A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2020) anunciou no início de 2020 a presença de uma nova pneumonia viral proveniente de Wuhan, China, conhecido como COVID-19, cuja velocidade de propagação a fez ser caracterizada como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (OPAS, 2020). Enquanto o primeiro caso no mundo ocorreu em dezembro de 2019, no Brasil foi confirmado apenas no final de fevereiro de 2020 (UNA-SUS, 2020). Diante disso, muitos países, incluindo o Brasil, tiveram seus locais públicos e privados fechados como tentativa de conter sua proliferação, dando início ao distanciamento social denominado quarentena em março do mesmo ano (Arruda, 2020).
Instituições de ensino de 156 países tiveram suas aulas suspensas afetando 70% da população mundial de estudantes (Unesco, 2020). Algumas mantiveram a suspensão, outras optaram por programas de ensino remoto emergencial, ou seja, aulas online enquanto perdurar a pandemia (Flores, et al., 2021; Gewin, 2020; Silva, et al., 2021). A adoção por esses programas se deve não apenas pela recomposição curricular, mas pela educação ser referência para alunos e seus familiares (Arruda, 2020; Sahu, 2020; Ornell, Schuch, Sordi, & Kessler, 2020).
Embora algumas instituições tenham ofertado aos alunos uma forma de bolsa auxílio emergencial de internet ou de recursos que favoreçam o seu acesso (Jornal da USP, 2020), essa realidade não se aplica a toda a rede de ensino no Brasil. Como resultado a qualidade de ensino é afetada pelo escasso acesso a recursos que facilite a obtenção de livros, conexão à internet e/ou computadores seja por parte dos professore ou dos alunos (Arruda, 2020; Silva, et al., 2021).
Somado a isso, fatores como a existência do vírus, familiares e conhecidos contaminados ou grupo de risco, atrasos nas atividades diárias ou acadêmicas e questões econômicos têm afetado a saúde mental pelo aumento de sintomas de estresse e ansiedade (Flores, et al., 2021). Esse aumento contribui para a percepção negativa dos estudantes e de seus pais com relação a aprendizagem e baixo rendimento acadêmico (Al-Rabiaah, et al., 2020; Kafka, 2020; Lima, et al, 2020).
Outros fatores que influenciam na percepção negativa com relação ao ensino a distância se deve a falta de interação com colegas e professores, a redução da qualidade dos recursos como aulas práticas e suspensão dos estágios e a percepção de sobrecarga e aumento da demanda das atividades quando comparada ao presencial (Flores, et al., 2021; Kubrusly, et al., 2021).
Essas reações são comuns em um primeiro momento da pandemia e não se restringem à estudantes, a população como um todo é diretamente impactada pela insônia, raiva, medo e especialmente sintomas de ansiedade, depressão e estresse atrelados ao COVID-19 (Fogaça, Arossi, & Hirdes, 2021; Torales, O’Higgins, Castaldelli-Maia, & Ventriglio, 2020).
Não somente, desastres biológicos influenciam em menores índices de qualidade de vida e bem-estar, agravando a saúde física e mental das pessoas envolvidas (Holmes, et. al., 2020; Torales, et al., 2020). Ademais, pessoas diagnosticadas com coronavírus, mais jovem e/ou de ensino superior são propensas a maiores índices de ansiedade diante do cenário atual (Sherman, Jobe, & Mathis, 2020). Em contrapartida, estabilidade de renda familiar, viver em zona urbana, morar com pais (Cao, et. al., 2020), manter uma relação saudável em casa, ter confiança na gestão política do país bem como no protocolo de biossegurança em si são considerados fatores protetivos (Ornell et al., 2020).
Situações de isolamento social ou de percepção de estar isolado tem relação direta com menor envolvimento em atividades físicas regulares, contatos familiares, declínio na saúde, bem-estar social e mental e aumento de morbidades e mortalidade precoce (Gyasia, Yeboahb, Mensahb, Ouedraogoa, & Addae, 2019). Smith e Victor (2018) diferenciou isolamento social e solidão de morar sozinho ao demonstrar que os dois primeiros estão associados com percepção de baixa qualidade de saúde, maior dificuldade nas atividades diárias, mais condições médicas crônicas e sintomas depressivos.
Diante da situação incerta e repleta de reações e sintomas comuns, a prática de atividades que promovam a manutenção de saúde mental favorecem o enfrentamento da quarentena e do distanciamento social. Para isso, recomenda-se ofertar serviços seguros de aconselhamento psicológico, melhorar gestão de ações governamentais, favorecer com que os cuidados sejam acessíveis e desenvolver materiais psicoeducativos para a população (Ornell, et. al., 2020).
