Introdução
O idoso é a parcela da população cada vez mais representativa numericamente. O número de idosos no mundo cresce acentuadamente rápido e, por conseguinte, é a faixa etária que mais se desenvolve em relação às demais (crianças, jovens e adultos), portanto o envelhecimento deixa de ser uma preocupação de esfera privada e familiar e ganha relevância nas discussões das preocupações sociais na atualidade.
Em uma perspectiva sociológica, envelhecer envolve aspectos culturais, econômicos e sociais. Tendo por base uma visão antropológica, a velhice não é compreendida como uma categoria natural e sim uma categoria socialmente produzida. O envelhecimento é um fenômeno universal e natural, porém as formas como se vivencia esse processo depende do contexto histórico que o indivíduo esta vivendo, da cultura que está inserido e da forma como se percebe em meio a estas questões.
Ao longo dos anos a sexualidade na velhice vem despertando interesse de pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento. A literatura atual tem evidenciado que não existem razões fisiológicas que impeçam as pessoas idosas, em condições satisfatórias de saúde, de ostentar uma vida sexual. A sexualidade vem sendo discutida nos últimos tempos como peça fundamental do envelhecimento ativo, a prática do sexo é reconhecida como benéfica para o envelhecimento bem sucedido, porém quando trata-se da sexualidade de idosos com um recorte específico, o público LGBT, que entende-se os sujeitos que se identificam Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, esse debate é permeado de estigmas e preconceitos (Lemos, 2015; Santos, Carlos, Araújo, & Negreiros, 2017).
Este artigo tem como objetivo principal em realizar uma discussão mais aprofundada sobre a sexualidade na velhice com ênfase no envelhecimento LGBT, com o propósito de compreender essa construção na sociedade, pois, entender a velhice e a homossexualidade dissociados já é algo intricado, quando unidos então, torna-se algo que traz muitas dúvidas e inquietações (Lemos, 2015). Portanto, o envelhecimento LGBT é um aspecto que precisa ser discutido, buscando compreender a diversidade de contextos que se entrelaçam, que são vivenciados pelas mais diferentes pessoas, de diferentes idades e culturas. É preciso conhecer mais sobre esse público para que se possa desenvolver políticas para uma melhor qualidade de vida desses idosos, bem como assegurar-lhes seus direitos e deveres.
A velhice e o envelhecimento: uma abordagem psicossocial
Segundo dados de projeções das Nações Unidas, uma em cada 9 pessoas do mundo tem 60 anos ou mais, e estima-se um crescimento para 1 em cada 5 por volta de 2050, que pela primeira vez, haverá mais idosos que crianças menores de 15 anos e atingirá a marca de 2 bilhões de pessoas ou 22% da população global . No Brasil, a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015) ponta para o real envelhecimento de sua população, chegando ao marco de 26,3 milhões de brasileiros com mais de 60 anos.
O processo de envelhecimento provoca diversas alterações no indivíduo no decorrer de sua vida, alterações estas que provocam mudanças corporais, psicológicas e sociais. Para (Rougemont, 2016), a velhice é estabelecida através de diversos critérios que são remodelados de acordo com o momento e o lugar, sendo absorvido de formas particulares, conforme a conjuntura vivenciada e as pessoas implicadas.
A velhice é compreendida como fenômeno natural e social que se desenrola sobre o ser humano, único, indivisível, que na sua totalidade existencial, defronta-se com problemas e limitações de ordem biológica, econômica e sociocultural que singularizam seu processo de envelhecimento. (Siqueira, Botelho, & Coelho, 2002, p. 904).
Desta forma, (Debert, 1999) argumenta que cada sociedade se organiza em categorias e grupos de idade e dessa forma podem gerir seus recursos políticos e compreender as representações sociais, ou seja, divisão pela idade como uma necessidade social de classificação. A periodização da vida se dá por um processo cultural, ou seja, não são iguais em todas as sociedades, são elaborados simbolicamente através de rituais que demarcam as fronteiras de idade atravessadas pelos indivíduos. “Categorias e grupos de idade são elementos privilegiados para dar conta da plasticidade cultural e também das transformações históricas”. (Debert, 1999, p. 40).
