SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 número3La caballerosidad como mediador entre el autoritarismo y los roles de géneroPropiedades psicométricas del Parental Bonding Instrument (PBI) en jóvenes universitarios ecuatorianos índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Links relacionados

Compartir


Psicología, Conocimiento y Sociedad

versión On-line ISSN 1688-7026

Psicol. Conoc. Soc. vol.10 no.3 Montevideo  2020  Epub 01-Dic-2020

https://doi.org/10.26864/pcs.v10.n3.4 

Trabajos originales

Acolhimento institucional de crianças: avaliação da estrutura física, do funcionamento e da equipe de profissionais

Acogimiento institucional de niños: evaluación de estructura física, funcionamiento y equipo de profesionales

Institutional care of children: evaluation of physical structure, functioning and team of professionals

Patrícia Nunes da Fonseca1 
http://orcid.org/0000-0002-6322-6336

Andréa Bezerra de Albuquerque1 
http://orcid.org/0000-0002-9785-9668

Bruna Lourenço de Lima1 
http://orcid.org/0000-0001-7966-3226

Jérssia Laís Fonseca dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0002-3743-7877

José Farias de Souza Filho2 
http://orcid.org/0000-0001-6246-5231

1Universidade Federal da Paraíba, Brasil

2Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado da Paraíba, Brasil Autor referente: jerssyafonseca@hotmail.com


Resumo:

No Brasil, cerca de trinta e cinco mil crianças e adolescentes estão em instituições de acolhimento por se encontrarem em estado de vulnerabilidade, o que revela a dimensão do problema social. Diante desta realidade, o presente estudo teve como objetivo geral investigar em que medida uma instituição de acolhimento oferece ambiente e equipe de profissionais que atendam aos padrões estabelecidos pela legislação pertinente. Participaram dez funcionários de uma casa de acolhimento que responderam a uma entrevista estruturada. Através de observação foi preenchido um questionário acerca da estrutura física e da rotina de funcionamento da instituição. Os resultados revelaram que a instituição de acolhimento não apresentava estrutura física totalmente adequada às necessidades das crianças e os educadores não estavam capacitados para a oferta do serviço a que se propunham. Conclui-se que há necessidade de maior fiscalização destas instituições por órgãos competentes e de estudos que promovam garantia dos direitos fundamentais e melhor qualidade de vida às crianças acolhidas.

Palavras-chave: Crianças; vulnerabilidade; acolhimento institucional; profissionais

Resumen:

En Brasil, aproximadamente treinta y cinco mil niños y adolescentes están en instituciones de acogida porque se encuentran en un estado de vulnerabilidad, lo que revela un problema de dimensión social. Dada esta realidad, el presente estudio tuvo como objetivo investigar en qué medida una institución de acogimiento ofrece entorno y equipo de profesionales que cumplan con los estándares establecidos por la legislación pertinente. Diez empleados de una casa de acogimiento participaron y respondieron a una entrevista estructurada. A partir de la observación, se completó un cuestionario sobre la estructura física y la rutina operativa de la institución. Los resultados revelaron que la institución de acogimiento no tenía una estructura física totalmente adecuada a las necesidades de los niños y que los educadores no estaban capacitados para ofrecer el servicio que proponían. Se concluye que existe una necesidad de mayor inspección de estas instituciones por parte de los órganos competentes y el desarrollo de estudios que promuevan la garantía de los derechos fundamentales y una mejor calidad de vida para los niños que son acogidos.

Palabras clave: Niños; vulnerabilidad; amparo institucional; profesionales

Abstract:

In Brazil, about thirty-five thousand children and adolescents are in host institutions because they are in a state of vulnerability, which reveals the dimension of the social problem. Given this reality, the present study aimed to investigate the extent to which a host institution offers an environment and a team of professionals that meet the standards established by the relevant legislation. Ten employees from a host house participated and responded to a structured interview. Through observation, a questionnaire was filled out about the institution's physical structure and functioning routine. The results revealed that the host institution did not have physical structure totally adequate to the needs of the children and the educators were not trained to offer the service they were proposing. It is concluded that there is a need for greater inspection of these institutions by competent bodies and studies that promote the guarantee of fundamental rights and a better quality of life for the children who are taken in.

Keywords: Children; vulnerability; host institution; professionals

A proteção integral é direito fundamental da criança e do adolescente, no Brasil, por força impositiva da Constituição da República (Brasil, 1988), disciplinada pela Lei nº 8.069, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990). Tem por objetivo, dentre outros, garantir que os direitos da criança ou do adolescente, pessoas de zero a dezoito anos incompletos, não sejam ameaçados ou violados por ação ou omissão da família, da sociedade ou do Estado, ou em consequência da própria conduta da pessoa protegida.