No que tange ações individuais, manter contato com pessoas de confiança, amigos e familiares via online, retomar estratégias que foram bem sucedidas em situações que trouxeram instabilidade emocional semelhante, praticar exercício físico, meditação, leitura, durante o trabalho manter pausas sistemáticas de descanso, evitar consumo de álcool e/ou outras drogas, buscar fontes confiáveis e reduzir o tempo lendo notícias podem ser úteis (López, & Buchely, 2021).
Portanto, observa-se efeitos cognitivos e de saúde mental a curto, médio e longo prazo na população, sendo necessário enfatizar a mentalidade de bem-estar e adotar medidas para minimizar seus efeitos prejudiciais durante a pandemia. Por isso, este estudo teve por objetivo investigar o impacto da experiência do Ensino Remoto Emergencial na percepção de qualidade de vida, de sono, das relações afetivas, de desempenho acadêmico e na saúde mental dos universitários durante quarentena da COVID-19.
Método
Participantes
Participaram do estudo 624 universitários de Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras. Desses, foram excluídos 127 estudantes que não estavam em ensino remoto durante a pandemia, restando 497 participantes, os quais constituem a amostra dessa pesquisa. A média de idade dentre os 497 universitários foi 21.71 anos (DP=2.85) com predomínio de ensino superior público (72.89%) de período integral (60.24%). A maioria dos alunos eram do gênero feminino (74.69%), não trabalhavam (76.70%) e residiam no estado de São Paulo (87.12%), ainda que relatados participantes de outros 12 estados diferentes e um na França durante a quarentena.
A técnica empregada para construção da amostra de conveniência foi amostragem por referência ou também conhecida como técnica de bola de neve. O critério de inclusão utilizado foi aceitar participar de forma voluntária, ter idade igual ou superior a 18 anos e estar em Ensino Remoto Emergencial (ERE) durante a quarentena. Não participou alunos que tiveram formação exclusiva na modalidade de ensino à distância.
Instrumento
Em decorrência da necessidade da obtenção de dados o quanto antes durante a pandemia, o instrumento não passou por estudo instrumental e/ou teve suas propriedades psicométricas revisadas. Isso quer dizer que a criação dos itens do questionário pelos autores levou em consideração os achados na literatura e os relatos de prejuízos dos estudantes de Psicologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto quanto a adaptação do ensino para a modalidade online. O instrumento elaborado na plataforma Google Forms é intitulado “Questionário sobre percepção do isolamento social por universitários durante quarentena da COVID-19”. Constitui-se com 58 questões quantitativas e qualitativas divididas em quatro seguimentos. As qualitativas foram construídas com o objetivo de aprofundar o relato e identificar particularidades que poderiam ter sido afetadas pelo ensino remoto emergencial aos estudantes. Os seguimentos do material são:
1. dados sociodemográficos e acadêmicos: formado por 10 questões sobre características sociodemográficas e perfil acadêmico;
2. percepção da pandemia e isolamento social: formado por 30 questões abertas e de múltipla escolha para avaliar a percepção dos universitários sobre a pandemia e sobre a experiência de isolamento social. Neste seguimento foram utilizadas medidas de intensidade distribuídas entre 0 (baixa) e 10 (muito alta) para avaliar a percepção de segurança, controle e autoeficácia frente as demandas da pandemia;
3. percepção do Ensino Remoto Emergencial: procurou coletar dados sobre a percepção do ERE formada por 5 questões abertas e de múltipla escolha na mesma escala do seguimento anterior sobre a estrutura oferecida pelas universidades, percepção de aprendizagem e de prejuízos acadêmicos. Salienta-se que 1 refere a pontuação negativa e 10 a uma pontuação positiva;
4. segmento formado por 11 questões abertas e de múltipla escolha para coleta de dados sobre saúde mental e qualidade de vida. Também foram utilizadas medidas de intensidade distribuídas entre 0 (baixa) e 10 (muito alta) para avaliar percepção de ansiedade, estresse, prejuízos no sono, qualidade de vida e relações afetivas frente as demandas da pandemia.
