O futebol é um esporte popularizado em todo o mundo, se consolidando como um fenômeno transcultural capaz de gerar impactos relevantes em nossa sociedade (Wann & James, 2018). Para além da dimensão econômica e outros impactos sociais, os conflitos entre torcedores vêm requisitando a adoção de políticas públicas nas áreas de seguridade social e mobilidade urbana, com relevantes implicações socioeconômicas (Louis, 2023). Quando se fala em violência no futebol, pode-se dizer que o Brasil apresenta índices alarmantes. Evidências sugerem que o Brasil pode ser considerado como um dos principais países no mundo onde mais se mata por motivos relacionados ao futebol (Brandão et al., 2020; Murad, 2017). Dados demonstram também uma tendência de aumento no número de julgamentos realizados pelo Supremo Tribunal de Justiça Desportiva referentes a processos relacionados à violência nos estádios (Castro, 2014).
A literatura tem demonstrado que o simples processamento visual de estímulos afetivos já é capaz de influenciar parâmetros como a fisiologia e o comportamento humano (Mulckhuyse, 2018; Polo et al., 2024; Zsidó, 2024). Mas especificamente tratando do futebol, pesquisas já demonstraram que a simples observação de imagens relacionadas a esse esporte é capaz de desencadear a ativação de circuitos emocionais no cérebro de torcedores (Duarte et al., 2017; Kelly et al., 2009; Park et al., 2009). Park et al. (2009) demonstraram que a percepção do time favorito em circunstâncias de vitórias, pode desencadear ativação assimétrica de estruturas límbicas, como a amígdala, predominantemente no hemisfério esquerdo. Para as derrotas, os pesquisadores detectaram um padrão de ativação cerebral indicadora de supressão emocional.
Estudos comportamentais já verificaram que estímulos de futebol também podem modular a cognição e o comportamento motor (Conde et al., 2011; Conde et al., 2018; Oliveira et al., 2021). Através de um protocolo de medida do tempo de reação, conhecido como tarefa de compatibilidade estímulo-resposta, é possível verificar diferenças temporais significativas nas respostas aos times favorito e rival. Mais especificamente, utilizando como estímulos-alvo imagens representando jogadores de futebol dos principais times do Rio de Janeiro, Conde et al. (2011) adaptaram a tarefa atencional de compatibilidade estímulo-resposta para estudar se a variável “preferência” poderia modular os tempos de resposta a estímulos representando o time favorito e o principal rival de cada participante. Os estímulos poderiam aparecer à esquerda ou à direita do ponto de fixação e as respostas deveriam ser realizadas com teclas de resposta posicionadas ipsi ou contralateralmente. De forma balanceada, os participantes foram orientados a responderem com a tecla do mesmo lado em resposta ao time preferido (condição compatível) e com a tecla do lado oposto (condição incompatível) em resposta ao time rival. No segundo bloco realizavam o pareamento oposto. Os pesquisadores reportaram um efeito clássico de compatibilidade espacial para os estímulos do time favorito, sendo as respostas espacialmente correspondentes aos estímulos mais rápidas do que as respostas espacialmente incompatíveis. Enquanto, para o time rival, fora verificado uma inversão do efeito de compatibilidade, sendo as respostas manuais mais rápidas quando pressionadas do lado oposto ao aparecimento do estímulo representando o time rival. Tais resultados foram interpretados como uma evidência de que as respostas aos times favorito e rival eram mediadas por mecanismos de aproximação e afastamento, respectivamente.
Estudos adicionais (Conde et al., 2014; Oliveira et al, 2021; Proctor, 2013) demonstraram que também existem diferenças temporais entre os dois blocos de prática. Mais especificamente, no bloco em que se responde ipsilateralmente às imagens do time preferido e contralateralmente às do time rival, as respostas são mais rápidas do que as respostas ao pareamento oposto (condição incompatível para o time preferido e resposta compatível para o time rival).
Oliveira et al. (2021) adaptaram o protocolo para verificar se os efeitos emocionais desencadeados pelos estímulos de futebol também são capazes de influenciar os padrões de resposta em outro teste atencional, conhecido como tarefa de Simon. Na tarefa de Simon, os participantes precisam selecionar a resposta correta, o mais rápido possível, com base no processamento de um atributo intrínseco ao estímulo (como forma ou cor). Mesmo que a localização do estímulo não seja considerada para seleção da resposta, os códigos espaciais parecem requerer processamento automático, chegando a afetar as respostas motoras. Neste sentido, são observadas respostas mais rápidas na condição espacialmente compatível, em comparação à incompatível. Essa diferença temporal entre as duas condições é denominada efeito Simon. No estudo de Oliveira et al. (2021), fora demonstrado que o efeito Simon varia em função da preferência por times de futebol, sendo maior para o time favorito. Os autores deste trabalho interpretaram os resultados da pesquisa indicando que as valências dos estímulos positivos e negativos provocam facilitações e/ou inibições nas respostas motoras. Também estimaram que o efeito ampliado para o time favorito poderia ser um indicador que a valência afetiva do estímulo facilita a resposta espacialmente correspondente ao time favorito e as respostas contralaterais ao time rival.
