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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.35 no.2 Montevideo dic. 2019  Epub 01-Dic-2019

https://doi.org/10.5935/2079-312x.20190016 

Artículos

Sobre a assimetria no/do diálogo adulto-criança

On the asymmetrie in/of adult-child dialogue

Maria Fausta Pereira de Castro1 
http://orcid.org/0000-0003-1420-6096

1Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), CNPq. fausta@uol.com.br; fausta@iel.unicamp.br


Resumo:

Na linguística moderna atribui-se à Pragmática o estudo da linguagem do ponto de vista dos falantes, de suas escolhas e coerções que lhes são impostas ao usar a linguagem na interação social (Crystal 2008, Parret 1988). É nesse contexto que pretendemos explorar o tema da (in) flexibilidade pragmática na aquisição de linguagem. Pela sua dimensão performativa a língua sustenta o diálogo entre mãe e criança, apesar da extrema assimetria entre as falas de uma e de outra. Do ponto de vista empírico analisaremos um conjunto de dados oriundos de corpora de crianças entre 2 a 4 anos de idade, no diálogo com adultos; pode-se então observar que no jogo infantil de fazer e desfazer o signo, a língua se impõe por suas “condições permanentes”, abrindo caminho para a implantação da língua materna.

Palavras-chave: pragmática; aquisição de linguagem; performativo; língua; fala

Abstract:

Modern linguistics attributes to Pragmatics the study of language considering the effects of speakers’ point of view, choices and coercions, imposed on them when using language in social interaction (Crystal 2008, Parret 1988). From this perspective, we intend to explore pragmatic (in)flexibility in language acquisition. Adopting an empirical point of view, we will analyse a set of data from the corpora of children between two and four years of age, in dialogue with adults. One can observe that in spite of extreme asymmetry between their speech, performative dimensions of language sustain mother and child’s dialogue. Along child’s playing in making and unmaking the sign, language imposes itself by its “permanent conditions”, opening a path for the implantation of the mother language.

Key words: pragmatics; language acquisition; performative; language; speech

1. Primeiras palavras

A interação entre falantes está, sem dúvida, no escopo dos estudos pragmáticos. Na linguística moderna atribui-se à Pragmática o estudo da linguagem do ponto de vista dos falantes, de suas escolhas e coerções que lhe são impostas ao usar a linguagem na interação social e os efeitos que suas falas promovem nos outros participantes dessa interação (Crystal 2008, Parret 1988 para “outros tipos de pragmática”). Nesse sentido o diálogo é a figuração exemplar da interação e seus efeitos de linguagem. Resta, porém, estabelecer em que termos se deve compreender o diálogo.

Para o linguista Jean Claude Milner (2012) dois seres falantes são necessariamente distintos e a diferença entre eles não pode ser aplainada sob nenhum ponto de vista. Um modelo de comunicação funcionaria, para o autor, como uma máscara que se aplica sobre essa “conjunção impossível”.

Neste trabalho tomamos a disparidade do diálogo mãe-criança como paradigma da não conjunção pela visibilidade extrema da assimetria entre uma e outra, a começar pelo fato de que inicialmente só o adulto fala e fala para e pela criança. Eis as condições para que a língua materna se instale, já que é pela interpretação do outro que a criança é capturada pela linguagem (De Lemos 1992), afetada pelo valor performativo da invocação materna.

É nessa dimensão performativa que a língua, pela fala em ato, enlaça o corpo do infans. Se a comunicação é apenas uma máscara, não é menos verdade que a mãe também está sob os efeitos dos sons que vêm da criança.

Saussure já se preocupava com os efeitos da fala na escuta do interlocutor e nos raros momentos em que se serve da palavra discurso é para indagar sobre o que é necessário para que se reconheça a convocação à linguagem - o jogo de escutar e falar.

A língua só é criada em vista do discurso, mas o que separa o discurso da língua ou o que, em dado momento, permite dizer que a língua entra em ação como discurso?

Os vários conceitos estão ali, prontos na língua (ou seja, revestidos de uma forma linguística) como boeuf, lac, ciel, fort, rouge, triste, (…) Em que momento ou em virtude de que operação, de que jogo que se estabelece entre eles, de que condições esses conceitos formarão o DISCURSO?

