Constata-se que nos últimos anos houve um aumento substancial na disseminação de teorias da conspiração. Eventos estressantes e crises sociais como desastres naturais, crises financeiras e pandemias acarretam um cenário social e político permeado de incertezas, desconfianças, sentimentos de ansiedade e falta de controle (March & Springer, 2019). Em tal conjuntura as teorias conspiratórias se tornam um instrumento eficaz para criação de sentido ao proporcionar as pessoas uma sensação de segurança e significado no mundo quando os eventos são considerados ameaçadores (Hollander, 2018).
Nesta direção, os termos “teorias da conspiração”, “conspiracionismo”, “ideias conspiratórias” ou ainda “pensamento conspiratório” residem na crença de que grupos poderosos manipulam eventos sociais para alcançar objetivos que são considerados prejudiciais para sociedade (e.g., manipulação de informações, alteração de dados pelo governo). Uma outra característica primordial das teorias conspiratórias é que apesar de carecer de bases científicas confiáveis, elas fornecem alternativas aparentemente “fundamentadas” para explicar e contestar as versões oficiais dos fatos (Swami et al., 2017).
Assim, as teorias da conspiração se tornam particularmente convincentes quando uma informação parece inadequada ou um evento não tem explicação plausível. Nesse contexto, os indivíduos aderem as teorias conspiratórias como forma de facilitar a compreensão das origens e consequências de eventos que são tidos como significativos ou ameaçadores (Swami, Weis, Lay, Barron, & Furnham, 2016).
A partir disso, uma miríade de teorias conspiratórias - “muita informação sobre doenças e tratamentos são escondidas dos cidadãos”, “experiências envolvendo novos medicamentos são realizados nos cidadãos sem seu consentimento”, “as agências governamentais estão envolvidas no assassinato de figuras ilustres” e “o governo esconde da população geral muitos segredos importantes” - atuam como um meio popular de articular oposição às forças do capitalismo e da globalização, possibilitando assim, o enfrentamento às hierarquias sociais estabelecidas e fornecendo entendimentos alternativos sobre eventos da realidade social (Galliford & Furnham, 2017).
Mediante o exposto, tais teorias atribuem importantes eventos sociais e políticos às ações de grupos considerados poderosos e malévolos. A esse respeito, diversos resultados fornecem suporte para essa visão, indicando que essas teorias estão fortemente associadas à desconfiança política, falta de credibilidade nas instituições e atitudes negativas frente a governantes (Swami et al., 2012).
Análogo a essa discussão, Douglas, Sutton e Cichocka (2017) indicam que as razões pelas quais as teorias da conspiração são atraentes para os indivíduos deve-se ao fato de que elas satisfazem três necessidades psicológicas principais: social (e.g., necessidade de manter a imagem positiva de si mesmo ou do grupo), epistêmica (e.g., necessidade de entender e dar sentido ao ambiente social) e existencial (e.g., necessidade de controle cognitivo sobre o meio social).
Especificamente dentro do escopo da Psicologia Social, as pesquisas vêm mostrando que as teorias conspiratórias são mais atraentes para os indivíduos que sentem que sua imagem pessoal está sendo ameaçada, indicando assim a satisfação da necessidade social de manter a autoimagem positiva (Swami et al., 2016). Evidências ainda indicam que as crenças conspiratórias estão diretamente associadas a indivíduos que procuram ordem e entendimento dos acontecimentos em seu ambiente, satisfazendo, de tal forma, a necessidade epistêmica de precisão e certeza sobre o meio social (March & Springer, 2019). Por outro lado, indivíduos que se sentem incapacitados ou ansiosos diante de um evento tendem a endossar em maior medida as teorias conspiratórias, satisfazendo assim a necessidade existencial de segurança e controle social (Douglas, Sutton, Callan, Dawtry, & Harvey, 2016).