As medidas de proteção se encontram elencadas no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), e foram readequadas pela Lei nº 12.010 (Brasil, 2009a), com a instituição de dois programas, acolhimento institucional e acolhimento familiar, em substituição aos programas anteriores de abrigo em entidades e colocação em família substituta.

O acolhimento institucional, regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil,1990), é uma medida provisória e excepcional, adotada pelo Sistema de Justiça brasileiro como instrumento para garantir o respeito, pela família, pela sociedade e pelo Poder Público, aos direitos da criança e do adolescente. Nestes casos, a pessoa é afastada de seu convívio familiar e colocada sob a tutela do Estado. Inicialmente, é utilizada de modo transitório, até que haja a possibilidade de reintegrá-la à família; caso não seja possível, a criança ou o adolescente poderá ser incluído em programa de acolhimento familiar.

Devido a relevância na execução das medidas de proteção, as instituições de acolhimento devem respeitar as ações e os procedimentos estabelecidos pelo Ministério de Desenvolvimento Social (Brasil, 2009b) em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e outras instituições.

O problema que se apresenta neste estudo é quanto à adequação dessas instituições de acolhimento às normas legais e regulamentares de organização e funcionamento, de modo a garantir a efetiva proteção integral das crianças e dos adolescentes. Nesta perspectiva, o presente estudo foi desenvolvido e teve como objetivo investigar em que medida uma instituição de acolhimento oferece um ambiente (estrutura física, funcionamento) e uma equipe de profissionais que atendam aos padrões estabelecidos pela legislação; de forma específica, buscou-se conhecer a estrutura e o funcionamento de uma instituição de acolhimento em uma capital nordestina; e averiguar o perfil dos profissionais que atuam na instituição.

Acolhimento Institucional: proteção e reintegração familiar

Ao longo do tempo, as instituições de acolhimento assumiram diversas denominações: inicialmente, sob a égide do antigo e revogado “Código de Menores”, foram chamadas de orfanato ou internato. A partir de 1990, com a substituição do “Código de Menores” pelo ECA (Brasil, 1990), foram formuladas políticas de atendimento, que garantiam a dignidade de crianças e adolescentes, dentre elas, a Política de Proteção Especial. Esta é uma forma de atendimento assistencial oferecida a pessoas que se encontram em situação de risco, abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, dentre outras.

A depender do impacto das situações de risco na vida do indivíduo ou da família, há uma hierarquização dos serviços de proteção que, de acordo com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) estão divididos em Básico, Especial de Média e Alta complexidade. Segundo o ECA (Brasil, 1990), o acolhimento institucional está classificado como um serviço de “Proteção Social Especial de Alta Complexidade” porque garante a proteção integral (moradia, alimentação, higienização, segurança, educação, saúde) para crianças e adolescentes em situação de ameaça, negligência ou violência. Nestes casos, há necessidade urgente do indivíduo ser retirado de seu núcleo familiar para garantir sua integridade física e psíquica, ao mesmo tempo, que assegura o direito da manutenção dos vínculos familiares e/ou comunitários da criança e do adolescente. Passada a situação de risco, a criança ou adolescente poderá ser reintegrado a sua família de origem.

O serviço de acolhimento institucional está sob o encargo do município, pois esse assume parcela considerável do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, e, portanto, maior responsabilidade sobre as políticas para o público infanto-juvenil. Para adequação dos serviços de acolhimento institucional, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) juntamente com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) estabeleceram, em 2009, um documento denominado Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (Brasil, 2009b). Dentre estas orientações destacam-se:

  • a) ter no máximo quatro crianças ou adolescentes por quarto; b) ter uma sala de estar que contenha espaço suficiente para acomodar a todos; c) dispor de um banheiro para cada seis pessoas, tendo, no mínimo, um adaptado para pessoas com necessidades especiais.

Com relação à equipe profissional, as Orientações Técnicas (Brasil, 2009b) exigem que a instituição de acolhimento disponha de:

  • a) coordenador com formação superior e experiência congênere; b) equipe técnica com formação superior e com experiência no atendimento de crianças e adolescentes em situações de risco; c) educadores/cuidadores com formação mínima de nível médio e capacitação específica, ocupando um profissional para cada dez crianças ou adolescentes; d) auxiliares de educador/cuidador com, no mínimo, Ensino Fundamental e capacitação específica, além de experiência em trabalho com crianças e adolescentes.