Apesar dos estudos supracitados terem oferecido importantes indícios sobre como imagens específicas de futebol podem influenciar o afeto, a cognição e o comportamento de torcedores, outras variáveis precisam de maior compreensão neste contexto, como o fanatismo, por exemplo. Embora existam diferentes perspectivas teóricas e filosóficas sobre o fanatismo (Battaly, 2023; Cassam, 2023; Katsafanas, 2024), este construto tem sido amplamente compreendido como fenômeno psicossocial disfuncional, caracterizado por um envolvimento intenso e devocional a ideologias, instituições, doutrinas, objetos, e/ou até mesmo a outras pessoas (como ídolos ou mártires), que os representem ou que possuam valores/ideais compartilhados (Tietjen, 2023a). Atualmente, o estudo do fanatismo apresenta grande relevância social por este fenômeno ter sido implicado com coercitividade, comportamentos violentos e hostis e até mesmo, com guerras e extremismo, nos mais variados contextos (Tietjen, 2023b).
Especificamente no contexto dos esportes, o fanatismo também tem sido amplamente associado a episódios de agressão, hostilidade, violência generalizada, assassinatos e desordem pública (Bandeira & Ramos, 2020; Conde & Coriolano, 2019; Coriolano & Conde, 2017; Louis, 2023; Zeferino et al., 2021). Diante de inúmeras lacunas ainda existentes para compreensão plena deste fenômeno, o presente estudo se configurou com o objetivo de investigar como a visualização de imagens de times de futebol, com valência afetiva antagônica (favorito e rival) podem influenciar indicadores emocionais. O desenho de pesquisa adotado também se delineou de modo a investigar se os diferentes níveis de fanatismo são capazes de influenciar a pontuação atribuída às dimensões de valência (seja de prazer ou desprazer) e ativação emocional (alertante ou relaxantes), diante imagens apresentadas.
Método
A presente pesquisa pode ser caracterizada como uma abordagem quase experimental, delineada com o controle de variável independente e adotando procedimentos validados para investigar parâmetros emocionais decorrentes da visualização de imagens do time favorito e do time rival. O estudo utilizou como variáveis dependentes, as medidas de valência hedônica e ativação emocional, atribuídas a diferentes categorias de imagens. Adotando uma perspectiva comparativa, foram considerados dois níveis de fanatismo, como variável categórica intergrupos, permitindo a análise das diferenças entre torcedores classificados em alto e baixo fanatismo. As variáveis intragrupos foram estabelecidas em 5 categorias de imagens que englobaram não apenas os times favorito e rival, mas também estímulos do Sistema Internacional de Figuras Afetivas Positivas, Negativas e Neutras, proporcionando parâmetros importantes de valência e ativação na comparação com as imagens experimentais.
Participantes
Participaram deste estudo 27 pessoas, sendo 22 mulheres e 5 homens, (M idade = 22 anos, DP = 3,25). O estudo foi divulgado em redes sociais e através de panfletos dispostos em áreas públicas do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional (Universidade Federal Fluminense), em Campos dos Goytacazes (Rio de Janeiro, Brasil). As pessoas também foram convidadas presencialmente durante o intervalo das aulas e enquanto transitavam pelo Instituto, caracterizando uma amostragem por conveniência que foi composta por discentes de diferentes períodos e cursos de graduação, bem como prestadores de serviço e servidores do quadro técnico da Universidade. Para as análises, os participantes foram divididos em dois grupos distintos conforme os níveis de fanatismo verificados na escala de Fanatismo de Torcedores de Futebol. Mais especificamente, o grupo de alto fanatismo ficou composto por 13 pessoas (10 mulheres, 3 homens) e o grupo de baixo fanatismo por 14 pessoas (12 mulheres, 2 homens). Os voluntários não receberam remuneração ou vantagem em conceitos acadêmicos pela sua participação. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de ética e Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (Parecer No 2.140.159).