Procedimento
Pesquisa transversal descritivo-exploratória com parecer nº 4.120.884 do Comitê de Ética em Pesquisa da FAMERP. A coleta foi realizada de junho a agosto de 2020, período que confere próximo ao início da pandemia. Essa coleta foi feita através da solicitação dos pesquisadores via WhatsApp aos graduandos em Psicologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) que respondessem ao instrumento. Aqueles que concordaram em participar, mas que por algum motivo desejasse desistir, poderiam sem nenhum prejuízo. Independente do aceite ou recusa, os alunos poderiam encaminhar o link de acesso ao instrumento aos seus pares universitários.
Os dados foram de acesso único e exclusivo dos pesquisadores que, afim de resguardar aspectos de sigilos e privacidade, transformaram os nomes dos participantes em códigos como por exemplo, P.1, em que o número que sucede ao P confere ao número atribuído àquele respectivo aluno.
Análise de dados
As respostas quantitativas foram analisadas através do programa SPSS Statistic em que foi realizada correlações de Pearson e Qui-Quadrado. O valor de “r” usado como referência foi de Dancey e Reidy (2006), valores entre 0.10 e 0.39 é uma correlação fraca, entre 0.40 e 0.69, moderada e superior a 0.70, forte. As qualitativas foram agrupadas segundo Amatuzzi (2009), isso quer dizer que foi feito leitura ampla dos relatos para compreensão e discriminação dos temas centrais do fenômeno analisados para sua posterior categorização de conteúdos semelhantes.
Resultados
A média de moradores na casa em que residiam era de até três pessoas (M=2.96; DP= 1.09) sendo um deles grupo de risco para o COVID-19 (65.26%). A média da confiabilidade nos pesquisadores brasileiros, profissionais de saúde e gestão política do Brasil, bem como os impactos percebidos pelo ensino remoto na saúde mental e no bem-estar dos universitários estão descritas na Tabela 1.
Nota: a média (M) e desvio padrão (DP) da percepção das variáveis relacionadas a pandemia foram coletadas por meio de uma escala Likert de intensidade entre 0 e 10 pontos (sendo 0 = Muito fraco e 10 = Muito forte).
Para identificar a relação entre as variáveis e assim observar o impacto promovido pelo ensino remoto emergencial na saúde mental e bem-estar dos universitários, optou-se pela correlação de Pearson. Tal análise foi realizada a partir do índice de prejuízo do desempenho acadêmico pela adoção do ensino remoto emergencial durante a pandemia com outras variáveis de saúde mental (Tabela 2). A grosso modo, o valor de R identificou a correlação positiva fraca encontrada entre as variáveis. O p indica a significância, sendo utilizado p<0.05 como ponto de corte, se o valor-p foi menor que o de referência isso significa que a relação que se estabelece entre as variáveis não é nula.
Nota: análise de correlação de Pearson da percepção do desempenho acadêmico no ensino remoto emergencial a e indicadores de bem-estar b. * Significância de p<0.05 c.
Quanto ao ensino remoto emergencial, os universitários relataram impacto negativo na sua saúde e no seu bem-estar nas últimas semanas (n=291; 58.43%). Além disso, identificaram uma relação entre a presença do ensino remoto e o aumento de dores de cabeça (n=222; 44.57%), cansaço (n=262; 52.61%); e percepção de maior demanda acadêmica (n=239; 47.99%) quando comparado ao ensino presencial. Aplicando o teste Qui-Quadrado para as variáveis dores de cabeça e cansado pela adesão do ensino remoto emergencial foi identificado p=0.0112, ou seja, à medida que se verifica aumento nas dores de cabeça, também é identificado aumento de cansado.
Relatos dos participantes demonstram percepção de maior ansiedade (15.35%), estresse (7.3%), alteração do sono (7.67%), desânimo/desmotivação (4.57%), assim como sensação de despreparo da instituição (8.04%), dificuldade de concentração (4.93%), percepção de pouca aprendizagem (4.93%), ausência de local ou recursos apropriados para estudo (3.29%), sensação de improdutividade (3.83%), de baixo rendimento acadêmico (3.10%), de autocobrança (3.83%) e de incapacidade (2.74).
