Introdução
O empreendedorismo se apresenta como uma forma de superar dificuldades econômicas e aumentar as alternativas de empregabilidade. Dessa forma, é fundamental compreender as formas como indivíduos de cursos de diferentes áreas do conhecimento pensam sobre o fenômeno e intencionam gerar o próprio negócio. Essa compreensão é importante, pois impacta na possibilidade de gerar alternativas viáveis para educação e orientação profissional que possibilitem aos estudantes propor o próprio negócio como alternativa ocupacional (Coan, 2013), especialmente num cenário em que o número de desempregados é elevado, tanto no Brasil quanto no mundo (OIT, 2018).
Neste estudo enfatiza-se uma compreensão psicológica sobre o fenômeno, tendo em vista que as estratégias mentais e aspectos psicológicos dos indivíduos definem o processo de tomada de decisão e estratégias na criação dos negócios. Por esse motivo, devem ser objeto de análise com o intuito de otimizá-las, a fim de facilitar a expressão do empreendedorismo (Bressan & Toledo, 2013). Na literatura são encontradas compreensões diversas sobre o fenômeno (Frese & Gielnik, 2014). No presente trabalho, o foco está na perspectiva psicológica, pois, a variável central do estudo - intenção empreendedora - enfatiza crenças individuais associadas à possibilidade de criar o próprio negócio futuramente (Cortez & Veiga, 2018).
A intenção empreendedora é definida como a “convicção de que a pessoa pretende abrir um novo negócio num futuro próximo” (Thompson, 2009, p. 276). Para compreendê-la é preciso destacar, a priori, que carreiras e planos profissionais são fruto da interação entre aspectos pessoais e contextuais, razão pela qual se deve buscar apreender particularidades relativas ao contexto que os indivíduos se inserem quando se almeja construir elaborações sobre planejamento profissional e carreira (Teixeira & Costa, 2017). Por essa razão, é fundamental compreender esta questão na educação superior, pois é comum que universitários não possuam um plano de carreira e atuação profissional cristalizado no momento de ingresso no nível superior, o que torna profícuo ações de educação e orientação profissional neste nível de ensino, possibilitando que o empreendedorismo se apresente como uma alternativa ocupacional (Camacho & Rubio, 2007).
Na educação superior, verifica-se que ações de educação formal e informal influenciam no desenvolvimento de intenção empreendedora entre os alunos (Casero, Portillo, Escobedo, & Mogollón, 2017). Além disso, ações educacionais voltadas ao empreendedorismo no nível superior tendem potencializar o sucesso nos empreendimentos, o que torna desejável promover o empreendedorismo na educação superior como forma de aumentar a efetividade do empreendedorismo estudantil (Dickson, Solomon, & Weaver, 2008). Desse modo, é possível apreender o contexto de nível superior tem um papel relevante na compreensão dos relacionamentos entre educação empreendedora e abertura de um negócio (Bae, Qian, Miao, & Fiet, 2014; Martin, McNally, & Kay, 2013).
No contexto brasileiro, a educação empreendedora acontece prioritariamente nos cursos de nível superior por meio de disciplinas voltadas para a criação do próprio negócio, que se mostram insuficientes. Pelos apontamentos propostos sobre o tema, as práticas educacionais de alto impacto para promoção do empreendedorismo no nível superior demandam por abranger aspectos comportamentais, afetivos e cognitivos que facilitem a expressão da inovação e inventividade associada ao próprio negócio (Higgins, Smith, & Mirza, 2013). Evidências adicionais da literatura propõem múltiplas alternativas ao ensino do empreendedorismo no nível superior, as quais são multifacetadas e abrangentes entre as diferentes áreas (Silva & Patrus, 2017).
No entanto, para a formulação de alternativas educacionais para o empreendedorismo exitosas no Brasil é preciso entender as particularidades relativas ao público-alvo dessas ações. No caso de estudantes universitários, devem-se considerar as especificidades existentes entre os diferentes cursos, por exemplo. A experiência do aluno e, principalmente, a área do conhecimento do curso tendem a impactar nas escolhas profissionais, devendo ser consideradas na formulação de estratégias de educação e orientação profissional (Araújo, Sousa, Muniz, Gomes, & Antonialli, 2008).