Tendo em conta que a crença em teorias da conspiração satisfaz importantes necessidades psicológicas, permitindo que as pessoas deem sentido aos eventos, evitem sentimentos de incerteza e ansiedade existencial, Swami, Chamorro‐Premuzic e Furnham (2010) argumentam que a crença em pensamentos conspiratórios pode estar relacionada com as características individuais de cada pessoa, a exemplo da personalidade. Na mesma direção, Swami et al. (2011) enfatizam que adesão a explicações baseadas em ideias conspiratórias pode ser entendida a partir de diferenças individuais, tais como vieses de processamento de informação, estratégias de manutenção de identidade e características de personalidade.
A partir do anteriormente descrito e considerando a influência que tais teorias têm no comportamento das pessoas, decidiu-se averiguar em que medida as crenças em teorias da conspiração estão relacionadas com os traços de personalidade. Neste sentido, inicialmente, procura-se a seguir tratar dos traços de personalidade, dando ênfase ao modelo emergente que vem se consolidando, isto é, a teoria dos cinco grandes fatores de personalidade (big five). Posteriormente, descrever-se-á brevemente o panorama dos estudos que versam sobre a relação entre as teorias conspiratórias e os traços de personalidade. Por fim, apresenta-se o estudo empírico propriamente.
Traços de Personalidade
De acordo com Schultz e Schultz (2011), a personalidade é um agrupamento permanente e peculiar de características que podem mudar em resposta a situações diferentes. Diversas teorias e medidas foram elaboradas para entender a personalidade e suas dimensões, logrando-se um consenso relativo em torno do modelo dos cinco grandes fatores (big five), que tem sido replicado em diversos estudos, empregando instrumentos e métodos diferentes (Ashton & Lee, 2019). Portanto, parece adequado tê-lo em conta no presente estudo.
Este modelo representa uma organização hierárquica dos traços de personalidade, onde os mesmos estão dispostos em cinco dimensões que fornecem uma estrutura em que a maioria dos traços pode ser classificada. Especificamente no contexto brasileiro, tais fatores vêm sendo denominados de extroversão, neuroticismo, amabilidade, conscienciosidade e abertura à mudança (Couto & Fonsêca, 2019), no entanto, algumas variações são encontradas em relação a tais denominações (Buecker, Maes, Denissen, & Luhmann, 2020). Todos os cinco fatores são nomeados a partir de um traço geral que englobam tanto as características quanto a semântica compartilhada pelos traços que formam o fator (Dwan, & Ownsworth, 2019).
Embora na literatura sejam encontradas traduções um tanto diferentes, adota-se aqui a seguinte classificação: abertura à mudança. Também chamado de “cultura”, “imaginação” ou “intelecto”, revela indivíduos curiosos, imaginativos e criativos, que se divertem com ideias novas e valores não-convencionais; conscienciosidade. Também chamado “falta de impulsividade” ou “vontade”, indica comportamentos que acentuam o sentido de organização, persistência, controle e motivação para alcançar objetivos altruísticos; extroversão. Denomina-se também de “expansão”, revelando pessoas sociáveis, ativas, falantes, otimistas e afetuosas; amabilidade. Correspondente à “agradabilidade” e “sociabilidade”, descrevendo pessoas que tendem a ser generosas, bondosas, afáveis, prestativas e altruístas; e, finalmente, neuroticismo. Também nomeado como “instabilidade emocional”, indica indivíduos propensos a sofrimento psicológico, podendo apresentar ideias irreais, baixa tolerância à frustração e respostas de enfrentamento não adaptativas (Anglim & O’Connor, 2019; Soto & John, 2017).
Vale destacar que o Modelo dos Cinco Grandes Fatores não reduz a personalidade em apenas cinco traços; pelo contrário, ele pressupõe que estas cinco grandes dimensões atribuem um nível amplo e abstrato à personalidade, onde cada uma delas pode ser composta por um número maior de características específicas e divergentes da personalidade (Costa & McCrae, 1995). Ademais, as evidências a respeito da existência de cinco dimensões da personalidade estão embasadas em quatro fundamentos essenciais: a) comprovação, por meio de estudos longitudinais, de que os cinco fatores são disposições duradouras que se manifestam nos padrões comportamentais; b) existência dos traços relatados pelo modelo do Big Five em outros modelos teóricos; c) existência dos cinco fatores em diferentes sexos, idades e etnias; e d) sugestão da existência de uma base genética, a partir de achados em relação a fatores hereditários dos traços (Smederevac et al., 2020).