A sequência dessas palavras por mais rica que seja, pelas ideias que evoca, não indicará jamais para um indivíduo humano que um outro indivíduo, ao pronunciá-las, quer lhe comunicar alguma coisa. O que é preciso para que tenhamos a ideia de que se quer comunicar alguma coisa? (…). É uma questão igual à de saber o que é o discurso (...). (Saussure 2004: 237; ênfases e itálicos do autor).

Voltemos à criança e aos primeiros diálogos mãe-bebê no caminho “da voz à língua” (Cavalcante 2015, Cavalcante et al. 2016), quando se põe em marcha a transmissão da língua materna, como mostram os diferentes estudos em aquisição de linguagem e tema cujo interesse vai além desse campo para provocar o pensamento de Jacques Lacan (2010) nas suas diversas elaborações sobre a lalíngua (lalangue). Trata-se de um neologismo do psicanalista para indicar no campo da linguagem uma fala que “serve para outras coisas que não a comunicação”, mas, diríamos, que ainda assim promove efeitos no interlocutor. A lalíngua, com o soar extravagante de um neologismo, se torna a palavra para a incompletude, o “não-todo” da língua materna: da lalação do bebê e dos primeiros vocalises entre a mãe e sua criança; diálogos em que a homofonia tem um lugar preponderante; espaço da experiência do equívoco e do inconsciente. A transmissão da língua materna é uma experiência singular que interessa a cada um de nós. Sendo uma língua entre outras, para um determinado sujeito falante ela é, contudo, a sua língua materna e para que se instale é preciso que um adulto fale ao infans (Pereira de Castro 2006 e 2011).

Em artigo recente sobre lalangue,De Lemos (2015: 48) comenta que ao associar as formações do inconsciente aos primeiros jogos de ressonância entre a mãe e a criança, Lacan “põe a nu o jogo a que estamos submetidos como seres de linguagem, jogo de fazer e desfazer o signo, de fazê-lo soar e ressoar, suspendendo o sentido, jogo esse que faz de lalíngua o próprio movimento do pensar, dizer e escutar”.

Esse movimento a que estão submetidas mãe e criança ultrapassa, portanto, os limites dos jogos sonoros e das lalações do bebê, para caracterizar a atividade dos falantes na sua língua materna, isto é, enquanto seres de linguagem. Por outro lado, no jogo de fazer e desfazer o signo, a fala da criança, apesar de sua heterogeneidade em relação àquela do adulto, dá visibilidade ao funcionamento da língua, já que suas “condições permanentes” (Saussure 1916-2008) estão presentes: desde as primeiras palavras a língua se impõe por suas relações internas, que afetam tanto a fala como a interpretação nas situações de interação.

2. À escuta da língua materna

Do ponto de vista empírico procuraremos mostrar que a interpretação do adulto se move na tensão entre o reconhecimento de uma língua e o estranhamento dos deslocamentos operados pela fala da criança. Não se trata de um julgamento implícito ou explícito como “isto se diz”, “isto não se diz”, mas de um ser falante que, por esse fato, está sob os efeitos do que diz a criança.

A partir dessa hipótese é possível discutir alguns diálogos entre adulto e criança, do ponto de vista dos efeitos mútuos das falas de seus participantes.

1.Lz. (3;6) criança, A. adulto

(Enquanto a avó e outra pessoa adulta preparam o almoço na cozinha a criança entra e sai em constante movimento. Em certo momento...):

Lz:Eu não estou com fome.

(Avó explica que ainda não está na hora do almoço, mas quando a hora chegar ela terá fome.

Lz:(Entre entradas e saídas da cozinha repete mais três vezes):

Eu não estou com fome.

(a Avó, intrigada pela repetição diz)

A:Está bem, você não está com fome, mas o que você gostaria de comer?

Lz:Arroz, caldinho de feijão e milho

(a avó põe o almoço e Luiza come satisfeita).

Esse primeiro diálogo oferece uma série de elementos para que se reflita sobre os efeitos do enunciado da criança na interpretação do adulto. Parafraseando Ducrot (1987, entre outros), trata-se aqui do que no sentido dos enunciados da criança -no “dito”- diz respeito ao seu acontecimento, à sua aparição no diálogo -seu “dizer”-. A repetição por quatro vezes de um mesmo enunciado negativo faz com que o adulto -tocado pela insistência dos enunciados da criança e guiado por seu sentimento como falante (Saussure 2004)- desate a cadeia de repetições dando nova direção aos enunciados, interpretando-os pelo seu contrário: “estou com fome”.