Ao citar as divisões por idade, (Bourdieu, 1983) por sua vez afirma que é dever do sociólogo ressaltar que elas são uma criação arbitrária, pois quando os indivíduos são enquadrados nestas categorias, elas não são as mesmas em todas as sociedades, ou seja, elas representam uma realidade social específica, estabelecem direitos e deveres diferentes em cada grupo, determinando o contato entre as gerações e direcionando as relações de poder. Essas categorias são importantes para manter ou modificar a posição dos indivíduos em seu espaço social de convivência. A idade cronológica não é o único demarcador importante na vida dos idosos, eventos relacionados a momentos em família ou relacionados a transformações mais gerais também são considerados marcos importantes para mudanças na vida (Debert, 1999).
Nas representações da sociedade, o envelhecimento está atrelado a varias perdas como por exemplo da autonomia, a debilidade física, o adoecimento, a incapacidade laboral, fase da vida que aspira cuidados, fardo para os mais jovens (Araújo, 2016). Sendo assim, estar velho é sinônimo de feiúra, marcada pela ausência de possibilidades afetivo-sexuais e proximidade com a morte. Essa estigmatização do idoso serve como base para estes estereótipos negativos que padronizam o sujeito.
Na sociedade contemporânea, o corpo ocupa um lugar de destaque, principalmente o corpo robusto, ativo e sexualizado. A chegada da velhice traz consigo um incômodo, pois o corpo de outrora já não responde como esperado, o indivíduo percebe que junto às rugas na pele e aos cabelos brancos chegam múltiplos desafios, como as alterações fisiológicas, que tornam o organismo mais suscetível às doenças e às alterações psicológicas, que podem demandar o medo, a depressão e o isolamento social. Esse quadro geralmente dificulta a aceitação do envelhecimento e ainda é agravado pelos mitos e estereótipos relacionados à velhice.
Velhice e Sexualidade: Um conexão possível?
A sexualidade não se resume somente ao ato sexual em si, trata-se de um misto de prazer, cumplicidade e amor entre duas pessoas, como forma de conhecimento de seu corpo e do outro. Dependendo da forma como a velhice é encarada e das alterações que ela pode acarretar em vários aspectos da vida, o sexo nessa fase pode sim proporcionar liberdade e promover prazer. Para isso, faz-se necessário que o idoso muitas utilize a criatividade para alcançar novas formas de satisfação.
Em um sentido mais amplo, a sexualidade não abrange somente as questões fisiológicas, ela é concebida como um elemento que dá sentido e significado à existência humana (Fernandez & Paniagua, 2007). Ocupa-se de um curso natural do desenvolvimento humano e atende a uma necessidade fisiológica e emocional diferenciada em cada etapa do curso da vida. Objetiva o bem-estar, o prazer, a autoestima e a procura de uma relação íntima (Soutto Mayor, Antunes, & Almeida, 2009). A sexualidade é um produto histórico, portanto é no contexto da cultura e da historia que se define as identidades, visto que “ela é uma invenção social, uma vez que se constitui, historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre o sexo” (Louro, 2010, p. 11).
A sexualidade não finda com o processo do envelhecimento, apesar do declínio físico e da diminuição da freqüência da atividade sexual, estudo gerontológicos reconhecem que esse declínio é substituído por uma ampliação na intensidade do prazer. Muitos dos mitos que se percebe com relação ao idoso e sua sexualidade é que o mesmo não pode mais vivenciar esta sexualidade, como se o envelhecimento carregasse consigo o desinteresse pela vida e a sexualidade fosse algo somente para jovens. Apesar da sexualidade não estar relacionada com idade, estudos apontam que o envelhecimento favorece uma atividade sexual mais satisfatória, permitindo que a identidade dos cônjuges seja reafirmada, pois acabam oferecendo aos seus companheiros algo que o agrada e o satisfaz, não preocupando-se mais com um bom desempenho físico e virilidade, e sim satisfação e prazer do casal.
