1. Introdução
Apesar de a democracia brasileira ainda ser relativamente nova, «já é uma ideia desbotada» e desgastada entre os jovens nascidos e socializados no ambiente político pós-redemocratização (Florentino, 2008). Tal percepção da juventude é explicada porque as conquistas típicas do período pós-autoritário, como o voto direto e eleições livres deixaram de ser novidade e passaram a ser percebidas pelos jovens como o mínimo que se pode esperar de um regime democrático (Lonkila y Jokivuori, 2022).
Outra explicação é que esses jovens passaram por um processo de socialização política diferenciada das gerações anteriores, em um contexto de amadurecimento da democracia, com novas agendas e prioridades políticas. Para essa geração os temas predominantes passaram a ser o debate sobre a renovação das instituições representativas, fiscalização e controle dos gastos públicos, combate à corrupção política, transparência, participação efetiva da sociedade nos processos decisórios e accountability (Ferreira, 2019; Stengel et al., 2019).
As instituições legislativas estão no centro desse debate, geralmente associadas a escândalos políticos, baixa reputação e um expressivo distanciamento de suas demandas em relação às pautas da sociedade. Nesse contexto, os jovens tendem a rejeitar e reprovar a atuação dessas instituições e de seus dirigentes e integrantes (Feixa, 2018; Manago et al., 2022). Por essa razão, o estudo aqui proposto tematiza especificamente a relação dos jovens com as instituições legislativas. O principal aspecto avaliado é a percepção dos informantes sobre a reputação das instituições das instituições legislativas em âmbito municipal, estadual e federal. O foco está nas seguintes questões:
1) como você avalia a atuação da câmara municipal de sua cidade?;
2) como você avalia a atuação da assembleia legislativa de seu estado?;
3) como você avalia a atuação do Congresso Nacional? Além disso, foi aberto um espaço para comentários livres dos informantes, na forma de respostas abertas. O questionário completo consta no anexo 1.
A análise empírica é realizada com base em dados coletados por meio de um websurvey aplicado em março de 2022, com 1.006 jovens de 16 a 29 anos das cinco regiões geográficas, com perguntas abertas e fechadas. A coleta de dados foi realizada por meio das redes sociais digitais como Facebook, Instagram, Tik Tok e Whatsapp. Outra estratégia foi a divulgação em websites e perfis de redes sociais de escolas, universidades e coletivos de jovens.
O Brasil possui atualmente uma população estimada em 202,7 milhões de habitantes. Desse total, 51,3 milhões são de jovens de 15 a 29 anos, ou seja, 25,3 % da população, um dos segmentos mais ativos nas mídias sociais. Em termos eleitorais, os jovens representam 27 % dos eleitores brasileiros (Brasil, 2018). Segundo dados oficiais, havia 152 milhões de usuários de Internet no Brasil em 2021, o que corresponde a 81 % da população acima de dez anos. Nas classes A e B, as residências conectadas ficam acima de 98 %; na classe C o acesso à internet está na faixa de 91 % das residências, enquanto nas classes D e E, a conexão é de 64 %. Desse universo, 83 % são jovens, que usam principalmente as redes digitais, com valor estimado de 51,3 milhões de jovens. (Cresce o uso de internet... 2021). Outro levantamento mostra que 92 % do público de 9 a 17 anos usa algum dispositivo com acesso à internet em casa, embora a qualidade da conexão seja precária entre as classes C e D (Tic Kids Online Brasil, 2020).
O critério etário tem como base o Estatuto da Juventude (Lei Federal 12.852/2013), que considera como jovens os indivíduos entre 15 e 29 anos, a partir de três categorias: a) ojovem-adolescente (15 a 17 anos); b) ojovem-jovem (18 a 24 anos); e c) ojovem-adulto (25 a 29 anos). Um dos objetivos do estudo é comparar as percepções dos respondentes, como base nessa divisão etária. O uso de perguntas abertas se justifica pela necessidade de compreensão das visões dos informantes e não apenas o mero registro das opiniões. Um detalhamento das perguntas consta no Anexo 1.
Convém explicitar ainda que o escopo da pesquisa tem como foco principal questões diretamente relacionada à imagem pública e reputação institucional das câmaras municipais de vereadores, das assembleias estaduais e do Congresso Nacional. O estudo é orientado por duas hipóteses centrais. A primeira hipótese baseia-se nos pressupostos de que a reputação do Congresso Nacional tende a ser mais negativa na percepção juvenil em relação às instituições locais. Isso se deve principalmente à contínua exposição negativa nas mídias de grande alcance de públicos (Barros y Martins, 2017; Barros, 2018; Vommaro, 2013).
A segunda consiste no argumento de que os jovens-adultos (24-29 anos) são os mais críticos sobre as instituições legislativas. A literatura registra maior interesse do referido segmento juvenil pela política, em razão das implicações sociais e políticas da entrada na vida adulta (Ferreira, 2019; Wallace y Cross, 2018). Entre tais implicações se destacam a socialização política mais intensa, devido ao envolvimento desse segmento juvenil com o mundo da política, a vida estudantil, o mercado de trabalho e demais obrigações típicas da vida adulta. Tudo isso contribui para aumentar o interesse do referido segmento pelo debate relativo à agenda política, tendência que é reforçada pela tendência de maior atenção ao noticiário político, além da convivência entre pares, ou seja, outros jovens na mesma faixa etária (Barros et al., 2020).