Nesse sentindo, ter como base um modelo composto por Cinco Grandes Fatores da Personalidade possibilita a existência de uma linguagem comum para psicólogos de diferentes abordagens, bem como uma guia para avaliação do comportamento humano, sendo fundamental para psicólogos de diferentes áreas de atuação (e.g., social, educacional, organizacional, clínica). Deste modo, diversos estudos, em contextos culturais diferentes, têm se ocupado em entender a relação entre os traços de personalidade e outros construtos, tais como forças de caráter e relacionamentos íntimos (Couto & Fonsêca, 2019). A partir disso, para evidenciar ainda mais o poder explicativo destes traços, a seguir serão descritos alguns estudos que versam sobre a relação entre personalidade e teorias da conspiração.
Teorias da Conspiração e Traços de Personalidade
Apesar de as teorias da conspiração serem por vezes associadas a psicopatologias latentes, como a esquizofrenia e paranoia (Swami et al., 2017), psicólogos sociais da personalidade vêm apresentando um crescente interesse em explicar as ideias conspiratórias na população geral, mostrando que pessoas que acreditam nas mesmas assumem um perfil específico de personalidade. Tendo isso em consideração, um corpo significativo de trabalhos vem explorando as relações entre as variáveis de diferenças individuais e as teorias da conspiração (Swami et al., 2010; Swami et al., 2012).
A esse respeito, Swami et al. (2016) buscaram verificar a associação existente entre crenças em teorias da conspiração e distúrbios de personalidade. Para tal, utilizou-se uma amostra de 259 indivíduos da população geral (não-clínica), que foram solicitados a responder medidas de crenças em teorias da conspiração e ao Inventário de Personalidade para o DSM-V, composto por 25 facetas. Os resultados mostraram que as teorias da conspiração se correlacionaram com insensibilidade, desregulação perceptiva, excentricidade e suspeita. Todavia, os autores ressaltam que um olhar psicopatológico oferece apenas uma contribuição parcial no entendimento da popularidade das teorias da conspiração, e sugerem que certos traços de personalidade podem contribuir para assimilação ou manutenção de ideias conspiratórias.
Nesta direção, na tentativa de ampliar o entendimento da relação entre as teorias da conspiração e a personalidade, estudiosos da área têm se utilizado da abordagem de traços, especificamente dos Cinco Grandes Fatores da Personalidade (CGF) ou Big Five. Esse modelo ganhou espaço nos estudos sobre as teorias da conspiração, principalmente por apresentar uma base empírica sólida e por não ser construído a partir de observações clínicas de pacientes emocionalmente instáveis, mas pela observação de pessoas emocionalmente saudáveis (Swami et al., 2016).
Em torno desse cenário, Swami et al. (2010) foram os pioneiros em verificar a relação existente entre as crenças conspiratórias sobre o 11 de setembro e a estrutura da personalidade do Big Five. Contando com uma amostra de 257 indivíduos, os autores evidenciaram que o traço de abertura à mudança esteve positivamente correlacionado com a exposição de ideias conspiratórias. Em estudo posterior, Swami et al. (2012) também encontraram uma associação positiva entre essas variáveis, evidenciando que a curiosidade intelectual, imaginação ativa e uma propensão para novas ideias pode resultar em uma maior aceitação a ideias conspiratórias.