Para que essa realidade ocorra se faz necessário um processo que (Debert & Brigeiro, 2012) intitulam de “desgenitalização da sexualidade”, instigando os indivíduos a reconhecer novos pontos de prazer em seus corpos, principalmente no caso dos homens que tem sua sexualidade vinculada a ereção. Da mesma forma as mulheres, que muitas vezes precisam libertar-se das amarras morais a que foram submetidas durante sua experiência da sexualidade, estimulando-as a auto-realização e desvinculação da obrigatoriedade de oferecer prazer ao marido a qualquer custo, bem como libertar-se das obrigatoriedades com os filhos e assumir enfim sua vontade por uma vida sexual ativa. Nesta discussão, é importante ressaltar que o interesse sexual e atividade sexual se fazem presentes por toda a vida, negando assim a idéia de uma velhice “assexuada”.
Em uma pesquisa sobre representações sociais da sexualidade na velhice com idosos de um grupo de convivência, (Vieira, Coutinho, & Saraiva, 2016) discutem a sexualidade como parte essencial da vida dos idosos, sendo relevante compreender como estes idosos a entendem e vivenciam. Relatam que as representações sociais desses idosos sobre a sexualidade estão ancoradas no carinho, cumplicidade, intimidade e ato sexual, bem como na dicotomia jovem versus idoso, corpo envelhecido versus interesse e motivação para o sexo. Não entendem a sexualidade como algo limitado e sim como um processo complexo que pode ser ressignificado com a chegada da velhice.
Ainda referindo-se ao estudo de (Vieira, Coutinho, & Saraiva, 2016), de maneira geral os idosos aceitam a sexualidade na velhice embora reconheçam algumas limitações nas práticas sexuais por conta de alterações fisiológicas e as vezes patológicas. Percebem os estereótipos negativos socialmente vinculados a prática sexual dos idosos, mas por outro lado, também demonstram falta de necessidade do sexo (representação mais freqüente no público feminino), que corrobora com os estudos de (Frugoli & Magalhães-Junior, 2011) que afirma que esse comportamento é “reflexos de uma educação repressora recebida no passado, que fez com que elas não usufruíssem de sua sexualidade nesse momento da vida” (Frugoli & Magalhães-Junior, 2011).
Apesar da vasta experiência e dos longos anos vividos, faz-se necessário discutir com os idosos temas como a educação sexual. Em seu estudo com um grupo de idosas (Frugoli & Magalhães-Junior, 2011) observou a necessidade de debater questões sobre as mudanças que ocorrem em relação ao corpo, doenças sexualmente transmissíveis (DST) como por exemplo a AIDS, métodos preventivos e possibilidades de ter uma visa saudável e com qualidade de vida nessa faixa etária. “O fato das mulheres mais idosas não adotarem medidas de prevenção reside na questão cultural. Elas não foram educadas para o uso de preservativos, haja vista ser conhecido apenas como um método contraceptivo e não como preventivo” (Frugoli & Magalhães-Junior, 2011).
Nas discussões sobre sexualidade do idoso emergem vários aspectos interessantes e dentre eles as particularidades sobre gênero. A ausência de alusão à homossexualidade dos idosos é nítida. Em seu artigo (Debert & Brigeiro, 2012) ressaltam que a maioria das discussões sobre sexualidade do idoso é em um viés heteronormativo. “Toda a descrição da fisiologia sexual, das dinâmicas de conjugalidade no curso da vida, e as argumentações sobre as formas de experimentar a sexualidade são condizentes com a gramática heterossexual”. (Debert & Brigeiro, 2012, p. 41).
Velhice LGBT: aspectos psicossociais
O sujeito é composto de múltiplas e distintas identidades, que são formadas pelo convívio social, pelas redes de poder de uma sociedade, ou seja, através de suas relações com as instituições ou grupos sociais. Para a compreensão da formação do indivíduo, é fundamental conhecer os momentos históricos vivenciados e os papeis sociais desempenhados, pois fatores culturais e atributos pessoais influenciam no envelhecimento e essas construções individuais influenciam no bem estar, relacionamento social e familiar. (Fredriksen-Goldsen, Hoy-Ellis, Muraco, Goldsen, & Kim, 2015; Orel & Fruhauf, 2015).