Instrumentos
Escala de Fanatismo de Torcedores de Futebol (EFTF). O instrumento permite avaliar o nível de fanatismo em torcedores de futebol (Wachelke et al., 2008). Os 11 itens da escala avaliam comportamentos, crenças e situações que podem refletir como a pessoa torce pelo seu time de futebol. O instrumento demonstrou indicadores psicométricos aceitáveis em estudo sobre validade fatorial e consistência interna no Brasil (Wachelke et al., 2008), como KMO = 0,94, teste de esfericidade de Bartlett significativo (𝑝 < 0,001), eigenvalue = 6,14 e alfa de Cronbach (α = 0,91). A escala unidimensional apresenta formato tipo Likert com 7 pontos, variando entre 1 (discordo fortemente) a 7 (concordo fortemente).
Escala Self Asessement Manekins (SAM). O instrumento utiliza uma perspectiva pictográfica não verbal de fácil e rápida aplicação para avaliar imagens com conteúdo emocional (Bradley & Lang, 1994; Bynion & Feldner, 2020). Com o uso deste instrumento, é possível obter informações sobre duas dimensões emocionais: valência e ativação. A primeira dimensão mede o grau de agradabilidade da figura apresentada, enquanto a segunda indica o nível de alerta, ativação ou excitação emocional, vivenciada pelo voluntário ao observar a imagem apresentada. Na escala, o participante deve assinalar o quanto uma imagem é positiva ou negativa (valência emocional) e qual o nível de excitação psicofisiológica (ativação emocional) desencadeado pela observação das figuras. Para isso, são apresentados manequins organizados horizontalmente, que servem como indicadores gráficos dos estados emocionais, com 9 níveis de respostas (Figura 1). Seguindo as normas para avaliação do IAPS no Brasil (Lasaitis et al., 2008), cada voluntário recebeu um caderno de instruções para classificar as imagens e também recebeu uma caneta para preenchimento. Os participantes devem ser informados que também podem utilizar os espaços entre os manequins e que estes representam opções intermediárias. Desta maneira, os participantes respondem classificando as imagens apresentadas através do SAM, assinalando um X nos cinco manequins ou entre dois destes manequins.
Sistema Internacional de Figuras Afetivas (IAPS) e estímulos experimentais. O banco de imagens utilizado para avaliação foi composto, de forma balanceada, por imagens positivas, negativas e neutras do IAPS. O IAPS é um banco de dados contendo 960 imagens, divididas em 16 conjuntos de 60 itens (Branco et al., 2023). Estas centenas de fotografias possuem alta resolução e representam vários aspectos da vida real (esportes, moda, paisagens, violência etc.) (Lang et al., 2005). Muitos estudos já demonstraram que as imagens do IAPS são capazes de induzir uma gama de estados emocionais que podem ser facilmente apresentados no contexto experimental do laboratório. O presente estudo utilizou 60 imagens do IAPS, sendo sorteadas 15 imagens negativas, igualmente distribuídas entre as subcategorias de mutilação, animais peçonhentos e violência; 15 imagens positivas, igualmente distribuídas entre eróticas, esportivas e relacionamento familiar com bebês; e 30 imagens neutras, igualmente distribuídas entre objetos domésticos, artes abstratas e faces indiferentes. Além das imagens do IAPS, cada bloco de avaliação possuía 30 imagens experimentais pareadas, compostas por 15 do time favorito e 15 do time rival. Foram utilizadas imagens dos quatro principais times de futebol do Rio de Janeiro (Fluminense, Flamengo, Vasco da Gama e Botafogo). As imagens experimentais foram criteriosamente selecionadas da internet considerando a demanda pelo pareamento contextual, das cores de fundo, situacional e simbólico para ambos os times. Logo, as imagens de cada time englobaram, de forma balanceada, as categorias bandeira, mascote, torcida, uniforme, objetos com símbolos dos times e jogadores populares.
Procedimentos
Logo após a assinatura do TCLE, os participantes preencheram um documento com seus dados pessoais, onde foram coletados dados como data de nascimento, identidade de gênero, escolaridade, informações sobre patologias diagnosticadas por médico, uso de drogas e/ou de medicamentos com ação psicotrópica, sobre possíveis alterações oftalmológicas e se ocorre uso de óculos para correção.
Após o preenchimento de informações sociodemográficas, os participantes foram convidados a responderem a EFTF (Wachelke et al., 2008). Os participantes também foram solicitados a realizarem a classificação, em ordem de preferência, dos quatro principais times de futebol do Rio de Janeiro (Fluminense, Flamengo, Vasco da Gama e Botafogo). Este procedimento foi usado para seleção dos estímulos visuais a serem utilizados como condições experimentais, considerando o primeiro e o quarto time como os times preferido e rival, especificamente.
