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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.32 no.2 Montevideo nov. 2016

https://doi.org/10.5935/2079-312X.20160014 

Lingüística

Vol. 32-2diciembre 2016: 9-24

ISSN 2079-312X en línea

ISSN 1132-0214 impresa

DOI:  10.5935/2079-312X.20160014

 

 

 

A ENUNCIAÇÃO NOS CONTEXTOS DE TRABALHO: TRAÇOS DE UMA ORDEM TÉCNICA E POLÍTICA

 

THE ENUNCIATION IN WORKING CONTEXTS: FEATURES OF TECHNICAL AND POLITICAL ORDER

 

Fátima Pessoa

Universidade Federal do Pará

fpessoa37@gmail.com

 

Hélio Moreira

Universidade Federal do Pará

helfm@yahoo.com.br

 

 

Neste artigo, propõe-se uma discussão acerca da centralidade da linguagem para a realização das atividades de trabalho, em contextos específicos do trabalho jurídico, situados na esfera penal. Os conceitos de prática discursiva e de atividade são mobilizados para questionar a ordem institucional do trabalho jurídico, o debate de normas que o sujeito realiza na execução do seu trabalho e a produção do texto como lugar de escuta de seus investimentos na ordem discursiva e laboral. Analisando-se a composição de laudos de um inquérito policial, busca-se compreender o processo de mediação discursiva nos documentos que pretendem registrar a realidade dos fatos. Entende-se que essa articulação entre os postulados da Análise do Discurso e da Ergologia revela a contribuição da Linguística para pensar as questões relativas aos processos de (re)produção do trabalho e a contribuição da Ergologia para pensar as questões relativas às determinações histórico-políticas sobre os processos de produção de sentidos.

 

Palavras-chave: Prática discursiva. Atividade. Trabalho jurídico.

 

Keywords: Discursive practice. Activity. Legal work.

 

This paper proposes a discussion about the centrality of language to carry out the work activities in specific contexts of legal work, situated in criminal spheres. The concepts of discursive practice and activity are mobilized to question the institutional order of the legal work, the debate of the rules that the subject performs in the execution of his labour and the production of text as listening place of his investments in the discursive and working order. Analyzing the composition of reports of a police investigation, we search to understand the process of discursive mediation in the documents that is supposed to be records of actual facts. We understand that this link between the postulates of discourse analysis and Ergology reveals the contribution of linguistics to consider issues relating to the processes of (re) production of the work and the contribution of Ergology to consider issues relating to historical and political determinations on the process of production of meaning.

 

Recibido: 25/01/2016; Aceptado: 27/03/2016)

 

 

1. Introdução

 

Os fenômenos relacionados à linguagem e ao trabalho constituem domínios de investigação científica que têm gerado saberes sobre as dimensões implicadas em sua organização, seu funcionamento, suas transformações, seu estatuto político-ideológico na relação entre os homens. São pesquisas em diferentes perspectivas, muitas delas privilegiando uma abordagem pluridisciplinar, em virtude da grande complexidade que caracteriza ambos os fenômenos. Nesse lugar de fronteiras disciplinares situam-se a abordagem enunciativo-discursiva dos fenômenos de linguagem e a abordagem ergológica dos fenômenos do trabalho, perspectivas que têm sido articuladas na busca por compreender as relações entre os dois fenômenos sociais.

 

Os estudos que investigam as relações entre os fenômenos enunciativo-discursivos e os fenômenos laborais assumem como pressuposto a ideia de que ambos os fenômenos são dinâmicos e plásticos, suscetíveis a transformações desencadeadas pela singularidade das (enunci)ações, ao mesmo tempo em que se vinculam a contextos político-institucionais que imprimem certa estabilidade aos atos verbais e não verbais no curso da história. Os postulados enunciativo-discursivos mobilizados em estudos dessa ordem enfatizam a tensão entre o caráter situado do processo de produção de sentidos e a relação com os já-ditos que se adensam nas novas enunciações. Os postulados ergológicos em que se apoiam tais estudos, do mesmo modo, discorrem sobre essa tensão entre o instituído e o investido, confrontados permanentemente nas ações que realizam os sujeitos no espaço de trabalho. A articulação entre essas perspectivas na compreensão das relações entre linguagem e trabalho, portanto, se torna possível em razão de em ambas estarem os pesquisadores atentos às determinações histórico-políticas que incidem sobre os processos por meio dos quais se constituem os sentidos nas e sobre as atividades de trabalho. Refletir sobre as relações entre linguagem e trabalho tem permitido aos pesquisadores que integram o GT da ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística) denominado Linguagem, Enunciação e Trabalho investigar práticas de linguagem em situações de trabalho e práticas de linguagem sobre as situações de trabalho, ambas as direções marcadas pela complexidade do espaço movediço em que se configuram ações carregadas de sentidos.

 

Inseridas nesse contexto de investigações sobre as relações entre linguagem e trabalho, as reflexões reunidas no presente artigo dizem respeito às práticas de linguagem em situações de trabalho, discutindo-se os principais conceitos mobilizados para compreender a complexidade dessas relações e interpretando-se, com base nesses conceitos, os processos de produção de sentidos em contextos específicos do trabalho jurídico, situados especificamente na esfera penal.

 

O campo jurídico penal configura-se como um lugar de práticas discursivas que estabilizam o status ontológico de sujeitos acusados, constituídos como inocentes ou culpados por meio de sentenças condenatórias ou absolutórias. O inquérito policial, a denúncia, as alegações preliminares e as alegações finais são documentos juntados ao processo penal que consubstanciam o produto do trabalho realizado por agentes legitimados para atuar nesse campo, por meio de um processo interativo que se desenvolve no curso da apuração de condutas indicativas de ilicitude imputadas aos acusados. Esses textos cumprem funções jurídicas distintas e funcionam discursivamente conforme regras semânticas que lhes são próprias.

 

O trabalho desenvolvido por delegados, peritos, promotores e defensores, cuja principal materialidade é a linguagem, visa à descrição dos fatos e à construção de relações entre eles, para que, após apreciação racional, o juiz possa sentenciar o acusado com base na legislação penal, na doutrina jurídica e nos enunciados jurisprudenciais.

 

Considerando-se esse contexto de trabalho, a persecução penal configura-se, então, como momentos de produção, circulação e leitura de textos que abordam as condutas indicativas de ilicitude, cujo objetivo é prover o juiz com as informações necessárias à formação do seu livre convencimento. Assim, as ações exercidas por meio da linguagem no curso da persecução penal tomam as condutas indicativas de ilicitude como objeto de discurso e visam à produção de sentidos a elas imputados.

 

Portanto, do inquérito à sentença, a linguagem é fundamental no desenvolvimento de todo o trabalho de apuração e julgamento de possíveis condutas ilícitas, pois, por meio das ações verbais, constituem-se sentidos que expressam a representação ideal do Estado Democrático de Direito e da Justiça, que legitimam o direito de punir do Estado.

