Nas últimas décadas, o aumento do suicídio entre a população trans é considerado um fenômeno histórico-cultural que vem crescendo em todo o mundo (Benevides & Nogueira, 2020). Dados apontados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que mais de 800 mil pessoas morrem decorrente de suicídio anualmente. Este fato alarmante se constitui como uma preocupação de saúde pública, objetivando o foco para as várias facetas deste fenômeno. Ainda segundo a OMS, mais de 70 % dos suicídios acontecem em países de baixa e média renda, fazendo pensar que as causas desse problema podem estar atreladas às questões familiares, ambientes de trabalho, sociedade, na falta de acesso à educação e saúde, entre outros fatores (OMS, 2019).
Indivíduos que se identificam fora dos papéis socialmente definidos de masculinidade ou feminilidade são considerados transgêneros, ou seja, seu gênero difere do sexo que lhe foi atribuído ao nascimento. Assim sendo, mulheres trans são mulheres que nasceram e cresceram em corpo masculino, homens trans são homens que nasceram e cresceram em corpo feminino. O termo transexual foi utilizado pela primeira vez em 1953, pelo endocrinologista Harry Benjamin, para mencionar pessoas que biologicamente estavam inconformados com seu sexo e queriam a sua troca, ainda que seus aparelhos genitais estivessem sem nenhuma anormalidade (Azeem et al., 2019; Yarns et al., 2016).
Atualmente, percebe-se o número elevado de suicídio em pessoas trans. Dados sugerem, que o índice de suicídio entre pessoas cisgêneras (que se identificam com os papéis sociais e genitália atribuídas social e biologicamente) tem percentual de 4,6 %, já o risco entre indivíduos transgêneros sobe para 41 %, sendo um número alarmante. Além disso, esses mesmos estudos demonstram que jovens de minorias de gênero são um grupo vulnerável ao suicídio (Chang & Delaney, 2019; Perez-Brumer et al., 2017). Alguns fatores elencados para a presença de um número elevado de ideação e risco de suicídio entre essas pessoas são a injustiça social, o estigma, a falta de empregos e de oportunidades educacionais, abuso na infância, o uso de substâncias ilícitas, além de altos níveis de marginalização e outros fatores psicológicos (Azeem et al., 2019; Staples et al., 2017; Yarns et al., 2016; Zeluf et al., 2018).
No Brasil, por exemplo, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA; Benevides & Nogueira, 2020), estima-se que pessoas trans têm expectativa de vida de 35 anos de idade, sendo a média de vida nacional de 75 anos. A mesma associação coloca o Brasil como líder em número de morte de pessoas trans no mundo, sendo o suicídio a segunda maior causa de mortes nessa população. A marginalização, estigmatização, discriminação, violação dos Direitos Humanos, o classismo, a LGBTfobia e o racismo são fatores que contribuem para essa realidade, como também fazem parte do cotidiano e da vivência trans brasileira.
Mesmo com os dados abordados, a literatura que explora o fenômeno suicídio da população trans ainda é baixa, principalmente no Brasil e América Latina (Zeluf et al., 2018). Pesquisas apontam que a pessoa trans passa por diversos estressores externos durante a vida, e que isso pode levar às altas taxas de suicídio (Edwards et al., 2019; Romanelli et al., 2018). Dito isso, a presente revisão de escopo objetivou responder a seguinte questão: quais os fatores de risco e de proteção para tentativa de suicídio na população trans? baseando-se nos achados da literatura internacional.
Método
A presente revisão de escopo de literatura foi realizada de acordo com o protocolo proposto pelo Prisma. A pesquisa pelos materiais analisados aconteceu por meio de pesquisa online em rede aberta. Desse modo, inicialmente, buscou-se os descritores que melhor se adequavam ao problema de pesquisa, utilizando os Descritores em Ciência da Saúde, fornecido pela Biblioteca Virtual em Saúde. Na pesquisa dos descritores, a biblioteca elencou os termos pessoas transgênero e suicídio; o primeiro em relação à população alvo da presente pesquisa, já o segundo a variável analisada.