Logo a seguir, as pessoas foram encaminhadas a uma sala com temperatura controlada e iluminação adequada para assistirem a um vídeo com instruções para participação no experimento sendo, logo depois, direcionados para avaliação das figuras e preenchimento do SAM. O vídeo informativo conteve instruções e exemplos sobre como responder a escala SAM, para cada dimensão estudada (valência e ativação). Os participantes também foram instruídos para marcar apenas uma dentre as 9 respostas possíveis para cada figura, em cada uma das dimensões estudadas, começando pela valência e em seguida, ativação. Os participantes também foram orientados a olharem atentamente para as imagens que fossem apresentadas durante todo o tempo em que elas estivessem na tela e que, apenas depois, deveriam marcar suas respostas na escala SAM, indicando como classificariam e como haviam se sentido ao visualizar a imagem anterior. Também tiveram orientações para não falar durante a pesquisa, não copiar respostas de outros voluntários, e foram solicitados a desligarem seus aparelhos eletrônicos.
A seguir, a avaliação começou com a apresentação de um slide que mostrava o número da imagem e informava que esta seria apresentada por 5 segundos. Em seguida, a imagem a ser avaliada era projetada na tela por mais 5 segundos e posteriormente, nenhum slide era projetado por 10 segundos, tempo destinado então para classificação da imagem visualizada nas dimensões estudadas, primeiramente a dimensão valência e posteriormente a ativação (Figura1). Os participantes foram instruídos para avaliar a valência afetiva de cada imagem, considerando que a extremidade esquerda do caderno de respostas, representava a valência positiva máxima (agradável) e na extremidade direita, a valência negativa máxima (desagradável). E para avaliar a ativação, devia-se considerar a extremidade à esquerda como nível máximo de ativação e à direita, o nível mínimo de ativação.
Análise estatística
As respostas obtidas na avaliação de cada imagem (categorias positiva, negativa e neutra do IAPS, bem como imagens experimentais do time favorito e do time rival) foram tabuladas e organizadas para cálculo da média e desvio padrão dos valores atribuídos às duas dimensões mensuradas pelo SAM (ativação e valência emocional). O nível de fanatismo foi estimado através da pontuação obtida na EFTF. Para definir os dois grupos com níveis distintos de fanatismo (alto e baixo) como variável categórica, foi estabelecida a mediana da pontuação obtida na EFTF como ponto de corte. Tal modelo para definição de grupos de fanatismo distintos através da EFTF segue protocolos já adotados anteriormente (Conde et al., 2018; Coriolano & Conde, 2017).
A seguir, os dados foram analisados através de uma análise de variância (ANOVA) com medidas repetidas utilizando o software Statistica® (StatSoft, versão 6.0). O delineamento da ANOVA teve como variável intergrupo o nível de fanatismo (alto e baixo fanatismo) e como intragrupo, as categorias de imagem: (a) do time favorito; (b) do time rival; (c) imagens com valência emocional negativas do IAPS; (d) imagens com valência emocional neutra do IAPS; (e) imagem com valência emocional positiva do IAPS.
Comparações planejadas por contraste foram utilizadas como análises adicionais para minimizar os riscos de erro tipo I na investigação das hipóteses previamente formuladas e também para permitir análises específicas comparando as variáveis de interesse de forma isolada. O valor de significância para as comparações entre os grupos foi estabelecido em p ≤ 0,05. O eta quadrado (n2) foi utilizado para estimar o tamanho do efeito indicado pela ANOVA e o d de Cohen nas comparações planejadas.
Por fim, uma análise de dispersão foi realizada com o objetivo de examinar a disposição dos dados nas dimensões de valência e ativação emocional. Os dados foram organizados de forma a representar a valência hedónica no eixo Y e a ativação emocional no eixo X. Para cada categoria de imagens experimentais, foi ajustada uma linha de regressão linear, de modo a verificar a presença do padrão descrito na literatura como "padrão bumerangue" (Branco et al., 2023; Lemos et al., 2024). Esse padrão é caracterizado pela disposição dos dados em duas direções opostas, refletindo a distribuição não linear entre valência e ativação (Versace et al., 2023). O padrão bumerangue é comumente observado em análises de dispersão com as figuras do IAPS, uma vez que imagens de valência positiva e negativa estão associadas a altos níveis de ativação, enquanto aquelas com valência neutra tendem a apresentar baixos níveis de ativação (Branco et al., 2023; Lemos et al., 2024). Assim, este modelo de análise define um espaço afetivo bidimensional no plano cartesiano, que captura padrões motivacionais organizados em dois ramos principais da distribuição. A partir desse modelo, evidências comportamentais e psicofisiológicas têm permitido identificar e validar quais imagens são capazes de evocar os sistemas motivacionais apetitivo e aversivo, correspondentes às duas hastes do padrão bumerangue (Bradley et al., 2001; Branco et al., 2023; Lemos et al., 2024; Versace et al., 2023).
