Estudos frequentes acerca das interações iniciais pais-bebê e de suas repercussões na formação do psiquismo infantil sugerem que estas são essenciais à sobrevivência psíquica do bebê e têm forte influência sobre sua saúde emocional, sobre a formação de relações sociais posteriores e a capacidade para resolução de problemas (Akhtar, 2007). Evidências empíricas apontam para uma estreita ligação entre as vivências afetivas dos primeiros anos de vida e distúrbios biopsicossociais como transtornos afetivos, ansiosos, estresse crônico e dificuldades psicossociais (Lecannelier, 2006).
O bebê, crianças entre 0 e 24 meses, dotado de um aparato psíquico incipiente, irá se constituir a partir da comunicação inconsciente que firmará especialmente com sua mãe, utilizando-se do psiquismo materno como um ego auxiliar para orientar-se no mundo real (Cramer & Palacio-Espasa, 1993). Desta forma, a herança das vivências maternas das relações reais e fantasiadas com suas figuras parentais irá interferir na interação atual mãe-bebê, facilitando ou dificultando a criação de um vínculo saudável e prazeroso (Feliciano & Souza, 2011).
Neste sentido, as investigações mais recentes, embasadas em estudos primariamente conduzidos nos anos 90 (Fonagy & Target, 1997), têm reconhecido o papel da capacidade de mentalização (CM) e da função reflexiva (FR) como um processo fundamental e implícito às relações de apego entre pais e filhos (Tomlin et al., 2009), desempenhando um papel importante no desenvolvimento socioemocional da criança, no processo de autorregulação das emoções e no desenvolvimento de um apego seguro (Slade, 2005), o que traz reverberações ao longo de toda a vida.
A teoria da mentalização foi desenvolvida por Fonagy e colaboradores na década de 90 (Holmes, 2006) e tem como base teórico-epistemológica a teoria da mente, a teoria do apego, a psicopatologia do desenvolvimento, assim como a neurociência. Ela engloba a CM, que é definida como a capacidade de compreender a si mesmo e aos outros em termos de processos e estados mentais subjacentes, como sentimentos, desejos e crenças (Fonagy & Allison, 2012), assim como a FR, que consiste na habilidade do sujeito mentalizar seus estados mentais, assim como os dos outros (Slade, 2005), sendo, portanto, a operacionalização da capacidade de mentalização. No âmbito das relações pais/cuidador-criança a habilidade do adulto para refletir o estado interno da criança mediante respostas condizentes com seu estado interno e que expressem suas emoções, e não as projeções parentais, é chamada de função reflexiva parental (FRP) (Ramires & Godinho, 2011). Quanto maior for a FRP, maior será a capacidade parental para lidar com a labilidade emocional do bebê, sem que sejam dominados pelas próprias emoções (Kelly et al., 2005).
A condição materna para manter em sua mente a representação de seu bebê como detentor de sentimentos, desejos e intenções, permitirá a esta o espelhamento e a reapresentação do estado afetivo da criança, que assim poderá descobrir sua própria experiência interna (Slade, 2005). Este processo, que ocorre conforme o desenvolvimento infantil e a interação mãe-filho, propicia a criação de um vínculo positivo e uma experiência física e psicológica de conforto e segurança para a criança, e possui um papel vital na transmissão transgeracional do apego (Ordway et al., 2015).
Esse vínculo único e significativo com a figura de apego (geralmente a mãe) gera no bebê um senso de segurança, advindo do conhecimento sobre a disponibilidade e sensibilidade maternas. Esse senso de segurança será primordial para o fortalecimento da relação da díade e para o desenvolvimento de uma base segura nas explorações da criança, reverberando ao longo de toda a sua vida (Bowlby, 1989; Dalbem & Dalbosco, 2005). Se nesta relação de apego seguro, os pais responderem aos estados emocionais infantis de forma acolhedora e significativa, através de sua FR, possibilitarão que a criança compreenda e diferencie seus estados mentais e emoções, desenvolvendo uma percepção de si e uma CM (Ensink et al., 2015; Fonagy & Target, 2006; Zevalkink, 2008).