De onde vêm os enunciados de Lz.? Qual a sua origem?

A fala imprevisível da criança deixa entrever a sua relação com a fala do outro; um trajeto pela rede do simbólico em uma série de afluências, sobredeterminações e oposições que situam o operador de negação ao mesmo tempo em vários registros. Nessa perspectiva a repetição dos enunciados negativos tem origem nas perguntas endereçadas à criança pelo adulto na forma interrogativa “você não está com fome?” E que se mostram como um pedido de confirmação ou de informação. Ao retomar o enunciado do adulto a criança opera transformações e movimenta o diálogo: cai a forma interrogativa e o segmento incorporado se transforma em um enunciado assertivo contendo uma negação - “eu não estou com fome”. É plausível afirmar que o sentido do enunciado é traído pelo seu dizer, isto é, pela repetição incessante do enunciado negativo, o que levou o adulto a interpretá-lo na direção contrária ao dito: “Está bem você não está com fome, mas o que você gostaria de comer?”.

Ainda como uma última observação sobre um episódio tão rico do ponto de vista da relação entre falantes, sobre a propriedade de, no campo da aquisição de linguagem, reconhecer o papel da fala do outro nos enunciados infantis, citamos uma passagem de Ducrot (1987), em que o autor busca contestar um pressuposto da “linguística moderna”.

O objetivo deste capítulo é contestar e, se possível, substituir -um postulado que me parece um pressuposto (geralmente implícito) de tudo o que se denomina atualmente “linguística moderna” (...). Parece-me, com efeito, que as pesquisas sobre a linguagem, há pelo menos dois séculos, consideram como óbvio -sem sequer cogitar em formular a ideia, de tal modo ela se mostra evidente- que cada enunciado possui um, e somente um autor (Ducrot 1987: 161).

Um pequeno conjunto de episódios de fala traz algumas evidências sobre o papel da estrutura dialógica no modo da criança habitar a linguagem. Os excertos a seguir foram assim reunidos porque em cada um dos monólogos há um enunciado citado do adulto.

A criança faz uma pergunta, como se antecipasse o que o adulto lhe perguntaria e, imediatamente, oferece a resposta.

O tema dos monólogos infantis não é desconhecido dos estudos em aquisição de linguagem. Weir (1962), um trabalho inaugural, se propõe a descrever os monólogos de seu filho de dois anos e meio, gravados no berço antes de dormir. Sua análise é tanto gramatical como discursiva. Por outro lado, Lier DeVitto (1998), ainda que reconhecendo o valor e o alcance do trabalho de Weir, oferece um outro olhar para os monólogos mostrando na fala da criança sozinha no berço uma fala habitada pela fala do outro. Mas como o próprio título de seu livro indica, Monólogos da criança: delírios da língua, a autora vai além ao reconhecer no jogo dos fragmentos presentes na fala da criança arranjos que beiram o non-sense.

Seguem alguns episódios dentre outros que ocorrem em situações diversas às de uma fala no berço.

2. Lr. (2;11).

Lr. (Lambendo o espelho do banheiro e “escrevendo” sobre a superfície úmida).

Iquivido Fabiana.

(Lambe mais uma vez o espelho e diz)

Por que eu tô lambendo?

Puque pá iquevê.

3. D. (2;8).

D. (A criança bate na irmã menor e pergunta):

Mãe, por que eu tô batendo nela?

Porque ela tá mexendo.

4. A. (3;0)

A. Onde eu tava mãe?

Eu tava lavando a mão1.

(A. tinha feito bagunça no banheiro)

Tal estrutura dialógica é efeito da interpretação do adulto; ecos que ressoam nessas pequenas cenas em que ele escuta sua própria voz na voz da criança.

Note-se que no segundo e terceiro episódios há um endereçamento explícito à mãe, mas o primeiro é uma cena diversa, em que o adulto é testemunha de um monólogo a duas vozes encenado pela criança absorta na sua atividade lúdica no espelho. Não por acaso no espelho, que oferece uma imagem duplicada da cena em questão: onde está a criança? Onde está o interlocutor?