Em direção similar, Swami et al. (2010), ao buscarem avaliar a relação entre crenças conspiratórias sobre a vida extraterrestre e os traços de personalidade em uma amostra de 555 pessoas da população geral, evidenciaram que a abertura à mudança previu negativamente as crenças sobre a vida extraterrestre em geral, entretanto, apresentou uma associação positiva com crenças sobre a inteligência extraterrestre. Os autores ressaltaram que embora os indivíduos que apresentam esse traço possam ser relutantes em aceitar crenças genéricas sobre fenômenos extraterrestres, eles ainda apresentam uma mente aberta o suficiente para acreditar na inteligência extraterrestre.
Swami et al. (2011), por sua vez, buscaram examinar as associações entre traços de personalidade e a crença de que as agências governamentais têm conhecimento de que extraterrestres visitaram a terra. Os resultados do estudo mostraram que as crenças em extraterrestres foram positivamente relacionadas com abertura à mudança e negativamente com extroversão e amabilidade. Tais resultados estão em consonância com os estudos (Swami et al., 2010; Swami et al., 2012), mostrando que os indivíduos que endossam o traço de abertura à mudança são mais propensos a ir em busca de informações que promovam coerência cognitiva.
Diante do exposto, os estudos presentes na literatura científica que versam sobre a relação entre as teorias da conspiração e os traços de personalidade sugerem que uma perspectiva pautada nas diferenças individuais pode ser válida para esclarecer os processos subjacentes envolvidos na origem das teorias da conspiração. Reflexões a esse respeito evidenciam que, embora existam diferentes abordagens e medidas de traços de personalidade, criou-se um certo consenso de que o modelo dos cinco grandes fatores se apresenta como uma proposta válida para explicar e predizer uma miríade de comportamentos (Goreis & Voracek, 2019).
Nesta direção, o presente estudo tem como objetivo geral averiguar em que medida as crenças em teorias da conspiração podem ser explicadas pelos traços de personalidade. Especificamente, pretender-se-á investigar as relações existentes entre as dimensões destas crenças e os traços de personalidade, além de identificar quais traços melhor explicam as crenças em teorias conspiratórias.
Método
Delineamento e Hipóteses
Tratou-se de um delineamento correlacional, considerando medidas de autorrelato (e.g., traços de personalidade, crenças em teorias da conspiração). Tendo em conta o que tem sido descrito na literatura acerca das teorias da conspiração e os fundamentos da teoria dos cinco grandes fatores de personalidade, elaboraram-se três hipóteses: a) As pessoas que pontuam alto nos traços de conscienciosidade endossarão mais as crenças em teorias da conspiração. Essa hipótese foi formulada tendo como princípio a ideia de que altas pontuações na dimensão conscienciosidade descrevem indivíduos que apresentam comportamentos de organização, cuidado e empenho na busca de informações alternativas para entender os eventos da realidade social (Galliford & Furnham, 2017); b) pessoas que pontuam alto em traços de abertura endossarão mais crenças em teorias da conspiração. Essa segunda hipótese teve como subsídio a premissa de que pessoas que apresentam alta flexibilidade de pensamento, abertura a novas experiências, curiosidade e criatividade na busca de informações vão estar mais direcionadas a endossar teorias conspiratórias para contestar informações que são fornecidas pela mídia ou instituições governamentais (Swami et al., 2017); c) pessoas que pontuam alto no traço de neuroticismo endossarão em maior medida as crenças em teorias da conspiração. Por fim, para formulação da terceira hipótese, considerou-se a ideia de que o endosso às teorias conspiratórias está atrelado à indivíduos que apresentam uma maior dificuldade em ajustar-se as informações que são fornecidas no meio social, sendo, portanto, mais inseguros, preocupados e sensíveis a ameaças externas (Swami et al., 2016).
Participantes
Participou deste estudo uma amostra composta por 205 estudantes universitários de uma instituição pública da cidade de João Pessoa. Os participantes tinham uma idade que variava de 18 a 49 anos (M = 21,7; DP = 5,14), sendo majoritariamente do sexo feminino (56,6%), católica (35,6%), solteira (92,2%), heterossexual (78%) e de classe média (54,6%). Tratou-se de uma amostra de conveniência (não probabilística), na qual participaram as pessoas que, solicitadas a colaborar, aceitaram fazê-lo voluntariamente.
