observado em pacientes que apresentam níveis de lactato sérico acima de 22 mg/dl (19). Vincent et al. relataram que os pacientes com choque com melhor prognóstico eram aqueles nos quais havia uma redução significativa dos níveis de lactato no sangue dentro de 1 hora após o início de reanimação (20). Husain et al. demonstraram que níveis de lactato na admissão e com 24 horas de internação de pacientes cirúrgicos estavam correlacionados com a mortalidade (21).
Broder & Weil observaram que só 11% daqueles com lactato sérico maior que 36 mg/dl sobreviveram (5). Além disso, Smith et al. sugerem que a hiperlactatemia identifica pacientes com risco de mortalidade e também pode ser utilizada como indicador de internação em UTI (22).
Essa mesma relação foi observada em pacientes com choque séptico, pois, assim como o nível de lactato inicial, também a duração da hiperlactatemia apresentava valor prognóstico, sendo o melhor fator discriminante de sobrevida e de disfunção de rogaos (23,24). Quando correlacionado com outros marcadores, Marecaux et al. demonstraram que o lactato tem melhor valor prognóstico que níveis de fator de necrose tumoral e IL-6 (25). Smith et al. concluíram que o lactato pode ser utilizado para prognosticar a evolução em pacientes (adultos) admitidos na UTI (22).
Além desses estudos realizados em adultos, observações em pacientes pediátricos para estabelecer parâmetros laboratoriais, como preditor de óbito, têm demonstrado resultados controversos. Quando comparados com outros parâmetros, foi evidenciado que o lactato do sangue não teve correlação com a mortalidade (26). Hatherill et al. constataram, em crianças submetidas à cirurgia cardíaca, que a concentração inicial do lactato não tem valor preditivo para a mortalidade (27).
Por outro lado, Sanz et al. encontraram que o PIM (Pediatric Index Mortality) e o lactato têm valor prognóstico em crianças gravemente doentes1. Para Siegel et al., em crianças admitidas na UTI no pós-operatório de cirurgia cardíaca, os níveis elevados de lactato apresentaram valor preditivo de 100% e negativo de 97% para o óbito (28). Utilizando regressão logística univariada, Duke et al. constataram, em crianças com sepse, que o lactato discriminou os sobreviventes daqueles que foram a óbito com 12 e 24 horas de admissão (29). Hatherill et al. sugere que a hiperlactatemia pode ser indicador de mortalidade na admissão e se persiste após 24 horas de tratamento (30). Em crianças após cirurgia cardíaca, a duração da circulação extracorpórea e o nível de lactato, medidos no pós-operatório imediato, foram os melhores preditores para o risco de aparecimento de complicações clínico-cirúrgicas nas primeiras 48 horas de pós-operatório e também com relação ao óbito (29).
Em nossos casos, por ocasião da admissão na UTI, a curva de probabilidade evidenciou que um risco maior que 50% para óbito só é possível com níveis muito elevados de lactato. Com níveis de até 30 mg/dl, não há diferença expressiva na probabilidade de óbito. Nas dosagens de lactato de 0 e 12 horas, não foi possível identificar o grupo de risco para o óbito. Isso foi notado tanto na análise de regressão logística quanto na curva ROC. Entretanto, na avaliação evolutiva, a curva ROC demonstrou que há melhor sensibilidade e especificidade para a sobrevida quando há diminuição ou normalização com 24 horas.
Em conclusão, este estudo evidenciou que a maioria dos pacientes que foi a óbito apresentou níveis de lactato no sangue maiores do que os pacientes do grupo que sobreviveu, sendo que, para predizer o óbito, sua monitorização seriada é superior à determinação isolada. O nível de lactato do sangue no momento da admissão não apresentou sensibilidade nem especificidade como preditor de óbito. Entretanto, a diminuição ou normalização dos níveis de lactato a partir de 24 horas de internação esteve significativamente relacionada com a maior probabilidade de sobrevida. Como parâmetro preditor de óbito, o nível de lactato do sangue na avaliação de 24 horas de UTI foi o que apresentou melhor sensibilidade e especificidade. O nosso estudo tem como limitações o número de pacientes estudados e a grande variedade de diagnósticos, tornando a amostra muito heterogênea. Desse modo, a subdivisão em grupos resulta em valores amostrais muito reduzidos. Portanto, mais estudos são necessários para demonstrar o valor preditivo do lactato na população pediátrica internada na UTI. Até que novos marcadores bioquímicos sejam identificados, sugerimos que o lactato do sangue possa ser útil como marcador prognóstico.
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Correspondência: Adriana Koliski
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Correo electrónico: akoliski@yahoo.com.br