Antes da análise dos dados apresentamos um panorama dos estudos sobre gerações e de socialização política, considerados fundamentais para a compreensão de como os jovens avaliam as instituições legislativas na atualidade.
2. Juventude, gerações e socialização política
Os conceitos de juventude envolvem o debate sobre gerações, mas não se restringem a esse domínio. Afinal, trata-se de «uma construção histórica e social e não meramente uma condição etária, parte de um determinado ciclo de vida» (Abramovay y Castro, 2015, p. 13). Em cada momento histórico e em cada configuração cultural existem «diferentes maneiras de ser jovem, sobredeterminadas por situações sociais e culturais específicas». Isso equivale a dizer que «as experiências, representações e significados que definem a juventude não são únicos» (Abramovay y Castro, 2015, p. 13).
Ao tratar do tema, Bourdieu (1983, p. 112) afirma que «a idade é um dado biológico socialmente manipulado e manipulável» e que o fato de «falar dos jovens como se fossem uma unidade social, um grupo constituído, dotado de interesses comuns, e se relacionar estes interesses a uma idade definida biologicamente já constitui uma manipulação evidente». Bourdieu chama atenção para a natureza relacional da ideia de juventude. Afinal, ser jovem ou ser velho, na visão do autor, depende sempre da posição etária que serve de parâmetro para a outra em um determinado contexto histórico e cultural. Com essa abordagem relacional Bourdieu refuta a possível visão de juventude e velhice como se fossem noções objetivas, um dado da sociedade. Ao contrário, reforça o autor, são representações socialmente perspectivadas.
Em razão disso, o autor rejeita as propostas analíticas que tratam equivocadamente a categoria juventude como «unidade social», entendendo-a como um grupo social constituído de forma homogênea e dotado de interesses, gostos e perfis unificados. Ao contrário, explica, o autor, estudar a juventude implica admitir a análise de biografias desiguais, construídas em contextos plurais, com identidades específicas e até antagônicas, visto que a identidade não é construída exclusivamente a partir de fatores biológicos e etários, mas socioculturais.
Gohn (2013, p. 205) argumenta que «embora a juventude seja representada sociologicamente como uma categoria relacional que posiciona os indivíduos como pertencente a uma dada faixa etária», os estudos empíricos revelam a existência de várias juventudes. Na mesma linha de raciocínio, Novaes (2006) argumenta que jovens com a mesma idade vivenciam sua condição juvenil de formas distintas e até mesmo desiguais. Ainda segundo Novaes (2006, p. 105) se as vivências são distintas, os discursos também o são, o que impede que certos grupos juvenis organizados representem discursivamente «os jovens» ou «a juventude» de forma generalizada e homogênea, pois esses grupos nem sempre são autorizados «a falar ou representar todos os jovens que compõem a mesma faixa etária» (Novaes, 2006, p. 105).
A literatura registra que os jovens são caracterizados «como um grupo social plural e emergente» (Malfitano, 2011, p. 523) e apresentam distintas formas de engajamento, variados repertórios de participação política e de ação coletiva, além de múltiplas agendas de reivindicações (Dayrell, Moreira y Stengel, 2011). Como consequência disso, as análises sobre juventude tornaram-se menos simplificadoras e passaram a indicar as dificuldades de se pautar por tendências analíticas uniformes e estanques (Ribeiro, Lanes y Carrano, 2006).
É oportuno ressaltar que a pesquisa aqui proposta toma como objeto de estudo a chamada geração democrata, isto é, um conjunto de grupos etários que nasceram após a redemocratização, iniciada em 1985, após 21 anos de ditadura militar. O cenário político de redemocratização «oferece certas vivências e oportunidades de socialização política distintas aos jovens» (Florentino, 2008, p. 216).
Um aspecto central no estudo das gerações é a socialização, ou seja, a forma como o indivíduo e seus coetâneos são moldados pelas instituições sociais. A socialização é um processo contínuo de aprendizagem de como viver em sociedade, ou seja, é uma forma de aprender a tornar-se membro de uma sociedade (Darmon, 2016). Trata-se de uma experiência «que dura por toda a vida e ocorre mediante a interação com os outros e a participação nas rotinas diárias da vida cultural cotidiana» (Coffey, 2010, p. 192). Nesse processo estão inclusos a linguagem, os sistemas simbólicos, as dimensões econômica, moral, estética e as ideias políticas. Trata-se de uma concepção que atribui à socialização o papel de fundação cultural, no sentido de alicerce de visões de mundo, um arquivo de mentalidades que é acionado de acordo com as diversas situações dos mundos vividos, marcadas por práticas sociais, relações de poder e condições específicas e particulares de existência (Barros, 2022).
A socialização política refere-se ao «conjunto de experiências que, no decorrer do processo de formação da identidade social do indivíduo, contribuem particularmente para plasmar a imagem que ele tem de si mesmo em confronto com o sistema político e em relação às instituições» (Oppo, 2000, p. 1202). Estão incluídos nesse processo tendências cognitivas e expressivas, emoções, atitudes e comportamentos dos indivíduos perante objetos da política. Trata-se de um processo de «formação-aprendizagem social que embora se estenda por todo o decurso da vida, tanto quanto qualquer outro processo similar, passa, todavia por etapas especialmente significativas, influências particulares, momentos de aceleração e momentos de afrouxamento» (Oppo, 2000, p. 1202). Roberts (2015) y Bernardi (2021) chamam atenção ainda para a transmissão de crenças e valores no processo de socialização política, visto que são elementos essenciais na conformação da cultura política, ideia presente também em obras referenciais como o de Almond y Verba (1989).