As entidades que prestam serviços de acolhimento institucional são instituições organizadas e planejadas no modelo de casa de passagem, casa-lar ou de república, responsáveis por executar as medidas de proteção para crianças e adolescentes em estado de vulnerabilidade (Gulassa, 2010). Salina-Brandão e Williams (2009) afirmam que há aspectos institucionais das casas de acolhimento que atuam como fatores de proteção na instituição, tais como: habilidade dos funcionários da instituição para desempenhar suas funções, composição multidisciplinar da equipe de profissionais, plano de trabalho institucional compatível com os princípios do ECA (Brasil, 1990), além da ausência de rotatividade dos profissionais nas instituições (Ali, Silveira, & Lunardelli, 2004; Brasil, 1990; Carvalho, 2002; Maricondi, 1997; Shaw, 2007).

Todavia, Acioli, Barreira, Lima, Lima, e Assis (2018) apontam que muitas instituições apresentam problemas de distanciamento social da família, falta de profissionais qualificados, rotatividade de recursos humanos, superlotação, o que dificulta a execução de um trabalho de qualidade. Ademais, outros estudos alertam para o fato de que algumas características ambientais das instituições, ou seja, aspectos físicos (estrutura física, funcionamento e o perfil dos profissionais) e falta de qualificação dos profissionais, podem se tornar fatores de risco, principalmente no que se refere à segurança, à saúde física e psicológica das crianças e adolescentes (Cavalcante & Cruz, 2018; Cavalcante & Corrêa, 2012; Corrêa, 2016; Salina-Brandão & Williams, 2009).

Diante do relatado, percebe-se que algumas crianças acolhidas podem ter seu desenvolvimento (social, cognitivo e emocional) comprometido, não só pela própria condição de afastamento familiar, que, por si só, já traz sentimento de insegurança, medo, ansiedade e dificuldades de relacionamento, mas também pela qualidade da assistência que lhes é oferecida (Diniz, Assis & Souza, 2018; Fonsêca, Machado, Palitot, & Santos, 2017).

De acordo com Cavalcante e Corrêa (2012), a maioria dos profissionais que trabalha nestas instituições é mulher, revelando que a atividade de cuidado e ensino na sociedade atual, ainda está relacionada exclusivamente ao papel feminino. Outro dado importante diz respeito à formação dos educadores que, segundo os autores, não apresentavam capacitação para a função, comprometendo a qualidade da assistência prestada ao público (Garcia, Santos, Pereira, & Aragão, 2018). Gulassa (2010) acrescenta que a formação profissional, teórico e metodológico é importante para o bom funcionamento adequado da instituição, mas não se deve perder de vista as dimensões humana e ética, primordiais nas práticas de cuidadores. Frente ao exposto, considerou-se relevante desenvolver este estudo que será descrito em seguida.

Método

Delineamento

O presente estudo é de natureza descritiva, que visa apresentar as características da população ou fenômeno estudado. Para sua realização foi utilizado uma pesquisa de campo, do tipo levantamento de dados (Survey) (Gil, 2019). A presente pesquisa é parte de um estudo mais amplo, que teve como finalidade fazer uma avaliação inicial da institucional, do funcionamento e dos profissionais, em seguida, realizou-se uma intervenção visando a qualificação dos profissionais.

Instituição pesquisada

É uma Casa de Acolhimento que presta serviço de acolhimento à crianças em uma capital do nordeste há mais de 80 anos. Atualmente a entidade é mantida e administrada pela Prefeitura Municipal da capital por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES). A instituição fica localizada no bairro de classe média baixa, na zona norte do município e oferece atendimento as crianças (0 a 6 anos) que se encontram em situação de violação de direitos. A população atendida é encaminhada pela 1ª Vara da Infância e da Juventude, Ministério Público ou Conselho Tutelar. Esta instituição foi escolhida para o desenvolvimento deste trabalho a partir de quatro critérios:

  • a) ser uma instituição pública; b) abrigar crianças que tiveram seus direitos violados e estavam sob tutela do Estado; c) ser indicada pela Secretaria da Prefeitura como a instituição específica da população desejada (crianças); e d) ter sido autorizada pela 1ª Vara da Infância e Adolescência da Capital para este fim.

Participantes

Participaram do estudo dez (10) funcionários de uma Casa de Acolhimento de uma capital do Nordeste, sendo a maioria do sexo feminino (90%), com idades entre 27 e 52 anos (M=39,1; DP= 8,96).

