Desastres naturais, pandemias, ataques de guerra e terroristas, ocorrem em larga escala e afetam comunidades inteiras. Dada a imprevisibilidade, tais eventos podem ser associados a consequências devastadoras em relação a saúde mental. São eventos potencialmente traumáticos, repentinos e experimentados coletivamente, com potencial de desorganizar a vida de indivíduos, famílias e comunidades em vários níveis, imediatamente após sua ocorrência e a longo prazo (Gil-Rivas & Kilmer, 2016). Por tal motivo, é importante compreender como os profissionais da área da saúde mental podem ajudar indivíduos e comunidades que experimentaram um evento traumático (Jacobs, Gray, Erickson, Gonzalez, & Quevillon, 2016).
Durante uma crise, esforços emergenciais de diferentes áreas de conhecimento são demandados diante da preocupação com a saúde mental da população (Faro et al., 2020). O presente texto irá enfocar as contribuições da psicologia positiva pensando na pandemia provocada pelo COVID-19, enfrentada pelo mundo todo e considerada um dos maiores problemas de saúde pública internacional das últimas décadas (World Health Organization, 2020).
Durante períodos de epidemia, o número de pessoas cuja saúde mental é afetada tende a ser maior do que o número de pessoas afetadas pela doença, sendo que as implicações na saúde mental podem durar mais tempo do que a própria epidemia (Ornell, Schuch, Sordi, & Kessler, 2020). A curto prazo, a exposição a tais situações pode provocar sofrimento psicológico, queixas somáticas, impacto nas relações sociais problemas de sono, psicossociais e comportamentais (Kaniasty, 2020). A longo prazo, pode provocar o desenvolvimento de estresse pós-traumático, ansiedade, depressão, uso excessivo de álcool, transtorno do pânico e outras condições de prejuízo à saúde mental (Gil-Rivas & Kilmer, 2016; Park, 2016). Cerca de 30% dos indivíduos precisarão de intervenção, sendo que, na grande maioria, as dificuldades diminuem, gradativamente, nos primeiros meses após o fim do evento, sugerindo um padrão natural de recuperação (Gil-Rivas & Kilmer, 2016).
Considerando-se essa ampla diversidade de prejuízos à saúde física e mental dos indivíduos acometidos por esse tipo de situação, a atuação do psicólogo pode se dar em diferentes momentos (pré, durante e após as crises), não só com as vítimas, equipes de emergência, funcionários da área de saúde e voluntários que atuam na linha de frente (Quevillon, Gray, Erickson, Gonzalez, & Jacobs, 2016), mas, também, com a população em geral. É importante que essa atuação considere fatores situacionais e diferenças individuais que podem impactar o comportamento durante um desastre (Robinson, 2018), tais como tempo de exposição, tipo de desastre, nível de exposição e suporte social percebido. Esses fatores influenciam a forma como as pessoas irão reagir ao evento (Lowe et al., 2019; Quevillon et al., 2016).
A promoção de saúde pode ser visualizada, dentro desse contexto, como elemento essencial para manutenção da saúde mental, por meio do estímulo à experiência subjetiva positiva (Durgante, Mezejewski, Navarine e Sá, & Dell’Aglio, 2019). Entretanto, estudos sobre a consequência, a longo prazo, desses mecanismos no funcionamento adaptativo ainda são escassos (Morgado, 2018). Neste sentido, descobrir e promover mecanismos de enfrentamento psicológico nos indivíduos que passam por situações de desastre deve ser uma meta dos pesquisadores (Cherry et al., 2018). A compreensão de como as pessoas se recuperam dessas situações pode ser útil no planejamento de intervenções posteriores e implementação de programas focados na prevenção dos danos causados por desastres (Park, 2016).