Ressalta-se que a presente amostra representa um recorte de um projeto mais amplo que visa explicar as crenças em teorias da conspiração a partir dos valores humanos, traços de personalidade, orientação política e coerência cognitiva, sendo uma das propostas já publicada por Rezende, Gouveia, Nascimento, Vilar, & Oliveira (2019).
Instrumentos
Os participantes foram solicitados a preencher um questionário que reunia perguntas de caráter demográfico para caracterização da amostra (i.e., idade, sexo, estado civil, orientação sexual e religião) e as seguidas medidas:
Escala de Crenças Gerais Conspiratórias (ECGC). A presente medida foi elaborada no contexto brasileiro por Rezende, Gouveia, Coelho, Loureto, & Cavalcanti (2019, no prelo), sendo constituída por 15 itens que são respondidos em uma escala do tipo Likert variando de 1 (Discordo totalmente) a 5 (Concordo totalmente). Tais itens são distribuídos igualitariamente em cinco dimensões que são denominadas de manipulação farmacêutica (e.g., experiências envolvendo novos medicamentos são realizados nos cidadãos sem seu consentimento; α = 0.74), conspirações globais (e.g., alguns atos de violência são financiados pelo próprio governo; α = 0.80), manipulação de grupos secretos (e.g., grupos anônimos controlam a política mundial; α = 0.80), encobrimento de contato extraterrestre (e.g., missões espaciais são forjadas para que os cidadãos não descubram a existência de alienígenas; α = 0.92) e controle de informações (e.g., o governo esconde da população geral muitos segredos importantes; α = 0,60). No presente estudo, a consistência interna (Alfa de Crobanch) geral da medida foi de 0,89, apresentando índices de ajustes satisfatórios (χ² (65) = 115,98, CFI = 0,96, TLI = 0,94 e RMSEA = 0,06).
Inventário dos Cinco Grandes Fatores da Personalidade (ICGFP). A adaptação desta escala para o contexto brasileiro foi levada a cabo por Andrade (2008), encontrando uma estrutura formada por 34 itens. Não obstante, nesta ocasião, em virtude da aplicação de outras escalas, optou-se por uma versão reduzida do ICGFP, composta por 20 itens distribuídos em cinco dimensões que questionam como o indivíduo se percebe: abertura à mudança (e.g., gosta de refletir, brincar com as ideias; α =0,70), conscienciosidade (e.g., insiste até concluir a tarefa ou o trabalho; α =0,65), extroversão (e.g., é sociável, extrovertido; α =0,80), amabilidade (e.g., tem capacidade de perdoar, perdoa fácil; α =0,65) e neuroticismo (e.g., preocupa-se muito com tudo; α =0,75). Os itens são respondidos em escala tipo Likert de cinco pontos, com os extremos variando de 1 (Discordo totalmente) a 5 (Concordo totalmente). Na amostra do presente estudo, a consistência interna (Alfa de Crobanch) geral dessa medida foi de 0,76, com indicadores de ajustes marginalmente satisfatórios (χ² (160) = 297,70, CFI = 0,88, TLI = 0,88 e RMSEA = 0,06).
Procedimento
Os participantes foram selecionados segundo técnica de amostragem não probabilística, em ambientes de sala de aula de uma instituição de ensino superior. Após a anuência dos docentes responsáveis pela disciplina, os participantes levaram em média 15 minutos para responder a escala. Por fim, eram apresentadas as instruções específicas sobre a forma de responder a medida, dispondo-se, os aplicadores, ao esclarecimento de dúvidas. A participação voluntária, o anonimato e a confidencialidade das respostas dos participantes foram assegurados verbalmente e por meio de um termo de consentimento livre e esclarecido, segundo regulamenta a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 510/16 (Brasil, 2016). Informou-se, na oportunidade, que danos imateriais não eram previstos na condução deste estudo, contudo, os pesquisadores estavam à disposição dos respondentes para serviço de escuta psicológica, caso estes se sentissem desconfortáveis com o conteúdo dos itens. Dessa forma, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com parecer CAAE no 76972917.8.0000.5188.