A aquisição da CM, integra assim, um processo intersubjetivo entre pais/cuidador e a criança que possibilitará à última, atingir a autorregulação das próprias emoções, desenvolvendo sua segurança interna, a autoestima, a autonomia e, em última instância, sua própria CM e FR (Fonagy, 1999; Ramires & Schneider, 2010). Mais recentemente, observa-se que estudos baseados na teoria da mentalização têm se dedicado, não só a desvelar a estruturação destas habilidades importantes para a vinculação e desenvolvimento emocional humano, mas também a desenvolver intervenções que se configuram como estratégias de prevenção e promoção da saúde em diferentes contextos e com distintos públicos.
Neste sentido, partindo do entendimento de que a CM e a FR resultam da associação entre vivências infantis e que em situações de impacto emocional intenso, poderão ficar temporariamente obstaculizadas, repercutindo na relação mãe-bebê, no desenvolvimento emocional do último (Mesa & Gómez, 2010) e na qualidade das interações sociais ao longo da vida, torna-se fundamental investigar estratégias de intervenções capazes de aprimorar e promover estas capacidades. Assim este estudo objetivou sistematizar as intervenções que se propuseram a aprimorar ou promover o desenvolvimento da CM e da FR, publicadas entre os anos de 2008 e 2019, a fim de delinear um panorama global acerca da temática proposta. Ainda, considerando que ainda há estudos que utilizam os termos CM e FR como sinônimos (Dalbem & Dalbosco, 2005), evidencia-se também, a necessidade de uma sistematização conceitual acerca de suas configurações a partir da literatura existente.
Método
Este estudo de revisão teve como motivação a seguinte questão: quais são as intervenções realizadas nos últimos anos que aprimoram ou promovem a CM e/ou a FR apontadas pela literatura? Buscando respondê-la, efetivaram-se buscas em bases de dados durante o mês de maio de 2020, utilizando-se os descritores assim combinados: “reflective functioning OR mentalizing OR mentalization AND intervention”.
O levantamento bibliográfico ocorreu mediante pesquisas nas bases de dados Academic Search Complete, CINAHL, Medline Complete, Scopus, PsycINFO, LILACS e SciELO, já que o tema é pertinente a campos interdisciplinares como a psicologia, a medicina e a enfermagem. Para fins de acurar a seleção dos artigos, utilizou-se como critérios de inclusão: (a) ser artigo empírico, tese ou dissertação; (b) ter sido publicado entre maio de 2008 a dezembro de 2019; (c) estar o material disponível integralmente; e (d) estar disponível em inglês, português ou espanhol. Como critérios de exclusão, desconsiderou-se estudos: (a) publicados em formato de livro, capítulo de livro, resenhas, artigos teóricos, relatos de experiência, estudos de casos e revisões sistemáticas ou de literatura; (b) não relacionados a intervenções que favoreçam o desenvolvimento da CM e FR.
Ao se iniciar as buscas iniciais, aplicaram-se os filtros: a) ano de publicação, b) artigo científico, e c) artigo revisado por pares. A seguir, efetuou-se a seleção conforme Figura 1, considerando os critérios de inclusão e exclusão.
Nesta etapa, grande parte dos artigos descartados pertenciam à neurociência, com análises do funcionamento cerebral mediante ressonância magnética ou eletroencefalograma e, dentre aqueles que não abordavam o tema, destacaram-se estudos relativos à biologia de insetos, como a análise de estruturas corneanas para compreensão da difração ótica. Ressalta-se que dois juízes independentes efetuaram os procedimentos para seleção dos artigos, a fim de assegurar a qualidade dos achados e diminuir possíveis vieses e, ainda, que para a elaboração desta escrita, utilizou-se as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (Moher et al., 2009; Prisma <www.prisma-statement.org/>).
Resultado e Discussão
Visando realizar uma análise global dos resultados, os artigos que se adequaram aos critérios de inclusão foram submetidos a uma análise quantitativa das categorias a fim de se identificar a frequência de cada item, e qualitativa, para se apreciar o conteúdo delas. Neste sentido, identificou-se que entre 2008 e 2010 não se encontrou publicações a partir dos descritores pesquisados. As primeiras produções datam de 2009, com dois do total dos artigos selecionados (Fonagy et al., 2009; Vik & Hafting, 2009), mesmos índices de 2018 (De Meulemeester et al., 2018; Ordway et al., 2018).