Resultados
Com os dados da EFTF organizados de forma crescente, foi possível adotar a mediana como ponto de corte para distinção entre os grupos de alto (pontuação média de 27,93, DP = 9,80) e baixo fanatismo (M = 15,77, DP = 3,03), sendo seus escores estatisticamente diferentes entre si (p < 0,001; d = 1,67) (Figura 2).
Análise de valência
A ANOVA revelou um efeito significativo para a variável “Imagens” indicando que as categorias (time favorito; time rival; imagens positivas, neutras e negativas do IAPS) distinguiram entre si (F4,104=4,127; p < 0,001; η2=0,746) independentemente do nível de fanatismo. Comparações planejadas adicionais indicaram diferenças significativas para a dimensão entre todas as categorias de imagens, exceto entre as imagens neutras do IAPS e do time rival (p = 0,08; d = 0,34). Os valores obtidos em cada comparação estão especificados na Tabela 1.
Nota:A tabela apresenta média (M) e desvio padrão (DP) das diferentes categorias de imagens, bem como os resultados das comparações estatísticas (p) e tamanhos de efeito (d), * identifica as diferenças estatisticamente significativas.
A ANOVA não apresentou interações significativas entre o nível de fanatismo e as categorias de imagens (F4,104=0,315; p < 0,867; η2=0,003), indicando que a valência atribuída as imagens não variaram em função do nível de fanatismo. Análises planejadas adicionais confirmaram a ausência de diferenças significativas entre os dois grupos (Tabela 2).
Análise da ativação
Na análise da ativação emocional, a ANOVA apresentou um efeito significativo para a variável “Imagens” ao revelar que as diferentes categorias (time favorito; time rival; imagens positivas, neutras e negativas do IAPS) distinguiram entre si (F4,104= 27,12; p < 0,01; η2=0,303) quanto à ativação emocional. Comparações planejadas adicionais demonstraram que tais diferenças ocorreram na maioria das comparações, exceto entre imagens do time rival e figuras Neutras do IAPS (p = 0,29; d = 1,84). Os resultados detalhados podem ser observados na Tabela 3.
Nota: A tabela apresenta média (M) e desvio padrão (DP) das diferentes categorias de imagens, bem como os resultados das comparações estatísticas (p) e tamanhos de efeito (d), * identifica as diferenças estatisticamente significativas.
Embora não tenha sido verificada nenhuma interação do nível de fanatismo com a ativação emocional atribuída às categorias de imagem (F4,104=1,92; p = 0,113; η2=0,021), comparações planejadas por contraste revelaram padrões distintos em comparações específicas dentro e entre grupos de alto e baixo fanatismo. Ao analisar os resultados obtidos nas comparações dentro dos grupos, isolando o fator Fanatismo, observou-se que os dois grupos demonstraram que imagens positivas não diferem das negativas quanto à excitação emocional. Tal padrão também fora verificado entre imagens neutras e do time rival. Ainda em ambos os grupos, foi possível identificar que, tanto as imagens positivas quanto as negativas, apresentaram maior ativação quando comparadas às imagens neutras.
Contudo, diferenças importantes também foram identificadas analisando os padrões de resposta dentro dos grupos. De forma mais detalhada, observou-se que, apenas no grupo de alto fanatismo, a excitação emocional desencadeada pelo time favorito se equipara a de figuras positivas e negativas do IAPS, bem como à excitação elicitada por imagens do time rival (Tabela 4).
Nota: A tabela apresenta média (M) e desvio padrão (DP) das diferentes categorias de imagens, bem como os resultados das comparações estatísticas (p) e tamanhos de efeito (d) isolando os grupos de alto e baixo fanatismo. * identifica as diferenças estatisticamente significativas.
As análises planejadas também revelaram a existência de diferenças significativas entre os grupos quanto aos níveis de ativação emocional. Mais especificamente, o grupo com alto fanatismo apresentou níveis de ativação superiores às imagens neutras (p < 0,01; d = 0,914), em comparação ao grupo de baixo fanatismo. Também foram encontrados maiores valores de ativação emocional para o grupo de alto fanatismo frente às imagens de ambos os times, rival (p < 0,01; d = 0,83) e favorito (p< 0,01; d = 1,49). As demais comparações entre grupos não demonstraram significância estatística.