Análise dos Dados
Para análise dos dados utilizou-se o Software estatístico SPSS (versão 25). Inicialmente foram realizadas estatísticas descritivas (medias de tendência central, dispersão e frequência) a fim de caracterizar o perfil demográfico da amostra. Ademais, visando avaliar se amostra apresenta distribuição normal, fez-se uso dos testes de Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk. Tais testes comparam escores de uma amostra a uma distribuição normal modelo de mesma média e variância dos valores encontrados na amostra. Para que os dados da amostra não diferenciem significativamente de uma distribuição normal, é necessário que o teste não seja significativo (p > 0,05). Após essa verificação inicial, foram realizadas correlações para investigar a relação entre as crenças em teorias da conspiração e os traços de personalidade. Por fim, empregou-se a análise de regressão múltipla (método de stepwise) para verificar o poder preditivo dos traços nas crenças conspiratórias.
Resultados
Inicialmente foi avaliado se amostra utilizada apresentava uma distribuição normal. A partir disso, constatou-se que os testes de Kolmogorov-Smirnov (D (191) = 0,07, p > 0,05) e Shapiro-Wilk (D (191) = 0,98, p > 0,05) não foram estatisticamente significativos para os dados referentes a medida de crenças em teorias da conspiração. No que concerne ao inventário dos cinco grandes fatores de personalidade os dados também não foram significativos para os testes Kolmogorov-Smirnov (D (191) = 0,05, p > 0,05) e Shapiro-Wilk (D (191) = 0,99, p > 0,05), indicando assim, a normalidade da amostra para ambas as variáveis. Tal resultado permitiu estabelecer os requisitos prévios mínimos para a realização das técnicas estatísticas empregadas no presente estudo
Posteriormente, com a finalidade de testar as hipóteses deste estudo, computou-se a pontuação total para a medida de crenças em teorias da conspiração, somando-se os 15 itens da escala. Posteriormente, calcularam-se as pontuações específicas desta medida, isto é, para cada um de seus cinco componentes, conforme indicado em instrumentos. Calculadas as pontuações totais de cada traço de personalidade, procurou-se correlacioná-las com aquelas de crenças em teorias da conspiração. Os resultados podem ser observados na Tabela 1 a seguir.
Nota. ECGC (pontuação total da escala de crenças gerais conspiratórias); MP (manipulação farmacêutica); CG (conspirações globais); MGS (manipulação de grupos secretos); ECE (encobrimento de contato extraterrestre); CI (controle de informações); *p < 0,05; **p < 0,001.
No que diz respeito às três hipóteses deste estudo, duas foram corroboradas. Especificamente, as correlações das crenças em teorias conspiratórias, como avaliadas a partir da pontuação total da medida correspondente, foram positivas e significativas com os traços de abertura à mudança (p < 0,001) e conscienciosidade (p < 0,05), não sendo possível observar nenhuma relação significativa com o traço de neuroticismo (p > 0,05). Ressalta-se, ainda, que apesar de não hipotetizado, constatou-se uma relação positiva e significativa com o traço de extroversão (p < 0,05).
Como último passo, buscou-se verificar o poder preditivo dos traços de personalidade na explicação das crenças conspiratórias. Para cumprir tal objetivo, adotou-se a análise de regressão linear múltipla, especificamente, o método stepwise, a fim de dirimir o efeito de multicolinearidade entre as variáveis. A partir disso, a pontuação total das crenças conspiratórias foi tida como variável critério, e os traços de personalidade como variáveis explicadoras. Os resultados indicaram que apenas um traço de personalidade (abertura à mudança) logrou explicar a variação em tais crenças (R = 0,50, R2 = 0,13, F(1, 183) = 9,37, p < 0,001). Especificamente, este traço contribuiu de forma positiva para a pontuação na dimensão geral de crenças em teorias da conspiração (abertura à mudança (β = 0,18, t = 2,52, p < 0,001)).