Tomados como efeito da interpretação do adulto esses “monólogos dialógicos” expõem um problema que ultrapassa a indagação sobre a fala da criança para alcançar questões sobre a relação entre a língua e o sujeito falante que interessam tanto à linguística como à literatura e à psicanálise.

Fehr (2000) ao tratar das indagações saussurianas sobre os anagramas, propõe uma leitura que situa o problema no âmbito da linguística: a questão, diz ele, não é procurar saber se os anagramas ocorrem por acaso ou são fruto da intenção do autor, mas indagar “Quem fala?

Vogt (1980), por outro lado, se dedica a uma reflexão sobre o mesmo tipo de enunciados que comentamos aqui, entre eles, a fala de A, no episódio 4 acima. Também para o autor, esses enunciados interessam à linguística na medida em que

(...) contêm um discurso citado da mãe, mesmo que este discurso não tenha sido efetivamente produzido pelo destinatário real. São discursos de um destinatário representado (discursos referidos) que, no entanto, orientam o próprio comportamento linguístico de A no sentido em que eles, na relação com o seu discurso (discurso que refere) constituem os papéis que ela representa, enquanto destinador. (Vogt 1980: 154).

Fehr vê ainda um “problema fundamental decisivo” levantado pelos estudos sobre os anagramas: a maneira de alguém dizer alguma coisa “é co-determinada pelos traços depositados no material concreto de uma língua, por traços que, escapando de toda intenção pré-concebida, poderiam por isso mesmo suscitar efeitos de sentidos não esperados” (Fehr 2000: 201). Esse fato, lembra o autor, se analisado à luz da reflexão saussuriana sobre o mecanismo da língua, sobre os eixos associativo e sintagmático, exibe a complexa relação entre língua e sujeito falante. Questão que converge para o que assinalamos há pouco sobre o fato de a língua se impor pelas suas relações internas desde as primeiras palavras da criança.

Para analisar a fala da criança e a sua relação com a fala do outro é preciso, portanto, não apenas estabelecer os respectivos papeis dos participantes no diálogo, mas também reconhecer as voltas que a língua dá quando a criança incorpora a fala do adulto no intricado jogo que move a interação entre eles. A relação do locutor com a língua, diz Benveniste (1974), determina as características linguísticas da enunciação.

Voltamos a evocar o termo lalíngua (lalangue), agora com Milner (2012), que o toma para designar em toda língua uma função de excesso diante das gramáticas; pertencente ao “eixo da poesia”, lalíngua inclui o lapso, o chiste, o poético e a língua materna. A citação a seguir mostra lalíngua em operação no “tecido das nossas interlocuções”.

Aceitemos, então chamar de a língua esse núcleo que, em cada uma das línguas, sustenta suas unicidade e distintividade. Ela não poderá ser concebida do lado da substância -indefinidamente sobrecarregada de acidentes diversos-, e sim como uma forma -invariante através de suas atualizações-, visto que se define em termos de relações. Reconhece-se aqui a cisão da língua com a fala, cuja mecânica vale, abertamente ou não, para todas as versões correntes da linguística. Logo, a operação é possível, mas não deixa de levantar suspeitas; e isso quando observamos que também é sempre possível -sem se esquivar da experiência imediata- fazer valer em toda locução uma dimensão do não idêntico. Trata-se do equívoco e de tudo o que lhe diz respeito: homofonia, homossemia, homografia, enfim de tudo aquilo que sustenta o duplo sentido e o dizer em meias palavras, incessante tecido de nossas interlocuções (Milner op. cit.: 17. Grifo da autora).

É nessa perspectiva que se analisam os dois excertos a seguir.

5. M. (2;5).

(A mãe repreende M. e diz que não está “nada contente com ela”.

A criança pede então para a mãe “fazer assim” e mostra a boca com um sorriso forçado e dentes cerrados. A mãe faz o que filha pede a e a criança diz):

M: Olha, você está com dente.