 

 

2. Os aportes conceituais para a compreensão das práticas de linguagem em situação de trabalho

 

Dois são os conceitos considerados neste artigo como a porta de entrada para tecer as relações interdisciplinares entre a Análise do Discurso e a Ergologia no percurso teórico-metodológico por meio do qual se busca compreender as complexas relações entre linguagem e trabalho. Dos postulados da Análise do Discurso, considera-se como central o conceito de prática discursiva, proposto por Maingueneau (2005). Entende-se por prática discursiva os processos por meio dos quais se constituem os sentidos e as ordens institucionais que favorecem sua emergência. Essa proposição teórica pontua a remissão constante entre as possibilidades de sentido sobre os objetos de discurso e a ordem relacional na qual se dispõem os sujeitos que enunciam, o que desvenda a injunção recíproca entre formações discursivas e comunidades discursivas. Nas palavras de Maingueneau (1997), esse conceito assim se apresenta:

 

A noção de “prática discursiva” integra, pois, estes dois elementos: por um lado, a formação discursiva, por outro, o que chamaremos de comunidade discursiva, isto é, o grupo ou a organização de grupos no interior dos quais são produzidos, gerados os textos que dependem da formação discursiva. A “comunidade discursiva” não deve ser entendida de forma excessivamente restritiva: ela não remete unicamente aos grupos (instituições e relações entre agentes), mas também a tudo que estes grupos implicam no plano da organização material e modos de vida. (Maingueneau 1997: 56, grifos do autor)

 

Entende-se que uma comunidade discursiva atua como mediadora entre os sentidos possíveis atribuídos aos objetos de discurso e os sujeitos para quem tais objetos são relevantes em um determinado campo discursivo[1]. Inscrever-se em uma comunidade discursiva é, portanto, estar qualificado para tomar a palavra, para enunciar em uma ordem institucional mediadora. Entende-se que, com base nessa concepção do funcionamento discursivo, as regularidades enunciativas que caracterizam os discursos se revelam tanto por meio da materialidade linguística dos enunciados quanto por meio das formas de ação nas quais se engajam os enunciadores, sustentando, assim, uma percepção do funcionamento discursivo enquanto prática. É o que defende Maingueneau (2005):

 

Essas reflexões sobre a relação entre semântica do discurso e instituição nos conduzem, pois, a tomar distância em relação à idéia segundo a qual ela seria um simples “suporte” para as enunciações que seriam fundamentalmente exteriores a ela.

Ao contrário, parece muito claro que essas enunciações são parte da mesma dinâmica semântica que a instituição. Não se poderia, pois, fazer funcionar aqui o esquema de tipo “infraestrutural”, sendo a instituição a causa e o discurso seu reflexo ilusório. A organização dos homens aparece como um discurso em ato, enquanto que o discurso se desenvolve sobre as próprias categorias que estruturam essa organização. (Maingueneau 2005: 134, grifos do autor)

 

Assumindo-se a centralidade desse conceito para refletir acerca da relação entre linguagem e trabalho, é possível considerar, na análise de práticas de linguagem em situações de trabalho, não somente o exercício enunciativo em que se engaja o sujeito, mas também a sua inserção institucional ao tomar a palavra nesse contexto, em parte determinante das suas possibilidades de significar e das condições de silenciamento que incidem sobre sua enunciação.

 

Do mesmo modo, é possível considerar não somente a ordem institucional historicamente estabilizada em contextos de trabalho, mas também o exercício enunciativo que legitima essa ordem ou que a subverte nos movimentos de resistência a ela. Retomando-se a defesa sobre a articulação teórico-metodológica entre Análise do Discurso e Ergologia, reforça-se que a relevância do conceito de prática discursiva para sustentar esta agenda de investigações está no fato de, por meio dele, focalizar-se a tensão entre a novidade e a repetição, nas palavras de Possenti (2002):

 

Se isso for correto [o autor se refere à hipótese de que a cada enunciação há sempre uma retomada e alguma novidade], pode-se fazer valer as duas noções de enunciação correntes na bibliografia, a que privilegia a instância da enunciação e a que privilegia a posição enunciativa: uma explica a novidade, outra, a repetição. (Possenti 2002: 186).

 

Por sua vez, dos postulados da Ergologia, considera-se como central o conceito de atividade, noção estruturante do conceito de trabalho em perspectiva ergonômica, mas que a Ergologia amplia sensivelmente, conforme as palavras de Durrive (2010):

 

a ação tem um início e um fim determinados; ela pode ser identificada (gesto, marca), imputada a uma decisão, submetida a uma razão: por exemplo, um modo de uso é uma lista de ações. Já atividade é um élan de vida e de saúde, sem limite predefinido, que sintetiza, atravessa e liga tudo o que as disciplinas têm representado separadamente: o corpo e o espírito; o individual e o coletivo; o fazer e os valores; o privado e o profissional, o imposto e o desejado etc. (Durrive 2010: 19, grifos do autor).

 

As palavras de Durrive (2010) já evocam o espaço de tensão em que também se situam os interesses da Ergologia e que se caracteriza pela negociação de normas, conforme afirma Schwartz:

 

Penso que uma das bases do que nós podemos chamar de perspectiva ergológica (que finca suas raízes em um certo número de pesquisas, de práticas – afinal ela não nasceu do nada) é a constatação de que somos sempre apanhados pela retarguarda, no que tange à atividade humana. Ela está sempre, em um dado meio, em negociação de normas. Trata-se de normas anteriores à própria atividade: a atividade negocia essas normas em função daquilo que são as suas próprias.

Qualquer que seja a situação, há sempre uma negociação que se instaura. E cada ser humano – e principalmente cada ser humano no trabalho – tenta mais ou menos (e sua tentativa nem sempre é bem sucedida) recompor, em parte, o meio de trabalho em função do que ele é, do que ele desejaria que fosse o universo que o circunda. (Schwartz et al. 2010: 31, grifos dos autores).

 

Nessa perspectiva da tensão e da negociação permanentes envolvidas na atividade de trabalho, Trinquet (2012) a define como atividade humana de adaptação dinâmica às circunstâncias materiais, técnicas, organizacionais, econômicas dos contextos do trabalho, assim como aos preceitos éticos, morais, culturais, ideológicos dos sujeitos do trabalho[2]. Nesses debates de normas entre o prescrito e o real, entre o instituído e o investido, tem centralidade a linguagem, uma vez que se entende, no âmbito da Ergologia, que é somente pela linguagem que se pode recuperar e formalizar as experiências práticas de modo a construir saberes que serão sempre confrontados à experiência singular da atividade de trabalho. Esse processo dialético de formalização dos saberes sobre o trabalho e de renormalizações desses saberes nas experiências singulares se apresenta para Faïta (2010) como “uma atividade na atividade”: a linguagem é entendida como uma atividade que conduz à transformação de si e dos outros, portanto a renormalizações, parte constituinte das atividades de trabalho, que a mobiliza para sua execução. Nas palavras de Faïta (2010: 180): “Como uma atividade na atividade, o dizer estrutura o fazer no espaço e no tempo”.