Evidencia-se um aumento de publicações acerca da temática a partir de 2013, sendo que em 2016 e 2019 obteve-se uma maior incidência, totalizando sete dos artigos encontrados em cada um dos anos (Ashton et al., 2016; Barnicot & Crawford, 2019; Bateman et al., 2016; Einy et al., 2019; Enav et al., 2019; Esposito et al., 2019; Griffiths et al., 2019; Hertzmann et al., 2016; Kivity et al., 2019; Meschino et al., 2016; Pajulo et al., 2016; Stacks et al., 2019; Suchman et al., 2016; Ware et al., 2016), sugerindo que neste período houve um maior interesse nas investigações acerca destas intervenções. A seguir, tem-se 2015 (Freda et al., 2015; Howieson & Priddis, 2015; Rice et al., 2015; Rosenblau et al., 2015) e 2017 com quatro artigos divulgados (Bo et al., 2017; Bressi et al., 2017; Edel et al., 2017; Suchman et al., 2017). Os anos de 2013 (Ensink et al., 2013; Ingley-Cook & Dobel-Ober, 2013; Sadler et al., 2013) e 2014 (Bain, 2014; Ordway et al., 2014; Ramsauer et al., 2014), constituem três publicações. Já em 2011 (Twemlow et al., 2011) e 2012 (Jakobsen et al., 2012) o número de artigos obtido em cada ano foi de um.
Percebe-se que a distribuição das publicações por ano reflete a evolução das pesquisas no âmbito da teoria da mentalização, somada ao aprimoramento dos conceitos de CM e FR que vêm sendo realizado por Fonagy e colaboradores desde a década de 90 (Holmes, 2006; Slade, 2007). Ainda, cabe destacar a criação de grupos de estudos específicos dedicados ao desenvolvimento de programas de intervenções para pais e crianças menores em ambiente de alto risco, a exemplo do da Yale Child Study Center, fundado em 2003 (Slade, 2007).
Em uma análise mais detalhada acerca da abordagem dos conceitos de CM e FR ao longo do período desta revisão, observa-se, conforme a Figura 2, que os mesmos despontaram na literatura em 2009, sendo a CM, a temática predominantemente explorada até 2015. Tais resultados corroboram estudo que apontou o aumento expressivo do uso termo mentalização entre 1991 e 2017, que passou de 7 para 844, segundo o buscador Thompson Reuter da Web of Science (Malda-Castillo et al., 2019).
Destaca-se ainda, conforme Figura 2, que desde 2013 se observam articulações teóricas sobre a distinção conceitual entre CM e FR, apresentando um pico em 2016 e a partir daí, estiveram presentes nos estudos aqui selecionados. Já a FR, ainda que não estivesse presente no corpo teórico dos estudos científicos, foi tratada por diversos teóricos como sinônimo de CM a partir de 2013, levando a um uso indiscriminado entre ambos os termos, para defini-los como sendo a percepção de si e dos outros como seres psicológicos, considerando-se pensamentos, sentimentos, intenções, desejos e motivações implícitos aos comportamentos (Ensink et al., 2015).
Dessa forma, percebe-se que a FR foi incorporada, ao longo do tempo, a muitas pesquisas como um instrumento de análise da CM, entendendo-se nestas situações e inclusive na atualidade, como a manifestação observável e mensurável da última (Bain, 2014; Bateman et al., 2016; Bo et al., 2017; De Meulemeester et al., 2018; Pajulo et al., 2016; Ramsauer et al., 2014).
Tal situação pode ter sido gerada pela compreensão inicial de que a CM engloba um comportamento reflexivo e introspectivo que permitirá ao indivíduo, reconhecer em si e nos outros, os estados mentais intencionais e subjacentes às condutas humanas. Entretanto, nota-se diferenças entre eles e embora se encontre na literatura mais recente uma diferenciação clara entre os conceitos de CM e FR, estes ainda são tratados como sinônimos em alguns dos estudos recentes, indicando que são constructos teóricos ainda em estruturação, e por isso, a necessidade de uma maior consolidação teórica acerca deles.