A força da socialização política recai em três agentes principais: a família, a escola e os grupos de pares. Além desses agentes, Barros (2018) destaca ainda «o papel de instituições religiosas, dos partidos políticos, das mídias, da internet, dos grupos de interesse, da classe social e do gênero». Para a discussão aqui proposta interessa desenvolver o papel da midiatização na socialização política da chamada geração democrata. A midiatização tornou-se um processo social de referência, ou seja, passou a produzir sentidos e a nortear quase todos os sistemas de produção simbólica das sociedades contemporâneas, inclusive a política. Atualmente atingiu o status de hipermidiatização (Hjarvard, 2014).
Nos processos e (hiper)midiatização da política destacam-se as denúncias de corrupção que resultam nos escândalos envolvendo autoridades (Lemos y Barros, 2017). O modus operandis das mídias nesses casos consiste em «esquemas discursivos que contribuem para dirigir a atenção do público de forma seletiva, mediante a acentuação de determinados aspectos ou questões e a omissão de outros, contribuindo para enfatizar também modos de interpretar e ver a realidade» (Barros y Lemos, 2018, p. 297). Como explicam os autores, tais esquemas são construídos «por meio de operações de sentido que envolvem seleção, ênfase e exclusão», produzindo «efeitos simbólicos nos interlocutores e receptores das mensagens, conduzindo a atenção das pessoas» (Barros y Lemos, 2018, p. 297).
No caso brasileiro, desde o início da redemocratização, a ênfase tem sido sistematicamente nos escândalos, de forma continuada e sistêmica. Observa-se, portanto, «um modo operatório típico na lógica de ação dos media, o que resulta numa dinâmica sociocultural de monocultivo desses enquadramentos, perspectivas e modelos» (Barros, 2015, p. 204). Os escândalos seguem um esquema comum de cobertura midiática, no formato seriado, ou seja, em episódios sucessivos, a fim de manter a atenção pública. Esse modo padronizado «interfere na visão do público, sedimentando elementos que vão compor uma determinada imagem que permanecerá na opinião pública» (Barros, 2015, p. 204).
A relação das juventudes com as mídias sociais revela importantes aspectos associados às dinâmicas de socialização política pela via da midiatização e sua lógica de espetacularização e desqualificação dos sistemas políticos (Barros, 2015). Vommaro (2013) reforça a existência de fatores diacrônicos na socialização política de grupos etários similares, os quais causam impactos culturais relevantes, a exemplo do território, da condição socioeconômica, da formação familiar e religiosa, da educação, das vivências comunitárias e experiências coletivas, construção de sentidos comuns, além das formas de interação digital.
Nesse contexto, um dos fatores básicos para a formação da consciência crítica e dos comportamentos assertivos ou apáticos dos indivíduos é sua identidade geracional, entendida como um conjunto de características partilhadas por sujeitos que nasceram e vivem em uma determinada época. Assim, a identidade geracional pode ser entendida como um dos marcadores sociais, baseados na faixa etária, mas que também operam como elementos que produzem diferenças sociais em termos de classe, renda, gênero e pertencimento cultural (Bortolazzo, 2016).
Entre as características que conformam uma identidade geracional destacam-se o compartilhamento de valores, convicções e interesses, além da motivação para adoção de certas habilidades, competências, atributos, expectativas e padrões comportamentais. Seu conjunto específico de valores, atitudes e comportamentos implicam como cada geração reage e também provoca mudanças em vários aspectos de sua existência e da própria sociedade (Bortolazzo, 2016).
Todo esse debate nos leva à noção de geração política, que considera mais importante o compartilhamento de valores, ideais e sonhos e isso pressupõe um tipo comum de socialização política (Sirinelli, 1989; Vommaro, 2013). A formação de uma geração política ocorre quando uma unidade geracional consegue forjar uma identidade e mantê-la ao longo de um tempo expressivo, a ponto de marcar uma época e provocar efeitos na esfera pública (Longa, 2017). As gerações políticas são constituídas, portanto, quando os laços de identidade coletiva são coesos, de modo a formar um «nós» para defender ou combater certas causas sociais e políticas.
O conceito de geração política não se confunde com a mera noção de coorte etário, uma vez que se refere à ideia de uma mentalidade coletiva moldada por um evento fundador ou um conjunto de acontecimentos políticos que moldam a consciência dos jovens (Feixa, 2018; Roberts, 2015). Pode-se afirmar que existe uma geração política quando «um grupo etário histórico é mobilizado para trabalhar para a mudança social ou política e que uma geração política ocorre quando a idade está correlacionada com o comportamento e atuação na política coletiva» (Auzias, 1994, p. 187). A noção de geração política implica consciência geracional e um elo entre percepção etária e sociopercepções do mundo político resultantes da socialização política (Barros, 2018). Tais percepções são fundamentais para as respostas políticas de uma geração e seus repertórios de ação política (Boumaza, 2009).