 

Assumindo-se a centralidade desse conceito, ao lado do conceito de prática discursiva, para refletir acerca da relação entre linguagem e trabalho, é possível considerar, na análise das práticas de linguagem em situações de trabalho e práticas de linguagem sobre as situações de trabalho, não somente as formas por meio das quais os sujeitos se reconhecem como parte de uma ordem institucional que define a priori os modos de realização do trabalho, mas também os investimentos locais dos enunciadores para constituírem sentidos sobre o seu trabalho, que os situam nessa ordem e permitem a eles nela se moverem. Entende-se, portanto, que na construção dessa relação interdisciplinar, a Análise do Discurso e a Ergologia encontram-se em um ponto de um percurso que inicia em plataformas diferentes e em direções contrárias: a AD, para compreender o funcionamento enunciativo-discursivo, expande seus limites de investigação, confrontando a superfície textual com a ordem institucional que permite a sua emergência; a Ergologia, para compreender o funcionamento da atividade de trabalho, expande seus limites de investigação, confrontando a ação observável do sujeito do trabalho na ordem institucional da qual faz parte com a ordem do dizer o/no trabalho, que a reconstrói discursivamente.

 

A articulação entre essas perspectivas distintas, mas convergentes, aponta para a constituição de saberes sobre a relação entre linguagem e trabalho que desvendam processos constantes de alinhamento a uma ordem institucional e/ou de confrontação a essa mesma ordem, na (re)constituição de identidades e de relações de alteridade. A compreensão de tais processos na ordem do dizer e do fazer nos contextos de trabalho é possível ao se investigar as situações em que os sujeitos verbalizam sobre seu fazer em contextos de trabalho e também ao se investigar as situações em que os sujeitos enunciam no contexto do trabalho, situações em que a palavra é a materialidade do trabalho. É nesse sentido que se entende a contribuição da Linguística para pensar as questões relativas aos processos de (re)produção do trabalho e a contribuição da Ergologia para pensar as questões relativas às determinações histórico-políticas sobre os processos de produção de sentidos. Essa articulação só é possível com o deslocamento do caráter representativo da linguagem em direção a seu caráter constitutivo e com o deslocamento do caráter técnico do trabalho em direção a seu caráter político. Como mobilizar os dados de análise com vistas à interpretação dos processos que envolvem sentidos, sujeitos, poderes e saberes nos contextos de trabalho é o exercício no qual se investirá a partir deste ponto do texto.

 

 

3. A palavra enquanto materialidade da atividade de trabalho

 

O estatuto que o trabalho assume nos estudos que se ocupam das relações humanas na perspectiva do materialismo histórico é o de um poder emancipador do homem em relação à natureza e em relação aos outros homens. Nessa perspectiva, que não é de modo algum estranha à Análise do Discurso[3], a capacidade de transformar a natureza para atender às necessidades vitais do homem e, desse modo, transformar também a ele mesmo é considerada característica ontológica singularmente humana, conforme Antunes (2009). Em conformidade com esse ponto de vista, acrescente-se que, no contexto dessas transformações, tem centralidade a linguagem, uma vez que a capacidade de transformar a natureza e a si mesmo gera entre os homens a necessidade de “regulação do processo de trabalho, pela qual o necessário intercâmbio comunitário com a natureza possa produzir os bens requeridos, os instrumentos de trabalho, os empreendimentos produtivos e o conhecimento para a satisfação das necessidades humanas” (Antunes, 2009, p.22). No entanto, é preciso considerar também que, no atual contexto histórico capitalista, o estatuto emancipador do trabalho se transforma em poder dominante e alienante quando, segundo Antunes (2009), opera-se a subordinação estrutural do trabalho ao capital e à organização social hierárquica implicada nesta operação. Essa subversão histórica do poder emancipador do trabalho em poder dominante e alienante se efetiva, também, por meio de discursos que legitimam mediações de segunda ordem[4] entre os sujeitos. Nessa abordagem macroscópica são reconhecidas as formas de relação entre linguagem e trabalho, evidenciando-se que entre esses fenômenos há uma integração que torna complexas as dimensões de sua estrutura e seu funcionamento. Do mesmo modo, pode-se reconhecer essa integração linguagem e trabalho em uma abordagem microscópica, observando-se a capitalização simbólica da atividade de trabalho pela linguagem, como defende a perspectiva ergológica. Nessa perspectiva, entende-se que uma situação local de trabalho contém também as questões relevantes de ordem social relacionadas às transformações do universo do trabalho, como afirmam Schwartz, Durrive e Duc (2010, p.31): “Uma situação de trabalho contém as questões da sociedade. Inversamente, pela maneira como se trabalha, cada um toma posição nestes debates da sociedade e os recompõe na sua escala”. Por essa razão, ocupar-se do exercício enunciativo nos espaços de trabalho é situar-se no espaço de tensão já referido em que as (enunci)ações singulares confrontam-se ao contexto geral da atividade em que os sujeitos se engajam. Portanto, não se trata de modo algum de privilegiar as (enunci)ações individuais isoladamente, mas de interrogar as regularidades enunciativas determinadas pela ordem histórico-política que se atualizam a cada tomada da palavra, contribuição que a Análise do Discurso pode oferecer à compreensão das relações humanas.

 

Nesse contexto teórico-metodológico, defende-se que as práticas de linguagem em situações de trabalho são consideradas espaços de escuta do trabalhador, bem como o são as práticas de linguagem sobre as situações de trabalho. Entende-se que, nas práticas de linguagem sobre as situações de trabalho, o sujeito verbaliza, em certa medida, o debate de normas implicado em sua atividade laboral. Já nas práticas de linguagem em situações de trabalho, o sujeito realiza o debate de normas que caracteriza sua atividade laboral ao enunciar e, na materialidade de sua enunciação, encontram-se os traços que o revela.

 

É nesse ponto que se adensa a relação entre a Análise do Discurso e a Ergologia, pois, por um lado, interroga-se o processo de produção de sentidos no contexto específico do trabalho, considerando-se esse espaço como um espaço de constituição, manutenção e transformação de discursos e, consequentemente, um espaço de constituição discursiva de identidades e de relações sociais; por outro lado, interroga-se, ao se investigar o exercício enunciativo, o investimento acional do sujeito para a realização do trabalho, ações que legitimam sua inserção em uma comunidade discursiva.