Após a análise do modo de abordagem da temática ao longo do tempo, o exame dos artigos que compuseram esta revisão deu-se mediante as seguintes categorias: 1) Objetivos, 2) Delineamentos, 3) Participantes, 4) Tipo de intervenção utilizada, 5) Instrumentos de avaliação da intervenção, e 6) Resultados. Frente à categoria 1) Objetivos, duas subcategorias foram encontradas: 1a) estudos que objetivaram descrever e explorar os resultados da intervenção aplicada; e 1b) estudos que objetivaram avaliar a eficácia de intervenções.
Destas, destaca-se a 1a, composta por 21 artigos que exploraram as potencialidades da intervenção mediante estudos comparativos de resultados com outras propostas, como na Creating a Peaceful School Learning Environment (CAPSLE), uma intervenção escolar baseada na mentalização, que foi comparada à consulta psiquiátrica escolar manualizada e tratamento usual na redução da agressão e vitimização em estudantes do ensino fundamental (Fonagy et al., 2009). Já o outro, para pacientes com transtorno depressivo maior, comparou os efeitos da terapia cognitiva de terceira onda versus Terapia Baseada na Mentalização (MBT; Jakobsen et al., 2012).
Ainda na subcategoria 1a, outros 18 estudos objetivaram descrever a intervenção e explorar seus resultados a partir dela própria. Dentre estes, estão pesquisas que ocorreram no ambiente escolar (Twemlow et al., 2011); em um cenário forense (Ware et al., 2016); voltado a treinamento de terapeutas iniciantes (Ensink et al., 2013); em terapias de grupo para adolescente com transtorno da personalidade borderline (Bo et al., 2017) e com crianças adotadas ou em processo de adoção (Ingley-Cook & Dobel-Ober, 2013); no meio hospitalar, com gestantes usuárias de substâncias psicoativas (Pajulo et al., 2016) e com mães com depressão pós parto (Vik & Hafting, 2009); no âmbito clínico, comparando processos de mentalização implícita e explícita entre indivíduos diagnosticados com autismo (Rosenblau et al., 2015); em contexto familiar, voltados a programas de mediação (Howieson & Priddis, 2015) e por fim, aqueles voltados às mães e pais que exploram a FRP (Ashton et al., 2016; Enav et al., 2019; Ordway et al., 2014; Ordway et al., 2018; Stacks et al., 2019 ).
Já a subcategoria 1b concentrou 13 estudos e objetivaram avaliar a eficácia de intervenções (Bain, 2014; Bateman et al., 2016; Bressi et al., 2017; De Meulemeester et al., 2018; Freda et al., 2015; Griffiths et al., 2019; Hertzmann et al., 2016; Meschino et al., 2016; Ramsauer et al., 2014; Rice et al., 2015; Sadler et al., 2013; Suchman et al., 2016; Suchman et al., 2017;). Destes, 6 abrangeram a CM e RFP (Bain, 2014; Meschino et al., 2016; Ramsauer et al., 2014; Sadler et al., 2013; Suchman et al., 2016; Suchman et al., 2017).
Considerando estes dados, destaca-se que embora a maior parte dos estudos tenham se dedicado à descrição e exploração das intervenções idealizadas (n = 18), grande parcela dos objetivos (n = 13) concentrou-se em avaliar a eficácia de intervenções relativas à FR e CM em diferentes populações e contextos, denotando uma tendência atual pela busca por práticas, na área da saúde, baseadas em evidências (Melnik et al., 2014). Neste sentido, percebe-se que ao se propor uma intervenção, o interesse e o foco inicial dos pesquisadores é promover, tanto uma prática eficaz, quanto a aplicação de princípios empiricamente baseados em casos clínicos, avaliações psicológicas, intervenções e relação terapêutica (Melnik et al., 2014).