Para a efetivação da busca, a pesquisa seguiu passos preestabelecidos. Foram adotados os passos apontados por Costa e Zoltowski (2014): delimitou-se o problema a ser pesquisado; escolheram-se as fontes de dados a serem utilizadas; foram eleitos os descritores de busca; buscou-se e armazenou-se os resultados; os artigos foram selecionados pelo resumo, a partir dos critérios elencados; extraiu-se os dados; avaliou-se os artigos; e os dados foram interpretados.
A busca, seleção e análise dos artigos foi realizada por dois juízes, de forma independente, no mês de agosto de 2020 e foram utilizados os bancos de dados Medline, Lilacs e PubMed. À priori, os termos em português (pessoas transgênero e suicídio) não apresentaram resultados significantes na busca, assim, esta passou a ser feita pelos descritores na língua inglesa: transgender persons AND suicide. Por conseguinte, os resumos dos artigos incluídos para análise foram agrupados em um corpus de texto único, e analisados pelo software Iramuteq. O presente software permite a realização de diversas formas de análise de dados textuais, como a análise lexicográfica e classificação hierárquica descendente (CHD; Camargo & Justo, 2013).
A partir da busca nas bases de dados resultou em 360 artigos conforme Figura 1: Medline (n = 172), Lilacs (n = 01) e PubMed (n = 187). Inicialmente foram excluídos os títulos duplicados e passou-se a iniciar a busca baseada nos títulos e resumos. Após isso se aplicou os critérios de inclusão levantados na construção do protocolo de pesquisa: ser artigo científico empírico; ter sido publicado nos últimos cinco anos nas bases de dados pesquidas (2015-2020); ter como população alvo as pessoas trans; e correlacionar a temática suicídio. Os critérios de exclusão utilizados foram: ser artigo de revisão; e ter sido publicado anteriormente ao ano de 2015. Adotados os critérios de inclusão supracitados, o banco de dados elencado contou com 22 artigos, os quais foram lidos, traduzidos para a língua portuguesa e organizados no corpus para análise.
Resultados
Inicialmente, a Tabela 1 apresenta a caracterização detalhada dos artigos elegidos para a presente revisão. Percebe-se a concentração de estudos na parte norte-americana, porém, com a presença de estudos em regiões com históricos conflituosos, como o Paquistão. O Brasil não apresentou nenhum resultado nas buscas realizadas.
Os 22 resumos dos artigos elegidos na revisão foram submetidos à análise da CDH, nessa análise avalia-se a aproximação semântica entre os elementos lexicográficos dos textos apreendidos, resultando em classes formadas a partir das análises das frequências e qui-quadrado (Camargo & Justo, 2013). O corpus textual analisado foi subdividido em 109 segmentos de texto. A análise CHD categoriza os vocábulos lexicograficamente em categorias de aproximação, assim, no presente escrito a análise dividiu o corpus em cinco classes de elementos textuais. A Figura 2 apresenta o dendograma resultante da CHD.
Os resultados encontrados permitiram a criação das classes, logo, recomenda-se que haja a nomeação destas (Camargo & Justo, 2013). Assim sendo, a classe 1 foi formada a partir de 11 STs (segmentos de texto), representando 16,18 % do total, apresentou fragmentos que remontaram aspectos da vivência trans. Ou seja, a partir da análise dos textos elencados, observou-se nas palavras constituintes que o fato de expressar a real identidade de gênero da pessoa trans pode ser visto como fator de risco à tentativa de suicídio, assim como participar de uma “minoria social”; além de a maior parte dos estudos demonstrarem que esta população vivencia - de forma recorrente - abusos (físicos e morais) durante a vida. Diante disso, a classe fora nomeada como “Impacto do ser trans”. Nesta classe, os estudos 07, 11 e 16 (ver Tabela 1) mais apresentaram força para a formação da classe.