Reconhece-se numa identidade é assumir o sentimento de pertencimento a um grupo social de referência. Dentre as várias identidades assumidas pelos indivíduos pode-se citar as identidades sexuais e de gênero, que são alvo de estudiosos no sentido de compreendê-las e distingui-las. Dessa forma, se faz necessário deixar claro a diferenciação entre orientação sexual e identidade de gênero. Por orientação sexual entende-se a “capacidade de cada pessoa de se relacionar afetiva, emocional ou sexualmente com outros indivíduos do mesmo gênero, de outro gênero ou com os dois gêneros” (Neto, 2015, p. 32). Já identidade de gênero, segundo o Manual de Comunicação LGBT elaborado pela Associação Brasileira LGBT é “a percepção que uma pessoa tem de si como sendo do gênero masculino, feminino ou de alguma combinação dos dois, independente do sexo biológico. Trata-se da convicção íntima de uma pessoa ser do gênero masculino ou do gênero feminino” (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), 2010, p. 16).
Nos últimos anos o público LGBT tem sido alvo de interesse da sociedade como um todo. Vários seguimentos como a mídia, as pesquisas acadêmicas, as instituições religiosas, familiares e escolares tem discutido essa temática. Como citado em outros momentos, esse debate é permeado de estigmas e preconceitos. Falar de LGBT é romper com alguns padrões, seja sobre o conceito de gênero, de diversidade, estéticos e até mesmo de atitudes. É trazer para o âmbito das preocupações as questões que envolvem a categoria identidade, pois “revelam um campo multifacetado, permeado de tendências que expressam confluências entre elas, mas que descortinam dissonâncias no modo como aparecem” (Barros Júnior, 2007, p. 92). A denominação LGBT se apresenta em um caráter homogeneizante, mas não se pode perder de vista que “a experiência sexual é plural e deságua em campos identitários diversos” (Mota, 2014, p. 26), ou seja, as diferenças de classificação elaboradas pela sociedade iguala os indivíduos perante a lei, mas ao mesmo tempo deve levar em consideração o caráter múltiplo e heterogêneo.
Ao discutir a nomenclatura classificatória da prática erótica e sexual do indivíduo, (Brym, Lins Hamli, Lie, Mutzenberg, & Veras Soares, 2016) ressaltando uma parcela da sociedade que não se enquadra nas normas de gênero convencionais. De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos que faz menção a liberdade que todo ser humano tem de conduzir sua trajetória de vida e ser respeitado perante suas escolhas, observa-se um avanço da sociedade voltado para o respeito das diferenças entre os indivíduos, e por conseguinte o indivíduo LGBT.
Lésbicas são mulheres que se relacionam afetivo-sexualmente com outras mulheres; Gays são homens que se relacionam afetivo-sexualmente com outros homens; Bissexuais são pessoas que se relacionam afetivo-sexualmente com outras pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto; Travestis são pessoas que nascem com um sexo biológico, fazem modificação no próprio corpo e desejam apresentar-se com características do sexo oposto ao do nascimento; Transexuais são pessoas que nascem com um sexo biológico e, na maioria das vezes, desejam a readequação corporal através de procedimentos cirúrgicos (Araújo, 2012, p. 14).
Com relação aos sujeitos que se percebem LGBT, os homossexuais são os que mais se pode perceber no decorrer da história e sempre se fez presente em todas as sociedades. Rebuscando um pouco sobre a história vemos que na Grécia Antiga o amor entre pessoas do mesmo sexo era tão comum que não havia nenhum tipo de diferenciação por classe, a homossexualidade era até então encorajada. Com o desenvolvimento das sociedades e com o aparecimentos de algumas doenças a homossexualidade passa a ser perseguida e considerada um tabu sexual.
Muitas lutas já foram travadas em defesa dos direitos das pessoas LGBT, sendo a Rebelião de Stonewall um marco que levou o movimento moderno LGBT à luta pelos seus direitos. Essa rebelião se deu devido a invasão da polícia ao bar Stonewall Inn, localizado em Manhattan, em Nova York, nos Estados Unidos onde houve um massacre aos freqüentadores do local, geralmente gays, lésbicas drag queens e transgêneros. Desde então várias organizações foram surgindo até que em 1970 aconteceu a 1ª Marcha do Orgulho gay em Nova York.
