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Lingüística
versión On-line ISSN 2079-312X
Lingüística vol.30 no.2 Montevideo dic. 2014
Lingüística / Vol. 30 (2), Diciembre 2014: 345-351
ISSN 1132-0214 impresa
ISSN 2079-312X en línea
MARIA HELENA DE MOURA NEVES E VÂNIA CASSEB GALVÃO (Orgs.).
Gramáticas contemporâneas do português: com a palavra os autores,
São Paulo, Parábola. 160p. 2014. ISBN 978-85-7934-086-4
Resenhado por: Marize Mattos Dall’ Aglio-Hattnher
Universidade Estadual Paulista/CNPq)
Impossível falar sobre esta obra sem, inicialmente, fazer menção ao evento inédito e grandioso que lhe deu origem. Os organizadores do IV Simpósio Mundial de Estudos de Língua Portuguesa (SIMELP), realizado em 2013 em Goiânia, Brasil, reuniram, em uma única mesa-redonda, os principais gramáticos contemporâneos da língua portuguesa: Evanildo Bechara, Maria Helena Mira Mateus, Mário Perini, Maria Helena de Moura Neves, José Carlos Azeredo, Ataliba Teixeira de Castilho e Marcos Bagno. Somaram-se a esse grupo já ilustre dois grandes comentaristas: Marly Quadros Leite e Francisco Roberto Platão Savioli, que analisaram a contribuição dessas gramáticas em dois âmbitos diferentes: a história recente das ideias linguísticas e o ensino da língua portuguesa.
Mesmo para o leitor que não tenha testemunhado esse encontro, de aproximadamente cinco horas de duração e público de mais de mil pessoas, a grandiosidade do momento ainda é palpável nas páginas dessa bem cuidada obra, destinada a todos os estudiosos da língua portuguesa. De leitura fácil e prazerosa, a importância da obra pode ser avaliada por dois prismas: pela qualidade inerente a cada gramática comentada por seus próprios autores e pelo retrato histórico que os textos compõem.
Todos os autores foram instigados a explicar como definem sua própria gramática, e o resultado forma um bloco coeso de “tradicionalistas, formalistas e funcionalistas” (p. 11). Como bem dizem Maria Helena de Moura Neves e Vânia Casseb, organizadoras da mesa-redonda e do livro, essa é “mais uma faceta da nossa língua portuguesa: unir os improváveis e torná-los uma unidade” (p. 11).
Os capítulos foram organizados pela ordem cronológica de publicação das obras comentadas. No primeiro capítulo, Evanildo Bechara situa sua obra Moderna gramática portuguesa, publicada em primeira edição em 1961, dentro do movimento renovador da chamada gramática tradicional. E para compor esse contexto, Bechara faz uma defesa da gramática descritiva, deixando claro que, a despeito de ser a língua “variável no espaço e na hierarquia social, ou ainda num mesmo indivíduo” (p. 21), a gramática descritiva que vise, mesmo que indiretamente, o ensino escolar deverá tomar como objeto o uso falado e escrito considerado culto. Ao definir para quem se faz uma gramática, Bechara concluiu: “elabora-se uma gramática para preparar o usuário da língua a, através dela, aperfeiçoar sua educação linguística” (p. 30).
No segundo capítulo, Maria Helena de Mira Mateus, representando a gramática contemporânea do português europeu, comenta a obra Gramática da língua portuguesa, escrita com a coautoria de Inês Duarte, Ana Maria Brito e Isabel Hub Faria na primeira edição (1983) e, em edição revista e ampliada (2003), com o acréscimo de outras cinco autoras: Sônia Frota, Gabriela Matos, Fátima Oliveira, Marina Vigário e Alina Villalva. Mantendo o objetivo de “apresentar uma descrição global e sistemática do Português que tente, pela primeira vez, uma sistematização da dimensão pragmática da língua e dos fatores nela intervenientes” (p. 32) e os princípios teóricos e metodológicos gerativistas da primeira edição, a segunda edição trouxe um aprofundamento das análises e uma expansão da cobertura linguística, o que resultou em um volume quantitativamente três vezes maior do que o primeiro. Mas a diferença fundamental que norteou a elaboração da edição revista e ampliada foi “a preocupação de tornar mais legível a obra por um público mais alargado o que implicou um cuidado quase pedagógico em muitas circunstâncias nas análises e sua explicação” (p. 42, grifos originais). O texto de Mira Mateus termina com uma ilustração cabal desse cuidado com a análise da harmonização vocálica e do abaixamento das vogais do radical na flexão verbal.