Por conseguinte, a classe 2 foi formada por 12 STs, representando 17,65 % do total. Nesta classe foi possível observar aspectos como a discussão em torno da população trans; assim como o (re) conhecimento dessas pessoas em âmbitos de poder e saúde pode se configurar enquanto fator protetivo frente a tentativa de suicídio, como também a existência de um trabalho que envolva a saúde mental dessa população. Dessa forma, a classe foi chamada de “Visibilidade trans”, tendo os escritos 03 e 14 como os mais representativos para a formação da classe.
Relacionada diretamente à classe anterior, a classe 5 se apresenta enquanto contraponto ao que foi visto na Classe 2, mostrando vocábulos e textos que estão diretamente ligados a maiores riscos de tentativas de suicídio entre pessoas trans. Formada por 14 STs, representando 20,59 % do total, a classe 5 apresenta que o tratamento de saúde ofertado à essa população é um fator crucial, que pode ser protetivo ou de risco, a depender de como esse cuidado é ofertado; a classe também aponta que o uso de substâncias ilícitas e a depressão como fatores de risco; aponta-se também o apoio comunitário como protetivo às questões de suicídio nestes indivíduos. Assim sendo, a classe foi elencada como “Riscos à saúde trans”, tendo os escritos 01, 04 e 13 como os mais representativos para a classe.
As classes 3 e 4 também foram formadas a partir de uma subdivisão do corpus. A classe 3 foi constituída de 14 STs e representou 20,59 % do total. Na presente classe foram percebidos apontamentos de resultados dos estudos, onde em sua maioria leva a perceber que os sintomas depressivos percebidos na população trans estão diretamente associados com o alto risco de tentativa de suicídio, principalmente nos modelos estudados. Assim sendo, nomeou-se a classe como “Tenuidade entre depressão e suicídio”, os estudos 08 e 19 foram os mais representativos nesta classe.
A classe 4, formulada a partir de 17 STs e representando 25 % do total, mostra alguns achados dos estudos presentes na revisão. Apresentando ligação direta com a classe anterior, percebeu-se que os textos analisados apontaram que a vida de pessoas trans inclui - na maioria das vezes - uma baixa qualidade de vida; assim como esta população se encontra mais vulnerável à experienciação da ideação ou tentativa de suicídio ao longo da vida nas amostras pesquisadas. Dessa forma, a presente classe foi nomeada como “Desafios da vida trans”, com os escritos 09, 15, 17 e 18 mais representativos para a formação da classe.
Discussão
Na classe 1 denominada “Impacto de ser trans”, são retratados estressores vivenciados por pessoas trans pela razão de não corresponderem socialmente ao gênero de nascimento (Thoma et al., 2019). Nesse sentido, os achados sugerem que o fato de ser trans expõe a pessoas a experienciar uma vida com discriminação, preconceito, invisibilidade, com sentimentos de rejeição, medo da punição, violência, conflitos familiares; assim sendo, estes são considerados fatores desencadeantes de sofrimento entre pessoas que se auto identificam como trans (Testa et al., 2017; Vitali et al., 2019).
Alguns dados estatísticos corroboram com os resultados encontrados. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos acerca da discriminação relacionada a pessoas trans identificou que 63 % dos entrevistados relataram ter sofrido discriminação, maus tratos, abandono, perda de emprego, negação de atendimento em serviços de saúde, violência física e sexual (Edwards et al., 2019). No Brasil, de acordo com dados da ANTRA, em 2020 houve um aumento de 49 % do número de assassinatos de pessoas trans quando comparado ao ano de 2019. Além disso, foram notificadas 22 tentativas de homicídio, 11 suicídios e 21 violações dos direitos humanos nos meses de janeiro a abril (Benevides & Nogueira, 2020).
Os estudos mais representativos dentro da presente classe discorrem sobre os principais fatores psicossociais que estão atrelados à baixa de qualidade de vida entre pessoas trans. O abuso familiar, a ansiedade, experiências impactantes durante a vida com relação ao gênero, a falta de suporte e a transfobia internalizada são elementos recorrentes apontados pelos autores com relação ao risco de tentativa de suicídio nesta população (Kota et al., 2020; Perez-Brumer et al., 2017; Tebbe & Moradi, 2016).