Por fim, a análise de dispersão com a aplicação da regressão linear apresentou um padrão consistente com a teoria dos vetores motivacionais (Figura 3). Esta teoria sugere que as imagens relacionadas ao time favorito seguem um padrão de dispersão semelhante ao dos estímulos altamente apetitivos, enquanto as imagens do time rival se assemelham ao padrão das imagens negativas. O padrão bumerangue foi identificado por meio de uma inspeção visual do gráfico de dispersão, que foi estabelecido com base na valência e ativação das imagens do IAPS.
Discussão
As emoções são elementos fundamentais para a compreensão dos fenômenos esportivos e dos seus impactos na nossa sociedade. Os processos emocionais não influenciam apenas os atletas e equipes, mas também têm um efeito considerável sobre torcedores e entusiastas (Furley et al., 2023). O contexto da competição parece facilitar a manifestação catártica de emoções intensas e coletivas, obviamente moduladas pela representação simbólica da vitória, da derrota, pela identificação com o time favorito e aversão ao rival. Logo, entender as variáveis psicológicas implicadas com fenômenos psicossociais como o fanatismo, a mobilização em massa e o comportamento de manada nos grandes eventos desportivos se torna um desafio importante para ciências humanas e sociais.
Diante de variadas condições emocionais elicitadas ao torcer por um time, a valência atribuída por torcedores (positiva ou negativa) parece ter implicação com o envolvimento harmonioso ou obsessivo com seu time (Schellenberg et al., 2024). Tais aspectos podem auxiliar na compreensão do comportamento emocional, tanto de celebração quanto de hostilidade entre torcedores (Furley et al., 2023; Schellenberg et al., 2024).
Alguns estudos propõem que a classificação da valência no SAM pode refletir a ativação de sistemas motivacionais básicos, seja de recompensa ou de aversão (Bradley et al., 2001; Versace et al., 2023). Tal modelo se ampara na compreensão de que o comportamento emocional envolve esses dois subsistemas motivacionais básicos (Bradley et al., 2001; Lemos et al., 2014). No presente estudo, as medidas obtidas para valência afetiva nas figuras referências do IAPS, demonstraram padrão compatível com a literatura (Bradley et al., 2001; Branco et al., 2023), tendo sido as imagens positivas avaliadas como agradáveis, neutras e as negativas como desagradáveis, com diferenças significativas entre estas categorias. As figuras do IAPS serviram como referências essenciais para melhor contextualização acerca dos valores indicados para as imagens experimentais dos times favorito e rival. Fora verificado que as imagens do time favorito se destacaram por apresentarem alto índice de agradabilidade, enquanto as imagens do time rival foram avaliadas como desagradáveis.
Modelos de estudo na perspectiva dimensional das emoções consideram que as medidas de excitação emocional complementam indicadores de valência afetiva por representarem o nível de ativação motivacional (Bradley et al., 2001; Branco et al., 2023). Considerando essas duas dimensões emocionais, valência e ativação, seria possível a representação gráfica em plano cartesiano dos vetores motivacionais, variando em intensidade (Lemos et al., 2024; Versace et al., 2023). Os resultados aqui reportados demonstraram o padrão esperado para as imagens padronizadas do IAPS, com altos índices de ativação emocional para as figuras positivas e negativas, em comparação com as neutras (Bradley et al., 2001; Branco et al., 2023; Lemos et al., 2024; Versace et al., 2023). As imagens negativas do IAPS foram emocionalmente ainda mais alertantes do que as positivas. Quanto às imagens experimentais, ainda sem considerar o nível de fanatismo, observou-se que as imagens do time favorito despertaram menor ativação do que as imagens positivas e negativas do IAPS e maior ativação do que as imagens neutras e do time rival. Enquanto as imagens do time rival demonstraram um padrão de ativação semelhante às imagens neutras, sendo menos excitante do que todas as outras categorias.
Contudo, considerando as influências do nível de fanatismo, foram identificados padrões distintos de excitação emocional entre os dois grupos. Mais especificamente, o fato do grupo de alto fanatismo ter apresentado níveis maiores de ativação emocional decorrentes da observação de imagens neutras e das imagens experimentais, seja do time rival ou favorito, pode ser interpretado como uma evidência de que este grupo talvez esteja mais propenso à excitação emocional e/ou tenha menor capacidade de regulação emocional.