No Brasil, os movimentos pelas garantias de direitos das pessoas LGBT teve início na década de 1960, ganhando visibilidade devido as resistências nos embates com o Regime Militar, que perseguia e massacrava os homossexuais, os negros, as mulheres, estudantes e outros. Atrelado a esse movimento observa-se o debate através das artes, literatura e música, propiciando o desenvolvimento de espaços urbanos que contribuíram para a expressão LGBT. Na década de 1980, o movimento levanta a bandeira como um “estilo de vida”. Já na década de 1990, novas considerações no campo da sociologia foram feitas, emergindo críticas ao sufixo “ismo” que remetia a doença e patologia, substituindo o termo homossexualismo por homossexualidade e ao mesmo tempo explode a epidemia de AIDS, que ficou conhecida como “peste gay”. Novos espaços foram surgindo e as “homossexualidades” foram aflorando, de uma forma que melhor se adequasse seus estilos de vida.
A experiência LGBT é considerada como uma construção social e não uma escolha como muitos tendem a defini-la. De acordo com (Mota, 2014), é uma ação consciente do sujeito no seu espaço social, que ele o faz através de lembranças, sentimentos, atividades, sociabilidades e práticas sexuais em uma sociedade onde o jovem, o individual e a norma heterossexual são valorizados. Não é inerente ao indivíduo visto que ela é construída, modificada e transformada com base nas experiências sociossexuais e afetivas do sujeito no curso da vida.
Ao passo que se reconhece a multiplicidade das identidades, pode-se também observar a atribuição de diferenças, de desigualdades, de hierarquias, que está fortemente relacionado a relações de poder em uma sociedade. O exercício de reconhecer o outro que não partilha dos atributos que possuímos, depende do lugar que ocupamos (Louro, 2010). A partir daí, a sociedade constrói demarcadores que representam a “norma” (que estão em consonância com os padrões estipulados culturalmente) e os que ficam “fora dela”, à margem. Quando se classifica os indivíduos, a sociedade produz rótulos.
Sem perceber, os indivíduos se enquadram a padrões ditados socialmente, sendo esses padrões limitadores, que por sua vez se forem negados geram opressão e exclusão, bem como se tornam naturalizados. Na esfera da sexualidade essas práticas funcionam como referência para todos os sujeitos, apontando que uma das práticas é generalizada e naturalizada e funciona como referência dentro campo.
Em nossa sociedade a heterossexualidade é entendida como natural, universal, normal, e por consequência a homossexualidade, a bissexualidade, a transexualidade são entendidas como antinatural, peculiar e anormal. A produção da heteronormatividade é acompanhada pela rejeição de outras formas de expressão da sexualidade, sendo essa rejeição muitas vezes expressa pela homofobia, os indivíduos passam a ser estigmatizados e constrangidos. A busca para satisfazer seus desejos, atrai muitas vezes as pessoas LGBT para relacionamentos às escondidas e o expõe a situações de tomada de decisão, sair ou não do “armário”, tendo então que assumir um posicionamento frente a heterossexualidade e forçando seu grupo social a aceitá-lo com tolerância. Ao assumir esse posicionamento, eles afirmam seus direitos frente a heteronormatividade e passam a ter mais espaço nas lutas pela diversidade sexual, cidadania, políticas públicas e direitos humanos (Araújo & Fernández-Rouco, 2016; Mota, 2014).
Apesar de pouco abordado, já se encontram estudos acerca da velhice LGBT (Lemos, 2015). Busca-se estudar a diversidade de contextos que se entrelaçam, vivenciados pelas mais diferentes pessoas, diversificados, as minorias. No discurso da velhice LGBT, busca-se abordar questões como mitos e estereótipos sobre homens e mulheres LGBT mais velhos, bem como sobre suas famílias, os mesmos evitam buscar serviços sociais e de saúde por medo de preconceito (Marques & Sousa, 2016). A discriminação, a vitimização e o estigma internalizado por idosos LGBT são fatores significativos para problemas de saúde mental que possam vir a surgir (Orel & Fruhauf, 2015).
Na construção do imaginário social sobre o público LGBT, há um cruzamento entre as várias identidades sociais produtoras de diferenças, tais como sexo, gênero, raça e classe. Tudo isso implica na construção de desigualdades, de hierarquias, que está diretamente ligado a teia de poder de uma sociedade. A partir do reconhecimento do outro segundo (Louro, 2010), como não possuidor dos mesmos atributos da maioria, é que são construídos os demarcadores das fronteiras entre os que representam a norma (que estão em consenso com os padrões culturais) e aqueles que não se enquadram nela, que ficam à margem.