Com base nas contribuições da sociologia das gerações, Boumaza (2009) propõe duas definições complementares de geração política. A primeira consiste na visão de que existe uma geração política quando um grupo etário é mobilizado em prol de projetos de mudança social e política em consonância com seus anseios, interesses e convicções. A segunda diz respeito à correlação direta entre idade e comportamentos voltados para a ação coletiva. Nesse sentido, Barros (2018) ressalta que as novas gerações políticas são de fato portadoras de opiniões e valores que diferem daqueles das gerações anteriores.
Sirinelli (1989) complementa que o conceito de geração política deve incorporar ainda elementos como culturas, ideias e mentalidades, não se limitando a cortes etários. Tais elementos conferem ao conceito clivagens internas e colocam em jogo os fenômenos da memória social e das dinâmicas políticas em sua complexidade e transversalidade e não na sua linearidade. Para efeitos do estudo em tela, considera-se a possibilidade de aproximações entre as noções de geração política e geração democrata, nos termos anteriormente definidos, com base na ideia de identidade geracional.
Convém mencionar ainda as conexões entre gerações e representação política, especialmente no que se refere à relação entre os variados segmentos juvenis e as políticas públicas de interesse da juventude brasileira. Apesar das visões do senso comum que mostram os jovens como indiferentes, apáticos e desinteressados em relação à política convencional, vários estudos mostram que tais estereótipos são questionáveis (Barros y Martins, 2017; Barros, 2018; Wallace y Cross, 2018). Segundo os autores citados, estudos empíricos indicam que os jovens até podem rechaçar os processos políticos, especialmente no âmbito legislativo. Entretanto, mostram altamente ativos e participativos quando se trata da defesa da democracia, dos valores democráticos e da cidadania.
Nesse processo, é preciso apontar que os jovens têm se distanciado da política institucionalizada, mas não da democracia. Para os jovens, a democracia está associada a um desejo de liberdade e autonomia de ação, sem as limitações impostas pelas estruturas partidárias e o rigor das regras e procedimentos institucionais. Por outro lado, a adesão aos regimes democráticos significa fundamentalmente aceitar como legítimos os princípios e as regras que regem os sistemas representativos e as instituições políticas, com especial destaque para os parlamentos municipais, estaduais e o Congresso Nacional (Barros, 2018).
Entre outras questões apontadas na literatura sobre juventude e política diz respeito às complexidades envolvidas no processo legislativo. Isso inclui as dificuldades para a compreensão das interfaces entre os diferentes entes federados e as especificidades das funções e objetivos das instâncias legislativas em seus diferentes níveis (municipal, estadual e federal). Isso inclui ainda o entendimento sobre a formulação, a execução e a fiscalização das políticas públicas (Barros, 2018, p. 856).
Apesar de tal cenário, há estudos que reiteram a percepção juvenil sobre a necessidade de manutenção da democracia representativa, embora haja ressalvas dos segmentos juvenis no contexto contemporâneo. Entre as novas reivindicações juvenis destacam-se a renovação das instituições, o maior controle dos gastos públicos, combate à corrupção política, transparência, participação, direitos igualitários, entre outros temas (Florentino, 2008). Trata-se de uma agenda que incorpora anseios de democratização da democracia, nos termos de Giddens (2001); e Boaventura Santos (2009). Todas essas reivindicações se coadunam com as expectativas juvenis sobre a democracia representativa em si, especialmente as instituições legislativas (Barros, 2018).
3. Análise dos dados
Antes da análise dos dados, consideramos que alguns breves esclarecimentos teóricos são necessários para a contextualização das informações coletadas via questionário. Em primeiro lugar, convém salientar que a Ciência Política no Brasil ainda está em processo de institucionalização (Limongi, 2010; Keinert, 2010). Além disso, o interesse da Ciência Política brasileira pelo Poder Legislativo como objeto de estudo «intensificou-se com a realização da Assembleia Nacional Constituinte de 1986-87 e a promulgação da Constituição de 1988» (Barros y Silva, 2021, p. 28). Em consequência disso, a agenda de pesquisa sobre o Poder Legislativo no Brasil ainda é limitada, pois contempla especialmente temas correlatos, como «o presidencialismo de coalizão, a atuação dos partidos políticos na arena legislativa e o poder de agenda do Presidente» (Barros y Silva, 2021, p. 30).
Em termos de abrangência, predominam estudos sobre o Poder Legislativo federal. Quanto aos estudos sobre legislativos municipais e estaduais, a agenda de pesquisa ainda é incipiente. Trata-se, portanto, de um terreno incógnito, a ser explorados pela Ciência Política brasileira (Barros y Bittencourt, 2020; Barros y Silva, 2021, p. 37). Outra lacuna existente diz respeito à falta de estudos sobre como os eleitores jovens avaliam o sistema representativo, na figura específica das instituições legislativas municipais, estaduais e do Congresso nacional. Esse diagnóstico, portanto, constitui uma das principais justificativas para a realização de um estudo exploratório sobre como os jovens brasileiros avaliam a atuação política de tais instituições.
Os jovens respondentes, conforme se observa na Tabela 1, estão distribuídos em grupos similares em termos de sexo, com número maior de mulheres, e faixa etária, com predominância dos jovens de 20 a 24 anos. A renda familiar de quase 70 % deles varia entre 3 e 10 salários mínimos, sendo que pouco mais de 70 % já completou o ensino médio ou está cursando faculdade, o que se coaduna com o fato de que quase três quartos deles não estejam empregados.