Por esse motivo, espera-se para cada uma das áreas do conhecimento processos distintos em relação à intenção empreendedora, implicando na existência de diferenças entres as formas como o processo intencional empreendedor acontece entre alunos dos diversos cursos. Por meio dessa proposição, hipotetiza-se que cada área do conhecimento apresenta particularidades em relação à intenção empreendedora, demandando por práticas de orientação profissional e educação empreendedora adequadas para suas realidades. Essa hipótese é fundamentada pela literatura, pois apreende-se que o nível de intenção empreendedora entre diferentes áreas do conhecimento é substancialmente diverso, bem como há grande variação nas formas como a educação empreendedora e orientação profissional acontece entre elas (Noel, 2002).
Em ciências humanas, a promoção do empreendedorismo pode ser apreendida por meio de práticas pontuais. Nota-se que ao serem questionados sobre o tema, os estudantes reproduzem discursos assistemáticos sobre empreender, não apresentando clareza sobre as formas de propor e gerenciar o próprio negócio (Carvalho, 2012). Nas ciências sociais aplicadas acontece o inverso, os estudantes apresentam níveis aumentados de intenção empreendedora (Paraíso et al., 2016). Isso acontece, pois existem nestes cursos atividades direcionadas ao tema que facilitam a proposição do próprio negócio (Vieira & Rocha, 2015). Os alunos das ciências sociais aplicadas entendem como formular estratégias de negócios e vislumbram o empreendedorismo como alternativa ocupacional planejada pela maior familiaridade com os conteúdos de gestão (Vieira, Melatti, Negreiros, & Ferri, 2015).
Nas ciências exatas, assim como nas ciências sociais aplicadas, notam-se esforços no sentido de promover o empreendedorismo entre estudantes de engenharia por meio de projetos multidisciplinares, inovadores e trabalhos em equipe, mas é preciso maximizar essas ações por meio de políticas educacionais mais estruturadas, uma vez que não são tão difundidas quanto àquelas das ciências sociais aplicadas (Pereira, Hayashi, & Ferrari, 2016). Nas ciências da saúde, além das práticas de educação empreendedora se mostrarem escassas, elas não consideram a necessidade de sensibilizar os estudantes sobre a importância do tema e os impactos de tal prática na atuação profissional futura dos alunos, o que torna a intenção empreendedora reduzida entre alunos deste grupo (Pereira, 2017).
De forma geral, entre os diferentes cursos de nível superior, é comum que os estudantes tendam a se interessar por atividades que apresentam relação direta com a área de conhecimento do curso (Noronha, Martins, Gurgel, & Ambiel, 2009). Desse modo, no caso das ciências da saúde, a preferência por atividades assistenciais ou percebidas como socialmente desejáveis dentro do próprio curso pelos estudantes tende a reduzir o interesse estudantil por empreender. Isso acontece principalmente em cursos da área da saúde e humanas, nos quais o cuidado e as relações interpessoais são priorizados em detrimento ao ganho financeiro e autorrealização (Roncon & Munhoz, 2009). Dessa forma, para promover o empreendedorismo nesses cursos é preciso reforçar que propor o próprio negócio, como organização social, também pode ser útil para promover valores coletivos e bem-estar social (Rawhouser, Cummings, & Newbert, 2019).
Num panorama ampliado, ao se considerar as diferentes áreas, um estudo metanalítico verificou entre 73 investigações, abrangendo 37.285 estudantes, o efeito significativo (r=.14; p<.01) da educação empreendedora na intenção empreendedora estudantil (Bae, Qian, Miao, & Fiet, 2014). Neste sentido, experiências e práticas educacionais voltadas para a formulação do próprio negócio em contextos de nível superior podem ser positivas na promoção do empreendedorismo, desde que respeitadas as diferenças e particularidades entre os diferentes cursos (Borges, 2014). Quando executadas apropriadamente, as práticas voltadas para a promoção do empreendedorismo podem aumentar os resultados que os indivíduos obtêm em empreendimentos futuros (Costa, Santos, & Caetano, 2013). Em síntese, a educação empreendedora no nível superior aumenta a intenção empreendedora estudantil, sendo indicada para o aprimoramento dos níveis de negócios desenvolvidos por estudantes (Izedonmi, 2010).
Assim, tendo por mote a necessidade de explorar as diferenças na intenção empreendedora entre as diferentes áreas do conhecimento, o objetivo da presente investigação foi verificar o funcionamento diferencial dos itens (Differential Item Functioning - DIF) da Escala Brasileira Reduzida de Intenção Empreendedora (EIQBr-b: Entrepreneurial Intention Questionnarie Brazilian - Brief Version) em relação às quatro grandes áreas de conhecimento (ciências humanas, ciências sociais aplicadas, ciências da saúde e ciências exatas).