“Sono totalmente desregulado para atender os prazos e as atividades que não acabam nunca” (P.108)
Desenvolvi novamente problemas como transtornos de ansiedade e tristeza sem motivo, ando preocupado com a situação pandêmica, com familiares e amigos, situação financeira, trabalho que tenho que ajudar meus pais e além de tudo isso tenho que cumprir metas acadêmicas de entregas de atividades, com metodologia de aulas ineficazes onde não aprendo 1% do que aprenderia pessoalmente, apostando total ensino no autodidatismo. Considero um erro enorme o ERE (ensino remoto emergencial), uma atitude inacreditável de universidades que lidam com pessoas. (P.202). Tenho uma criança de 3 anos. A falta de atrativos que a estimulem como a escola ou atividades ao ar livre impede que eu tenha concentração e qualidade de aprendizado, além de prejudicar minha saúde mental. Só consigo realizar as atividades de madrugada e nisso já estou esgotada e provavelmente prejudicando também a qualidade de bem estar da criança. (P.137). Antes minha casa era meu local de descanso e agora não sinto mais isso. Também passei a discutir mais com a minha família pois fico muito estressada com o EAD (pela internet não funcionar bem ou ter excesso de atividades) (P.493). Sono prejudicado devido à maior demanda de atividades. Visão exausta de tanto olhar para telas. Cansaço mental em geral. Eu já pensava que o sistema educacional tinha muito que mudar. Agora sinto que o EAD tem sido muito experimental. Faltam comunicação e empatia (já faltavam) entre alunos e professores para construírem um processo educativo eficaz. Os prazos têm sido muito apertados e algumas atividades não têm contribuído para o meu aprendizado. Às vezes cogito trancar algumas disciplinas. (P.425)
Embora a maioria não esteja em atendimento psicológico (77.10%), boa parte dos universitários (91.96%) adotou práticas de auto cuidado e gerenciamento emocional como: exercícios físicos (22.71%); contato com familiares e amigos online (18.25%); assistir séries e filmes (15.61%) e pratica de yoga, meditação e técnicas de relaxamento (n=15.61%), leitura ou escrita (7.70%), se ocupar com atividades acadêmicas (6.89%), manter uma rotina diária (6.28%) e esquiva de notícias relacionadas a situação atual (5.47%). Como identificado em “Vendo notícias sobre a covid-19 apenas uma vez ao dia, fazendo atividades físicas como dançar, atividades em família, como jogos, filmes e culinária, assistindo séries, brincando com meus cachorros” (P.372).
Exercício físico, aprendendo novas coisas (livros e cursos on-line), tempo de lazer (existente e limitado, percebi que se passo o dia sem produzir, me sinto deprimida no dia seguinte e afeta minha qualidade de sono, mas um dia sem lazer também me deixa mais estressada), exposição ao sol (fico deitada próxima de uma janela, ou se tenho que sair de casa dou preferência a dias e horas ensolarados), “colocar a vida em ordem” (fazendo o que deixava de fazer em período sem pandemia por falta de tempo, principalmente no quesito organização pessoal, como arrumar a casa me desfazendo de coisas velhas, organizar e-mails, deixar o currículo em dia, fazendo cursos on-line) (P.161).
Por fim, também foi possível identificar adoção de comportamentos que sugerem de vulnerabilidade psicossocial como o consumo de álcool e/ou substancias ilícitas (0.81%); compulsão alimentar (0.20%), tricotilomania e escoriação (0.20%) e automutilação (0.20%).
“Estou recebendo muito mais atividades com prazos do que o normal, isso aumenta minha ansiedade e desencadeia algumas manias como arrancar cabelo, me arranhar, etc.” (P.360).
Nada... Não consigo meditar pois aqui não há silêncio nem de madrugada, não tenho condições financeiras para um psicólogo (pais autônomos. A gente não sabe se vai ter dinheiro para comida da semana que vem) e só estou me enfiando em um buraco cada vez maior e mais triste. Tenho histórico de depressão, pânico e automutilação. Eu estou preocupada comigo mesma e não consigo fazer nada quanto a isso, o que me preocupa ainda mais... (P.386).
Discussão
Esse estudo, portanto, se comprometeu com a identificação dos prejuízos ao bem estar e saúde mental dos universitários que aderiram ao ensino remoto emergencial durante a pandemia. Essa adesão ao ensino remoto realizada no Brasil como em outros países da América Latina e no mundo tinha como objetivo retomar as atividades acadêmicas a fim de minimizar os prejuízos educacionais da população durante esse contexto (Arruda, 2020).
Desta forma, os participantes desse estudo estão distribuídos em 13 diferentes Estados nas cinco grandes regiões do país, com predomínio de estudantes do estado de São Paulo, sobretudo, mulheres jovens cursando faculdades públicas em período integral de ensino. Salienta-se que a amostra jovem, feminina em ensino superior confere um viés de vulnerabilidade a sintomas ansiosos e estresse diante da COVID-19 segundo a literatura de pesquisas realizadas na América Latina (Silva et al., 2021).