O terceiro capítulo traz as considerações de Mario Perini sobre sua Gramática do português brasileiro, publicada em 2010. Colocando a sua obra gramatical como uma tentativa de resposta às perguntas “Por que ensinar gramática e que gramática ensinar?”. Perini defende a tese de que “o estudo de gramática deve ser parte da formação científica dos alunos - e se não for isso não terá grande utilidade” (p. 49). Ao colocar a gramática como uma disciplina científica, Perini estabelece, como condição necessária, o compromisso do gramático com os dados da realidade. Como consequência primeira desse compromisso, o prescritivismo cede seu espaço para a observação e a representação clara dos fatos, uma vez que, em ciência, “não cabem observações do tipo ‘deveria ser assim’, ou ‘eu acho bonito assim’”.
A Gramática de usos do português (publicada em 2000 e atualizada em 2001) e a Gramática do português revelada em textos (título provisório, no prelo) são comentadas por Maria Helena de Moura Neves no quarto capítulo. A autora associa suas obras aos princípios funcionalistas de descrição dos fatos gramaticais em sua ligação com as funções da linguagem, por meio de análises dos usos reais que integrem aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos, o que significa considerar que “a gramática se estende a processos que atingem o nível do texto, avaliado como produção discursiva, ficando incluídas, na raiz, as determinações da interação” (p. 70). Ao detalhar os seus propósitos na elaboração das suas gramáticas, Neves define com clareza ímpar a tarefa dos gramáticos: “reconhecer e testemunhar a vida e a liberdade da linguagem, e não engajar-se e empenhar-se na tarefa de atribuir-lhe pura submissão, prisão e inanidade”.
No quinto capítulo, José Carlos de Azeredo define a Gramática Houaiss da língua portuguesa, de sua autoria, publicada em 2008. Tendo como objeto a variedade padrão escrita do português em uso no Brasil, essa obra foi elaborada para “quaisquer brasileiros cuja formação em língua portuguesa requeira, por motivos socioculturais diversos, competência produtiva (expressão) e receptiva(compreensão) na modalidade escrita padrão” (p. 83). Nesse capítulo, Azeredo se ocupa em deixar claro o entendimento que faz da variedade padrão, caracterizando-a como uma variedade elástica, que comporta usos alternativos, pontuando sua obra como planejada e escrita pela ótica de um professor de língua portuguesa.
Ataliba Teixeira de Castilho fala sobre a Nova gramática do português brasileiro, publicada em 2010, no sexto capítulo. Priorizando a descrição dos processos criativos do português brasileiro, o autor assenta suas análises em uma abordagem multissistêmicada língua, com forte conteúdo funcionalista-cognitivista. As especificidades dessa obra, que, como pontua Castilho, se afasta deliberadamente do gênero gramática, são muitas. Ao lado de “informações sobre o conhecimento disponível” sobre os muitos processos descritos e de ofertas de “metodologias para que se achem novas respostas”, o autor endereça uma série de perguntas ao leitor, com o intuito de envolvê-lo na reflexão linguística apresentada. Para os interessados em aprofundar seus conhecimentos, são fornecidas atualizadas listas de leituras.
A gramática mais recente do conjunto analisado é a Gramática pedagógica do português brasileiro, de Marcos Bagno, publicada em 2012. A intenção declarada do autor, de que sua gramática possa preencher lacunas na formação docente ofertada hoje, no Brasil, determina o perfil desta obra, que busca, com base em uma descrição da realidade sociolinguística do português brasileiro contemporâneo, “sugerir que as características lexicográficas já há muito tempo fixadas nas variedades urbanas de prestígio, faladas e escritas [...] sejam o verdadeiro objeto de uma pedagogia de língua materna sintonizada com os avanços da pesquisa linguística e das ciências da educação” (p. 95). Coerente com essa proposta, o autor assume uma militância política “em favor do reconhecimento definitivo de que o português europeu e o português brasileiro já constituem duas línguas diferentes” (p. 95), o que explica o qualificativo propositiva que o autor assume para definir sua gramática: “ela descreve, mas também propõe uma nova norma linguística para o ensino [...] uma norma que já existe, ‘tácita ou recalcada’, e que tem de ser legitimada para que o Brasil exorcize de vez o fantasma colonial que ainda assombra nossas concepções de língua e de ensino de língua” (p. 111).