Método
Participantes
Participaram do estudo 197 estudantes universitários de instituição pública brasileira. A maior parte do sexo feminino (69.90%) com idade média de 22.50 anos (DP = 0.44). Em média os estudantes cursavam o 5º período (DP = 1.80). Em relação às áreas do conhecimento compuseram a amostra 50 sujeitos das ciências humanas (psicologia = 27; pedagogia = 23), 50 das ciências sociais aplicadas (direito = 27; administração = 23), 47 das ciências da saúde (medicina = 16, nutrição = 13, enfermagem = 14) e 50 das ciências exatas (engenharia biomédica = 26; engenharia química = 24).
Instrumentos
O instrumento foi composto por duas seções distintas. A primeira seção apresentou a EIQBr-b. Esta medida é composta por seis itens relativos ao quanto o estudante deseja, planeja e intenciona se tornar empreendedor ou criar um negócio num futuro próximo. Essa medida foi proposta por Liñán e Chen (2009) em língua inglesa obtendo estrutura unifatorial (λ = .65~.91) com consistência interna satisfatória (α = .94). A versão brasileira reduzida foi adaptada por Cortez (2017), o qual também identificou a estrutura unifatorial (λ = .89~.97) com evidências empíricas robustas e nível de fidedignidade adequado (α = .94). A escala de resposta empregada foi do tipo Likert de cinco pontos. A segunda parte do instrumento contou com perguntas relativas à caracterização sociodemográfica dos estudantes (sexo, idade, período em curso e curso de graduação).
Procedimientos
A pesquisa foi registrada e recebeu parecer favorável para a execução no Comitê de Ética por meio do registro CAAE: 56875916.0.0000.5152. A aplicação foi coletiva e presencial em sala de aula no intervalo das atividades escolares por meio de instrumento em lápis-papel. Os estudantes responderam ao instrumento após explanação dos objetivos da pesquisa e assinalar aceite no TCLE (Termo de Consentimento Livre Esclarecido). O processo de aplicação durou entre 10 e 15 minutos.
Análise de dados
Os dados foram analisados por meio do modelo Rasch de Rating Scale Score, o qual se apresenta adequado para itens politômicos no formato de resposta do tipo Likert (Bond & Fox, 2015). A dimensionalidade, requisito para utilização do modelo Rasch supracitado, foi testada por meio de análise de resíduos via componentes principais. As estimativas de ajuste (infit e outfit), correlação item-total, fidedignidade, nível de informação do teste e funcionamento diferencial dos itens (DIF) também foram analisadas dentro do modelo Rasch. No caso do DIF o método empregado foi Mantel-Haenszel para itens politômicos (Zwick & Ercikan, 1989).
Destaca-se que a escolha pelo modelo de Rasch sustenta-se pela possibilidade de analisar parâmetros dos itens de forma mais específica (Embretson & Reise, 2000). Esse modelo está inserido no contexto da Teoria de Resposta ao Item que se constitui como um modelo psicométrico para análise de evidências de validade empírica de instrumentos psicológicos (Pasquali, 2007). O Modelo de Rasch possui duas pressuposições, unidimensionalidade (refere-se a apenas um atributo) e independência entre os itens. No presente estudo adotou-se a análise dos componentes principais (ACP) dos resíduos para avaliar esse aspecto. Para determinar a não dependência entre os itens considerou-se o valor residual inferior a 0.30 (Pallant & Tenant, 2007).
Outra importante contribuição do modelo de Rasch é a possibilidade de aferir invariância em relação aos itens, ou seja, a resposta a um item é resultado apenas do nível do theta (habilidade) que o respondente possui independente de qualquer outra característica (Embretson & Reise, 2000). A invariância entre os grupos pode ser avaliada por meio do Differential Item Functioning (DIF), possibilitando verificar interferências relacionadas às particularidades dos grupos que maximizam ou diminuem a dificuldade do item para um nicho específico. Por essa razão, adotou-se essa análise para a consecução do objetivo da investigação.
Resultados
O instrumento EIQBr-b apresentou para estrutura unifatorial, eigenvalue de 14.10 com 70.10% de variância explicada. O resíduo para a estrutura simulada unidimensional do modelo acumulou 2.80 de eigenvalue e 13.90% de variância residual. Considerando-se a literatura proposta sobre o tema, tem-se que valores absolutos próximos a eigenvalue |2.0| indicam a inexistência conteúdo informacional capaz de resultar em fatores adicionais (Linacre, 1998). Neste sentido, o modelo empírico testado, ao apresentar elevado índice de variância explicada no primeiro fator e baixo valor de variância residual para a estrutura unidimensional, indicou evidência favorável à unidimensionalidade da medida, demonstrando-se adequado para análise via modelo Rasch. Na Tabela 1 apresentou-se a análise de resíduos por meio de componentes principais.