Com relação à análise da categoria 2) Delineamentos, optou-se por dividi-la em subcategorias para uma análise mais aprofundada, sendo elas: 2a) estudos quantitativos; 2b) estudos qualitativos; e 2c) estudos mistos. Destas subcategorias, destaca-se a 2a, contemplando 29 estudos e sendo constituída, em sua maioria, por ensaios clínicos randomizados e estudos piloto, sendo que apenas cinco deles realizaram follow-up (Bressi et al., 2017; Einy et al., 2019; Enav et al., 2019; Ingley-Cook & Dobel-Ober, 2013; Ordway et al., 2014).
Com menor ocorrência, três artigos, encontra-se a subcategoria 2b) cujos estudos são de natureza qualitativa (Ordway et al., 2018; Vik & Hafting, 2009; Ware et al., 2016). Já a subcategoria 3c) contou com duas pesquisas de métodos mistos (Hertzmann et al., 2016; Howieson & Priddis, 2015). Assim, percebe-se que há uma tendência em realizar investigações de cunho quantitativo e em especial, estudos randomizados, já que este tipo de ensaio clínico apresenta baixa incidência de vieses, sendo considerado padrão ouro (Leonardi, 2017). Ademais, permite avaliar com rigor científico a eficácia de tratamentos e intervenções psicológicas.
Neste sentido, entende-se que a opção por um delineamento mais controlado e baseado em evidências, está em consonância com o predomínio de objetivos voltados à avaliação de eficácia das intervenções já que ensaios clínicos randomizados e meta-análises vêm sendo considerados importantes instrumentos de validação destas propostas interventivas (Baptista, 2010). Ainda, no sentido de se alinhar com a pesquisa baseada em evidências, o follow-up, que é recomendado em estudos de eficácia e efetividade para avaliar a manutenção dos resultados após o término da intervenção, não foi uma ferramenta utilizada na maioria dos estudos, o que também pode ser verificado nos estudos de Volkert et al. (2019) e de Malda-Castillo et al. (2019), onde a maioria dos estudos revisados não fizeram ou não reportaram o follow-up.
Já com relação à menor incidência de estudos de natureza qualitativa, cabe destacar que também apresentam potencialidades, uma vez que permitem a exploração e a implementação de novas intervenções, bem como a identificação de procedimentos que podem ser efetivos no âmbito clínico (Leonardi, 2017).
A categoria 3) Participantes refere-se ao público-alvo que compôs as pesquisas, e foi dividida em quatro subcategorias: a 3a) crianças; a 3b) adolescentes; 3c) adultos; 3d) família; e 3e) cuidador-criança. Destas, predomina a subcategoria 3c, totalizando metade dos estudos (n = 17) (Barnicot & Crawford, 2019; Bressi et al., 2017; Bateman et al., 2016; De Meulemeester et al., 2018; Edel et al., 2017; Einy et al., 2019; Ensink et al., 2013; Esposito et al., 2019; Freda et al., 2015; Jakobsen et al., 2012; Kivity et al., 2019; Pajulo et al., 2016; Rosenblau et al., 2015; Suchman et al., 2017; Vik & Hafting, 2009; Ware et al., 2016), sendo as demais distribuídas conforme Figura 3.
A ênfase em ter como participantes a população adulta pode estar relacionada aos trabalhos iniciais de Fonagy e colaboradores, ao desenvolverem a MBT, que originariamente destinou-se a pacientes com transtorno borderline, informação que pode ser corroborada por uma revisão conduzida por Volkert et al (2019), que buscou explorar os tratamentos baseados na mentalização para pacientes diagnosticados com transtorno da personalidade borderline, que apontou que a população adolescente foi menos prevalente nos estudos analisados. Já a expressiva participação de famílias nos estudos, denota a expansão da aplicação dos conceitos de FR e CM para o âmbito das relações entre os sujeitos e para outros contextos.