Muitas pesquisas têm indicado que estímulos visuais com componentes emocionais ou afetivos podem desencadear aumento significativo da atividade cerebral em circuitos visuais, emocionais e motores (Bradley et al., 2001; Carretié et al., 2022; Lin et al., 2020; Onigata & Bunno, 2020; Pereira et al., 2010; Zsidó, 2024). Nesta linha de raciocínio, os resultados obtidos suscitam a reflexão sobre a possibilidade destes circuitos primitivos, apetitivos e aversivos, atuarem mediando a interação de torcedores com estímulos representando o time favorito e o time rival, respectivamente. Afinal, pode-se observar a ocorrência do padrão bumerangue na análise de dispersão, sendo possível verificar que a linha de tendência estabelecida pela regressão linear para os valores de ativação e valência ao time favorito se estabelece na parte superior do gráfico, na mesma direção dos parâmetros de vetores motivacionais estabelecidos para o sistema apetitivo. Enquanto a linha de regressão linear verificada para as imagens do time rival, se delineou em um vetor motivacional compatível com parâmetros observados para sistema motivacional aversivo. Importante enfatizar que o padrão Bumerangue fica ainda mais definido para torcedores com maiores níveis de fanatismo, devido aos níveis mais altos atribuídos à ativação emocional para as imagens dos times favorito e rival.
Os resultados obtidos nas análises do nível de fanatismo, junto com indicadores de reação emocional às imagens de times favoritos e rivais, reforçam a compreensão de que as pessoas mais fanáticas estão mais propensas à excitação emocional. Na tentativa de compreender as implicações práticas deste estudo, convém considerar evidências complementares que demonstram que o aumento da atividade nos circuitos emocionais compete por recursos de processamento com redes neurais responsáveis pela cognição e comportamentos ditos racionais (Dolcos & Mccarthy, 2006). Tal condição pode ser propícia para desencadear o contágio emocional e o comportamento de manada, ambos fenômenos muito presentes no contexto do esporte competitivo (Neuman, 2024).
Adicionalmente, devemos considerar que imagens dos times favorito e rival ativam regiões límbicas, filogeneticamente antigas, estabelecidas como moduladoras do comportamento afetivo e motivacional e ainda, que o fanatismo se correlaciona positivamente com a ativação desses circuitos (Duarte et al., 2017). Apesar de algumas evidências terem sugerido que a interação com estímulos visuais representando o time favorito e rival recrutam respectivamente os sistemas motivacionais apetitivo e aversivo (Conde et al., 2011; Conde et al., 2018; Oliveira et al., 2021), até o momento tal compreensão não é consensual (Proctor, 2013; Yamaguchi & Chen, 2019). Neste sentido, a caracterização dos vetores motivacionais para as imagens do time favorito e rival no presente estudo serve como mais uma evidência que indica o envolvimento dos sistemas apetitivo e aversivo diante do processamento de estímulos de times de futebol.
Embora a presente investigação propicie contribuições relevantes, é importante analisar cuidadosamente os resultados aqui apresentados, considerando algumas limitações do estudo. Como primeira e principal limitação, deve-se destacar que a amostra foi composta por conveniência, resultando na predominância de mulheres em ambos os grupos. Embora a adoção da mediana para a formação dos grupos de alto e baixo fanatismo encontre algum respaldo na literatura (Conde et al., 2018; Coriolano & Conde, 2017), tal procedimento dificultou a distribuição igualitária de gêneros em cada grupo, o que refletiu em um desequilíbrio ainda mais acentuado no grupo de baixo fanatismo. Embora o delineamento amostral ideal não tenha sido implementado, tal condição não compromete os resultados aqui reportados, uma vez que os objetivos da pesquisa se estabeleceram justamente na comparação de diferentes perfis de fanatismo e não na comparação entre gêneros. Adicionalmente, o estudo de Zeferino et al. (2021) não identificou diferenças entre gêneros quanto ao nível de fanatismo e agressividade em um estudo que avaliou 210 torcedores com a EFTF e com a escala de Agressividade (Buss & Perry, 1992). Ainda assim, se faz importante reconhecer que novos estudos são fundamentais para melhor compreensão das diferenças entre os gêneros quanto aos construtos aqui mensurados, principalmente sobre a atribuição da valência hedônica e ativação emocional diante de imagens de futebol do time favorito e rival. Por fim, o presente estudo também não investigou possíveis efeitos moduladores decorrentes de outras variáveis sociodemográficas, tais como filiação à torcida organizada e idade, as quais também parecem interferir significativamente no comportamento de torcedores (Zeferino et al., 2021).