Os parâmetros dos itens apresentaram nível médio de theta (habilidade), o qual se fixou próximo ao ponto central do modelo Rasch = 0.00. O valor mínimo de theta oscilou entre -.51 e +.24, sendo cerca de dois desvios padrões no nível inferior e um desvio padrão no nível superior. O ajuste de infit e outfit médio foram adequados para a maior parte dos itens por se apresentarem inferiores a |1.0|. As ocorrências com aparente inadequação no ajuste representaram os valores máximos para esses índices, respectivamente, de 1.60 e 1.61. Optou-se por mantê-las após analisar os índices de correlação item-escore (r = .94) e fidedignidade (KR20 = .78-.81), uma vez que não foram apurados prejuízos de forma geral ao modelo (DeMars, 2017). As estatísticas descritivas e índices de ajustes foram sintetizados por meio da Tabela 2.
Ainda sobre a Tabela 2, os valores de theta próximo a 0 indicaram maior nível informacional para a EIQBr-b na porção médio inferior (theta = -3.00~0.00) com nível de informação superior a 3. Por conseguinte, a segunda porção do instrumento com maior nível informacional aconteceu na área médio superior (theta = 0.00~+3.00) com índice informacional acima de 2. De forma ilustrada, essa dinâmica pode ser apreendida por meio da Figura 1, a qual apresenta o aclive informacional.
Outro aspecto a ser apreendido refere-se ao uso das gradações da escala de resposta do tipo Likert em função das cinco opções disponíveis. Para os seis itens da EIQBr-b os cinco níveis foram utilizados e, tal como preconizado pelo modelo Rasch, os limiares de transição (thresholds) entre categorias foi crescente. Isto é, indivíduos com maior nível de habilidade aderiram às gradações superiores e aqueles com menores valores em theta optaram pelas gradações inferiores, adequando-se ao modelo Rasch empregado (Wetzel & Carstensen, 2014). No geral, as gradações apresentadas se mostraram adequadas para a diferenciação da intenção empreendedora da amostra no nível informacional supracitado. A aderência da amostra em função da categoria de resposta assinalada é apresentada na Figura 2, na qual os algarismos na curva representam a categoria de resposta assinalada em cada um dos itens em função do nível theta.
Em síntese, pelas evidências apresentadas, verificaram-se evidências satisfatórias para o instrumento frente ao modelo Rasch empregado, o que possibilitou a análise de funcionamento diferencial dos itens (DIF). Destaca-se que a inspeção prévia de adequação dos dados ao modelo Rasch minimiza a possibilidade de apurar diferenças em função de erros assistemáticos, o que torna as inspeções realizadas a priori indicadas ao se buscar DIF entre grupos (Oliveri, Ercikan, & Zumbo, 2014). Em relação ao funcionamento diferencial, analisaram-se as diferenças em função de três critérios, que foram empregados anteriormente na literatura: 1) diferenças entre grupos com valores t superiores a t> 2.00) diferenças no parâmetro de dificuldade bDIF>|.40| entre os grupos; e 3) nível mínimo de significância estatística para as diferenças encontradas igual a p<.05 (Ambiel, Carvalho, Moreira, & Bacan, 2016; Linacre, 2009; Primi, Carvalho, Miguel, & Silva, 2010). As diferenças encontradas entre as áreas do conhecimento frente aos critérios elencados são dispostas por meio da Tabela 3.
O item 01 da EIQBr-b apresentou funcionamento diferencial para a área de ciências sociais aplicadas. O nível de dificuldade para a área se mostrou aumentado em relação às demais. O item 04 também apresentou funcionamento diferencial para a área de ciências sociais aplicadas, tendo nível de dificuldade reduzido. Considerando-se os itens 02, 03, 05 e 06 não foi verificado funcionamento. Para o item 02 a dificuldade é razoavelmente próxima a theta = 30 para todos os grupos. No item 03 o parâmetro b se aproxima de theta = 0.00. Por sua vez, os itens 05 e 06 apresentaram uma variabilidade maior entre as áreas, mas por não se mostrar expressiva, nem significativa, não indicou funcionamento diferencial entre as áreas do conhecimento em relação ao conteúdo avaliado. Em suma, verificou-se que os estudantes da área de ciências sociais aplicadas ao serem comparados com os demais apresentaram funcionamento diferencial nos itens 01 e 04 da EIQBr-b.