 

Embora as investigações sobre a complexidade das atividades de trabalho privilegiem o trabalho industrioso, local onde as práticas de linguagem estão presentes, propõe-se aqui a constituição de um lugar de observação do trabalho e de escuta do trabalhador nos espaços onde a palavra seja a materialidade produzida pela atividade laboral. São contextos diversos, marcados por uma menor ou maior rotinização na produção de textos, por meio dos quais os sujeitos fazem circular informações, promovem produtos, serviços e/ou pessoas, ocupam-se do registro de fatos de relevância social, regulamentam práticas sociais, profissionais e/ou cotidianas, garantem entretenimento, entre tantas outras ações que organizam as relações comunitárias em busca do ajuste das condutas em uma direção comum. São atividades de trabalho marcadas pela alteridade, uma vez que o lugar do outro encontra-se, já de início, implicado no debate de normas acionado para a realização do trabalho, em razão da natureza intersubjetiva de sua materialidade. Deve-se enfatizar que também são atividades de trabalho que não se resumem a transmitir informações ao outro, trata-se de agir sobre ele, buscando conformá-lo à ordem vigente para aquela comunidade discursiva que se legitima pelas (enunci)ações. Portanto, são práticas de linguagem em situações de trabalho consideradas práticas discursivas, porque fundam objetos de discurso e comunidades discursivas legitimadas a dar sentido a esses objetos no contexto das atividades laborais.

 

O contexto de trabalho privilegiado no escopo deste artigo é o contexto do trabalho jurídico, tendo como referência as atividades de trabalho desenvolvidas em sua fase inquisitorial.

 

De acordo com Durkheim (1995), na sociedade urbano-industrial o Direito constitui o símbolo mais expressivo do processo de regulamentação da vida social, visto a norma jurídica constituir-se como instrumento institucionalizado de controle social, que dispõe de força coercitiva para impor seu comando normativo aos indivíduos, por meio das instituições socialmente criadas para este fim, tais como a polícia, o ministério público e a organização judiciária. Emanadas de um poder jurídico-político hierarquicamente organizado, localizado nas instituições do estado, as normas penais são constituídas pela associação de preceitos e sanções claramente definidas que regulamentam os comandos proibitivos e suas sanções correlatas, sob a forma de leis e códigos, facilitando a identificação da conduta juridicamente reprovada, bem como a definição da sanção a ser aplicada.

 

Embora enfatize a importância do direito positivo para o ordenamento da vida social, Durkheim (1995) não deixa de observar à interdependência entre as normas jurídicas e as demais normas sociais, visto que àquelas se agregam tradição, costumes e valores. Isso porque as demais normas sociais emanadas das interações ocorridas na família, na igreja, nos locais de trabalho, na escola, entre outros espaços sociais, geram para o indivíduo um conjunto de expectativas sociais, dotadas de força coercitiva indireta, cuja inobservância gera sanções com manifestação variada, tais como o constrangimento sutil e o sentimento de culpa. Assim, a variedade de normas sociais desvela um feixe aberto de expectativas comportamentais relacionadas às tradições familiares e as crenças religiosas constituídas nas menores unidades do sistema social, com vasta força coercitiva e difusa que repercute na regulamentação da vida social e na constituição da norma jurídica.

 

Essa perspectiva da centralidade do Direito para a convivência social, amplamente difundida na doutrina jurídica[5], já descortina, em uma perspectiva macroscópica, a centralidade da relação linguagem e trabalho nesse campo de atuação profissional, uma vez que é por meio da linguagem que as representações sobre convivência social ordenada e sobre controle social são geradas, no funcionamento de práticas discursivas que constituem tais objetos e, ao mesmo tempo, a comunidade discursiva legitimada para reafirmá-lo e agir em nome dele. Entretanto, para além dessa função autoconstituinte que a prática discursiva jurídica assume, o cotidiano da jurisdição, em uma perspectiva microscópica, oferece também farto material para se pensar o campo jurídico como um espaço no qual os sujeitos se constituem pelo exercício enunciativo que realizam na execução de seu trabalho, considerando-se que na realização da atividade há sempre um debate de normas envolvido.

 

Pretende-se, então, investigar os processos de produção de documentos que tornam legítima a pretensão punitiva do Estado perante um cidadão a quem potencialmente se atribui a responsabilidade de uma conduta tipificada no Código Penal Brasileiro, considerando-se que esses documentos são espaços de escuta do trabalhador, para compreender em que medida as práticas, no curso de um processo penal, se alinham ou se distanciam dos princípios dogmáticos do Direito, entendidos na perspectiva que aqui se propõe como os saberes instituídos para o trabalho, em razão dos saberes investidos que são mobilizados no momento de sua realização.

 

Julga-se que o interesse dessa investigação, para a Ergologia, reside na possibilidade de avaliar a produtividade de um outro instrumento de escuta do trabalhador e a ampliação dos domínios da atividade humana que podem ser questionados por meio dos princípios ergológicos; para a Análise do Discurso, na possibilidade de reafirmar a materialidade do enunciado como lugar de determinações histórico-políticas que ratificam e/ou retificam a ordem social vigente; para os estudos sobre o Direito, área do conhecimento sem a qual não seria possível dar andamento a esta pesquisa, na possibilidade de confrontar-se com as práticas ordinárias do campo jurídico em busca de compreender as relações que se estabelecem entre o ideal de um Estado Democrático de Direito discursivamente constituído e um campo estruturado de forças políticas na ordem social vigente que subverte este ideal.

 

 

4. Práticas discursivas no campo jurídico: o inquérito policial

 

No Código de Processo Penal brasileiro, em seu art. 5º §3º, estabelece-se que

Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito. (Brasil, Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941).

 

Capez (2015) assim define o inquérito policial:

É o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (CPP, art. 4º). Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129, I), e o ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para a formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares. (Capez 2015: 110).

 

Mesmo não sendo um procedimento obrigatório para o início de uma ação penal, o inquérito policial oferece substratos para ela em casos em que haja a necessidade de registro de provas imediatas e não repetíveis quanto à materialidade delitiva e sua autoria, como a perícia do local, a emissão de laudos toxiológicos, laudos de exame de corpo de delito, entre outros tipos de documento.

 

O Código de Processo Penal brasileiro estabelece que a condução de um inquérito policial é de responsabilidade da polícia judiciária ou de outras autoridades administrativas do Estado, a quem por lei seja atribuída a mesma função, como as autoridades militares, as comissões parlamentares de inquérito ou o próprio ministério público. Essa atribuição de responsabilidades foi contestada recentemente por meio de uma proposta de emenda constitucional, a PEC 37/2011, que defendia a responsabilidade exclusiva da polícia judiciária na apuração das infrações penais, cabendo ao ministério público a fiscalização dos meios empregados para tal apuração. A defesa dessa ação administrativa, no âmbito do poder legislativo, acerca da regulamentação do trabalho no campo jurídico, foi justificada pela necessidade de o inquérito policial ser conduzido por profissionais devidamente habilitados para o trabalho e de se evitar a recorrência de “procedimentos informais de investigação conduzidos em instrumentos, sem formas, sem controle e sem prazo, condições absolutamente contrárias ao estado de direito vigente” (Mendes 2011: 2). A ação do ministério público contra a iniciativa parlamentar foi o lançamento da campanha “Brasil contra a impunidade”, que classificou a PEC 37/2011 como uma ameaça ao combate à criminalidade e à corrupção.