O interesse desse episódio está na relação de homofonia entre contente e com dente que dá a ver as relações associativas em jogo e, pelo mesmo movimento, oblitera qualquer hipótese sobre a intenção da criança: humor?, equívoco? Na medida em que a enunciação pode “servir a fins remotos”, como afirmam Ducrot e Todorov (1972: 304), é também o valor perlocutório do enunciado que deve ser aqui reconhecido, quando a mãe informa à investigadora que precisou se controlar para não rir, desarmada pela resposta de M.: ao contrário do que pensava, M. não se fixa na imagem de “sorriso forçado”, a que mãe foi levada a exibir, para concluir que ela estava, sim, contente; sua fala desliza em outra direção, guiada pela homofonia entre contente e com dente.

Para Saussure,

(...) os grupos formados por associação mental não se limitam a aproximar os termos que apresentem algo em comum; o espírito capta também a natureza das relações que os unem em cada caso e cria com isso tantas séries associativas quantas relações diversas existam (...). A associação pode se fundar também apenas na analogia dos significados (...) ou ao contrário, na simples comunidade das imagens acústicas (...). Uma palavra qualquer pode sempre evocar tudo quanto seja suscetível de ser-lhe associado de uma maneira ou de outra (...). Um termo dado é uma constelação, o ponto para onde convergem outros termos coordenados cuja soma é indefinida (Saussure 1916-2008: 145).

Essa citação mostra o alcance das associações possíveis -cuja soma é indefinida- no tesouro da língua e o papel da relação entre a rede latente e a cadeia manifesta sintagmática, o que leva o linguista Tullio de Mauro (2005: 469) a afirmar que a teoria freudiana dos lapsus linguae pode ser considerada como uma confirmação clínica da hipótese linguística de Saussure. Um último episódio traz um modo de intervenção na língua à guisa de criptografia de uma expressão proibida. A intervenção dá a ver a relação da criança com o outro e exibe o que livremente chamamos aqui seu “sentimento de falante”.

6.Lr. (2;10)

(A os 2;10 Lr. aprende a dizer “cala a boca”. Seus amigos também estão usando a expressão.

Em casa os pais se esforçam para explicar que isso não se diz, que a expressão é grosseira, etc... Mas apesar de todas as advertências, um dia a criança fala para alguém na casa):

Lr. Culu u bucu.

O primeiro fato a observar é a sistematicidade do procedimento: substituição de todas as vogais da expressão /-a/, /-o/, por /-u/, e o resultado é um segmento fora da língua e quase impronunciável em português do Brasil.

Não obstante a intervenção, o segmento é perfeitamente identificável pela pessoa visada e, do ponto de vista linguístico, o que ultrapassa as fronteiras da língua não deixa de promover efeito de linguagem, graças à sistematicidade das substituições, à matriz prosódica e suas implicações discursivas.

3. À guisa de conclusão

Antes de finalizar este trabalho que se insere em uma indagação sobre a (in)flexibilidade pragmática na fala infantil, vale lembrar que os episódios aqui analisados dão a ver a criança na sua estreita relação com a fala do adulto.

No primeiro, a língua se impõe por suas relações internas e o enunciado incorporado promove um verdadeiro impasse do ponto de vista pragmático: a criança afirma o contrário do que o adulto é levado a interpretar como sua intenção (pedir comida); o movimento interpretativo desfaz o impasse.

Por sua vez, os “monólogos dialógicos” põem em cena a dependência da fala do outro. As justificativas se constroem nesses monólogos como resposta a um discurso citado e representado do adulto.

Os dois últimos episódios atestam um movimento em direção a uma mudança de posição no diálogo: no primeiro a criança procura reverter a afirmação de desagrado da mãe e é levada a uma associação por homofonia e, no último, intervém na língua para atingir o outro. É plausível dizer que sua intervenção se aproxima do jogo infantil de esconder o rosto, supondo com isso que o outro não a vê, mas não é menos verdade que se pode reconhecer também no seu movimento um sentimento sobre o funcionamento da língua, pelo jogo de substituição das vogais.

Finalmente, é preciso lembrar que os episódios em questão ocorrem dentro de uma mesma faixa de idade e as mudanças de posição não autorizam a que se tome os modos de habitar a linguagem como um desenvolvimento linear.

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1Esse episódio me foi gentilmente cedido por minha colega Rosa Attié Figueira, a quem agradeço.

Nota de autoría: Maria Fausta Pereira de Castro é a única responsável pela elaboração completa desta pesquisa.

Recebido: 20 de Março de 2018; Aceito: 30 de Setembro de 2018

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