Discussão
O presente estudo buscou conhecer o papel que os traços de personalidade exercem na explicação das crenças em teorias da conspiração. Confia-se que o propósito deste estudo tenha sido alcançado, sendo os resultados principais discutidos nesta oportunidade, tomando como base o Modelo dos Cinco Grandes Fatores da Personalidade (Costa & McCrae, 1995).
Nesta direção, durante muito tempo, as crenças em teorias da conspiração foram atribuídas a pessoas que sofriam de delírios, paranoia e esquizofrenia (e.g., Swami et al., 2016). Todavia, com o crescente interesse dos psicólogos sociais por esse fenômeno, houve um distanciamento desse pensamento, observando que a popularidade das teorias conspiratórias não eram unicamente resultado de psicopatologias (Swami et al., 2012). Assim, considerando que as teorias da conspiração florescem em tempos de agitação social e em resposta a eventos mundiais significativos, não é surpreendente que pesquisadores começassem a investigar as ideias conspiratórias na população geral, evidenciando a existência de um perfil de personalidade específico para pessoas que aderem a explicações baseadas em tais teorias (Swami et al., 2011).
Convergente com essa discussão, ressalta-se que nos últimos anos os traços de personalidade vêm sendo utilizados para explicar o endosso a pensamentos conspiratórios (e.g., Swami et al., 2010; Swami et al., 2017). O acúmulo de descobertas nessa área reuniu uma série de razões teóricas pelas quais os indivíduos acreditam em teorias conspiratórias. A esse respeito, Rose (2017) destaca que é possível elencar quatro razões principais, dentre elas: a) o sentimento de impotência e insatisfação com a estrutura social; b) a percepção de não identificação com as normas sociais dominantes; c) a necessidade de fornecer explicações e atribuir a um inimigo “oculto” a culpa por eventos considerados prejudiciais; e d) uma visão de mundo negativa e cética.
A princípio, tal como hipotetizado, foi verificado que a pontuação total da ECGC e suas respectivas dimensões correlacionaram-se positivamente com o traço de conscienciosidade, algo também encontrado no estudo de Swami et al. (2012). Tal resultado pode ser atribuído a características que definem esse traço, assim como necessidade de organização, persistência e busca de informações (Costa & McCrae, 1995). Nesta direção, Douglas et al. (2017) argumentam que uma das necessidades psicológicas relacionadas ao endosso de teorias da conspiração é denominada de necessidade existencial, sendo a mesma caracterizada por satisfazer o desejo de controle, segurança e organização cognitiva sobre o meio social (Swami et al., 2017). Douglas et al. (2016) ainda ressaltam que quando os indivíduos se sentem cognitivamente ameaçados, buscam criar explicações alternativas a fim de reduzir o sentimento de instabilidade e desorganização.
Além disso, baseada na ideia de que as pessoas são motivadas a perceber seu ambiente como seguro e reconfortante, Douglas et al. (2017) argumentam que a crença em teorias da conspiração pode ser uma maneira pela qual as pessoas procuram controle sobre o ambiente. A pesquisa experimental apoia essa visão, mostrando que quando as pessoas se submetem a uma situação que não tem controle, o endosso a teorias da conspiração aumenta (Swami et al., 2017). Evidenciou-se ainda que a procura de tais teorias para explicar eventos está relacionada à busca de segurança e organização, dando congruência a relação encontrada entre conscienciosidade e crenças em ideias conspiratórias (Galliford & Furnahm, 2017).