Discussão
O presente estudo identificou evidências de validade satisfatórias para a EIQBr-b e adequação em relação ao modelo Rasch para o instrumento empregados na corrente investigação. Também apreendeu funcionamento diferencial dos itens entre estudantes das diferentes áreas do conhecimento de nível superior no que tange à intenção empreendedora. Especificamente, há funcionamento diferencial em relação à intenção empreendedora para a área de ciências sociais aplicadas, a qual se diferencia das outras áreas no processo intencional relativo ao ato de empreender.
Os estudantes da área de ciências sociais aplicadas apresentam maior dificuldade para aderir ao item 01 (“Eu farei qualquer coisa para me tornar empreendedor”) quando comparados com as demais áreas do conhecimento. É possível hipotetizar como responsável por essa diferença o nível de conhecimento relativo às práticas de gestão e empreendedorismo existente na área de ciências sociais aplicadas (Krakauer, Santos, & Almeida, 2017; Salusse & Andreassi, 2016). Estudantes das áreas de ciências sociais aplicadas tendem a apresentar grade curricular com maior carga horária de disciplinas específicas voltadas para negócios (Cruz, Costa, Wolf, & Ribeiro, 2006; Vieira & Rocha, 2015). Neste sentido, diferentemente dos estudantes das demais áreas, os alunos das ciências sociais aplicadas podem perceber que para se tornarem empreendedores e, portanto, intencionarem empreender, é preciso agir de forma mais planejada e orientada por um plano de negócios com objetivos e ações específicos (Sarmento, 2016; Vieira et al., 2015). Desse modo, o planejamento empregado pelos alunos da área apara empreender diverge da noção de “qualquer coisa” expressa pelo item 01, tornando mais difícil para este grupo assentir ao item. Empreender entre estudantes de ciências sociais aplicadas perpassa pelo planejamento sistemático e específico do plano de negócios, o que dificulta que os estudantes da área de intencionem empreender de “qualquer jeito” e de maneira assistemática (Cruz et al., 2006).
Ao se analisar que o item 01 não apresentou diferença nas áreas de ciências da saúde, humanas e exatas, abrangendo menor nível de dificuldade para esses grupos, verifica-se que os estudantes dessas áreas aderem ao item com maior facilidade. Entre essas três áreas os alunos de ciências da saúde foram aqueles com maior aderência ao item, seguidos das ciências humanas e pelas ciências exatas. Em termos práticos, é possível inferir que os alunos das ciências da saúde e ciências humanas intencionam empreender de forma assistemática e inespecífica (Carvalho, 2012; Santos, 2011). Assim, concordam com mais facilidade com a noção de “fazer qualquer coisa para empreender” do item 01 por não apresentarem ao longo do curso alternativas educacionais que os possibilitem desenvolver o próprio negócio com maior rigor e sistematização.
Em relação à diferença apresentada no item 04 (“Eu estou determinado a criar uma firma no futuro”) a maior facilidade para aderência expressada pelo grupo de ciências sociais aplicadas pode indicar que, com maior nível de conhecimento sobre a criação de negócios, esses estudantes enxergam a atividade empreendedora como uma alternativa ocupacional viável (Paraíso et al., 2016). Por essa razão, apresentam maior grau de determinação para criar o próprio negócio no futuro quando comparados com outras áreas, tornando este item mais fácil para esse grupo (Krakauer, Porto, Moura, & Almeida, 2015). A diferença encontrada no item 04 parece complementar aquela evidenciada no item 01, pois, ao intencionar empreender de forma sistemática, os estudantes da área de ciências sociais aplicadas conseguem antever riscos e benefícios relativos ao ato de empreender com maior clareza, o que pode maximizar a determinação deste grupo para intencionar criar o próprio negócio, reduzindo a dificuldade em relação ao item 04 para esses estudantes.
Sinteticamente, as diferenças encontradas entre os grupos nos itens 01 e 04 permite hipotetizar que estudantes de ciências sociais aplicadas vivenciam o processo de empreender por meio da intenção empreendedora de forma mais sistemática e, portanto, tem mais facilidade de vislumbrar o empreendedorismo como alternativa ocupacional. Entre alunos de ciências da saúde, ciências humanas e ciências exatas a intenção empreendedora é mais assistemática, dificultando que os alunos vislumbrem uma alternativa ocupacional via a criação do próprio negócio, o que tende a tornar a expressão da intenção empreendedora mais difícil nesses grupos (Pereira, 2017; Roncon & Munhoz, 2009).