A metade se declara sem religião e entre aqueles que se declaram religiosos, predominam ligeiramente os espíritas (13,62 %) e os evangélicos (13,02 %) sobre os católicos (12,33 %). Se somados, os negros e pardos chegam a pouco mais da metade dos respondentes, mas separados fica evidente que a maioria se considera parda (34,49 %), seguidos de brancos (27,24 %) e negros (16,60 %). São jovens sem filiação partidária (88,47 %) e citadinos, com mais de 60 % morando em capitais ou região metropolitana, e habitantes majoritariamente das regiões Sudeste, Nordeste e Sul, em uma ordem decrescente da primeira para a terceira. No conjunto, o perfil geral dos respondentes corresponde a um jovem do tipo médio em termos de rendimento familiar, escolaridade, residência, trabalho, moradia e relação com a política.
Essa mediania é reforçada pelo relativo equilíbrio entre o número de homens e mulheres e faixa etária. Dessa forma, pode-se dizer que os dados empíricos, ainda que não planejados como tal, dão a esses jovens uma representatividade para o que comumente se associa à juventude, pelo menos em termos de inserção social, além de confirmar dados de outros estudos que mostram pouco interesse dos jovens pela política partidária (Helve y Wallace, 2018; Wallace y Cross, 2018).
As instituições legislativas são muito mal avaliadas pelos informantes, como mostra o gráfico 1. Um expressivo índice de 82 % dos respondentes considera a atuação das câmaras dos vereadores pouco ou nada satisfatória. O índice é progressivamente mais expressivo à medida que se eleva o nível geográfico da representação, com 92,2 % para as assembleias legislativas estaduais e 97,7 % para o Congresso Nacional. Considerando a alternativa «satisfatória», temos o seguinte diagnóstico: câmaras de vereadores, com 0,70 %; assembleias legislativas, com 0,40 % e o Congresso Nacional, com 0,10 % (ver gráfico 1).
Esses dados confirmam o diagnóstico de Florentino (2008), de que a democracia representativa já é «uma ideia desbotada» entre os jovens que integram a chamada geração democrata, conforme foi explicado na primeira parte do texto. Além das razões apontadas pela autora, as respostas abertas dos informantes apresentam outros motivos, como a decepção com o sistema político, a vergonha mediante os sucessivos casos de corrupção no noticiário político e a reprovação do desempenho dos representantes, especialmente os que atuam no Congresso Nacional. Eis um panorama das opiniões sobre a repercussão dos escândalos políticos no noticiário:
- (...) Fico enojado só de ligar a tv e olhar as redes sociais.
- (...) Tenho asco só abrir o jornal ou os portais de notícia.
- (...) A mídia mostra o que é a nossa política todo dia.
- (...) As manchetes dizem tudo: é só roubalheira.
Observa-se nos relatos o poder da miditiazação e da espetacularização da política pela via das diferentes formas de midiatização, especialmente a tv, cujos conteúdos costumam ser frequentemente reproduzidos pelas mídias sociais. Termos como «enojado» e «asco» demonstram o efeito da atuação do jornalismo como trabalho moral, com seus enquadramentos que fazem juízo de valor de forma continuada sobre a política no formato de relatos objetivos (Barros, 2015; Barros y Lemos, 2018).
Especificamente sobre o Congresso Nacional, as avaliações expressam ideias como:
- (...) O Congresso é um clube de salafrários.
- (...) O Congresso é uma cooperativa de cretinos.
- (...) No Congresso, se gritar pega ladrão, não escapa um.
O tom avaliativo revela convergência de percepções negativas, marcadas pela generalização e pela adjetivação pejorativa da atividade parlamentar. São visões com amplo respaldo no senso comum, que chegam até os jovens pela via da socialização política, especialmente pelas imagens e discursos midiáticos sobre o envolvimento direto de agentes públicos em denúncias e escândalos de corrupção política. Trata-se de um dos elementos mais marcantes que conformam a identidade geracional, cuja socialização política se deu pela via da midiatização (Bortolazzo, 2016).
As instituições legislativas municipais e estaduais recebem menor atenção negativa das mídias locais e regionais por diversas razões, segundo Barros e Bittencourt (2021). Em primeiro lugar se destacam as intrincadas relações de poder que envolvem o campo político e o mercado midiático em nível local e regional, com interdependências entre os arranjos de poder local. Na maioria das vezes, os próprios vereadores, deputados estaduais e seus familiares são também integrantes das organizações de mídia. Isso impede ou ameniza a divulgação de escândalos locais de corrupção política. Outro aspecto cuja intensidade é maior no âmbito do poder local no Brasil é a forte tendência de personalização da política. Assim a cobertura midiática local tende a colocar o foco na figura pessoal dos candidatos e não nas instituições em si, ou seja, a reputação institucional em si quase não faz parte da cobertura midiática local. Por fim, destaca-se a escala de atuação política das câmaras municipais e das assembleias estaduais. Trata-se de agendas que incluem temas de uma escala geográfica de poder muito menor, se comparada com a agenda legislativa do Congresso nacional (Barros, 2018, p. 865).