Instrumentos

Questionário estruturado - tinha a finalidade de coletar informações sobre a instituição, tais como localização, estrutura física e funcionamento. O instrumento foi constituído com base nas Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (Brasil, 2009b) e preenchido pela pesquisadora a partir de sua observação nas visitas a instituição.

Entrevista estruturada - objetivava obter informações sobre dois pontos: 1. funcionamento da instituição (horário de atendimento, público atendido, atividades desenvolvidas com as crianças); e 2. perfil dos profissionais (sexo, idade, formação, função que desempenha na instituição, escolaridade e cargo).

Procedimento

Inicialmente o projeto foi submetido e aprovado (CAAE: 01826818.9.0000.5188; Parecer n° 3.064.590) pelo Comitê de Ética (CEP) em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário Lauro Wanderley. Em seguida, foi realizado um contato inicial com os responsáveis legais da casa de acolhimento, a fim de apresentar os objetivos do estudo, o método a ser utilizado, bem como o esclarecimento de quaisquer dúvidas que poderiam surgir. Em seguida, foi realizada uma solicitação a 1ª Vara da Infância e da Juventude para a execução da pesquisa, bem como da Secretaria de Desenvolvimento Social da Prefeitura da capital, agindo em congruência com o disposto nas Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde. A aplicação dos instrumentos se deu após a autorização oficial da Casa de acolhimento pelas vias legais e mediante assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos participantes. Foram realizadas oito visitas, com duração de uma (1) hora cada, sendo duas por semana, em um período total de um mês. As visitas foram concretizadas com o objetivo de preencher o questionário estruturado, após o pesquisador fazer observações da localização e dos espaços da casa, bem como realizar as entrevistas, que foram previamente agendadas com os participantes.

Análise de dados

Os dados obtidos através do questionário e das entrevistas foram analisados de forma qualitativa, comparando o contexto real com o ideal, prescrito pelas Orientações e Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (Brasil, 2009b). Ademais, ainda foram realizadas análises quantitativas (média e porcentagem) para descrever os participantes.

Resultados

Visando facilitar a compreensão dos leitores, os resultados deste estudo serão apresentados a partir dos seguintes tópicos:

  • a) Localização e condições físicas da instituição; b) Funcionamento institucional; e c) Perfil dos profissionais.

Localização e condições físicas da instituição

A instituição funcionava em uma casa, com o mesmo padrão arquitetônico de uma residência da comunidade. Estava localizada em área residencial de um bairro da classe média baixa. Na fachada não havia nenhuma identificação da instituição que apontasse haver uma instituição. No que diz respeito às condições físicas, destaca-se que a casa de acolhimento funcionava em um espaço amplo, dividido em térreo, primeiro andar e uma área verde. Na parte térrea podia-se encontrar: uma sala para coordenação, com três computadores funcionando perfeitamente, um banheiro de acesso à coordenação e uma sala que servia como dispensa para guardar os materiais escolares das crianças. Encontrava-se também uma sala de atendimento médico, em que havia um quadro com o horário de cada criança tomar os remédios e dias de consultas.

Ainda no térreo estava localizada a brinquedoteca, espaço pouco ventilado, que continha bonecas, ursinhos de pelúcia, triciclos, etc. Dificilmente estavam organizados e higienizados de forma adequada. Neste ambiente, destaca-se a ausência de brinquedos educativos. Havia também uma área de lazer coberta, uma piscina interditada e um campo de futebol, relativamente espaçoso, mas sem conservação do gramado, o que ficava inviável para uso das crianças.

No primeiro andar havia um terraço pequeno gradeado, uma sala de vídeo que continha duas televisões instaladas na parede, sendo que uma delas não funcionava, um aparelho de DVD e um banco grande para as crianças se sentarem. Havia ainda uma sala de estudos, um banheiro para os funcionários em perfeita condição, um refeitório e uma cozinha equipada, com todos os utensílios necessários para cozinhar e atender a quantidade de crianças da casa.

Os quatro quartos também estavam localizados no primeiro andar, equipados com ar-condicionado e guarda roupas, sendo dois para os meninos (em um possuía duas camas para três crianças, e o outro, cinco camas, para sete meninos), um para as meninas (com quatro camas para quatro crianças) e um berçário que continha onze berços. Quanto aos banheiros, havia um específico para os bebês e outro para as crianças maiores, porém não eram adaptados para a faixa etária das crianças, nem apresentava acessibilidade para aquelas com deficiência.

Funcionamento institucional

A instituição funcionava em regime de plantão, havendo equipes fixas que atuavam sempre nos mesmos horários, e realizando as mesmas atividades, embora alguns funcionários realizassem atividades que não eram referentes a sua função. Com relação ao público atendido, na época da realização da presente pesquisa, a instituição assistia cerca de 25 crianças de ambos os sexos, sendo 11 bebês e 14 crianças, com idades entre dois e sete anos.