Contrastando-se esses achados com as diretrizes curriculares existentes no nível superior para essas áreas, verifica-se que maior carga horária e disciplinas voltadas para gestão e negócios é capaz de maximizar o nível de conhecimento necessário para empreender, o que pode implicar as diferenças no processo de empreender vivenciado entre universitários de diferentes áreas (Bae et al., 2014; Noel, 2002). Tal constatação permite vislumbrar que a proposição de uma agenda favorável à promoção do empreendedorismo entre universitários incide em aumentar a carga horária de atividades curriculares e extracurriculares relacionadas à gestão, administração de negócios e criação do próprio empreendimento (Elmuti, Khoury, & Omran, 2012). Essa evidência apresenta consonância com a literatura relativa à educação empreendedora, a qual demonstra a eficácia de ações voltadas diretamente ao campo de negócios e empreendedorismo no ensino superior como as principais trilhas formativas para expandir a intenção empreendedora entre universitários (Byabashaija & Katono, 2011; Dickson et al., 2008).
Ademais, considerando-se que a literatura não é unânime ao definir as formas como a educação empreendedora acontece no nível superior do Brasil cabe questionar em que medida as diferenças encontradas referem-se à 1) existência de experiências educacionais voltadas à promoção do empreendedorismo entre universitários da área de ciências aplicadas ou 2) inexistência de promoção do empreendedorismo entre os demais grupos (Ribeiro , Oliveira, & Araujo, 2014; Silva & Patrus, 2017; Verga & Silva, 2015). No primeiro caso, as práticas educacionais exitosas entre alunos de ciências sociais aplicadas precisam ser sistematizadas, a fim de que possam ser promovidas entre alunos das demais áreas (Zatti, Luna, Silva, & Feigel, 2017). Na segunda situação, em que a diferença encontrada entre os grupos se refere somente ao conteúdo curricular obrigatório das áreas de ciências sociais aplicadas, mas não são efetivadas ações direcionadas ao empreendedorismo em nenhum dos grupos, demanda-se pela revisão das políticas e práticas curriculares para todas as áreas, a fim de integrar o empreendedorismo entre as estratégias curriculares (Curran & Stanworth, 1989; Izedonmi, 2010; Rocha & Freitas, 2014).
Destaca-se que a transversalidade do conteúdo a ser oferecido deve superar a dinâmica atual vivenciada em grande parte das instituições de nível superior brasileiras, em que as disciplinas relacionadas ao empreendedorismo não apresentam domínios específicos para as diferentes áreas de conhecimento (Nazareth, Souza, Leite, & Coqueiro, 2016; Silva & Patrus, 2017). Neste aspecto, sugere-se que haja um núcleo comum de formação no que tange às técnicas e processos de gestão. No entanto, em relação à natureza do negócio e formulação do tipo de produto ou serviço a ser oferecido, deve-se ter considerações sobre as particularidades das diferentes áreas para maximizar o interesse e facilitar a manifestação da intenção empreendedora pelos estudantes (Parreira, Carvalho, Mônico, & Santos, 2017). Dessa forma, será possível garantir aos estudantes das diferentes áreas possibilidades para empreender em domínios nos quais apresentem expertise técnica dentro da própria área de conhecimento, a fim de que a transição do ensino superior para a prática ocupacional seja exitosa e considere os interesses profissionais do estudante (Araújo et al., 2008; Noronha et al., 2009).
Em sala de aula uma das formas mais eficazes para promover o empreendedorismo refere-se à difusão da educação e orientação profissional por meio da proposição e implementação do plano do próprio negócio pelo aluno (Curran & Stanworth, 1989). O desenvolvimento do plano de negócio como atividade orientada em sala de aula mostra-se como alternativa exitosa para ensino do empreendedorismo no nível superior (Krakauer et al., 2015), sendo recorrentemente utilizado em cursos da área de sociais aplicadas. Outra alternativa para difusão do empreendedorismo no nível superior é por meio de empresas juniores e incubadoras de negócios. Estudantes que participam de empresas juniores apresentam maior nível de habilidades para empreender e intenção empreendedora quando comparados àqueles que não tiveram este tipo de experiência no nível superior (Ferreira & Freitas, 2014). Neste sentido, é possível inferir que quanto maior a carga horária dos programas e experiências de educação empreendedora maior o impacto da ação desenvolvida na intenção de o indivíduo empreender. Pela literatura, aconselham-se programas de longa duração, como aqueles que abrangem continuamente os diferentes semestres letivos, em detrimento de ações pontuais, para maximizar os resultados das práticas de orientação profissional e educação empreendedora (Heuer & Kolvereid, 2014).