A esses sete capítulos em que os autores definem suas gramáticas, seguem-se os excelentes comentários de Marli Quadros Leite e Francisco Platão Savioli sobre a representatividade dessas obras para a história das ideias linguísticas e para o ensino da língua portuguesa. São dois capítulos que dão unidade ao todo, valorizando ainda mais o conjunto de textos que, por si só, já se configura primoroso.
Os comentários de Leite compõem o capítulo intitulado “Tradição, invenção e inovação em gramáticas da língua portuguesa” e mostram que a gramática é “um gênero do discurso relativamente estável tanto no que diz respeito à composição formal quanto ao conteúdo temático.” A despeito das muitas inovações que cada uma dessas gramáticas representa, a seu tempo, a análise de Leite identifica as semelhanças na descrição e interpretação das categorias linguísticas. Destaca-se, nesse contexto, a interessante análise que a autora faz da terminologia empregada em cada gramática para definir seu objeto, mostrando “como a gramática, em seu dinamismo, acompanha o desenvolvimento das ciências da linguagem, quando revelam a existência de um outro ponto de vista na interpretação de seu objeto” (p. 125).
Por fim, Savioli analisa a influência dessas gramáticas para as práticas pedagógicas relativas ao ensino de língua portuguesa no Brasil, organizando-a em três estágios: o primeiro, localizado entre meados de 1960 e fins de 1970, “é o momento mais inexpressivo do ensino da gramática”; o segundo, localizado entre o início da década de 1980 e fins da década de 1990, é descrito como “um período de transição e de contrastes”; o terceiro estágio, situado a partir do ano de 2000, é considerado pelo autor como o estágio da consolidação de mudanças sustentáveis. Cada um desses estágios é introduzido por um texto claro e instigante que alinha as contribuições das gramáticas comentadas. A argumentação para a identificação desses estágios provém da análise de questões de língua portuguesa utilizadas em exames vestibulares de grandes universidades do país.
Como bem aponta Marli Quadros em seus comentários sobre as sete gramáticas analisadas na obra, “como objeto cultural, a gramática, mesmo mantendo a estrutura original, que constitui seu modelo, “reflete e refrata” o conhecimento de seu tempo” (p. 116). E é esse um mérito indiscutível do livro Gramáticas do português contemporâneo: nele se encontra um interessantíssimo retrato do percurso de elaboração do conhecimento gramatical posto, revisto e renovado no tempo de cada obra, bem como da visão do próprio objeto de estudo dessas gramáticas contemporâneas do português. Trata-se de obra essencial pelo teor dos capítulos e pelo valor histórico que constitui.
Referências Bibliográficas
Azeredo, José Carlos de. 2008. Gramática Houaiss da língua portuguesa, São Paulo, Publifolha.
Bagno, Marcos. 2012. Gramática pedagógica do português brasileiro, São Paulo, Parábola.
Bechara, Evanildo. 1961. Moderna Gramática Portuguesa, São Paulo, Companhia Editora Nacional.
______. 1999. Moderna gramática do português contemporâneo, 37ª ed., Rio de Janeiro, Lucerna.
Castilho, Ataliba Teixeira de. 2010. Nova gramática do português brasileiro, São Paulo, Contexto.
Mateus, Maria Helena Mira et al. 2003. Gramática da Língua Portuguesa, 7ª ed. revista e aumentada, Lisboa, Caminho, [1983].
Neves, Maria Helena de Moura. 2000. Gramática de usos do português, São Paulo, Editora da UNESP.
______. 2011. Gramática de usos do português, 2ª ed. revisada, São Paulo, Editora da UNESP.
______. A gramática do português revelada em textos, São Paulo, Editora UNESP, no prelo.
Perini, Mário Alberto. 2010. Gramática do português brasileiro, São Paulo, Parábola.