Diariamente, as crianças maiores de dois anos iam para a creche ou escola no turno da manhã ou tarde (sempre no transporte da instituição). No turno oposto ao da escola, as crianças eram levadas para o serviço de convivência, isto é, local onde eram realizadas atividades recreativas com crianças/adolescentes acolhidos, lá ficavam em torno de duas horas. Após regressar para a casa de acolhimento, ocasionalmente, as educadoras realizavam atividades lúdicas (e.g., jogar bola, correr) com as crianças, geralmente eram sempre as mesmas. Semanalmente, havia visita familiar (nas quartas-feiras e no mesmo horário) e a presença de um médico (pediatra) na instituição. Quando necessário, as crianças também eram levadas para consultas médicas em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), Centro de Referências de Assistência Social (CRAS) ou em Hospitais Municipais.

Participavam anualmente de alguns eventos (e.g. dia das crianças) fora da instituição. Nos finais de semana, algumas crianças regressavam a casa dos familiares, outras iam para residências de seus padrinhos (famílias substitutas) e, as demais, ficavam na casa de acolhimento.

Perfil dos profissionais

A instituição era composta por uma equipe com dez (10) profissionais (ver Tabela 1).

Tabela 1 Características dos profissionais da instituição 

Fonte: Dados informados pelos participantes

Como pode ser visto na Tabela 1, a maioria dos funcionários são do sexo feminino, com idades compreendidas entre 30 a 50 anos. Destaca-se que apenas quatro dos funcionários possuem curso Superior, quatro Ensino Médio, um Magistério e um Ensino Fundamental II. Estes profissionais desempenhavam os seguintes cargos: coordenadora, psicóloga, assistente social, auxiliar administrativo, cuidadora, educadora, motorista e auxiliar de cuidador. Destes, apenas três profissionais estavam capacitadas para trabalhar com crianças em situação de vulnerabilidade.

Discussão

A importância da qualidade do ambiente e dos cuidados prestados nas instituições de acolhimento, sobretudo para o desenvolvimento de crianças e adolescentes institucionalizados, conduziram a elaboração do presente estudo, que teve como objetivo principal compreender em que medida uma instituição de acolhimento oferece um ambiente (estrutura física e funcionamento) adequado e profissionais que atendam aos padrões estabelecidos pela legislação. De forma específica, buscou-se conhecer a estrutura e o funcionamento de uma instituição de acolhimento em uma capital nordestina; além de averiguar o perfil dos profissionais que atuam na instituição. Diante dos resultados ora reportados, confia-se que os objetivos foram alcançados.

No que diz respeito a localização da instituição de acolhimento, pode-se afirmar que segue inteiramente as Orientações Técnicas (Brasil, 2009b), uma vez que a entidade tem aparência de uma residência normal, não havendo nenhum indicativo como placas ou fachada diferenciada indicando ser um local de acolhimento institucional. Destarte, ressalta-se que, embora se tenha perto da casa acesso ao transporte, o local é distante para muitas das famílias que vão fazer visita aos filhos.

Com relação às condições físicas da instituição foi possível observar que alguns aspectos não corroboram com as orientações legais (Brasil, 2009b), a exemplo do número de crianças acolhidas em um quarto, como foi apontado, a instituição acomoda sete crianças em um quarto, exigindo que haja divisão da cama. As Orientações Técnicas afirmam que se deveria ter no máximo quatro crianças por quarto. Outro ponto destacado refere-se à estrutura e a quantidade insuficiente de banheiros para atender todas as crianças, visto que na casa, apesar de ter vários banheiros, apenas um é utilizado por essa população e nenhum é adaptado.

Achados semelhantes foram encontrados no estudo de Acioli et al. (2018), no qual avaliou a estrutura de doze (12) instituições de acolhimento na cidade de Recife, verificando que a maioria das instituições avaliadas atenderam as normas de infraestrutura tais como, dispor de um espaço suficiente para acomodar equipamentos e mobília e uma sala de equipe técnica adequada. Entretanto, nem todas as instituições avaliadas contemplaram espaços adequados de banheiros e quartos, corroborando com os achados do presente estudo, visto que alguns quartos não possuíam o espaço necessário para acolher todas as crianças e os banheiros não são adaptados.