 

Esse episódio pode ser revelador da tensão que caracteriza o espaço do trabalho da polícia judiciária e do ministério público, uma vez que coloca como principal argumento da disputa pelo direito à investigação criminal o entorno de forças políticas que incidem sobre os sujeitos que realizam o trabalho de investigação, existente na ordem institucional em que se inserem. Conforme o manifesto da campanha “Brasil contra a impunidade[6], a proposta de emenda constitucional atenta contra o regime democrático, a cidadania e o Estado de Direito por restringir a condução da investigação criminal a sujeitos que estão “subordinados direta e hierarquicamente aos chefes do Poder Executivo – Governadores de Estado e Presidente da República” (grifos no documento original) e não gozam da prerrogativa de inamovibilidade[7], o que prejudica “uma atuação livre e desembaraçada, imune às pressões dos poderes político e econômico”. O ministério público, por sua vez, defende no manifesto o argumento de sua autonomia institucional em relação ao poderes da república.

 

Essa denúncia aponta então para o confronto entre saberes instituídos que regulam o trabalho de investigação criminal, dispostos nos documentos oficiais que a esse trabalho se referem, e os saberes investidos que afetam a realização do trabalho como uma força invisível a que não se referem os documentos, mas que gera efeitos em seus resultados. Se entende-se que os textos produzidos em contextos de trabalho são lugares de escuta do sujeito trabalhador, tese que já foi referida neste artigo, defende-se que investigar os textos que são produzidos no curso de uma investigação criminal e compõem o inquérito policial é um meio de reconhecer esse espaço de tensão e identificar a posição que assumem os sujeitos do trabalho diante desse jogo de forças. A realização do trabalho é concebida como um espaço de investimentos do trabalhador e não como uma mera reprodução das prescrições.

 

O caráter referencial das práticas discursivas no campo jurídico é central na investigação sobre as relações entre o exercício enunciativo e a atividade de trabalho. Um inquérito policial, por exemplo, apresenta-se como um conjunto de documentos que, apoiados em técnicas profissionais distintas, busca registrar os fatos relacionados a uma conduta considerada potencialmente típica. Compõem o inquérito policial documentos como os laudos, os depoimentos, os prontuários médicos, as correspondências, as procurações, entre outros. São produtos de práticas discursivas que possuem como característica comum um modo de relação específico com os fatos definida pela crença de que é possível recuperá-los em sua integridade. Casadei (2013), situando-se no campo midiático para investigar o jornalismo de revista no século XX e apoiando-se em postulados propostos em De Certeau (2012, 2015) para discutir os elementos que conferem historicidade aos relatos da imprensa, adota o termo narrativa referencial para se referir a narrativas que ambicionam dizer o real e estão impossibilitadas de assumir a sua perda. Conforme a autora, essas narrativas são produzidas no contexto de um campo técnico especializado de saber, que supostamente as credenciam como críveis e balizadas. Nas palavras da autora,

 

Ainda que as diferentes instituições e disciplinas que se ocupam das narrativas referenciais não possam escapar às condicionantes implicadas em todos os tipos de representação, o isolamento em relação ao conjunto social mais amplo – que assume a forma de uma instituição corporativista como, por exemplo, uma disciplina ou uma profissão – permite que seja feita uma operação que separa um objeto específico, um material próprio, bem como a definição de operações técnicas controláveis que constroem um campo de suposta “objetividade” e “verificabilidade” em relação ao conjunto de discursos mais amplos do corpo social. (Casadei 2013: 26).

 

Assim percebe-se a natureza dos documentos que compõem o inquérito policial, documentos produzidos por meio de técnicas profissionais adotadas para registrar a realidade dos fatos, legitimados por uma ordem institucional que apaga qualquer referência explícita a respeito da mediação discursiva no registro desses fatos. Casadei (2013) não deixa escapar a invisibilidade das práticas atuantes na produção do real em narrativas referenciais:

 

Muito embora esses pressupostos façam parte de uma cultura profissional e possam ser reconhecidos pelos seus membros com uma relativa facilidade, os produtos das representações (as notícias, no nosso caso) “nada dizem de sua fabricação, ou tão pouco quanto nada, dissimulando esse sistema hierarquizado e socioeconômico” (CERTEAU, 2011, p.50) regido por uma complexa hierarquia de valores, normas e institucionalizações que os precedem e determinam. (Casadei 2013: 28)

 

Considerando-se que a materialidade do trabalho da investigação criminal é a linguagem, porque se acredita poder perenizar os fatos na composição técnica de uma escrita profissional, entende-se, com base nas reflexões de De Certeau (2015), que aquilo que se registra deixa de ser os fatos que se manifestam para tornar-se os fatos que são produzidos em uma forma escriturária. À maneira como De Certeau pensa a escrita da história, como Casadei (2013), apoiada no primeiro, pensa a escrita noticiosa, pensa-se que a escrita no campo jurídico também se sustenta no tripé composto por um lugar social, uma prática e uma escrita. Defende-se que os conceitos de prática discursiva e atividade, definidos aqui como centrais para a investigação das práticas de linguagem em situações de trabalho, podem ser mobilizados para se questionar, como já defendido na primeira parte deste artigo, a ordem institucional em que se insere o sujeito do trabalho no campo jurídico, o debate de normas que esse sujeito realiza para a execução do seu trabalho e a produção do texto como lugar de escuta desses investimentos na ordem discursiva e laboral.

 

Em sua totalidade, o inquérito policial é considerado uma peça informativa que narra os fatos relacionados a uma conduta considerada potencialmente tipificada no Código Penal Brasileiro. Os laudos, parte deste conjunto de documentos, registram o estado de coisas referente aos sujeitos envolvidos nos fatos, aos locais onde os fatos aconteceram e aos objetos a eles relacionados, com o propósito de determinar os vestígios da autoria e da materialidade de uma ação potencialmente delitiva, como se pode observar na composição dos documentos que integram o inquérito nº 82014000272-3 – IC/PA, referente a um episódio de trânsito com vítimas fatais.