Num espectro expandido, a dificuldade de se colocar em prática tais ações de educação empreendedora no nível superior refere-se à ambiguidade existente entre a necessidade de inovar e agir de forma independente para que o estudante se mostre empreendedor e as práticas educacionais que tendem a estagnação curricular dotando o aluno de pouca autonomia e inventividade no contexto estudantil. Essa contradição pode ser superada por meio da formulação de uma política voltada para a educação empreendedora (Diehl, 2016). Para tal fim, é preciso superar esses elementos antagônicos que se propõem como barreiras para o desenvolvimento da educação empreendedora e orientação profissional para o empreendedorismo nas universidades, a saber: 1) maior capacitação profissional dos educadores e orientadores profissionais para tratar sobre o tema e 2) captação de recursos financeiros para que políticas sobre o fenômeno sejam implementadas (Raposo & Paço, 2011).
Em relação às ações a serem desenvolvidas pelos educadores e orientadores profissionais, faz-se preciso elaborar planos e atividades em sala de aula e fora do espaço escolar, envolvendo o aluno para ações múltiplas dentro e fora do espaço universitário que desenvolvam competências para empreender. Para tanto, faz-se preciso preparação prévia desses profissionais para formular o conteúdo, aplicá-lo e sensibilizar os estudantes para realizar as atividades voltadas ao empreendedorismo (Krakauer et al., 2017). Em suma, preparar os professores e orientadores para este tipo de prática, requer torná-los aptos para informar e sensibilizar os estudantes sobre a importância do tema e facilitar a articulação de parcerias com o mercado, com o intuito de propiciar ao aluno experiências dentro e fora do espaço escolar (Hussain, 2015; Silva & Nascimento, 2014).
Tal relação é fundamental, pois a educação empreendedora bem-sucedida acontece quando a universidade se torna uma ponte com as práticas profissionais existentes no mercado de trabalho, possibilitando ao aluno desenvolver competências para lidar com a realidade fora dos muros do ambiente acadêmico (Ribeiro, Oliveira, & Araujo, 2014). Por isso, as aceleradoras e incubadoras de negócios exercem papel estratégico na promoção do empreendedorismo no nível superior, pois são o canal para a proposição dessas parcerias entre universidades e empresas (Sarmento, 2016). Neste sentido, experiências estudantis em incubadoras, empresas juniores e ao longo dos estágios profissionalizantes podem servir como espaço para formular práticas de orientação profissional para o empreendedorismo no nível superior que articulem a universidade ao mercado (Luna, Bardagi, Gaikoski & Melo, 2014). Por esse motivo, o desenvolvimento de empresas juniores e a aplicação de ideias em incubadoras de negócios pode aprimorar os níveis de intenção empreendedora em estudantes universitários (Nazareth et al., 2016).
Além dos aspectos curriculares abordados até então é fundamental se atentar a outros elementos para a promoção da intenção empreendedora no nível superior. Essas questões referem-se principalmente às expectativas estudantis e conhecimento sobre as alternativas ocupacionais, ultrapassando o conteúdo formal relativo aos modelos de gestão e planos de negócios e abrangendo domínios socioemocionais (Hussain, 2015; Rosário & Sandra, 2010). Numa dimensão intersubjetiva a escolha profissional também perpassa os interesses dos indivíduos e são influenciadas de forma dinâmica pela relação entre o sujeito e próprio meio (Diehl, 2016; Teixeira & Costa, 2017). Assim, é preciso se atentar à ausência de diferenças entre as áreas em relação aos itens 02, 03, 05 e 06, considerando-se que, por se tratarem de grupos com contextos formativos diversos, também eram esperadas diferenças entre os grupos nesses itens (Rizzato & Moran, 2013).
Sobre isso é importante salientar que, diferentemente dos itens 01 e 04, cujo foco abrange a intenção empreendedora como comportamentos necessários para se tornar empreendedor e abrir o próprio negócio, as asserções expressas pelos itens 02, 03, 05 e 06 versam sobre conteúdos relativos aos pensamentos, objetivos profissionais e esforços a serem realizados pelos indivíduos para empreender (Cortez, 2017). Por essa razão, a ausência de diferença entre os grupos nesses itens torna-se alarmante, tendo em vista que as diferenças encontradas entre as áreas no que tange à intenção empreendedora parece se limitar exclusivamente ao aspecto técnico. Isto é, conhecimento de práticas de gestão que permitam ao universitário expressar comportamentos e práticas necessários para abrir o próprio negócio, não abrangendo, portanto, diferenças nos aspectos socioemocionais.