Os dados do gráfico 1 merecem mais pormenorização, até porque estão relacionados diretamente com a primeira hipótese de pesquisa, ou seja, a de que a reputação do Congresso Nacional é avaliada de forma mais negativa pelos informantes, devido à contínua e massiva exposição negativa na mídia, uma das principais agências de socialização política na atualidade. Em suma, os dados confirmam a hipótese, mas exigem maior aprofundamento analítico. Afinal, porque o Congresso Nacional ocupa o pior lugar no ranking da avaliação dos informantes? O que explica a avaliação menos ruim das câmaras municipais e das assembleias legislativas? Há necessidade de estudos futuros mais detalhados com foco nas questões apontadas.
Em termos de comparação, consideramos cabível a menção a outras análises sobre confiança política. Estudos empíricos priorizam a reputação do Congresso Nacional, a qual está diretamente associada à recorrente falta de confiança da população (Moisés, 2020). Desde o escândalo político dos «anões do orçamento», em 1993, a avaliação do Congresso nacional tem sido sempre negativa. Pesquisas de opinião indicam que a desaprovação chega a 49 % da população (Datafolha, 2021). No caso dos jovens, a falta de confiança no Congresso Nacional chega a 84 % entre as mulheres e 80 % entre os jovens do sexo masculino (Juventudes no Brasil, 2021). Estudos sobre avaliação das formas locais de poder mostram que 82 % dos jovens se declaram insatisfeitos em relação à atuação de prefeituras e câmaras municipais. O nível de falta de confiança nas autoridades municipais chega a 75 % entre os eleitores jovens de 16 a 29 anos (Barros, 2018).
A imagem negativa do Congresso Nacional é atribuída à contínua exposição negativa nos meios de comunicação, uma das principais fontes de informação política para a população, como já foi ressaltado. O Poder Legislativo «é alvo de superexposição na mídia, tendo seus aspectos falhos enfatizados pelos meios de comunicação. Isso contribui para impregnar o imaginário popular com o conteúdo divulgado e força o processo de construção de uma avaliação negativa do parlamento» (Cinnanti, 2011, p. 88).
Segundo a análise de Miguel (2008, p. 257), os meios de comunicação cultivam a desconfiança do público, com uma cobertura sistemática e continuada que desfavorece a crença na política. Para o autor, «é a mídia que impulsiona uma postura cínica do público, que passa a acreditar que os políticos são necessariamente falsos e incapazes de pensar no bem comum». Devido à função de socialização política exercida pela mídia, a imagem negativa do parlamento é reproduzida em larga escala, com efeitos quase generalizados na opinião pública.
Nessa ordem de ideias, é oportuno registrar uma conexão com a segunda hipótese da pesquisa (pressuposto de que os jovens-adultos teriam percepções mais críticas sobre as instituições legislativas). Como já foi salientado anteriormente, o referido segmento etário tende a ter maior interesse em acompanhar a agenda política via mídias como consequência da transição para etapas da vida cotidiana que estimulam tal comportamento, tais como a vida estudantil, inserção no mercado profissional e envolvimento direto com o processo eleitoral, devido ao fato de o voto ser obrigatório no Brasil, para os cidadãos partir de 18 anos. Entretanto, alguns estudos apontam ainda outros aspectos que também se relacionam com os pressupostos da segunda hipótese do estudo em tela. Barros (2015; 2016) destaca que as mídias eletrônicas de grande alcance de público (tv) e as mídias sociais nas plataformas digitais atuam de forma direta «na construção de cenários e quadros culturais que estimulam a audiência de jovens» Barros (2016, p. 268). Afinal, «a cultura mediatizada opera como rede simbólica, na qual as instituições culturais atuam como agências simbólicas centrais na construção da cultura cívica» (2016, p. 26).
A vida hiperconectada de jovens na faixa etária mencionada provoca um efeito de sentimento de empoderamento pessoal e de maior confiança para a expressão de opiniões sobre temas políticos (Barros, 2020). Tal efeito leva até mesmo a causar influências nas discussões políticas no âmbito familiar, gerando inclusive influências na a decisão de voto dos pais e parentes mais próximos desses sujeitos juvenis. Isso contribui para a construção de uma postura de maior assertividade em relação à política. Embora o comportamento mais assertivo não seja generalizado, estudos empíricos mostram que há segmentos juvenis cuja postura política tem sido intensificada com a ampliação das possibilidades de acompanhamento dos debates políticos nas esferas digitais (Baquero y Morais, 2016). A emergência de variados tipos de coletivos juvenis voltados para o debate sobre direitos humanos, igualdade racial, equidade de gênero e cultura sustentável, entre outros, são mencionados como exemplos práticos do efeito de maior assertividade juvenil, especialmente nas arenas digitais (Barros, 2020).
No caso dos jovens consultados via questionário, contudo, vimos que os efeitos na percepção negativa são ainda mais intensos do que na média da população. Seria isso efeito da socialização política exercida pelas mídias? Haveria uma influência maior das mídias na formação das percepções políticas das juventudes? Na falta de estudos empíricos específicos sobre Juventude e o Poder Legislativo, que ajudem a esclarecer tais questões, recorremos aos relatos dos próprios jovens extraídos dos espaços destinados à livre expressão deles no questionário:
- (...) A mídia mostra o que é a nossa política todo dia.
- (...) Só vejo escândalos na tv.
- (...) A tv mostra um reality show cujos protagonistas são os políticos corruptos.