Analisando a influência do traço de neuroticismo, não foi possível verificar relações positivas e significativas dessa dimensão com as crenças em teorias da conspiração, rejeitando-se a terceira hipótese. Todavia, esse resultado era esperado tendo em vista que pessoas que pontuam alto nesse traço são caracterizadas por serem emocionalmente instáveis, podendo apresentar ideias irreais, baixa tolerância a frustração, irritabilidade, ansiedade, estresse excessivo e falta de confiança interpessoal (Douglas et al., 2016). Concernente a essa discussão, estudos da literatura indicam que o perfil de personalidade de um indivíduo “conspirador” está também associado a comportamentos de ansiedade, estresse, baixos níveis de confiança interpessoal, ideias paranormais e instabilidade emocional (Swami et al., 2016).
Os achados apontaram também que as crenças em teorias da conspiração se relacionaram positivamente com o traço de abertura à mudança, sendo tais resultados coerentes com outros estudos da literatura (Swami et al., 2012; Swami et al., 2010). Esta relação era esperada, pois pessoas que pontuam alto no traço em questão apresentam uma mente mais aberta a novas ideias, fazendo com que haja um maior envolvimento na busca de conhecimento, bem como de argumentos alternativos para explicar e questionar a realidade social. Na mesma linha de pensamento, o estudo desenvolvido por Swami et al. (2012) evidenciou que uma imaginação ativa e um estilo de vida criativo pode resultar em uma maior aceitação a ideias conspiratórias.
Considerações finais e Possibilidades futuras
Apesar de alcançados os objetivos deste estudo, reconhecem-se limitações potenciais, especialmente em relação à especificidade da amostra, que considerou apenas estudantes universitários. Porém, um outro aspecto que precisa ser ponderado é a natureza das medidas utilizadas, que foram de autorrelato, podendo introduzir viés decorrente de desejabilidade social, o que poderia ser amenizado contando com medidas implícitas, mas se recomendaria também controlar o efeito deste viés de resposta (Soares et al., 2016). É importante ressaltar, ainda, que o delineamento da pesquisa não permite afirmações de causa e efeito, não sendo possível afirmar, por exemplo, que quem apresenta traços de abertura à mudança endossará crenças em teorias da conspiração. Neste sentido, estudos futuros precisarão replicar os achados aqui descritos, atestando sua adequação.
Quanto aos novos estudos, além de sanar os potenciais problemas previamente indicados, poder-se-á avaliar a influência do nível educacional no endosso de crenças de teorias da conspiração. A literatura da área indica uma relação negativa entre alto nível educacional e crenças em teorias da conspiração. Tal relação se deve ao fato de que ao longo da trajetória educacional as pessoas aprendam a resolver problemas de forma independente, adquirindo habilidades sociais para influenciar seu ambiente, o que as faz mais ativas no controle de suas vidas, diminuindo, assim, o sentimento de impotência e, consequentemente, o endosso às teorias conspiratórias (Swami et al., 2017). Poderá ser também interessante realizar estudos experimentais que comprovem o efeito da exposição a teorias da conspiração em comportamentos cívicos (e.g., engajamento político, preocupação ambiental). Estudos prévios sugerem que esta exposição provoca sentimentos de desconfiança com o governo, menor envolvimento em políticas de vacina e redução do engajamento em comportamentos pró-ambientais (Douglas et al., 2017).
Na tentativa de ampliar o escopo de entendimento das teorias da conspiração, é necessário ter em conta também outros modelos teóricos de personalidade existentes na literatura, a exemplo da Dark Triad of Personality que avalia o maquiavelismo e as formas subclínicas de psicopatia e narcisismo. Tal possibilidade encontra subsídio na ideia de Douglas et al. (2016), que argumentam que um dos mecanismos sociopsicológicos que estimulam o endosso a teorias da conspiração é a projeção, ou seja, as pessoas tendem a projetar suas próprias tendências morais nos conspiradores. Mediante um estudo realizado por esses autores, foi possível observar que os participantes que receberam maiores pontuações no traço de maquiavelismo tinham maior probabilidade de acreditar em teorias conspiratórias, provavelmente porque pensavam que se estivessem na posição do conspirador agiriam da mesma forma.