 

A emissão de um laudo é uma prática discursiva que articula procedimentos do campo jurídico e do campo médico e técnico no esforço de registro do real. Trata-se de um texto polifônico que estabelece uma relação de complementaridade entre as áreas de atuação profissional, pois sua legitimidade no curso de um processo penal é garantida pela indicação de autoridades responsáveis pela geração das informações que subsidiarão o exercício do livre convencimento do juiz. É na articulação do poder conferido às autoridades policiais que requisitam o exame, às autoridades administrativas que designam os profissionais aptos a realizarem o exame e às autoridades médicas e/ou técnicas que assinam os documentos que se reconhece a legitimidade do registro do real conferida a esta prática discursiva. A indicação dos indivíduos que ocupam esses lugares de autoridade deve obrigatoriamente ser discriminada na composição escriturária dos laudos:

 

1. O Diretor do Instituto Médico-legal, Dr. ..., atendendo requisição nº s/nº do(a) 8ª SU – Icoaraci, assinada pelo(a) Del. ..., designou o Perito Oficial ... para proceder ao exame, o qual foi realizado...[8](Laudo de exame de corpo de delito nº 32182/2014 - IC/PA, fl. 7, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA, grifos do documento original)

 

A estrutura composicional dos laudos inclui ainda a qualificação/individualização dos sujeitos, dos locais e dos objetos periciados, para garantir que seu valor de prova da materialidade delitiva não seja questionado. Disso decorre que só poderão realizar uma perícia aqueles profissionais autorizados pela autoridade policial e pela autoridade administrativa, bem como só poderão ser periciados o indivíduo, o local e/ou o objeto determinados pela autoridade policial no curso de um inquérito ou pela autoridade judicial no curso de um processo penal. Nessa confluência entre campos, há uma conjunção de poderes decorrentes de diferentes lugares de saber: de um lado, os profissionais responsáveis em conduzir os procedimentos técnicos necessários para a produção de um inquérito policial que sirva de base para a abertura de um processo penal que apure e julgue uma conduta considerada potencialmente típica; de outro, os profissionais capazes de produzir informações técnicas relevantes para a comprovação da materialidade delitiva, que só poderiam ser produzidas por sujeitos habilitados para tal.

 

Na cena genérica[9] que caracteriza a composição dos laudos, encontra-se a divisão dos documentos por seções que encerram informações específicas sobre o trabalho a ser realizado. Inicialmente, há um preâmbulo que deve trazer as indicações das autoridades responsáveis pelos procedimentos médicos/técnicos e a qualificação dos sujeitos, locais e/ou objetos periciados. Há, em outras seções, a indicação dos quesitos de lei que devem ser respondidos pelos profissionais designados a realizar a perícia, a apresentação de um histórico que define em linhas gerais o contexto que determinou a realização da perícia, a descrição do estado de coisas registrado durante a perícia, a indicação da metodologia empregada em exames periciais e as conclusões a que levam a perícia. Pode-se observar que certas seções assumem um caráter mais ritualístico de modo que sua composição provavelmente constrange mais fortemente a enunciação do profissional.

 

É o caso da composição dos quesitos de lei a serem respondidos pelos peritos, constituídos predominantemente por questões fechadas, tipo sim/não:

 

2. Há ofensa à integridade corporal ou à saúde do(a) periciado(a)?

Resultou ou resultará incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias?(Laudo de exame de corpo de delito nº 32182/2014 - IC/PA, fl. 7, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA)

 

Outras seções são mais propícias a um investimento local do profissional que, ao realizar os exames requeridos na situação de trabalho, devem relatar as informações no documento que produzem. É exemplo um trecho da seção de discussão dos dados na composição do laudo pericial do local onde ocorreram os fatos sob investigação no inquérito nº 82014000272-3 – IC/PA:

 

3. Análise e Interpretação dos Vestígios: Com base na literatura citada no item anterior e diante dos vestígios encontrados, e das dificuldades na análise destes vestígio no local, em virtude da inidoneidade no momento da realização dos exames, os Peritos inferem:

DO MEIO (ambiente onde ocorreu o evento):

* No trecho em que ocorreu o evento o pavimento estava em regular condição de uso, evidenciando que sua superfície de rolamento em nada contribuiu com a ocorrência do evento;

* Tempo seco, pavimento seco e com ausência de agentes contaminantes, evidenciando que as condições físicas do pavimento e a ausência de sinalizações no trecho do evento em nada contribuíram com a ocorrência do evento;

* O sítio de colisão, ou seja, local em que há maior quantidade de fragmentos desprendidos de peças veiculares por ocasião da colisão, não pode ser evidenciado em decorrência da manipulação destas após o evento (inidoneidade); (Laudo de levantamento de local com cadáver nº 58/2014 - IC/PA, fl. 18, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA, grifos no documento original)

 

Depreende-se, então, com base na leitura dos documentos que servem à análise, que a realização do trabalho de investigação sobre a autoria e a materialidade de uma conduta possivelmente delitiva envolve uma comunidade discursiva heterogênea que se constitui em ordens de saber e de poder distintas, ambas marcadas por um caráter fechado, nas quais o ingresso só é possível mediante comprovação de saberes e habilidades técnicas específicos e nas quais o exercício profissional só é legítimo em face da autoridade jurídica que o determina. Mas são comunidades discursivas que comungam da crença na transparência da linguagem em relação aos fatos e esse efeito de objetividade e imediatismo se produz, entre outros recursos, por meio da(o):

 

a) adoção de conceitos específicos para descrever o estado de coisas:

 

4. As coordenadas geográficas obtidas no local do delito foram 01º 19’ 59.5’’ S/48º 27’ 01.4’’ W; 01º 19’ 59,9’’ S/ 48º 27’ 01.5’’ W; 01º 20’ 00.2’’ S/48º 27’ 01.6’’ W obtidas do GPS de navegação Marca Garmim, modelo E-Trex Legend-H, com Datum WGS 84, conforme mapa em anexo (Laudo de levantamento de local com cadáver nº 58/2014 - IC/PA, fl. 12, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA);

 

b) explicitação da metodologia empregada na análise dos dados:

 

5. Cromatografia em Camada Delgada (CCD), Teste Imunocromatográfico e Cromatografia Líquida acoplada a Espectrometria de Massas (LC-MS-MS) (Laudo de exame toxicológico nº 199/2014 - IC/PA, fl. 28, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA);

 

c) apoio em uma literatura especializada:

 

6. “Quando se diz que o pavimento estava em perfeitas condições de uso ou sem defeitos ou sem deformidades dignas de nota significa que a superfície de rolamento em nada contribuiu para o estabelecimento do acidente” (RANVIER, 2009, p.22) (Laudo de levantamento de local com cadáver nº 58/2014 - IC/PA, fl. 16, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA, aspas no documento original);

 

d) emprego de uma linguagem técnica e concisa na produção dos textos:

 

7. Equimose vinhosa com edema traumático no terço distal do braço esquerdo anteriormente e externamente; lesão tipo arrasto no joelho direito anteriormente (Laudo de exame de corpo de delito nº 32179/2014, fl. 8, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA);

 

e) apoio em dados produzidos em outras semioses, como fotografias, esquemas, infografias etc.

 

Tais procedimentos configuram uma mise em scéne escriturária, como afirma Casadei (2013), que, articulada a um lugar social e a práticas profissionais e seus mecanismos de legitimação, delimitam modos de (enunci)ação em uma ordem institucional que os precede e determina:

 

... à toda produção textual individual corresponde sempre a validação de um nós coletivo que fornece as regras e leis de um meio circunscrito por determinações e imposições próprias, bem como por sistemas complexos de privilégios, obrigações e hierarquias. (Casadei 2013: 52)

 

Nos espaços em que se permite um maior investimento da atividade do enunciador no contexto do trabalho de perícia médica/técnica, é possível valer-se do texto como espaço de escuta do trabalhador em relação, por exemplo, à manutenção do caráter polifônico no exercício profissional de apuração dos fatos referentes a uma conduta considerada potencialmente típica. Na composição das seções dos documentos em que é necessário historiar o contexto em que os fatos aconteceram, ou descrever o estado de coisas dos sujeitos, locais e/ou objetos periciados, ou ainda apresentar as conclusões da perícia, o profissional vale-se de recursos linguístico-discursivos para distinguir a informação testemunhal da informação pericial, como se pode observar no trecho que segue:

 

8. Refere ter sido atropelado por um automóvel desgovernado, em cima de uma calçada, no dia 15/05/2014 às 15h30 aproximadamente. (Laudo de exame de corpo de delito nº 32182/2014 - IC/PA, fl. 7, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA).