Apesar do ensino remoto emergencial (ERE) ter como premissa promover o ensino e aprendizagem mesmo a distância, foi possível identificar assim como em outros estudos potenciais impactos negativos da pandemia e do ERE na saúde mental dos universitários, em virtude de elevada percepção de cansaço e sobrecarga associada ao ERE quando comparada ao modelo presencial, além de frequência significativa de queixas de cefaleia, sintomas de ansiedade, de estresse e de tristeza (Flores et al., 2021; Silva et al., 2021; Souza et al., 2020).
Não somente, o presente estudo identificou correlações relevantes e que convergem com os achados da literatura quanto ao prejuízo do desempenho acadêmico pela adoção do ERE com impacto negativo nas relações afetivas, na qualidade de vida e pelo aparecimento de sintomas de ansiedade, tristeza e irritabilidade nos universitários (Al-Rabiaah et al., 2020; Cao et al., 2020; Corre, et al., 2020; Lima et al., 2020).
Esses achados podem estar associados a quarentena e suas consequentes rupturas que impõem um estado de luto coletivo (e muitas vezes não reconhecido), que associado a uma perspectiva de futuro incerto, impacta a população universitária seja por ameaças aos cronogramas de formação, cancelamento de projetos e quebras de vínculos afetivos. Outro aspecto relevante envolve o impacto emocional e financeiro da desaceleração econômica repentina nas famílias, barreiras para continuidade de tratamentos de saúde e as limitações encontradas pelas IES para desenvolver estratégias satisfatórias de ERE (Ornell, et. al., 2020)
Entre os estudantes foi possível observar de uma forma geral que o otimismo quanto a capacidade de enfrentamento da pandemia pelo país foi baixa, se por um lado havia confiança na capacidade dos pesquisadores e profissionais da saúde, por outro foi baixa a percepção de confiança nos posicionamentos políticos para gerenciamento da crise sistêmica desencadeada pela pandemia. A análise desses dados aponta que a baixa confiança pode ter influenciados em maior percepção de sintomas de ansiedade, estresse e tristeza. Outros estudos apontam uma relação semelhante ao afirmarem que a confiança nas ações governamentais e nos profissionais da saúde diminuem sintomas ansiosos em situações de desastres (Ornell, et. al., 2020) bem como em crises de ameaça a saúde pública (Bechtel, O'Brochta, &Tavits, 2020).
Os resultados não apontam para a modalidade de ERE como causa isolada de prejuízos ao bem estar dos estudantes. Pelo contrário, identifica que fatores de vulnerabilidade e proteção de ordem pessoal e macrossocial podem influenciar de forma importante na experiência dos universitários e impactar de maneira diversa em sua qualidade de vida.
É preciso também considerar que a implementação das estratégias de ERE no Brasil foram influenciadas pelas profundas condições de desigualdade social do país que se forem ignoradas podem acarretar em abismos ainda maiores de oportunidades e de acesso à educação de qualidade. Outro ponto relevante é que a modalidade dificulta uma sensação de segurança quanto a qualidade da formação acadêmica, especialmente entre alunos das séries mais avançadas nos cursos de graduação. De qualquer modo, os dados podem fundamentar medidas de prevenção e redução de agravos sugerindo às IES ampliar e divulgar os serviços de suporte psicopedagógicos aos aluno com ênfase na prestação de cuidados a saúde mental, bem como desenvolver um espaço de acolhimento e escuta entre docentes e discentes que vise melhorias e feedbacks com relação ao planejamento das estratégias de ensino, além de possibilitar identificar universitários com dificuldades de ajustamentos a ERE ou em situação de vulnerabilidade psicossocial.
As limitações desse estudo precisam ser consideradas, em especial por se tratar de uma pesquisa de desenho transversal com um viés de coleta dos dados ainda nos primeiros meses de ajustamento a pandemia o que pode ter amplificado indicadores de mal estar psicológico. Ademais, o estudo também é limitado quanto ao tipo de amostragem utilizada que não foi probabilística. Por sua vez, nossa amostra foi composta majoritariamente por pessoas do sexo feminino, residentes do Estado de São Paulo e sem vínculo empregatício, o que impossibilita a generalização dos dados encontrados quanto a população universitária brasileira.
Recomenda-se, portanto, estudos que possam acompanhar a transição das atividades universitárias no pós-pandemia com o intuito de identificar legados positivos da experiência dos modelos de ERE, e também as potenciais consequências em déficits de aprendizado e de vulnerabilidades persistentes na saúde mental e bem estar dos universitários.