Desta forma, é devido a essa demarcação de gênero que as pessoas LGBT são reconhecidas como transgressores do padrão vigente e da norma, e quando atrelado a questões de geração aumenta ainda mais o estigma, já que suas trajetórias de vida fogem da regra heteronormativa.
O envelhecimento da população brasileira e mundial é uma realidade consolidada e neste contexto, conseqüentemente observa- se um aumento da população Idosa LGBT. A população formada por lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros vem crescendo nos últimos anos segundo (Kimmel, 2015) devido maior acesso a serviços de saúde e redução da mortalidade na infância e vida adulta. É crescente o número de pessoas que se identificam como LGBT, isso pode ser uma conseqüência do reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ao traçar um paralelo entre o número de idosos em geral (Orel & Fruhauf, 2015) destacam que o número de idosos LGBT vêm aumentando gradativamente nos Estados Unidos e sugere que em 2050 haverá uma maior possibilidade de obter dados estatísticos mais precisos sobre os idosos LGBT, isso porque as atitudes homofóbicas existentes na sociedade que desencorajaram muitos idosos LGBT a “sair” do armário e participarem de pesquisas não serão mais prevalecentes, deixando de ser invisível portanto, esse grupo minoritário.
No Brasil, dados do IBGE (2015) apresentam informações de casais homoafetivos desde o Censo Demográfico de 2010, que identificou 60 mil casais homoafetivos vivendo juntos no país. Em 2013, com o reconhecimento do casamento civil ou de união estável entre pessoas do mesmo sexo, registrou-se 3.701 casamentos homoafetivos. No ano de 2015, o Brasil registrou 1.137.321 casamentos civis, o que representou um aumento de 2,8% em relação a 2014. Os casamentos entre cônjuges de diferentes sexos tiveram um aumento de 2,7% em 2015 em relação a 2014, ao mesmo tempo que os de cônjuges do mesmo sexo cresceram 15,7%, representando 0,5% do total de casamentos registrados.
Ao versar sobre a velhice LGBT vários pontos chamam atenção para discussão, o primeiro deles é sobre o momento de se assumir, “sair do armário”. Esse momento de se assumir vem permeado de dor, mágoas, lutas e separações, primeiramente por conta das angústias geradas na sua própria aceitação e posteriormente pelo receio de assumir perante a família e uma sociedade que segrega de alguma forma aqueles que assumem a homossexualidade na velhice. Da mesma forma que outras classe sociais adotam estilos de vida, e aqui faço referência a (Bourdieu, 1983) que define estilo de vida como diferentes posições do indivíduo no espaço social, sendo produto de um mesmo operador simbólico, o habitus, os idosos LGBT também se identificam com grupos que investem em determinadas características sociais e culturais, e aqui vale ressaltar a necessidade que eles apresentam de criação de espaços de homossociabilidade visto que além dos poucos lugares direcionados para esse público, sofrem o estigma da invisibilidade, pois não são percebidos por sua identidade sexual nos espaços públicos.
A insistente invisibilidade que essa categoria sofre com relação aos estudos desenvolvidos por geriatras e gerontólogos deságua na vitimização subjetiva e o isolamento do gay velho, devido o caráter transitórios de suas relações, a supervalorização da juventude e o desligamento da família de origem, que é substituída por amigos ou pessoas que os aceitem incondicionalmente. Ressalta-se a necessidade de políticas públicas voltadas para a diversidade, capacitando os profissionais que atuam diretamente com esse público, corroborando assim para a qualidade de vida do idoso e suas particularidades sociossexuais.