Referente à categoria 4) Tipo de intervenção utilizada, optou-se por dividi-la em subcategorias, sendo elas: 4a) intervenções em contexto clínico (aplicadas em clínicas e consultórios, que seguem o setting padrão das psicoterapias) e 4b) intervenções em outros contextos (aplicadas em ambientes distintos e que não seguem o setting padrão das psicoterapias). Aqui destaca-se a categoria 4b), a qual abarca 20 estudos (Bain, 2014; De Meulemeester et al., 2018; Edel et al., 2017; Ensink et al., 2013; Esposito et al., 2019; Fonagy et al., 2009; Freda et al., 2015; Howieson & Priddis, 2015; Ordway et al., 2014; Ordway et al., 2018; Pajulo et al., 2016; Rice et al., 2015; Rosenblau et al., 2015; Sadler et al., 2013; Stacks et al., 2019; Suchman et al., 2016; Suchman et al., 2017; Twemlow et al., 2011; Vik & Haftig, 2009; Ware et al., 2016). Já a categoria 4a) contou com nove estudos (Ashton et al., 2016; Bateman et al., 2016; Bo et al., 2017; Bressi et al., 2017; Hertzmann et al., 2016; Ingley-Cook & Dobel-Ober, 2013; Jakobsen et al., 2012; Meschino et al., 2016; Ramsauer, 2014). Observa-se na Tabela 1, alguns exemplos de intervenções citadas com maior frequência e que ainda não foram retratadas nesta escrita.
Percebe-se assim, que há uma diversidade de intervenções passíveis de aplicação, que visam desenvolver a CM e FR, sendo que nos últimos 5 anos verifica-se uma ascendência de estudos que consistem em programas estruturados para a promoção da FRP. Entre as intervenções que se destacam nesta revisão, está a MBT, possivelmente por ser foco de atenção de Fonagy e colaboradores, que buscam averiguar evidências de sua eficácia e efetividade. Assim, esta intervenção, vem servindo inspiração para outras propostas, que usam seus princípios teóricos e técnicos.
Evidencia-se, ainda, que grande parte das intervenções desta revisão voltaram-se para o tratamento de psicopatologias, tais como o transtorno da personalidade borderline, os transtornos do espectro autista e o transtorno depressivo maior, ainda que em diferentes contextos, como o clínico, escolar, hospitalar institucional e comunitário.
Quanto à categoria 5) Instrumentos de avaliação da intervenção, observou-se o uso de uma gama de instrumentos (n = 107), que avaliaram diversos indicadores de mudança, exigindo a criação em subcategorias para uma melhor exploração. Assim, concebeu-se as seguintes subdivisões: 5a) coleta de dados sociodemográficos da família; 5b) avaliação da aliança terapêutica (AT) e contratransferência (CT) dos participantes para com a intervenção; 5c) FR e CM dos participantes; 5d) sintomatologia psicológica dos participantes; 5e) Interação mãe-criança; 5f) Funcionamento e desenvolvimento global dos participantes; 5g) Avaliação específica da intervenção. O número total de instrumentos obtidos, constam na Figura 4.
Neste sentido, destaca-se a subcategoria 5e, que concentrou 27 instrumentos que captaram desde a sensibilidade materna, tipos de apego presente, ajustamento social e o tipo de interação da dupla mãe-criança. Dentre os instrumentos deste recorte, o Strange Situation Procedure (SSP) foi o mais usado (n = 3) (Ramsauer et al., 2014; Sadler et al., 2013; Suchman et al., 2017), seguido de sessões de hora do jogo mãe-criança (n = 2) (Ordway et al., 2018; Suchman et al., 2016).
A seguir, encontra-se a subcategoria 5d, centralizando 25 instrumentos empregados para avaliar características maternas como ansiedade, depressão, estresse, alexitimia e personalidade borderline. Destaca-se aqui, o uso do Beck Depression Inventory (BDI), aplicado em cinco estudos (Bateman et.al., 2016; Bo et al., 2017; Edel et al., 2017; Jakobsen et al., 2012; Ramsauer et at., 2014). Já nas subcategorias 5c e 5f, abrangendo respectivamente 20 e 21 instrumentos, destaca-se o emprego do Parental Development Interview (PDI) (Enav et al., 2019; Hertzmann et al., 2016; Ordway et al., 2016; Sadler et al., 2013; Suchman et al., 2017) e do Parental Reflective Functioning Questionnaire (PRFQ-1; Ashton et al., 2016; Hertzmann et al., 2016; Pajulo et al., 2016; Ramsauer et al., 2014).