Verificou-se ainda que os espaço para brincadeiras e atividades educativas não estavam adequados. Especificamente, a brinquedoteca apresentou lacunas na organização e higiene dos brinquedos, bem como ausência de materiais educativos, que proporcionem o desenvolvimento das crianças. Conforme apontam Magalhães e Oliveira (2018), a escolha dos brinquedos para compor a brinquedoteca deve ser criteriosa, levando em consideração alguns aspectos, como, por exemplo, optar por brinquedos que atendam a todas as faixas etárias, certificação de segurança e fácil higienização. Contrariamente, percebe-se que a brinquedoteca da instituição analisada não segue esses critérios, visto que a maioria dos brinquedos são de pelúcias, não sendo de fácil higienização, além de não atender a faixa etária das crianças maiores e não possuir outros brinquedos educativos.

Além disso, é importante que as instituições de acolhimento possam dispor de espaços que possibilitem exercícios e atividades psicomotoras, tais como correr, andar, pular, etc., que auxiliam no desenvolvimento de habilidades físicas e sociais ao longo da infância (Cavalcante & Cruz, 2018). No caso, o campo improvisado disponível na instituição, se encontrava inacessível para realização de qualquer atividade, além de haver uma piscina fechada por ordem judicial. Nesse sentido, percebeu-se que a instituição não apresenta uma área externa satisfatória que promovesse o desenvolvimento de tais habilidades.

Então, pode-se afirmar, que a instituição de acolhimento pesquisada apresenta algumas limitações no que se refere à estrutura física, sobretudo, considerando as Orientações Técnicas para os serviços de acolhimento para crianças e adolescentes (Brasil, 2009b). Assim, reconhecendo a importância do espaço físico para o funcionamento adequado da instituição, verificou-se também alguns aspectos relativos à funcionalidade da casa de acolhimento.

No aspecto organização, constatou-se que, de acordo com os profissionais entrevistados, a casa não possui regras claras e expostas em relação aos comportamentos e ações externalizadas pelas crianças, do que seria, por exemplo, inadequado ou aceitável, estas são apenas ditas e impostas verbalmente, não sendo estabelecidas nem acordadas com as crianças, o que pode prejudicar a regulação do comportamento infantil. Conforme apontam Azambuja e Lima (2015), para manter o bom funcionamento de qualquer instituição, devem ser estabelecidas regras, as quais possibilitam uma boa convivência para todos. Caso contrário, a ausência de regras pode levar à indisciplina, falta de respeito às autoridades, problemas na escola, entre outros.

Em relação à rotina das crianças, pôde-se perceber que esta não sofre alterações com frequência, tal achado corrobora com os estudos de Machado e Serrano (2012) e Corrêa e Cavalcante (2013), que demonstraram que a rotina de instituições de acolhimento não é alterada constantemente. Ademais, o fato de a rotina não sofrer alterações com frequência é bastante positivo, tendo em vista que as práticas diárias da instituição que proporcionem uma rotina atuam como fatores de proteção (Ali et al., 2004; Carvalho, 2002).

Com relação ao perfil dos profissionais, os resultados aqui encontrados corroboram com o estudo de Cavalcante e Corrêa (2012), sobre o perfil de profissionais de uma instituição de acolhimento no estado do Pará, que indicou que a maioria dos educadores atuantes eram do sexo feminino, com idades entre 20 a 40 anos, possuíam alguma graduação ou concluíram o Ensino Médio, embora não realizassem atividades referentes a sua formação. Na mesma direção, o estudo de Corrêa (2016) também evidencia uma predominância do sexo feminino em relação ao perfil de profissionais de instituições de acolhimento, no entanto, aponta uma faixa etária compreendida entre 19 e 67 anos, em que a maioria possui Ensino Médio e Curso Superior concluído ou em processo de conclusão.

No que se refere à equipe de profissionais, o CNAS e CONANDA (Brasil, 2009b) estabelecem que as instituições de acolhimento devem conter, no mínimo, coordenador, equipe técnica, educadores/cuidadores e auxiliares de educadores/cuidadores, neste aspecto, pode-se afirmar que, embora a instituição pesquisada mantenha profissionais com a formação compatível, não promoveu qualquer qualificação para os educadores trabalharem com crianças e adolescentes em situação de risco. Garcia et al. (2018) destacam a importância dos cursos de capacitação e formações continuadas oferecidas aos profissionais, visto que por meio deles existe a possibilidade de criar uma aproximação do cotidiano e das próprias emoções, visando um olhar reflexivo sobre o trabalho.