Os dados apresentados na classe remontam pontos em que são necessários um maior enfoque da vivência trans. Tucker et al. (2018) em seu estudo demonstra que a vida da população trans está constantemente em vulnerabilidade, visto que o risco de tentativa de suicídio nessa população é vinte vezes maior do que em pessoas cisgêneras. Os aspectos supracitados são de fundamental importância, pois, o apoio social, estabilidade emocional e a presença de políticas anti discriminação podem configurar resposta à alta taxa de mortalidade dessa população (Budhwani et al., 2018; Edwards et al., 2019; Tebbe & Moradi, 2016)
A classe 2 e a classe 5, diretamente interligadas, denominadas de “Visibilidade trans” e “Riscos à saúde trans”, discutem alguns fatores que podem proporcionar uma vida equiparável para com a vivência trans. Desse modo, é preciso que haja interferência de poderes sociais na luta à vida dessa população. A presença de políticas públicas de educação, saúde e assistência podem fornecer caminhos mais positivos durante a vivência desses sujeitos. Em contraponto, a falta destas pode corroborar o caminho de preconceito, discriminação e estigma enfrentado pelas pessoas trans. As classes apontam que os resultados científicos encontrados nas mais diversas pesquisas devem servir de base para o maior entendimento acerca da vivência trans, como também devem ser vistos como recursos para atuar frente às demandas vivenciadas por estes (Chang & Delaney, 2019; Chen et al., 2019; Romanelli et al., 2018; Seelman, 2016).
Os principais artigos que compuseram a formação da classe 2 apontam caminhos que podem ser adotados como fatores protetivos na vida de pessoas trans. A oferta de maior visibilidade trans é uma das principais saídas para os alarmantes índices referentes ao suicídio da presente população, os autores apontam que o simples fato de usar o banheiro em conformidade com o gênero pode funcionar como fator protetivo na vida dessas pessoas. Além disso, a relação pessoa-ambiente também pode funcionar como fator protetivo, apontando que um melhor vínculo com o espaço social pode ajudar na diminuição do risco de tentativas de suicídio (Chang & Delaney, 2019; Seelman, 2016).
Em contrapartida, os estudos mais representativos da classe 5 apontam elementos que podem contribuir para os altos índices de suicídio na população trans. Ou seja, além dos fatores que podem influenciar e configurar como auxílio anteriormente expostos, é necessário o entendimento das várias facetas que remontam o fenômeno suicídio da população trans. Em comparação com indivíduos cisgêneros, pessoas trans apresentam taxas mais altas de risco de suicídio, tentativas e mortes por tal fator (Staples et al., 2017). Uma pesquisa realizada com pessoas trans na Argentina mostrou que 33 % das pessoas tentaram suicídio ao menos uma vez na vida (Marshall et al., 2016). Além disso, documentou-se que, em longo prazo, 20,5 % das pessoas trans de um estudo indicaram que o suicídio é algo provável no futuro (Tebbe & Moradi, 2016).
Outra pesquisa mostrou que 23 % das pessoas trans afirmaram usar álcool ou drogas para lidar com os estressores sofridos e em casos que havia rejeição familiar os comportamentos nocivos à saúde eram mais frequentes (Klein & Golub, 2016). Nesse âmbito, o uso de substâncias é considerado mecanismo usado para lidar com a dor psíquica, contudo em casos em que há ideação suicida a utilização tende a aumentar impulsividade e desinibição e assim, intensifica o risco da consumação do suicídio (Klein & Golub, 2016; Tebbe & Moradi, 2016). Os estudos apontam que o uso de substâncias apresenta fortes associações com ideação suicida e suicídio. Para mais, percebe-se que as terapias de conversão de identidade de gênero são relacionadas a efeitos adversos a saúde mental da população trans, são considerados “tratamentos” amplamente prejudiciais (Kota et al., 2020; Turban et al., 2020).