Como se observa nos trechos destacados, apesar de as redes sociais digitais serem mencionadas por um dos informantes, predominam menções à tv, o que nos leva a deduzir que a tv atuou como a principal agência midiática de socialização política entre os jovens da geração democrata, visto que o fenômeno das mídias sociais é ainda muito recente. Entretanto, esta pode ser uma hipótese a ser investigada futuramente, visto que não dispomos de dados empíricos para sustentar ou refutar tal hipótese. Apesar disso, depreende-se que parece haver um impacto diferenciado das mídias na socialização política da geração democrata, uma geração formada com grande influência das mídias eletrônicas audiovisuais, especialmente a tv, conforme observou Schmidt (2001) em estudo realizado com jovens na década de 1990.
Diante do exposto, parece razoável a formulação da hipótese de que as câmaras municipais e as assembleias legislativas são avaliadas de forma menos negativa pelos jovens em função da menor exposição midiática, o que também se relaciona com o debate implicado na segunda hipótese de pesquisa. As câmaras de vereadores de médias e pequenas cidades, por exemplo, recebem pouca atenção das mídias e no caso das assembleias legislativas a exposição também é menor do que a do Congresso Nacional. Assim, embora não seja adequado absolutizar a força das mídias na socialização política, a exposição negativa das instituições legislativas certamente produz percepções sociais igualmente negativas. Afinal, como afirma Miguel (2008, p. 261), a «cobertura extensiva das atividades dos governantes e dos principais líderes políticos contribui para minar sua credibilidade, exibindo equívocos, hesitações, titubeios que, de outra forma, ficariam longe do conhecimento do grande público».
A fim de aprofundar a análise quantitativa, apresentamos uma sequência de correlações estatísticas sobre a percepção dos jovens acerca das três esferas de poder legislativo. Um detalhamento dos dados sobre a avaliação das câmaras municipais é exposto no quadro 3, com os resultados dos testes de qui-quadrado para as dimensões sociodemográficas dos respondentes em relação à questão «como você avalia a atuação da Câmara Municipal de Vereadores de sua cidade?».
Os resultados do quadro 3 indicam que, em um nível de significância de 5 %, são preditores dos resultados de percepção dos jovens quanto à atuação da Câmara Municipal de vereadores de sua cidade o sexo, a idade, a renda, a escolaridade, a religião, a cor/etnia, o local de residência, e a região de moradia. Quanto aos fatores que foram significativos, quando da análise das variáveis demográficas, os resultados apontam alta proporção da avaliação da atuação das câmaras municipais de vereadores como nada satisfatória ou pouco satisfatória, independentemente do sexo, faixa etária, escolaridade, cor/etnia, local de moradia e região geográfica do respondente. Os dados apontam, portanto, uma percepção quase consensual entre os informantes no que se refere a este quesito.
De forma similar, o quadro 4 apresenta os resultados dos testes de qui-quadrado para as dimensões sociodemográficas dos respondentes em relação à questão «como você avalia a atuação da Assembleia Legislativa de seu Estado?».
Os resultados indicam que, em um nível de significância de 5 %, são preditores dos resultados de percepção dos jovens quanto à atuação da Assembleia Legislativa de seu estado a Idade, a Escolaridade, a Religião e a Cor/Etnia. Quanto aos fatores que foram significativos, quando da análise das variáveis demográficas, os resultados apontam alta proporção da avaliação da atuação das Assembleias Legislativas como nada satisfatória ou pouco satisfatória, independentemente das variáveis consideradas.
O quadro 5, por sua vez, resume os testes de qui-quadrado realizados para a avaliação dos informantes em relação ao Congresso Nacional. Da mesma forma que nos itens anteriores, os resultados indicam que, em um nível de significância de 5 %, são preditores dos resultados de percepção dos jovens quanto à atuação do Congresso Nacional a renda familiar, a escolaridade e o local de residência. Quanto aos fatores que foram significativos, quando da análise das variáveis demográficas, os resultados apontam alta proporção da avaliação da atuação Congresso Nacional como nada satisfatória ou pouco satisfatória, independentemente das variáveis consideradas.
Em suma, os testes estatísticos mostram que as variáveis sociodemográficas não apontam diferenciações de percepções dos respondentes, demonstrando que há praticamente um consenso compartilhado entre os informantes no que se refere à avaliação negativa das instituições legislativas, nos três níveis aqui analisados. Esse consenso remete à noção de geração política, ou seja, grupos etários marcados pelos mesmos acontecimentos políticos, em um determinado contexto, o que contribui para a formação de uma consciência geracional, marcada pelo tempo social, que imprime marcas nas biografias individuais (Feixa, 2018; Roberts, 2015; Longa, 2017).
A geração política, mesmo não sendo homogênea em termos etários e sociais, constitui uma comunidade de idade ou comunidade etária, que tende a uma adesão cognitiva comum em relação à interpretação dos fatos de natureza política em razão da idade e suas consequências na vida social e na participação política (Roberts, 2015).
Conforme já mencionado, a noção de geração política implica consciência geracional e um elo entre percepção etária e sociopercepções do mundo político resultantes da socialização política (Roberts, 2015). Tais percepções são fundamentais para as respostas políticas de uma geração e seus repertórios de ação política (Boumaza, 2009). Ao aplicar tais conceitos aos dados acima apresentados, reforçamos a visão de que a noção de geração política, fruto de uma socialização política em contextos determinados, apresenta-se como contributo relevante tanto para a compreensão das percepções juvenis sobre as instituições legislativas no Brasil quanto para futuros estudos decorrentes do levantamento inicial aqui exposto.