Nesse sentido, foi possível verificar que alguns funcionários exercem atividades que não são da sua competência, a exemplo da auxiliar administrativa, que algumas vezes auxilia no trabalho da cuidadora, e da auxiliar de cuidadora/educadora, que na maioria das vezes exerce a função da faxineira. Tal fenômeno pode ser justificado pelo fato de a maioria dos profissionais não terem capacitação específica para atuar no ambiente institucional de acolhimento, e assim não conhecerem suas reais funções, o que pode vir a comprometer o bom funcionamento desta, uma vez que, de acordo com a Salina-Brandão e Williams (2009), o plano de trabalho da instituição de acolhimento atua também como um fator de proteção.

Diante do exposto, pode-se afirmar, de um modo geral, que a instituição não cumpre com algumas das Orientações Técnicas para os serviços de acolhimento para crianças e adolescentes (Brasil, 2009b), visto que foram constatadas limitações referentes às condições físicas, organizacionais, bem como as funções que compete a cada profissional, formação mínima exigida e experiência com esse público específico, o que de acordo com a literatura são aspectos importantes que devem ser obedecidos.

Fonsêca et al. (2017) apontam a importância da organização da instituição de acolhimento, do seu projeto pedagógico, da capacitação contínua da equipe de profissionais e da qualidade das relações estabelecida dentro destes espaços, o que possibilita minimizar os efeitos da institucionalização no desenvolvimento das crianças e adolescentes. Portanto, percebe-se que essas crianças e adolescentes precisam conviver em um espaço adequado, bem estruturado, compondo uma rede de proteção que possibilite o seu desenvolvimento integral e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Considerações finais

Espera-se que este estudo tenha contribuído para ampliar a literatura acerca do tema abordado, bem como informar a sociedade acerca das condições oferecidas por uma instituição de acolhimento, que não é diferente de outras no Brasil, conforme revela o estudo de Acioli et al. (2018).

Diante desta realidade, é necessário que o Poder Público esteja atento a estas instituições, sobretudo por se tratar de um problema social que envolvem uma população em contexto de vulnerabilidade e que necessita receber do Estado um serviço de proteção que lhe garanta os direitos fundamentais. Os resultados revelam a necessidade de uma maior fiscalização, mas também de regras mais rígidas de admissão e capacitação de profissionais, bem como de investimentos para que se ofereça as crianças e adolescentes um serviço de qualidade, tanto em termos estruturais, a exemplo de uma área adequada para fazer atividades físicas, como, materiais, na aquisição de brinquedos educativos para as diversas faixas etárias.

No entanto, cabe destacar que o estudo apresentou algumas limitações, a exemplo da amostra reduzida, o que restringe a possibilidade de generalizações dos resultados a outros contextos. Outro aspecto apontado como limitação, refere-se aos instrumentos utilizados, os quais não abarcaram aspectos como interação dos cuidadores com as crianças/adolescentes, alimentação, dentre outros. No entanto, tais limitações não invalidam os achados ora apresentados.

Diante disso, sugere-se que em estudos futuros sejam abordados outros aspectos relevantes das instituições de acolhimento, dentre eles: a relação do educador com as crianças, o impacto da institucionalização na vida dos egressos, a representação da reintegração familiar para criança.

Ademais, é importante tentar viabilizar alternativas de como realizar melhorias nos serviços públicos oferecidos pelas instituições de acolhimento, notadamente porque o espaço físico, a estrutura organizacional, os profissionais e o trabalho realizado nestes espaços impactam a vida de várias crianças e adolescentes.

Referências

Acioli, R. M. L., Barreira, A. K., Lima, M. L. C., Lima, M. L. L. T., & Assis, S. G. (2018). Avaliação dos serviços de acolhimento institucional de crianças e adolescentes no Recife. Ciência & Saúde Coletiva, 23(2):529-542. [ Links ]

Ali, N. S. A., Silveira, R. S. M., & Lunardelli, M. C. F. (2004). Relato de experiência de estágio com monitores que trabalham em entidade que abriga menores em situação de risco. Em E. L. C. Goulard Júnior, M. C. F. Câneo, & A. F. Lunardelli (Eds.). Campo de estágio: Espaço de aprendizagem e diversidade (pp. 170-179). São Paulo: Joarte. [ Links ]

Azambuja, L. G. P., & Lima, R. C. D. S. (2015). Indisciplina: o olhar dos educadores. Pedagogia em foco, 10(4), 61-75. [ Links ]

Brasil. (1988 outubro 5). Constituição da República Federativa do Brasil. Congresso Nacional: Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htmLinks ]

Brasil (1990, julho 13). Lei federal n° 8.069. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htmLinks ]