Ainda em diálogo com o exposto, os dados da pesquisa de Romanelli et al. (2018) se mostram diretamente relacionado às presentes classes. O estudo buscou avaliar a experiência de pessoas trans em locais de assistência médica. Na pesquisa foram achados resultados que confirmam a necessidade de um olhar de assistência e (re) conhecimento dessa população nestes espaços. Nos dados encontrados, a negação de serviços à população trans foi relacionado à diminuição do recebimento de tratamentos; e a não oferta de tratamentos se relacionou positivamente com o uso de substâncias e altas taxas de suicídio. Entretanto, o recebimento de apoio se configurou como aspecto protetivo para o recebimento efetivo de tratamentos, mostrando como a oferta do cuidado pode influenciar no salvamento de vidas trans.
Os dados da presente revisão discutem em sua totalidade aspectos internacionais, mostrando que o caminho de entendimento e ofertas de subsídios e assistência a esta população é um caminho para a redução da taxa de suicídio. Entretanto, no Brasil, Oliveira e Romanini (2020) demonstram em seu estudo que as políticas públicas e de saúde ainda são percursos pouco percorridos por pessoas trans. Para os autores, essa desassistência não é benéfica para a saúde dessa população, aponta-se que os diversos saberes necessitam estar a favor desta para uma melhor qualidade de vida, tanto de forma quantitativa - ofertando maior longevidade - como qualitativa - propiciando maior qualidade de vida.
Dentre os fatores protetivos relatados nos estudos, uma investigação com adolescentes transgêneros indicou que a terapia de supressão hormonal foi associada a menores taxas de ideação suicida ao longo da vida (Turban et al., 2020). Além da maior satisfação corporal, o uso do nome social congruente com a identidade de gênero indica uma redução nos sintomas de depressão, assim como uma redução da ideação suicida e do risco à consumação do suicídio (Russell et al., 2018).
Salienta-se que, suporte emocional mediado por relacionamentos significativos com família, amigos são considerados fundamentais na prevenção do suicídio (Klein & Golub, 2016; Zeluf et al., 2018). Assim sendo, o apoio social e o autoconceito positivo são considerados preditores para ter uma melhor saúde mental entre pessoas trans (Kuper et al., 2018). Contudo, os dados evidenciam que fatores protetivos relacionados à imagem, respeito à identidade de gênero e apoio social podem ser nocivos, se for insuficiente a saúde física e mental das pessoas trans.
Por conseguinte, as classes 3 e 4 também interligadas e nomeadas como “Tenuidade entre suicídio e depressão” e “Desafios da vida trans”, retratam enxertos que sugerem a presença de correlação positiva entre suicídio e depressão nessa população, como também aspectos desafiantes, como a baixa qualidade de vida experienciada por estes atores sociais (Kota et al., 2020). Nessa direção, evidencia-se que os estressores sociais predispõem as pessoas trans a elevados índices de suicídio. Nesse interim, a literatura explorada nessa revisão sistemática, aborda que a discriminação, depressão, conflitos familiares, abuso substâncias são considerados fatores de risco para a tentativa de suicídio (Chen et al., 2019; Lehavot et al., 2016; Zeluf et al., 2018).
Na maioria dos artigos analisados, como também nos que compuseram especificamente a classe 3, a depressão é indicada como fator de risco para a tentativa de suicídio da população trans. O estudo de Tucker et al. (2018) demonstra que a discriminação e rejeição podem funcionar como fatores desencadeantes para tentativas de suicídio, e são estressores minoritários que esta população vivencia. Estes estressores que podem levar a pessoa trans ao suicídio tem ligação direta com sintomas depressivos, assim, o estudo aponta que o controle e manejo desses estressores - de forma precoce - podem contribuir para reduzir a tentativa de suicídio, como também na diminuição dos sintomas depressivos, agindo como fator de proteção.
Outros fatores/estressores ainda estão em conversação direta entre depressão e suicídio com relação à população trans, exemplos desses são: experiências de preconceito e discriminação, transfobia, estigmas, falta de suporte social e uso de substâncias lícitas ou ilícitas. Estes fatores também precisam ser manejados durante a experiência de vida dessas pessoas, pois, são aspectos cruciais que ditam como este sujeito enfrentará as demandas impostas em uma sociedade ainda transfóbica (Tebbe & Moradi, 2016; Tucker et al., 2018; Zeluf et al., 2018).
Todos estes fatores ainda propiciam baixa qualidade de vida ofertada à população trans e foram apresentados na maioria das palavras presentes na classe 4. A saída precoce do seio familiar, a falta de ofertas educacionais e o baixo nível de escolaridade influenciam diretamente na baixa qualidade de vida de pessoas trans. Este dado é importante pelo fato de este fator ter relação direta a uma menor renda mensal, onde a pesquisa de Suen et al. (2017) aponta que pessoas trans com menor renda possuem maior propensão ao suicídio.
Ante o exposto, percebe-se que os estudos apontaram a existência de aspectos chaves na experiência de vida trans. Tanto na direção de pontos negativos e de risco, como apenas o fato de ser trans ser um fator favorável para o risco de suicídio, como também os estudos remontaram aspectos de possíveis direcionamentos e do que possivelmente possa funcionar enquanto fatores protetivos, como a criação de políticas assistenciais e da promoção do debate acerca de pontos que estão ligados diretamente ao suicídio dessa população. Em síntese, os achados da presente revisão apontam como os principais fatores de risco à tentativa de suicídio de pessoas trans: a transfobia; transtornos de ordem psicológica (tais como ansiedade, depressão, dentre outros); a falta de suporte social; abusos físicos, morais e sexuais; e a baixa qualidade de vida dessa população. Em contraponto, a visibilidade trans, o apoio social, o uso de espaços sociais e a relação pessoa-ambiente são fatores protetivos a esta realidade.
A cisgeneridade compulsória imposta pela sociedade atual atravessa a vivência trans em sua totalidade. Assim como apontam os estudos supracitados, a experiência de vida trans é arraigada de elementos negativos e dificultosos, que muitas vezes se mostram como empecilhos para a existência de uma boa qualidade de vida. É necessário que haja uma compreensão mais ampla das várias arestas que compõe as vivências não-cisgêneras, principalmente quando se trata de vidas perdidas precocemente, como nos casos de suicídio.
Considerações finais
O presente estudo teve como escopo identificar fatores de risco e proteção relacionados ao alto índice de suicídio entre a população transgênero. A literatura investigada apontou que o preconceito, discriminação, abandono familiar, escassas oportunidades durante a vida, violência e falta de políticas voltadas para a população trans refletem nos altos índices de suicídio evidenciados. Ademais, os estudos mostram que a depressão e o abuso de substâncias têm correlação com ideação suicida e suicídio. Por outro lado, fatores ligados aos relacionamentos saudáveis entre pares, terapia hormonal e outros mecanismos ligados à identidade de gênero são considerados protetivos à vida de pessoas trans.
Nesse sentido, acredita-se que os objetivos iniciais foram alcançados no que tange a compreensão de fatores relacionados ao suicídio das pessoas trans. Como aspectos positivos considerados nessa revisão, acredita-se que os estudos encontrados são imprescindíveis na literatura, dada as condições vivenciadas pela população trans e que necessitam de visibilidade científica e social, dado que o enfoque às particularidades dessa população é escasso em muitos planos de governo e sociedades em geral. Contudo, dentre as limitações infere-se que os artigos foram selecionados a partir de critérios preestabelecidos, tais como a escolha de fonte de dados e a eleição das palavras-chave para a busca, além de não ter sido incluído o operador OR nas buscas, o que poderia torná-la mais abrangente. Além desses fatores, os estudos pouco abordam questões relacionadas a intervenções que viabilizem melhor qualidade de vida à população estudada.
Neste ínterim, sugere-se o fomento e subsídios para a realização de estudos com pessoas trans em nível mundial, visto que o alto índice de violência e suicídio da população em questão no mundo justifica de forma plausível esse enfoque. Além disso, a elaboração de propostas de intervenção e aplicação de tais são imprescindíveis a fim de garantir melhores condições de vida para as pessoas trans.