Na subcategoria 5g, que abarcou 6 do total de instrumentos empregados, ressalta-se o uso de entrevistas para avaliar a as intervenções em todos os artigos (Hertzmann et al., 2016; Howieson & Priddis, 2015; Ingley‐Cook & Dobel‐Ober, 2013; Meschino et al., 2016; Ware et al., 2016; Vik & Hafting, 2009). Por último, encontram-se as subcategorias 5a e 5b, cada uma concentrando 3 e 4 instrumentos citados, sendo que as entrevistas semiestruturadas foram empregadas com mais frequência (n = 2) na subcategoria 5a (Ordway et al., 2014; Sadler et al., 2013). Na 5b, não houve repetição de instrumentos, sendo aplicados o Working Alliance Inventory-Revised (Sadler et al., 2013), a Parenting Alliance Measure (PAM; Hertzmann, 2016), a Countertransference Rating Scale (CRS; Ensink et al., 2013) e o Psychotherapy Q-Sort (Kivity et al., 2019).
Considerando que o tema investigado tem sido explorado e implementado nas últimas décadas, verifica-se que há poucos instrumentos utilizados para avaliar especificamente a intervenção, havendo apenas um instrumento desenvolvido para este fim, o Revised MIO/PE Adherence Rating Scale (Sadler et al., 2013; Suchman et al., 2017), que avaliou a eficácia da intervenção MIO. Tal condição pode ser a responsável pela vasta variabilidade de instrumentos encontrada, sendo estes usados na avaliação de diferentes marcadores de mudança que nortearam as discussões acerca dos resultados produzidos pelas intervenções. Segundo Baptista (2010), apesar de limitações no campo de estudos sobre evidência de eficácia nos processos psicoterápicos é possível estabelecer protocolos de avaliação e procedimentos acurados, como a meta-análise.
A categoria 6) Resultados demonstrou que as intervenções propostas, em sua maioria, têm obtido resultados satisfatórios (n = 23) (Bain, 2014; Bateman et al., 2016; Edel et al., 2017; Einy et al., 2019; Enav et al., 2019; Ensink et al., 2013; Fonagy et al., 2009; Freda et al., 2015; Griffiths et al., 2019; Howieson & Priddis, 2015; Kivity et al., 2019; Meschino et al., 2016; Ordway et al., 2018; Rice et al., 2015; Rosenblau et al., 2015; Sadler et al., 2013; Stacks et al., 2019; Suchman et al., 2016; Suchman et al., 2017; Twemlow et al., 2011; Vik & Hafting, 2009; Ware et al., 2016). Dentre elas, as intervenções baseadas na MBT têm-se mostrado eficazes, gerando redução na gravidade de sintomas em pacientes borderline ou com transtorno de personalidade antissocial (Bateman et al., 2016; De Meulemeester et al., 2018; Edel et al., 2017; Edel et al., 2019), melhorias na gestão de comportamentos e emoções (Ware et al., 2016), assim como na CM e nos padrões de apego estabelecidos entre pares (Bo et al., 2017).
A MBT, quando combinada com a Terapia Comportamental Dialética (DBT), obteve resultados ainda mais satisfatórios na redução do apego inseguro e na melhoria da CM em pacientes com personalidade borderline (Edel et al., 2017). Isto ocorre pelo fato de que ambas as abordagens priorizarem a criação de uma relação de segurança na terapia, do uso da empatia e validação na relação recíproca, do fortalecimento das capacidades do paciente para reduzir comportamentos impulsivos, assim como o aumento da autoconsciência (Swenson & Choi-Kain, 2015).
Por outro lado, estudo conduzido por Jakobsen et al. (2012) apontou que a terapia cognitiva de terceira onda pode ser mais efetiva que a MBT frente a sintomas depressivos. Da mesma forma apontou o estudo de Barnicot e Crawford (2019), especialmente no que se refere à redução de comportamentos auto lesivos ao longo do tempo. No entanto, sugere-se que mais ensaios clínicos randomizados sejam realizados para avaliar os efeitos destas diferentes abordagens. Ademais, cabe salientar que estudos que se propuseram a avaliar a eficácia de intervenções que utilizaram a DBT têm se mostrado mais prevalentes na última década.