Conclusões
A torcida tem sido considerada como uma variável importante à sustentação da cultura e da economia do futebol. Grupos conhecidos como “torcidas organizadas” foram historicamente instaurados no Brasil por torcedores com o objetivo de criar e desenvolver laços, comemorar além de fortalecer sentimentos de rivalidade e oposição. Contudo, alguns destes torcedores são apontados, por parte da literatura, como mais propensos a se envolverem em episódios de violência no futebol brasileiro (Louis, 2023; Ribeiro & Fernandes, 2021). Neste contexto, ressalta-se que os impactos do fanatismo por futebol possuem implicações de cunho socioeconômico, à mobilidade urbana, causando impactos na área de segurança pública e em processos psicossociais. Além disso, segundo Brandão et al. (2020), a violência nos estádios se estabelece como fenômeno complexo e multivariado.
Os resultados da pesquisa oferecem uma compreensão pioneira sobre o fanatismo e suas implicações emocionais, sendo os principais achados caracterizados pela identificação de diferenças significativas nos níveis de ativação emocional entre torcedores de alto e baixo fanatismo. Pela primeira vez, fora verificado de que forma imagens de times de futebol, com valência afetiva antagônica, são percebidas por seus torcedores e rivais, principalmente no que se refere à agradabilidade (dimensão da valência) e ativação emocional. Adicionalmente, foram verificados padrões motivacionais que suscitam o envolvimento dos sistemas motivacionais apetitivo e aversivo, em consequência da simples observação de imagens representando o time favorito e o principal rival, respectivamente. Tal verificação garante suporte para melhor entendimento sobre os motivos das competições mobilizarem milhares de pessoas, além de movimentarem elevados valores financeiros (Oliveira et al., 2021). Complementariamente, considerar o envolvimento do sistema emocional aversivo em resposta à representação do time rival parece uma possibilidade plausível para compreender a hostilidade e rivalidade entre times favoritos e rivais.
Tendo em vista os fatos supracitados, o presente estudo sugere que as abordagens de seguridade em jogos de futebol considerem também os processos psicossociais e singularidades da expressão emocional do torcedor na relação que estabelece com o seu time e com seus principais rivais. Neste sentido, observa-se a demanda por novos modelos de planejamento e também pela implementação de políticas públicas para a segurança de torcedores nos estádios de futebol e transeuntes nos arredores das partidas, considerando que as medidas mais adotadas têm se restringido a ações de inteligência policial somadas ao policiamento ostensivo como prevenção durante os jogos (Barbosa & Bueno, 2023; Rodrigues & Santos, 2024). A aplicação da força policial também tem sido verificada em situações de conflitos entre torcedores. Ainda que não existam modelos interventivos validados com efetividade comprovada em condições de conduta agressiva de torcedores, a obra de Neuman (2024) proporciona reflexões e ideias inovadoras que inspiram abordagens comportamentais alternativas para se compreender e lidar com dinâmicas das multidões. Essa abordagem alternativa à policial, talvez possa permitir estratégias mais eficazes de prevenção e gestão de comportamentos violentos. Vislumbra-se, com parcimônia, que através de campanhas psicoeducativas seja possível conscientizar torcedores sobre como o fanatismo se manifesta em suas vidas, tratando de suas implicações emocionais, comportamentais e consequências às interações sociais, bem como para auxiliá-los a desenvolver reações emocionais mais funcionais e comportamentos não violentos nos ambientes esportivos como propõe alguns trabalhos (Galily et al., 2024; Neuman, 2024; Newson et al., 2023). Seria também importante considerar abordagens mais humanizadas, considerando procedimentos como avaliação e atendimento psicológico àqueles que se envolvem em episódios de violência, uma vez que simples estímulos visuais, seja de imagens neutras ou, principalmente, do time rival, parecem capazes de desencadear ativação emocional mais alta em torcedores mais fanáticos. Tal proposição se ampara no fato que a violência entre torcedores não acontece apenas dentro dos estádios, mas também em praças públicas, metrôs, ruas movimentadas, entre muitos outros locais públicos. Por ser um tema multifacetado, novas pesquisas, em perspectiva multidisciplinar, talvez possam ajudar a compreender e complementar o conhecimento que se tem sobre o fanatismo por futebol e suas implicações psicossociais. Os resultados do presente estudo contribuem para ampliar a compreensão sobre como o fanatismo pode influenciar na maneira pela qual se percebe os estímulos emocionais provenientes do contexto do futebol, representando a polaridade afetiva favorito-rival, inerente aos embates esportivos.