 

O trecho se encontra na seção denominada “Histórico”. Por meio do emprego do verbo dicendi “referir” e da expressão verbal na voz passiva “ter sido atropelado”, o sujeito do trabalho marca, na composição do enunciado, um distanciamento em relação às informações acerca do contexto que resultou nas lesões registradas no exame, atribuindo ao periciado a responsabilidade pela informação. Portanto, o médico-legista não declara as causas que levaram às lesões registradas no exame, declara apenas quais são essas lesões, como no trecho a seguir:

 

9. Deambulando com auxílio de muleta; escoriações nas regiões: infra escapular esquerda, joelho esquerdo internamente, terço proximal e médio da perna esquerda internamente (no terço médio observamos ferida contusa suturada, de 5cm de extensão, com edema traumático) (Laudo de exame de corpo de delito nº 32182/2014 - IC/PA, fl. 7, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA).

 

Do mesmo modo ocorre com a composição do laudo relativo ao levantamento de local com cadáver. Na seção relativa ao contexto dos fatos, enuncia-se de modo a atribuir ao relato de outros a responsabilidade pelas informações:

 

10. Os Peritos quando chegaram ao local foram informados, pelo acompanhante da perícia mencionado acima, que populares que estavam no local no relataram que o veículo trafegava na via no sentido Icoaraci-Belém pela condutora xxxxxx e repentinamente realizou uma manobra brusca à direita, e colidiu primeiramente com os pedestres que estavam na parada de ônibus... (Laudo de levantamento de local com cadáver nº 58/2014 - IC/PA, fl. 11, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA, grifo nosso).

 

Os peritos declaram apenas as informações que são geradas pelo exame pericial:

 

11. As lesões da vítima foram ocasionadas durante o impacto entre o veículo e os pedestres e pelo consequente arremesso violento de seus corpos sobre o pavimento e ou vegetação; (Laudo de levantamento de local com cadáver nº 58/2014 - IC/PA, fl. 19, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA).

 

Algumas vezes, ainda, o texto contém informações introduzidas por verbos dicendi que modalizam a extensão da afirmação que fazem os peritos, como o verbo dicendi “sugerir”, no trecho que segue, denotando que as informações não possuem caráter irrefutável, mas revelam marcas que podem indicar com maior ou menor precisão as relações entre os fatos descritos na atividade pericial:

 

12. A mudança repentina da trajetória do veículo não foi decorrente das condições físicas do pavimento, e nem das condições de ausência de sinalizações horizontais e verticais, neste caso os Peritos sugerem que, o desvio do veículo da via à direita efetuado por seu condutor e, sua colisão com pedestres e obstáculo fixo existente fora da pista, foi a causa determinante para a ocorrência do evento devido as condições do trânsito não serem favoráveis para a realização da manobra... (Laudo de levantamento de local com cadáver nº 58/2014 - IC/PA, fl.18, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA, grifo nosso).

 

Contudo, em algumas passagens do texto, é possível flagrar afirmações que extrapolam a extensão que o exame pericial pode alcançar e apontam antecipadamente para uma relação possível, mas ainda não efetiva, na ordem institucional do campo jurídico, como no trecho a seguir:

 

13. Inicialmente organizamos nossas ações pela coleta de informações preliminares, adquiridas junto ao acompanhante da perícia que estava no local na chegada da perícia, de tal forma que possibilitasse a formulação de uma teoria geral, para posteriormente formular e testar hipóteses que garantissem a efetiva utilização do método. Pari passo, iniciou-se a constatação da ocorrência de colisão entre veículos, busca identificação, coleta, preservação, armazenamento dos vestígios, pois tratava-se de um local de crime com cadáver. Em seguida, passou-se aos exames em toda a extensão da cena de crime. (Laudo de levantamento de local com cadáver nº 58/2014 - IC/PA, fl. 12, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA, grifo nosso)

 

O exemplo (13) situa-se na seção referente à metodologia adotada para o exame pericial do local onde os fatos ocorreram, na qual os responsáveis pela emissão do laudo reúnem informações sobre o método que fundamenta os procedimentos adotados na perícia. No escopo desse método, os sintagmas “local de crime” e “cena de crime” indicam conceitos distintos para se referirem, respectivamente, ao espaço onde há indícios da ocorrência de uma conduta ilícita e à integridade dos vestígios dessa conduta ilícita localizados nesse espaço. Nos enunciados sublinhados, no entanto, os sintagmas “local de crime” e “cena de crime” deslocam-se do escopo de apresentação do método e passam a se referir ao local específico em que os peritos realizaram o seu trabalho, definindo antecipadamente os fatos que investigaram de “crime”. Essa denominação não está de acordo com o protocolo do trabalho que realizam, expresso no próprio documento:

 

14. O laudo pericial tem o objetivo de, primeiramente constatar se houve morte violenta, e em caso positivo a resposta, definir se foi de natureza acidental, suicida ou homicida, bem como, na medida em que os vestígios e a idoneidade do local permitirem, definir os meios e os modos em que o óbito ocorreu. (Laudo de levantamento de local com cadáver nº 58/2014 - IC/PA, fl. 11, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA)

 

Ao lado de termos como “evento” e “atropelamento”, que também são utilizados no documento para fazer referência aos fatos, a categorização desses fatos como “crime” aponta para o debate de normas realizado no contexto do trabalho, confrontando os saberes instituídos, como os indicados no exemplo (14), e os saberes investidos, constituídos pela experiência dos sujeitos do trabalho em episódios de trânsito com vítimas fatais.

 

O debate de normas realizado no contexto da atividade também incide sobre a ordem institucional que alinha a comunidade discursiva das práticas jurídicas, pois os peritos responsáveis pelos laudos realizam antecipadamente um julgamento, cuja legitimidade jurídica só será garantida pelo juiz após os trâmites legais de um processo penal, e o indiciado passa a ser considerado um criminoso antes que se esgotem as possibilidades da ampla defesa e do contraditório.