Considerações finais
A elaboração desta revisão integrativa permitiu uma compreensão ampla acerca da temática proposta e de sua aplicabilidade entre os anos de 2008 a 2019. Destaca-se que CM e FR são conceitos relativamente novos na psicologia, que vêm sendo explorados nas últimas décadas, com um expressivo número de publicações no ano de 2016.
Embora sejam constructos distintos, a FR foi apresentada em diferentes estudos, como equivalente à CM. Em virtude disso, instrumentos que avaliam a FR foram sistematicamente usados nas pesquisas desta revisão, para medir a CM, denotando-se uma escassez de ferramentas voltadas a sua investigação e a necessidade de investimentos relativos à construção de recursos para avaliação de ambos os constructos, de forma distinta.
Por outro lado, à medida que as pesquisas avançaram e se expandiram para diferentes contextos, foi-se delineando uma diferenciação importante entre CM e FR, que agrega à primeira, uma nova dimensão, a da habilidade do indivíduo de refletir ou retratar ao outro os estados mentais do segundo, que em um momento anterior, foram reconhecidos e compreendidos pelo primeiro, através de sua CM. Assim, entendendo que CM e FR são habilidades distintas em seus elementos constitutivos, sugere-se que a literatura considere suas características peculiares e a interdependência entres ambos, conforme Figura 5, já que uma pessoa pode apresentar uma adequada CM e dificuldades em sua FR, ainda que o inverso não se aplique.
Desta forma, embora a maior parte das pesquisas avaliadas neste estudo objetivou verificar a eficácia de intervenções voltadas à promoção da CM e FR, possivelmente expressando um movimento voltado à avaliação de resultados a fim de consolidar as propostas relacionadas à temática e à necessidade de se construir práticas baseadas em evidências, entende-se que se inaugura um novo momento. À medida que a produção científica tem apontado para resultados positivos quanto à aplicabilidade e produção de mudanças significativas destas intervenções através de estudos prioritariamente quantitativos, cabe agora aos pesquisadores voltarem-se às especificidades destas propostas, bem como sua abrangência em diferentes contextos através de delineamentos qualitativos ou mistos, que têm em seu âmago, esta característica.
Frente às intervenções que fizeram uso da MBT, sugere-se que os ensaios clínicos randomizados sejam mais explorados a fim de confirmarem a eficácia dessa abordagem. Outro ponto a destacar refere-se à importância de realizar estudos com follow-up, os quais contribuem para aumentar a eficácia e efetividade da pesquisa, assim como identificar possíveis mudanças nas intervenções ao longo do tempo.
Considerando ainda, que os desfechos obtidos nas pesquisas desta revisão apontaram que as intervenções facilitadoras da CM e FR possuem potencialidade para fortalecer os vínculos pais/cuidadores-criança, contribuindo para o estabelecimento de um apego seguro e repercutindo diretamente na formação do psiquismo infantil, torna-se vital ampliar o conhecimento científico acerca das possibilidades destas intervenções em diferentes contextos. Ampliar para diferentes participantes, incluindo díades e tríades pais/cuidadores-crianças, assim como para diferentes grupos étnicos e com diferenças socioculturais também se faz necessário para que o campo de atuação seja ampliado e um maior número de pessoas possa ser beneficiada. Ademais é vital o desenvolvimento de instrumentos específicos para avaliação dos constructos em questão, bem como estudos que reportem intervenções no Brasil e em demais países da América Latina, uma vez que é uma temática de grande relevância clínica e social.
Como limitações deste artigo, encontra-se a não inclusão de pesquisas brasileiras a partir dos termos de buscas usados, ainda que seja de conhecimento das autoras, a existência de alguns estudos já publicados. Tal fato pode estar relacionado ao uso de palavras-chaves não indexadas nas publicações ou ainda, a indisponibilidade de alguns artigos nas bases de dados no momento da consulta. Ademais, evidenciou-se na literatura a falta de um maior aprofundamento teórico acerca dos conceitos de CM e FR, possivelmente por advirem de uma teoria atual e que está em franco desenvolvimento, destacando-se mais uma vez a importância de estudos teóricos que discutam as convergências e divergências dos conceitos.