Segundo Paranhos e Werlang (2015), a Psicologia Positiva, nesse contexto, pode fornecer um olhar para o potencial humano de recuperação, ajudando a ativar a parte saudável e preservada das pessoas. Mesmo diante de situações complexas como os desastres e crises, tal movimento pode auxiliar a compreensão dos potenciais, capacidades e motivações que os indivíduos apresentam (Machado, Gurgel, & Reppold, 2017).
Esse movimento se baseia no estudo dos recursos que as pessoas podem fazer uso para funcionar de uma forma ótima e florescer psicologicamente em situações de vida cotidiana e naquelas marcadas por adversidades (Fernández-Ríos & Vásquez, 2018). Segundo Venberg, Hambrick, Cho e Hendrickson (2016), a atuação pode se dar em três grandes fases: preparação para desastres, resposta a crises (durante e logo após a ocorrência de um desastre) e recuperação (após a resposta à crise se dissipar e enquanto a reconstrução / recuperação progride). Nesse sentido, o texto foi organizado de modo apontar como a literatura científica tem destacado a possibilidade de aplicação dos construtos da psicologia positiva, considerando-se essas três fases.
Fase de preparação para crises e desastres
A fase de preparação envolve ações dos governos, organizações, comunidades e indivíduos para antecipar e prever os impactos de prováveis desastres, de modo a tentar reduzir seu risco e aumentar a capacidade de resposta (Paton, 2019). Essa primeira fase é o momento no qual são passadas, para a população em geral, as principais informações quanto à existência do problema de saúde pública, além das possíveis consequências relacionadas ao evento (Faro et al., 2020).
O impacto inicial de crises e desastres se marca por uma mudança repentina e inesperada, geralmente envolvendo perda de recursos (materiais, sociais e emocionais) (Shing, Jayawickreme, & Waugh, 2016). Nessa fase de preparação, alguns construtos da psicologia positiva vêm sendo apontados como importantes de serem estimulados (Quadro 1).
Fase de resposta
O período intracrise, também chamado de fase aguda, é o momento no qual o problema se instala e há a constatação da gravidade, vulnerabilidade ao adoecimento e reconhecimento de riscos eventuais (Faro et al., 2020). Neste período, que envolve a fase de resposta, outras ações relacionadas a construtos da Psicologia Positiva podem ser citadas (Quadro 2).
Nessa fase, a capacidade de alcançar e manter um estado de ajuste psicológico saudável é desafiada, devido a carga elevadas de experiências e emoções negativas que podem surgir, decorrentes da vivência diária da situação. É necessário implementar estratégias e alertar a população sobre os riscos, evitando informações equivocadas e desencontradas, as quais podem ampliar a sensação de insegurança, estresse, ansiedade e sintomas depressivos.
Fase de recuperação
O terceiro momento da crise pode ser compreendido como uma fase de reconstrução social, quando as pessoas começam a retomar as atividades habituais, retorno gradual do funcionamento de instituições e menor nível de exigência quanto à proteção (Faro et al., 2020). Outros aspectos relacionados a Psicologia Positiva podem ser incentivados neste período, visando minimizar os impactos da crise (Quadro 3).
Nessa fase, as ações se voltam para a tentativa de evitar, principalmente, o desenvolvimento de estresse pós-traumático, bem como o desencadeamento, agravamento ou recaída relacionada a transtornos mentais. É importante oferecer assistência adequada à saúde mental da população, visando minimizar o sofrimento decorrente da crise.
Diversos estudos têm sugerido a possibilidade de crescimento como resposta a um evento traumático. A psicologia positiva pode ajudar os indivíduos a reformularem suas experiências negativas, levando as pessoas a refletirem sobre suas prioridades de vida, reavaliarem seus valores, dando um novo significado ao evento vivenciado (Sattler & Smith, 2020). Os construtos da psicologia positiva podem atuar como fatores protetivos a saúde mental, podendo ser aplicados nas diferentes fases da crise, pandemia ou desastres, de modo a minimizar impactos negativos e consequências mais graves.