Em sua pesquisa com homens homossexuais (Mota, 2014) busca compreender a individualidade dos idosos homossexuais levando em consideração suas conexões sociais. Traz a tona o sentimento que seus entrevistados relatavam de ter que manter suas relações na clandestinidade, no sigilo e anonimato, sendo na grande maioria das vezes obrigados a manter relações com mulheres na tentativa de esconder a homossexualidade. A representação que seus entrevistados tinham sobre a velhice homossexual não é de esvaziamento de planos para o futuro e sim de possibilidade de realização de projetos de vida que até então não tinha sido possível realizar. Por fim, falam da necessidade de adaptações na vida íntima sexual, devido limitações que o corpo apresenta, como a debilidade da saúde, dificuldade de ereção, falta de atratividade estética do corpo maduro, bem como também devido a relacionamento com rapazes mais jovens, viris e insaciáveis. Alguns revelaram ser soropositivos, passando assim a abster-se da relação sexual de penetração e buscando novas formas de viver essa sexualidade.
Uma tônica que deve ser considerada segundo (Fredriksen-Goldsen et al., 2015) é que os idosos LGBT de hoje (50-69 anos) são membros das gerações silenciosas, época em que o relacionamento de pessoas do mesmo sexo era criminalizado e as identidades eram severamente estigmatizadas, por conseqüência eram socialmente invisíveis. Os estigmas sofridos por estes indivíduos eram resguardados por leis que criminalizavam os homossexuais, bissexuais e travestis, bem como os diagnósticos médicos que afirmavam que uma orientação para o mesmo sexo era uma doença. Essa patologização e criminalização da identidade com o mesmo sexo limita a agencia dos indivíduos LGBT na tomada de decisões (Fredriksen-Goldsen et al., 2015).
Desta forma, percebe-se um grande desafio para o idoso LGBT, visto que a velhice já é estigmatizada por si só, e quando atada a este público, sofrem duplo estigma, o agravo da idade e a sexualidade desviante. Neste sentido, dizeres como “bicha velha”, “sapatão”, “coroa assanhado”, “traveco” revelam a evidência do preconceito, em que nas representações sociais da população a velhice LGBT reflete solidão, dificuldade e mitos que perpetuam na sociedade.
Considerações Finais
Este artigo retomou a discussão sobre sexualidade na velhice, porém com a intenção de discutir o processo de envelhecimento da pessoa LGBT, fazendo uma relação com a sociologia, perpassando desde as dificuldades encontradas por este público no decorrer da história às conquistas alcançadas, como por exemplo o casamento homoafetivo. Ressalta-se que ainda há dificuldades encontradas para a discussão dessa temática, pois mesmo com o avanço nas pesquisas com este grupo de idosos, contudo ainda são escassas as publicações na área, motivo pelo qual buscou-se fazer essa exposição.
São muitos os desafios do envelhecimento populacional, que perpassa desde a aceitação da condição de idoso, superação da visão da velhice como uma etapa de declínio e perdas, relevância de compreender a sexualidade como necessária para qualidade de vida, desenvolvimento de políticas voltadas para esse público até a promoção da autonomia desses indivíduos.
Os estereótipos negativos da sociedade frente a velhice LGBT ainda se fazem presentes de uma forma bastante peculiar. A qualidade da vida sexual do idoso é comprometida devido a falta de informação e o preconceito da sociedade. O idoso é cada vez mais inferiorizado devido regras e normas sociais que definem que as pessoas envelhecidas são excluídas da sexualidade. Os idosos LGBT têm receio de assumir sua sexualidade por medo de rejeição ou perseguição.
As variações de expressão da sexualidade do idoso, incluídas as que se relacionam com o curso da vida, e determinadas proposições sobre os significados sociais e subjetivos da sexualidade são um campo fértil para estudos, tanto no que se refere a como os idosos LGBT se percebem quanto, sobre o conhecimento elaborado e participado da sociedade sobre eles na velhice. As lutas para se assumir servem de balizamento para gerações futuras.
Por fim, ressalta-se a necessidade de redefinir alguns conceitos que são relacionados a identidades, gênero e geração, pois novas configurações sociais vêm se apresentando na contemporaneidade e se faz necessário a inclusão de todos, independente de gênero, sexo, cor, raça ou idade. Com este estudo, espera-se contribuir para uma melhor entendimento do público LGBT e com isso espera-se que futuras investigações sejam realizadas no intuito de avaliar a qualidade de vida dos idosos LGBT, principalamente após essas duas ultimas décadas, que foram intensas na luta por reconhecimento e conquista de alguns direitos e deveres do cidadão LGBT.