Dessa forma, tal situação aparenta revelar que no espaço universitário e entre as diferentes áreas da educação superior os domínios socioemocionais são negligenciados ao se considerar a trajetória ocupacional do estudante frente ao empreendedorismo (Camacho & Rubio, 2007). Em outras palavras, os pensamentos dos alunos sobre seus próprios objetivos profissionais e a própria dimensão subjetiva, que implica esforços do sujeito para encontrar seu caminho profissional, não são integrados às ações de educação empreendedora, apesar de demonstrar significativo impacto na intenção empreendedora estudantil (Lackéus, 2014). Essa negligencia pode explicar a uniformidade entre os grupos, sendo respaldada de forma empírica pela ausência de diferenças entre as áreas no que tange aos itens 02, 03, 05 e 06.
Nesse contexto, além das alternativas político-educacionais e curriculares exploradas anteriormente, torna-se emergente a necessidade de incluir na promoção do empreendedorismo no nível superior práticas de orientação profissional que articulem o conteúdo formal relativo à proposição do próprio negócio com as dimensões socioemocionais dos estudantes (Coan, 2013; Cortez & Veiga, 2018; Guimarães & Macêdo, 2013). Essas dimensões, ao longo do processo de educativo e de orientação profissional, devem abranger questões relativas aos interesses dos indivíduos em relação ao próprio plano de vida, carreira e atividade ocupacional (Lima & Fraga, 2010; Lima, Martins, Santos, & Nunes, 2016; Valentini et al., 2009).
Além disso, ressalta-se ainda a importância de práticas envolvendo trabalhos em equipe voltados para objetivos específicos, com razoável nível de incerteza e ambiguidade, bem como aquelas que maximizam os insights dos estudantes, pois tendem a apresentar efetividade na promoção da intenção empreendedora (Lackéus, 2014). Versando sobre domínios comportamentais, a educação empreendedora e orientação profissional sobre o tema deve desenvolver no estudante habilidades para 1) identificar oportunidades de negócios; 2) decidir sobre investimentos baseados no risco; 3) analisar o contexto com o intuito de tirar proveito das contingências; 4) estabelecer relações estratégicas com pares de interesse (Salusse & Andreassi, 2016). Per si, espera-se como efeito das práticas de educação empreendedora e orientação profissional sobre o fenômeno incremento nos níveis de planejamento, autorrealização, inovação e tolerância ao risco de estudantes que participam de tais ações (Rocha & Freitas, 2014). Também é desejável o incremento da autoeficácia frente aos desafios que se propõem àqueles que intencionam empreender, o que também deve ser contemplado pelos estudos e práticas de orientação voltados ao tema (Rizzato & Moran, 2013).
Por fim, é preciso salientar um ponto crucial quando se busca maximizar a intenção empreendedora entre estudantes. Para empreender os universitários necessitam conhecer as formas de tornar os empreendimentos socialmente e economicamente viáveis, o que pode ser viabilizado pelas disciplinas e práticas transversais relativas ao empreendedorismo no nível superior (Higgins et al., 2013; Silva & Nascimento, 2014). No entanto, tal empreitada não será exitosa caso o sujeito não consiga vislumbrar-se como empreendedor ao longo da vida (Bressan & Toledo, 2013), requerendo que uma questão fundamental seja respondida a priori a fim de possibilitá-lo definir as estratégias pessoais necessárias para empreender: “será que eu me interesso e conheço as implicações de me posicionar ocupacionalmente como empreendedor?”. Independentemente da resposta positiva ou negativa, a orientação profissional e educação empreendedora podem servir como um caminho para traçar processos que facilitem ao sujeito construir respostas para tal questão e planejar com êxito o próprio futuro profissional.
Considerações Finais
Entre as contribuições do estudo encontra-se a proposição de evidências de validade e funcionamento diferencial dos itens para a EIQBr-b, a qual consolida o instrumento como alternativa viável para mensuração da intenção empreendedora no contexto e amostra empregado no estudo. Além disso, a identificação de diferenças entre as áreas do conhecimento no que tange ao processo intencional de empreender revela a necessidade de se aprimorar as práticas curriculares relativas à educação empreendedora nos cursos de educação superior, especificamente no Brasil, pois grande parte de las se mostram lacunares pela ausência de sistematização e por desconsiderar as especificidades e necessidades das diferentes áreas do conhecimento. Uma limitação a ser ressaltada refere-se à restrição da amostra a estudantes de instituições de nível superior federais brasileiras, o que torna emergente o exame dos apontamentos encontrados pelo presente estudo em outros contextos latino americanos para impactar na maximização da atividade empreendedora em nosso continente.