 

O modo como se expressam, no registro dos fatos, a ação determinante para o atropelamento fatal das vítimas também indica a flutuação no modo como os sujeitos do trabalho realizam a atividade pericial. Certos enunciados não responsabilizam o indiciado pelo atropelamento, como:

 

15. ... e se o condutor mantivesse o veículo em movimento retilíneo uniforme o evento não teria ocorrido, entretanto para um desvio brusco á direita da via, por motivo que não foi possível determinar, consideramos a velocidade excessiva para este tipo de manobra, o que evidenciava que esta foi realizada quando as condições do trânsito dos outros veículos que também trafegavam na via não eram favoráveis para fazê-la com segurança. (Laudo de levantamento de local com cadáver nº 58/2014 - IC/PA, fl. 18, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA, grifo nosso)

 

Outros situam o indiciado como o agente da ação determinante para o atropelamento fatal das vítimas:

 

16. Foi encaminhado ao Laboratório de Toxicologia com Ofício supracitado para ser submetida a Exame Toxicológico a pessoa de xxxx, a qual conduzia o veículo de placa xxxx e provocou o acidente, ceifando a vida de xxxx, xxxx e xxxx e mais 07 vítimas que tiveram lesões corporais e foram encaminhadas para o Hospital Metropolitano. (Laudo toxicológico nº 199/2014 - IC/PA, fl. 58, inquérito nº 82014000272-3 - IC/PA, grifo nosso)

 

Considera-se, então, que o debate de normas implicado na produção de narrativas referenciais no campo jurídico contribui para a compreensão do processo por meio do qual aquilo que se registra em uma escrita profissional deixa de ser os fatos que se manifestam para tornar-se os fatos que são produzidos em uma forma escriturária, conforme as reflexões de De Certeau (2015).

 

Discutindo a complexidade da questão da referência na reflexão sobre o trabalho da imprensa, Casadei (2013) afirma que

 

...muito embora as narrativas referenciais possuam um calçamento no referente que não pode ser negado – sob a pena de sua desfiguração – esse referente nunca é estável, sendo construído no seu próprio ato de enunciação. (Casadei 2013: 62).

 

Nos exemplos (13) e (16), a manutenção do caráter polifônico no exercício profissional de apuração dos fatos referentes a uma conduta considerada potencialmente típica é desconsiderada e a construção do referente na prática discursiva mediadora entre os fatos e os sujeitos a quem eles interessam, no contexto do trabalho jurídico, se apresenta marcada por um juízo de valor de caráter testemunhal e não pericial, atribuindo-se precipitadamente a responsabilidade por uma conduta já considerada delitiva antes de qualquer julgamento legítimo, tal qual agem, em geral, as testemunhas nas narrativas ordinárias sobre o fato.

 

 

5. Considerações finais

 

O exercício analítico aqui empreendido demonstra que tomar a palavra em contextos de trabalho é saber dizer, tomando por parâmetros os procedimentos requeridos para a produção dos objetos de discurso nos contextos de trabalho, e estar autorizado a dizer pela ordem relacional que define os lugares a serem ocupados, portanto uma questão também de poder dizer. Tais condições são reconhecidas não só por um aprendizado sistematizado para a realização do trabalho, mas também por uma vivência singular das experiências laborais. Reforça-se, portanto, a afirmação de Faïta (2010) de que o dizer estrutura o fazer, acrescentando que o fazer também estrutura o dizer. A mediação discursiva em contextos de trabalho tanto produz objetos de discurso mobilizados nas atividades laborais quanto sujeitos do trabalho habilitados a se tornarem enunciadores legítimos.

 

As reflexões sobre a complexidade desses processos parecem relevantes para que o sujeito do trabalho reconheça que desenvolver uma competência linguageira implica produzir sentidos e assumir/atribuir identidades. Mais que uma técnica, é uma atividade. Para os pesquisadores da linguagem, a relevância dessas reflexões está em reconhecer que a amplitude das relações interdisciplinares que favorecem a compreensão do caráter histórico-social dos sentidos e para os pesquisadores do trabalho, em reconhecer a amplitude das relações disciplinares que favorecem a compreensão dos investimentos situados nas atividades de trabalho.

 

Por fim, para os pesquisadores do Direito, tais reflexões são relevantes para que reconheçam a centralidade das práticas discursivas e todas as suas implicações no exercício de regulamentar as relações sociais.

 

 

Referências bibliográficas:

 

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Trinquet, Pierre. 2012. Qu’est-ce que le travail?, Moara, 38: 5-20.

 



[1] Maingueneau (2005) propõe os conceitos de universo, campo e espaço discursivos para se referir às múltiplas relações interdiscursivas implicadas nos processos de produção de sentidos e define por campo discursivo um conjunto de formações discursivas delimitadas reciprocamente em uma conjuntura determinada, possibilitando múltiplas redes de trocas, como a aliança, a neutralidade aparente, a polêmica etc.

[2] Avec cette découverte, il a bien fallu admettre que le travail, y compris le plus simple, n’était jamais une simple activité mécanique, parfaitement définie en amont de sa réalisation, comme on le croyait jusqu’alors, mais une activité humaine d’adaptation dynamique aux circonstances, toujours infidèles, rencontrées au moment de l’exécution. Lesquelles circonstances se déclinent sur le plan matériel, technique, organisationnel, économique, mais aussi: éthique, moral, culturel, idéologique, etc.; bref, tout ce qui caractérise un Être humain. (Trinquet 2012: 13).

[3] A retrospectiva dos processos de constituição dos postulados teórico-metodológicos da Análise do Discurso de vertente francesa, a partir da década de 1960, revela um quadro epistemológico que articula três regiões do conhecimento - o materialismo histórico, a linguística e a teoria do discurso, atravessadas por uma teoria da subjetividade proposta pela psicanálise lacaniana. Segundo Brandão (2012), o materialismo histórico é assumido como a teoria das formações sociais e suas transformações; a linguística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação; e a teoria do discurso, como o escopo da determinação histórica dos processos semânticos.

[4] Antunes (2009) denomina de mediações de segunda ordem, com base nas referências de Mészáros (2002), um sistema de mediações em que prevalece a divisão social hierárquica que subsume o trabalho ao capital e em que se subordinam as funções reprodutivas sociais ao imperativo absoluto da expansão do capital.

[6] Documento disponível em: http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/campanha-contra-pec-37.pdf. Acesso em 18/10/2015.

[7] Para assegurar a imparcialidade e a autonomia laboral do juiz e do representante do ministério público, a Constituição Federal lhes assegurou uma série de garantias, tais como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade dos salários. Dessa forma, esses agentes não podem ser removidos por meio de ato meramente discricionário praticado por seus superiores. Diferente do que ocorre com o delegado, que pode ser removido por ato discricionário praticado por seu superior, independentemente de sua vontade.

[8] Os nomes das pessoas citadas nos documentos que servem à análise foram suprimidos.

[9] Maingueneau (1997) define a categoria cena de enunciação como um dispositivo constitutivo do processo de construção dos sentidos e dos sujeitos que nesse processo se reconhecem e a divide em três outras cenas: cena englobante, cena genérica e cenografia. A cena genérica diz respeito ao conjunto de restrições semânticas associado aos gêneros de discurso em que a enunciação se apoia.

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