4. Considerações finais
O estudo teve como objetivo examinar como os jovens brasileiros avaliam as instituições legislativas: as câmaras municipais, as assembleias legislativas estaduais e o Congresso Nacional. Os dados mostram que a percepção dos informantes é de descrédito generalizado, o que demonstra rejeição e reprovação das instituições legislativas e de seus representantes. Quanto maior a proximidade geográfica, menor a desaprovação, a exemplo das câmaras municipais de vereadores. Mas a causa da avaliação não pode ser tomada como a proximidade ou distância geográfica em si, mas o nível de visibilidade midiática.
Os dados mostram que a desaprovação dos jovens é maior em relação ao Congresso Nacional, pelos motivos apontados na análise. As percepções negativas dos jovens refletem a ampla disseminação social de avaliações negativas sobre o sistema representativo pela via do senso comum, o qual é socialmente (re)produzido por meio da socialização política, conforme foi abordado na primeira parte do texto. As respostas abertas dos informantes são muito elucidativas desse fenômeno de produção social da descrença política, a qual é compartilhada entre gerações. Alguns jovens escreveram que «(...) O Congresso Nacional é um clube de salafrários» ou «(...) uma cooperativa de cretinos». Outro relato expressa que «No Congresso, se gritar pega ladrão, não escapa um». Trata-se de juízos de valor de grande intensidade negativa, marcados pela generalização, ou seja, algo que se aplica a todos os parlamentares, sem exceção. Faz falta para o aprofundamento analítico a comparação com os outros estudos empíricos, mas não identificamos pesquisas específicas sobre as percepções da juventude sobre o Poder Legislativo no Brasil.
Certamente as representações negativas mais intensas no segmento juvenil são decorrentes das sucessivas ondas de escândalos de corrupção, amplamente noticiados pelas mídias, o que reforça as percepções do senso comum e fortalece um sistema de socialização política negativa. Paradoxalmente, o que se observa a partir da pesquisa é que o fenômeno geracional, considerado um fator de renovação da cultura política, no caso em exame, funciona como um fator de reprodução e manutenção da cultura política da desconfiança e do descrédito político. Mas qual seria a causa desse paradoxo? Certamente tal fenômeno decorre de um processo de socialização política fortemente influenciado pela exposição aos conteúdos midiáticos. Além disso, a convivência familiar favorece a reprodução e manutenção desse padrão de socialização política e o contexto de socialização escolar parece não contribuir para uma visão mais crítica sobre os modos como a política é representada pelas mídias.
Mesmo se tratando de um estudo exploratório, com as limitações inerentes a esse tipo de pesquisa, acreditamos que a análise aqui apresentada oferece pistas para o aprofundamento de algumas questões relativas aos modos contemporâneos de socialização das gerações mais jovens, especialmente no que se refere às visões sobre o Poder Legislativo. Faltam elementos empíricos que expliquem, por exemplo, a avaliação diferenciada das câmaras municipais e das assembleias legislativas, o que sugere ser resultado da menor exposição midiática, uma hipótese a ser testada em futuros estudos. Igualmente merece aprofundamento para avaliar como a mídia atua na formação de opiniões dos jovens particularmente no caso do Congresso Nacional.
Em relação à segunda hipótese da pesquisa, ressaltamos que os relatos dos jovens inquiridos destacam o papel da televisão, visto que se trata de segmentos juvenis que vivenciaram a força da programação televisa, sendo a relevância das mídias digitais um aspecto do contexto mais recente. Por outro lado, é sabido que, mesmo no contexto atual, grande parte dos conteúdos políticos que circulam nas mídias sociais são oriundos da televisão, visto que as redes sociais atuam principalmente na (re)circulação de opiniões e informações e não necessariamente como produtoras de conteúdos primários.
Reiteramos a necessidade de estudos mais pormenorizados para avaliar as possíveis distinções quanto à reputação das instituições legislativas situadas no âmbito local em relação ao Congresso Nacional. Igualmente, reconhecemos que é preciso aprofundar possíveis dados futuros à luz dos estudos sobre geração política. Apesar de se tratar de jovens socializados politicamente no contexto da redemocratização brasileira, a noção de geração democrata, nos termos de Florentino (2008) pareceu menos relevante como contributo teórico do que o conceito de geração política.
Nesse sentido, mais do que a redemocratização, as sucessivas denúncias de escândalos políticos pelas mídias, envolvendo parlamentares, parece ter exercido mais influência na percepção negativa dos jovens consultados para o estudo aqui apresentado. Assim, a suposta geração democrata constitui mais fortemente uma configuração típica de uma geração política cuja socialização foi predominantemente midiatizada, elemento que parece decisivo na conformação de sua identidade geracional (Bertolazzo, 2016). Em resumo, trata-se de uma geração que teve sua mentalidade e suas percepções sobre política moldadas pela midiatização dos sucessivos escândalos políticos que ocorreram no Brasil durante as primeiras décadas da redemocratização, com forte atuação da TV como agente de socialização política. Aqui, mais uma vez, percebe-se conexões com os pressupostos da segunda hipótese da pesquisa, anteriormente explicitada.