Brasil (2009a, agosto 3). Lei federal nº 12.010. Dispõe sobre adoção e altera o Estatuto da Criança e do Adolescente. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art2Links ]

Brasil. (2009b, junho 18). Ministério do Desenvolvimento Social. Orientações técnicas: Serviços de acolhimento para crianças e adolescentes. Brasília, DF. Recuperado de http://www.mds.gov.br/cnas/noticias/orientacoes_tecnicas_final.pdfLinks ]

Carvalho, A. (2002). Crianças institucionalizadas e desenvolvimento: possibilidades e desafios. Em E. Lordello, A. Carvalho, & S.H. Koller (Orgs.), Infância brasileira e contextos de desenvolvimento (pp. 19-44). São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]

Cavalcante, L. I. C., & Corrêa, L. S. (2012). Perfil e trajetória de educadores em instituições de acolhimento infantil. Cadernos de pesquisa, 42(146), 494-517. [ Links ]

Cavalcante, L. I. C, & Cruz, D. A. (2018). Acolhimento institucional de crianças: qualidade do ambiente e desenvolvimento. Em L. I. C. Cavalcante, et al., (Orgs). Acolhimento institucional de crianças e adolescentes: teorias e evidências científicas para boas práticas (pp. 10-46). Curitiba: Juruá. [ Links ]

Corrêa, L. S. (2016) Serviços de acolhimento institucional de crianças e adolescentes na região metropolitana de Belém: os ambientes, os acolhidos e os educadores. (Tese de Doutorado. Universidade Federal do Pará, Pará, Belém, Brasil). [ Links ]

Corrêa, L. D. S., & Cavalcante, L. I. C. (2013). Shelter educators: Conceptions on development and care practices in play situation. Journal of Human Growth and Development, 23(3), 309-317. [ Links ]

Diniz, I. A., Assis, M. O., & Souza, M. F. S. (2018). Crianças institucionalizadas: um olhar para o desenvolvimento socioafetivo. Pretextos, 3(5), 261-285. [ Links ]

Fonsêca, P. N., Machado, M.O. S., Palitot, R. M., & Santos, J. L. F. (2017). O impacto do acolhimento institucional na vida de adolescentes. Revista Psicopedagogia, 34(105), 285-269. [ Links ]

Garcia, M. L. D. G., Santos, K. C. S., Pereira, D. C., & Aragão, M. S. (2018). Grupos de trabalho e formação continuada em serviços de acolhimento. Em L. I. C. Cavalcante, et al., (Orgs). Acolhimento institucional de crianças e adolescentes: teorias e evidências científicas para boas práticas . Curitiba: Juruá . [ Links ]

Gil, A. C. (2019) Métodos e técnicas de pesquisa social. 7 ed. São Paulo: Atlas. [ Links ]

Gulassa, M. L. C. R. (2010). Novos rumos do acolhimento institucional. São Paulo: NECA. [ Links ]

Machado, T., & Serrano, J. (2012). Rotinas de vida de crianças e jovens acolhidos em lares de infância e juventude. In T. Machado, & J. Serrano, Estudos em desenvolvimento motor da criança (pp. 185-190). Coimbra: Escola Superior de Educação de Coimbra. [ Links ]

Magalhães, C. M. C., & Oliveira, L. S. M. (2018). Brinquedoteca em instituição de acolhimento: uma estratégia de promoção do desenvolvimento. Em L. I. C. Cavalcante et al. (Orgs). Acolhimento institucional de crianças e adolescentes. Curitiba: Juruá . [ Links ]

Maricondi, M. A. (1997). Falando de abrigo: Cinco anos de experiência do projeto casas de convivência. São Paulo: Fundação Estadual do Bem Estar do Menor. [ Links ]

Salina-Brandão, A., & Williams, L. C. D. A. (2009). O Abrigo como Fator de Risco ou Proteção: Avaliação Institucional e Indicadores de Qualidade. Psicologia: Reflexão e Crítica, 22(3), 334-343. [ Links ]

Shaw, T. V. (2007). Reentry into the foster care system after reunification. Children and Youth Services Review, 28(1), 1375-1390. [ Links ]

Declaração do contributo dos autores PF e AA contribuíram no desenho e implementação da investigação, BL na análise e escrita dos resultados, JS e JF com o apoio dos demais autores realizaram a escrita do manuscrito. Todos os autores discutiram os resultados e contribuíram para a versão final do manuscrito.

Editor se sección El editor de sección de este artículo fue Javier Romano. ORCID ID: 0000-0002-5594-9104

Recebido: 22 de Julho de 2019; Aceito: 05 de Agosto de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons