1. Considerações iniciais
O texto que ora principiamos apresenta resultados de uma pesquisa que objetivou, principalmente, refletir sobre a criação e o uso de uma antroponímia criativa em perfis do Facebook, uma das redes sociais mais usadas no Brasil. A sua escrita foi motivada pelo franco uso dessa antroponímia na contemporaneidade e pela relação desse uso com a emoção e com o contexto social da modernidade líquida que permeia a nossa hodiernidade. A fim de expormos esses resultados, dividimos este artigo em sete partes: 1) Considerações Iniciais; 2) Identidade e modernidade líquida; 3) Emoções e ações na linguagem; 4) Linguística Cognitiva e metonímia; 5) Desenho metodológico; 6) Estudo do corpus e 7) Considerações finais, seguidas pelas referências adotadas para a elaboração da sua tessitura.
2. Identidade e modernidade líquida
A identidade, conforme observa Bauman (2005), suscita dilemas inquietantes, sendo uma questão que levanta preocupações graves, assim como desencadeia controvérsias perturbadoras, já que o ser humano, ao procurá-la, acaba, invariavelmente, colocando-se, diante de uma tarefa impossível de atingir. Hoje, a identidade é compreendida como sendo negociável e revogável, não sendo algo sólido nem garantido ao longo de uma vida. As escolhas de uma pessoa, seus percursos, seu modo de agir e sua capacidade de continuar firme, em face da fluidez da modernidade, são elementos decisivos para a elaboração de uma identidade.
Ainda com pensa Bauman (2005), identidades antigas, rígidas e inegociáveis não funcionam no novo tempo de seguranças frágeis e de oportunidades fugazes, de modo que as referências comunais das identidades em movimento são procuradas, construídas e mantidas, em uma luta para que nos juntemos a grupos também móveis e velozes. A identidade passou a ter livre curso, no nosso tempo líquido-moderno, cabendo ao ser humano pegá-la em pleno voo e com seus próprios recursos e ferramentas, de tal sorte a identidade inflexível e sem possibilidade de alternativa é malvista, isto porque juntar peças, para gerá-la como um todo coeso e consistente, não é a preocupação mais importante dos humanos da contemporaneidade, uma vez que foram, irremediavelmente, lançados a uma condição don-juanesca, sendo uma identidade sólida algo difícil de suportar e uma restrição à livre escolha (Bauman 2005).
As identidades fluidas da modernidade líquida encaixam-se em um mundo em que se faz necessário acabar rápido, seguir em frente, recomeçar, sempre, em um universo de mercadorias que gera, cada vez mais, novos desejos que sufocam e nos fazem esquecer os anseios antigos (Bauman 2005). Identidades cambiantes do Facebook inscrevem-se nesse cenário de fluidez da modernidade, fazendo parte do nosso cotidiano, de modo que pessoas utilizam diferentes construções antroponímicas, nessa rede social, elaborando, inclusive, identidades temporárias, como demonstraremos, no devir da apresentação dos resultados alcançados com o estudo.
Feitas essas breves considerações sobre as identidades líquidas, pensamos ser necessário proceder a algumas discussões a propósito do papel das emoções na linguagem, o que faremos na próxima seção deste artigo.
3. Emoções e ações na linguagem
Além das identidades fluídas, cabe discutirmos a questão da emoção, na geração e no uso dessa antroponímia criativa no Facebook, isto considerando que, atualmente, tem sido frequentemente debatido o entrelaçamento entre linguagem e emoção, conforme demonstram Souza et al. (2016), embora os mesmos autores informem que, no seio da Linguística, ainda, são parcos os trabalhos que, sistematicamente, tratam a complexa inter-relação entre esses sistemas humanos.
Conforme Maturana (2009), as emoções são próprias do reino animal, de modo que qualquer ser dessa categoria (o humano, inclusive) vivencia esse fenômeno, embora a nossa espécie tenda à desvalorizá-las. Afinal, como pondera Damásio (2011),
no esforço para entender o comportamento humano, muitos tentaram passar ao largo da emoção, mas não tiveram êxito. O comportamento e a mente, consciente ou não, assim como o cérebro que os gera, recusam revelar seus segredos, a menos que a emoção (e os muitos fenômenos que se escondem sob seu nome) seja inserida na equação e tenha sua importância reconhecida
As emoções, apesar desse pouco valor que lhes é atribuído, fazem parte do nosso agir, pois são disposições corporais dinâmicas definidoras ou especificadoras dos nossos diversos domínios de ação, de tal sorte que, ao mudarmos de emoção, mudaremos, também, de ação, pois, quando estamos sob uma emoção, fazemos algumas coisas, mas não outras, assim como aceitamos alguns argumentos e não outros (Maturana 2009). As emoções, portanto, tornam possíveis as nossas ações no mundo, de maneira que nada faremos sem uma emoção que torne uma ação possível. Afinal, como destaca Damásio (2011), uma emoção é um programa de ação, e o resultado da ação é uma mudança no estado do corpo e, ainda, como destaca o mencionado autor,
emoções são programas de ações complexos e em grande medida automatizados, engendrados pela evolução. As ações são complementadas por um programa cognitivo que inclui certas ideias e modos de cognição, mas o mundo das emoções é sobretudo feito de ações executadas no nosso corpo, desde expressões faciais e posturas até mudanças nas vísceras e meio interno. (Damásio 2011: 142, grifos nossos).
No nosso dia a dia, as nossas ações, oriundas das nossas emoções, seguem juntas a nossas ideias e a nossos modos de pensar (Damásio 2011). Então, no âmbito do nosso mundo interacional, compreendemos que, sob uma emoção, elaboraríamos a linguagem de um modo, mas, se estivermos sob outra emoção, a geraríamos de outra forma, o que concluímos, a partir de Maturana (2009: 15), quando, de um lado, ele pondera que "(...) as coisas ditas com raiva têm um poder, um valor ou uma respeitabilidade diferente daquelas ditas na serenidade e no equilíbrio", ou quando, de outro, ele afirma que "(...) normalmente vivemos nossos argumentos racionais sem fazer referência às emoções em que se fundam, porque não sabemos que eles e todas as nossas ações têm um fundamento emocional (...)" (Maturana 2009: 18, grifos nossos), e, ainda, quando ele assegura que "(...) o falar tem a ver constitutivamente com o agir (...) O emocionar da convivência no discurso, na linguagem, não pode nem deve ser negado, porque é com ele que se dá o viver humano (...)" (Maturana 2009: 77, grifos nossos).
Em acordo com Maturana (2009), postulamos que a peculiaridade da humanidade está na linguagem e no seu entrelaçamento com o emocionar. Este entendimento tem sido desenvolvido e propagado por diferentes autores no âmbito dos estudos sobre a linguagem, a exemplo de Foolen (2016), quando, ao enfocar trabalhos em Linguística Cognitiva, considera ser necessário, além do movimento, ter a emoção como um pilar das pesquisas, a fim de constituir uma base equilibrada e sólida das funções superiores, tanto da cognição, quanto da linguagem e, quando observa, também, que o papel da emoção tem sido vigorosamente admitido na atual literatura especializada acerca da linguagem, ainda que sempre tenha ocorrido alguma incursão sobre o papel das emoções nesse do fenômeno, como salientam Abreu (2015) e, também, Souza et al. (2016).
Como já pontuamos, "não há ação humana sem uma emoção que a estabeleça como tal e a torne possível como ato" (Maturana 2009: 22), logo, entendemos que o falar e o nominar, entre outros fenômenos da vida humana interconectados à linguagem, sendo ações, são possíveis e estabelecidos por uma ou mais emoções. Então, compreendemos que a emoção permeia toda a linguagem, em sua elaboração, em seu autêntico uso, no nosso cotidiano. Assim, pensamos, com Maturana (2009), que a linguagem, sendo um domínio de coordenações consensuais de condutas, não se dá no corpo, como um conjunto de regras, mas em modo de vida de interações recorrentes, portanto, no fluir de coordenações consensuais de condutas. Pensamos que, para que ocorra uma história de interações recorrentes, precisa haver uma emoção que constitua condutas que resultarão em interações, também, recorrentes; aceitamos, com o mesmo autor, que essa emoção é o amor. Se tal emoção não ocorre, não haverá história de interações recorrentes, mas encontros e separações, unicamente, casuais (Maturana 2009). Assim sendo, a linguagem está entrelaçada nessa rede de coordenações consensuais de condutas, geradas, socialmente, por nós em decorrência do amor.
Particularmente, no que concerne à significação, entendemos, com Damásio, que "as emoções não são um luxo”. Elas desempenham uma função na comunicação de significados a terceiros e podem ter também o papel de orientação cognitiva" (Damásio 1994: 154). No âmbito da Linguística, Foolen (2016), ao comentar os estudos dessa área, pontua que a informação experiencial afetiva ou emocional é fundamental na representação e na aprendizagem de significados, em particular, no âmbito das palavras abstratas.
Enfim, de um lado, compreendemos que há interação entre cognição e linguagem, de outro, entendemos que cognição interage com emoção; em face dessas interações entre cognição, linguagem e emoção, pensamos, com o mesmo Foolen (2016), que, assim como se entrelaça à cognição, a linguagem se liga direta e indiretamente à emoção, uma vez que a conceptualização da emoção e a própria emoção expressam-se pela linguagem, isto porque as pessoas conceptualizam as suas emoções e as das outras, bem como expressam as suas emoções, por meio da linguagem, as quais são elaboradas mútua e concomitantemente.
Como vimos nesta seção do artigo, o viver em humanidade ocorre em um contínuo entrelaçamento de cognição, emoção e linguagem, em um fluir de coordenações consensuais de ações e de emoções e, segundo Maturana (2009), o entrelaçamento entre emoção e linguagem é o conversar, sendo que nós somos o que conversamos e é desse modo que cultura e história encarnam-se no nosso hoje. Assim, vivemos em distintas redes de conversações que, na nossa individualidade corporal, entrecruzam-se na sua realização.
Vimos, também, que as emoções estão imbricadas na criação da linguagem, logo, também, se encontram na geração, na manutenção e na propagação da antroponímia. Então, o nosso objeto de estudo - o nome de pessoa - também, surge dessa imbricação entre esses sistemas da vida humana. Sabemos que, ao escolher o prenome de um filho ou de uma filha, os pais ou responsáveis pela criança, que será nominada e registrada, acham-se tomados por uma carga emotiva, de modo que pode haver, entre outras emoções que desencadeiam a seleção e o ato de registrar alguém com um nome, o medo, devido ao receio de, mais tarde, a pessoa nomeada não aprovar essa opção por eles feita no passado.
A sociedade sabe dessa carga emotiva que permeia o ato de nominar um ser humano, como fica patente, na letra da música da banda Legião Urbana (Russo 1989): "(...) Meu filho vai ter nome de santo. Quero o nome mais bonito (...)". E, de fato, quem nomeia alguém adota ou até mesmo cria prenome(s) desse alguém, a partir de ações atreladas a distintas emoções. Mas o nominar, nos tempos de redes sociais, não se limita ao nome civil e, assim, as pessoas podem, hoje, criar os seus nomes de perfil e esses nomes são elaborados pelo Modelo Cognitivo Idealizado Metonímico, por isso, apresentaremos, na sequência, algumas reflexões acerca do papel da metonímia na criação da antroponímia que circula, cotidianamente, no Facebook.
4. Linguística Cognitiva e metonímia
Nos últimos anos do século XX, a metonímia, antes apenas vista como uma figura de linguagem, relacionada ao léxico das línguas, em que se substitui um nome por outro, estabelecendo-se uma associação por contiguidade, passou a ser concebida, também, como um mecanismo cognitivo, como uma das figuras do pensamento, através das quais compreendemos o mundo. Essa reviravolta no modo como a entendemos ocorreu no seio da Linguística Cognitiva.
A Linguística Cognitiva é uma área do saber humano de cariz interdisciplinar, inaugurada, nos finais daquela mesma centúria, e que vê a linguagem, a partir de um olhar semantocêntrico, de uma perspectiva que a entende como um fenômeno interconectado às demais faculdades cognitivas da espécie humana, com natureza simbólica, motivada pelas experiências corpóreas, assim como busca conhecê-la através do seu uso efetivo e cotidiano, concluindo que dicotomias tradicionais de outras áreas da Linguística não são producentes, para o seu entendimento, já que não dão conta do complexo fenômeno do sistema linguajeiro e acabam chocando-se com a visão holística da linguagem, adotada pela terceira onda dos seus estudos cognitivos.
Na Linguística Cognitiva, desde a obra seminal Metaphors we live by, de Lakoff e Johnson, publicada, em 1980, e traduzida para o português, em 2002, como Metáforas da vida cotidiana, a metonímia é abordada, pelo viés da cognição. No entanto, o seu enfoque, nessa obra, é restrito e não poderia ser diferente, uma vez que, como expressa o seu título, dedica-se ao estudo do fenômeno metafórico no nosso dia a dia. Apesar de ser um fenômeno importante da cognição humana e desse primeiro tratamento nesse livro revolucionário para a Linguística contemporânea, a metonímia não acha, mesmo nessa área, o mesmo espaço de debate destinado à metáfora1.
Como observam Lakoff e Johnson (1980), a metonímia possibilita o entendimento; assim sendo, não é, simplesmente, um recurso retórico, pois:
(...) permite-nos focalizar mais especificamente certos aspectos da entidade a que estamos nos referindo (...) não é somente um recurso poético ou retórico, nem é somente uma questão de linguagem. Conceitos metonímicos (como PARTE PELO TODO) fazem parte da maneira como agimos, pensamos, e falamos no dia-a-dia (Lakoff e Johnson 1980: 93, grifos nossos).
Na obra lakoffinana de 1987, Women, fire and dangerous things, a metonímia é vista como um Modelo Cognitivo Idealizado, que, por sua parte, é tido como um mecanismo para compreendermos o mundo, responsável pela organização do nosso conhecimento, sendo uma estrutura cognitiva idealizada. A metonímia é gerada, quando, em um Modelo Cognitivo Idealizado, uma entidade conceptual (ALVO) é compreendida, através de outra entidade conceptual (VEÍCULO), ou dito de outro modo, quando, em um mesmo Modelo Cognitivo Idealizado, o veículo fornece acesso mental ao alvo (Radden e Kövecses 1999).
Barcelona (2012: 126), por sua parte, define a metonímia como "a projeção assimétrica de um domínio conceptual, chamado fonte, sobre outro domínio conceptual, chamado meta, situados ambos dentro do mesmo domínio conceptual funcional e conectados por uma função pragmática. O resultado da projeção é a ativação mental da meta".
Outras perspectivas têm sido exploradas, no âmbito do estudo da metonímia, de sorte que, sendo a Linguística Cognitiva uma área com vocação interdisciplinar, diálogos producentes têm sido estabelecidos com outras vertentes teóricas contemporâneas, como a Teoria da Complexidade. Inscrevendo-se entre os autores que têm procurado pensar sobre essa possibilidade de conhecimento interdisciplinar, Paiva (2010) oferece uma contribuição para o estudo do fenômeno metonímico, ao dialogar com essa Teoria, de modo a compreender esse fenômeno como um processo fractal, vendo-o, então, como uma mudança de escala; assim sendo, entende-o como uma coisa compreendida em uma dimensão fractalizada2, em que não se perde a dimensão do todo; assim, ela afirma que
a metonímia na perspectiva fractal, não é entendida como mudança de nome, mas como mudança de escala, pois não é uma coisa nomeada por outra, é a mesma coisa vista em uma dimensão fractalizada sem que se perca a dimensão do todo (...) Não é também entendida como relação de contiguidade, mas como uma operação recursiva, onde um aspecto projeta o todo de um mesmo domínio ou integra um outro domínio permitindo conceituar uma outra coisa, ou seja, metaforizar. (Paiva 2010: 17).
Paiva (2011), ainda, pondera que "é possível dizer que a metonímia é uma parte que contém o todo, pois, ao ser acionada e descompactada, se chega ao todo (...)" (Paiva 2011: 59) e assegura que
a metonímia é um processamento semelhante à compressão fractal de imagens (...) Quando se produz uma metonímia, eliminam-se as redundâncias e mapeia-se dentro desse domínio um elemento que, ao mesmo tempo em que remete ao todo de seu próprio domínio, pode também ser projetado em outro domínio para produzir um novo sentido, uma metáfora. (Paiva 2011: 60).
Feita esta breve incursão sobre o que se compreende por metonímia, arrolamos alguns de seus tipos: PARTE PELO TODO; PRODUTOR PELO PRODUTO; OBJETO PELO USUÁRIO; CONTROLADOR PELO CONTROLADO; INSTITUIÇÃO PELOS RESPONSÁVEIS; LUGAR PELA INSTITUIÇÃO; LUGAR PELO EVENTO (Lakoff e Johnson 1980) e, ainda, CAUSA E EFEITO.
As espécies de metonímia, no entanto, podem variar, a depender do critério adotado para o estabelecimento de sua tipologia. Assim, se levarmos em consideração o grau de generalidade ou de abstração, exposto por Barcelona (2012), há basicamente três tipos de metonímias: PARTE PELO TODO; TODO PELA PARTE e PARTE PELA PARTE; por outro lado, podemos considerar o grau de prototipicidade para classificar as metonímias, de modo a ter, como prototípicas, as referenciais (Barcelona 2012).
Pinheiro (2010) atenta, ainda, para a diferenciação entre as metonímias convencionais e as não convencionais, sendo as primeiras tidas como representações naturais das entidades-alvo às quais servem como pontos e referências, não sendo categorizadas como desvios e não tendo forte dependência do contexto, já as segundas - as metonímias não convencionais - são entendidas a princípio com estranhamento. Partindo das ideias de Pinheiro (2017), consideramos que, em uma determinada dimensão, metonímias operam de forma convencional, de modo que, em um dado sistema, não chamam a atenção pela originalidade e materialização, o que é o caso das metonímias mais gerais, e, em outra dimensão, atuam de maneira incomum, não convencional, particularmente, no que diz respeito às metonímias mais específicas.
4.1. Metonímia e antroponímia
O nome próprio de pessoa é uma emergência da linguagem, de modo que é maior e menor do que uma mera soma de partes, como as partes dos nomes dos pais no nome do(a) filho(a), mas, ao mesmo tempo, constitui-se de partes que o geram: prenome(s) e sobrenome(s). Um antropônimo pode ser visto, então, como um fenômeno criado através do Modelo Cognitivo Idealizado Metonímico, elaborado pela relação do tipo PARTE/TODO ou TODO/PARTE.
Para exemplificarmos como compreendemos a metonímia na antroponímia, tomemos como exemplo o antropônimo Ygor Almeida Santana. Em um contexto familiar, poderemos usar o prenome Ygor, de modo a termos a metonímia PARTE/TODO; em outro contexto, como o escolar, poderemos empregar Ygor Santana, e, ainda, teremos a metonímia PARTE/TODO, mas, em uma situação de eleição, por exemplo, precisarmos utilizar Ygor Almeida Santana, para evitarmos possíveis homonímias, e já teremos a metonímia TODO/PARTE.
Na antroponímia, ainda, não podemos desconsiderar os seus possíveis apelidos, como Guinho, Igolino, Igão, sendo esses, assim como a construção antroponímica completa atrelados a diferentes emoções que se interconectam na história das interações que constituem a história do ser humano e do seu nome. Então, na geração do nome próprio de pessoas, ocorrem usos, a partir do Modelo Cognitivo Idealizado Metonímico, em um mesmo domínio experiencial, em inter-relação com a emoção que está no âmago da geração da linguagem.
O nome de pessoa, também, pode ser entendido por meio da compreensão fractal da metonímia, conforme já sinalizamos. Assim, com base nas ideias de Paiva (2010), concluímos que, ao falarmos/ouvirmos, ou ao lermos/escrevermos um antropônimo, a depender do zoom que dermos no referente, podemos usar uma parte, ou partes, ou toda a construção antroponímica, ou até mesmo um apelido de uma pessoa. O prenome Ygor, ou os sobrenomes Almeida e Santana, então, podem funcionar como um fractal, no âmbito da geração da linguagem e de sentidos, visto que, ao serem usados, são capazes de ativar, um dado contexto, por similaridade, os nossos conhecimentos sobre esse nome e seu referente. A mudança no enfoque da escala não prejudica a geração de sentidos, embora cada um desses usos estejam inter-relacionados a ações ativadas por emoções distintas e que, por isso, só sejam possíveis em contextos de uso específicos.
No nosso dia a dia, então, usamos, em contextos de menor tamanho na escala, apenas, o nosso prenome, e, ao ampliar essa escala, já precisaremos usar um sobrenome, geralmente, por questões ideológicas, o sobrenome advindo da nossa família paterna, e se ampliarmos ainda mais a escala, deveremos usar toda a nossa construção antroponímia, assim como, diminuindo o zoom, poderemos só usar o nosso sobrenome e, em outras situações contextuais de menor tamanho ainda na escala, poderemos, tão somente, empregar o nosso apelido. A metonímia funciona como compactação fractal em que o todo está na parte que descompactada, via processamento contextual, se integra ao todo, o que concluímos, a partir de reflexões feitas em torno do pensamento de Paiva (2010).
Dito isto, podemos afirmar que a construção da antroponímia é um fenômeno semântico, elaborado pelo mecanismo metonímico PARTE/TODO e TODO/PARTE. Após termos feito esta primeira conclusão, passaremos a seção seguinte, para apresentarmos o percurso metodológico traçado para a realização do estudo.
5. Desenho metodológico
A pesquisa feita teve natureza qualitativa, assim como seguiu uma perspectiva hermenêutica e, a partir de um corpus formado por construções antroponímicas criativas coletadas no mês de fevereiro de 2016 da rede social on-line Facebook, buscou refletir sobre a criação e o uso dessa antroponímia e sobre a sua imbricação com a metonímia, com a emoção e com a modernidade líquida, como já pontuamos na introdução deste texto.
O corpus, após constituído, foi colocado em um arquivo do Word, visando à sua organização e posterior confecção do trabalho. As categorias de estudo não foram, previamente, estabelecidas, de sorte que, a partir da leitura desse corpus, fomos concomitantemente elaborando-as e, assim, definimos que trabalharíamos com as metonímias convencionais e com as metonímias não convencionais.
Na sequência, procedemos ao estudo do corpus, considerando essas categorias. Posteriormente, atentando para o estado atual de modernidade líquida em que vivemos, e, visando a refletir sobre possíveis mudanças na antroponímia, ou seja, objetivando saber se as pessoas, ainda, usavam os mesmos nomes de quando foi feita a coleta do corpus, voltamos ao Facebook, no mês de dezembro de 2017, quase dois anos depois do primeiro levantamento, e, constatamos algumas mudanças nos usos antroponímicos, por isso, ampliamos o corpus, bem como delimitamos uma nova categoria para estudo, qual seja: 3) Antroponímia, emoção, identidade e tempos líquidos. Então, alargamos o raio de ação do trabalho que estávamos empreendendo e refletimos sobre as mudanças de usos antroponímicos nessa rede social.
Para realizarmos as nossas reflexões acerca do corpus, demos os seguintes passos metodológicos: 1) organização dos exemplos conforme as categorias definidas; 2) uso de versalete para destacar cada uma dessas categorias; 3) conservação da ortografia dos antropônimos, mesmo se houvesse equívoco no âmbito da escrita mais monitorada do português; 4) numeração dos exemplos em ordem crescente e em algarismo arábico; 5) elaboração de uma fórmula antroponímia, com a finalidade de preservar o perfil da pessoa, cujo nome foi utilizado como corpus do estudo, por exemplo, PARTE DO PRENOME (Juli = Juliana) + SOBRENOME. No caso deste exemplo, a fórmula demonstra que a pessoa conservou parte do seu prenome e o seu sobrenome completo; revelamos o prenome da pessoa, porque era importante, para entendermos o processo de criação do seu nome do perfil do Facebook, mas não expressamos o seu sobrenome, porque assim seria mais difícil saber de quem se trata. Tivemos o cuidado de elaborar essas fórmulas, mas devemos, também, pontuar que esses perfis são públicos, sendo que qualquer pessoa pode acessá-los livremente e 6) elaboração de tabelas, para apresentação dos elementos antroponímicos estudados, de modo que, feitas as tabelas, inserimos, na primeira coluna, as metonímias, escritas em versalete, e, na segunda, as fórmulas das construções antroponímica, também em maiúsculas, mas com as expressões linguísticas, em minúsculas.
Demonstrado o percurso metodológico, na próxima seção, faremos a exposição dos resultados.
6. Estudo do corpus
As considerações acerca dos resultados tratarão das três categorias definidas para o estudo, conforme já explicitamos na seção destinada à metodologia: Metonímias convencionais; Metonímias não convencionais e Antroponímia, emoção, identidade e tempos líquidos, de modo a serem apresentadas respeitando essa sequência.
6.1. Metonímias convencionais
Os casos aduzidos a seguir são de metonímias convencionais, em que os antropônimos criativos são gerados por meio do Modelo Cognitivo Idealizado Metonímico e estruturados pela metonímia geral PARTE/TODO; consideramos essas metonímias convencionais, porque geram construções antroponímicas, a partir da própria estrutura do antropônimo do usuário do Facebook; daí, pensarmos que se acham incrustadas na nossa mente e que são por nós empregadas inconscientemente; essas metonímias, no corpus, apresentam-se por meio de expressões elaboradas por redução de prenomes, pelo uso de abreviaturas dos nomes, entre outros recursos.
No âmbito dessa categoria, a metonímia mais geral PARTE/TODO acha-se subjacente as seguintes conjuntos de metonímias mais específicas: 1) ABREVIATURAS DOS SOBRENOMES POR SOBRENOMES; 2) PARTE DO PRENOME POR PRENOME + SOBRENOME POR SOBRENOMES; 3) PARTE DO PRENOME POR PRENOME + ABREVIATURAS DA CONSTRUÇÃO ANTROPONÍMIA POR SOBRENOMES; 4) PARTE DO PRENOME POR PRENOME + PARTE DO PRENOME POR SOBRENOME; 5) (PARTE DO) PRENOME DA ESPOSA E (PARTE DO) PRENOME ESPOSO POR NOME DA ESPOSA e 6) APELIDO POR PRENOME + SOBRENOME POR SOBRENOMES. Na sequência, exporemos a nossa compreensão acerca de cada uma dessas subcategorias estabelecidas após a leitura e concomitante estudo do corpus.
Em 1, ocultamos, na fórmula elaborada, o prenome das conceptualizadoras, com a finalidade de garantir a não identificação das usuárias dos perfis e, também, porque as nossas considerações serão atinentes aos sobrenomes, já que a antroponímia criativa aconteceu no seu âmbito:
Em 1, as conceptualizadoras - apenas, mulheres fizeram uso desse processo, no corpus - recorreram à abreviatura dos seus dois sobrenomes, para a geração dos seus respectivos sobrenomes "facebooquianos", mantendo, porém o seu prenome; assim sendo, concluímos que as metonímias ABREVIATURA POR SOBRENOMES e PARTE/TODO estruturam os seus respectivos nomes de perfil.
No bloco de exemplos presentes em 2, ocultamos, na fórmula exposta, os sobrenomes das usuárias do Facebook; fizemos isto, também, para evitar que sejam identificadas. Assim sendo, resolvemos destacar, aqui, tão somente, os seus prenomes, já que, no âmbito dos seus nomes de família, o uso da metonímia SOBRENOME POR SOBRENOMES é um fenômeno comum no cotidiano dos conceptualizadores brasileiros que usam, em geral, apenas, o sobrenome da linha paterna. Em 2, porém, as usuárias podem usar o sobrenome o materno, além do sobrenome paterno, e, ainda, aquele adquirido por meio do casamento; assim sendo, um sobrenome civil, ou até mais, é, por processo metonímico, silenciado no Facebook:
Em 2, então, o mecanismo metonímico foi utilizado para criar os prenomes do Facebook, sendo PARTE DO PRENOME POR PRENOME e PARTE/TODO as metonímias empregadas. Os casos identificados em 2 são bastante convencionais e fazem parte do uso cotidiano das pessoas, independentemente do seu uso nessa rede social. Inclusive, a fórmula PARTE DO PRENOME + SOBRENOME é, recorrentemente, empregada para diferenciar pessoas; por exemplo, em uma escola, se houver duas crianças chamadas Mariana, mas com sobrenomes diferentes, essas meninas poderão ser chamadas de Mari Araújo e Mari Gomes.
O processo expresso em 3 é o mais produtivo no corpus e, apesar de ter sido essencialmente utilizado por mulheres, homens, também, podem usar esse tipo de metonímia, para a criação do seu nome no Facebook, como, de fato, acontece nesse corpus:
Em 4, por sua parte, ocorre tanto o processo exposto em 1 quanto em 2. Desta maneira, a conceptualizadora, metonimicamente, silencia a segunda parte do seu prenome e usa, apenas, a sua primeira parte, de tal modo que esse uso é licenciado pelas metonímias PARTE DO PRENOME POR PRENOME e PARTE/TODO. Já no que concerne ao restante da sua construção antroponímica, ela emprega abreviaturas de cada um dos elementos onomásticos constituintes do seu nome completo, no lugar dos seus nomes de família, de sorte que esse uso antroponímico foi licenciado pelas metonímias ABREVIATURAS DA CONSTRUÇÃO ANTRPONÍMICA POR SOBRENOMES e PARTE/TODO. Assim sendo, 4 diferencia-se de 1, em que, unicamente, as abreviaturas dos sobrenomes foram utilizadas:
Já os usos expostos em 5 trazem a mesma metonímia vista em 2 e em 3, de sorte que no lugar do prenome, apenas, foi usada uma das suas partes, e, em vez do sobrenome, as conceptualizadoras - apenas mulheres lançaram mão desse recurso - usaram a segunda parte do seus respectivos prenomes que foram, metonimicamente, silenciados na posição de prenome; assumimos que a segunda parte do prenome é usada no lugar do sobrenome, porque as conceptualizadoras usam um espaço para separar a primeira e a segunda partes desse nome; além disso, elas empregarem letra maiúscula, depois desse espaço, para iniciar essa segunda parte que, pelo que pensamos, assumem a função de sobrenomes no perfil dessas usuárias:
Nos exemplos constantes de 5, as metonímias mais específicas PARTE DO PRENOME POR PRENOME e PARTE DO PRENOME POR SOBRENOME, inter-relacionadas à metonímia mais geral PARTE/TODO estruturam essas criações antroponímicas.
Nos casos expressos em 6, também, ocorrem as produtivas metonímias PARTE DO PRENOME POR PRENOME e PARTE/TODO, bem como ocorre a manutenção dos prenomes dos pares constituintes de um casal, sendo a mulher usuária do Facebook. No entanto, apesar desses dois comportamentos distintos em relação ao uso do primeiro elemento constituinte da construção antroponímica, aqui, foram postos juntos em uma única categoria, porque tanto a parte, quanto o prenome na íntegra foram usados em lugar do nome da usuária do perfil, de modo que a metonímia mais específica (PARTE DO) PRENOME DA ESPOSA E (PARTE DO) PRENOME DO ESPOSO POR NOME DA ESPOSA licencia esses usos expressos em 6:
Já em 7, o conceptualizador, um dos poucos homens, cujos nomes constituem o corpus, usa seu apelido, em vez do seu prenome, e emprega, apenas, um dos seus sobrenomes, ocultando, metonimicamente, seu outro nome de família:
O uso expresso em 7 foi licenciado pela metonímia mais específica APELIDO POR PRENOME, inter-relacionada à metonímia mais geral PARTE/TODO que, por sua parte, também, está interconectada a outra metonímia mais específica SOBRENOME POR SOBRENOMES, também, usada nessa construção antroponímica, embora aqui não tenha sido posta em destaque, para evitar a identificação do usuário do perfil e porque essa última metonímia é bastante comum no nosso cotidiano, conforme já assinalamos anteriormente.
Feitas as considerações acerca da categoria metonímias convencionais, passamos a tratar das nossas reflexões a respeito da segunda categoria: metonímias não convencionais.
6.2. Metonímias não convencionais
Agora, faremos as observações a respeito das construções antroponímicas constituídas a partir de metonímias não convencionais, geradas devido à experienciação humana de outros domínios pragmáticos, a exemplo da esfera da estética, da psiquê, que são diferentes daqueles concernentes às experiências com a linguagem que estavam ligados às construções antroponímicas criadas por meio da própria estrutura do léxico e que foram discutidas na seção anterior.
O uso criativo da metonímia, na elaboração das construções antroponímicas de perfis do Facebook, ocorreu, basicamente, na posição dos sobrenomes. Após o estudo do corpus, foram identificados os seguintes conjuntos de metonímias não convencionais que, inclusive, podem se atrelar, nesses conjuntos, a metonímias convencionais: 83) PARTE DO PRENOME POR PRENOME + CONDIÇÃO POR SOBRENOME; 9) PRENOME + CONDIÇÃO POR SOBRENOME; 10) PROFISSÃO/OCUPAÇÃO POR SOBRENOME; 11) TIME POR PRENOME + TIME POR SOBRENOME e 12) CONDIÇÃO POR PRENOME + CURSO POR SOBRENOME, as quais, a seguir, passaremos a discutir.
Em 8, em uma das partes da construção antroponímica, foi feito o uso de uma metonímia convencional e bastante produtiva e já abordada na seção anterior: PARTE DO PRENOME POR PRENOME. Assim sendo, em 8, as duas categorias de metonímias, aqui postas em destaque, se mesclam. Considerando essa mesclagem entre as metonímias convencionais e as não convencionais, enforcaremos, apenas, o sobrenome, porque a categoria agora estudada ocorre no seu âmbito, isto é, na categoria das metonímias não convencionais:
Em 8, não se preserva nenhum elemento da construção antroponímica do registro civil das usuárias do perfil. Nesse grupo, a parte do prenome une-se a um qualificador, sendo que esse modificador assume o lugar, tradicionalmente, ocupado pelo sobrenome da pessoa. Daí, compreendermos que, por processo metonímico - CONDIÇÃO POR SOBRENOME e PARTE/TODO - as usuárias, entre outras possibilidades, realçaram uma parte do seu estado psíquico ou físico, em detrimento de outros, quando da elaboração das suas respectivas identidades "faceboquianas". Essas metonímias mais gerais alicerçaram as mais específicas: ESTADO DE ESPÍRITO POR SOBRENOME, em um perfil, e ESTADO ESTÉTICO POR SOBRENOME, em outro, sendo esses perfis de mulheres.
Em 9, o processo é bem próximo ao verificado em 8, contudo, aqui, é mantido o prenome do registro civil da usuária, mas, no lugar do seu sobrenome, foi usada, mais uma vez, uma qualificação, o que nos fez compreender que essa construção antroponímica foi elaborada, da mesma forma, pelo processo metonímico ESTADO DE ESPÍRITO POR SOBRENOMES e CONDIÇÃO POR SOBRENOME, sendo essas metonímias mais específicas, inter-relacionadas a PARTE/TODO.
Em 9, assim como em 8, a elaboração da construção antroponímica criativa ocorreu em um perfil feminino, demonstrando a importância das mulheres na geração dessas construções antroponímicas criativas do Facebook.
No caso da antroponímia constante de 10, classificamos a metonímia que a estrutura, como não convencional; e assim a categorizamos, porque, levamos em consideração o domínio social do Facebook e o seu uso incomum nessa rede social. Todavia, ao olharmos para o passado, nomeadamente, para os tempos medievais, verificaremos que, naquelas épocas pretéritas, a profissão e/ou a ocupação de uma pessoa ou de sua família poderia ser agregada ao seu nome, como mecanismo para evitar homônimos na sociedade peninsular ibérica que começava a crescer numericamente.
Assim sendo, na história da constituição da antroponímima em português, esse tipo de elaboração metonímica foi ativa e gerou, no período medieval, nomes que desempenharam a função de sobrenome (Silva 2013), o que, hoje inclusive, identificamos em sobrenomes civis, a exemplo de Ferreira, Machado, Oliveira e Pereira. Então, esse mecanismo metonímico convencional, nos primórdios da língua portuguesa, atualmente, está sendo utilizado de modo incomum nas redes sociais, embora, no corpus, tenha sido usado, exclusivamente, por um homem e, tão somente, uma vez.
Em 10 como em 9, ocorreu, então, a manutenção do prenome, entretanto, no lugar do sobrenome, o conceptualizador usou sua ocupação/profissão, em vez de um dos seus nomes de família; isto se deu por meio o uso da metonímia mais específica PROFISSÃO /OCUPAÇÃO POR SOBRENOME, interconectado à metonímia mais geral PARTE/TODO.
O conceptualizador, em 11, não manteve qualquer elemento do seu nome civil e criou o seu nome de perfil, através das metonímias não convencionais e específicas TIME POR PRENOME e TIME POR SOBRENOME, ambas também interconectadas à metonímia mais geral e convencional PARTE/TODO.
Então, em 11, o conceptualizador, em vez do seu prenome, usou o elemento onomástico que nomeia o time pelo qual torce, assim como utilizou o nome do seu time associado a um modificador, no lugar do seu sobrenome. Essa construção antroponímica foi empregada, também apenas, por um homem.
Por outra parte, em 12, a conceptualizadora criou seu nome de perfil, metonimicamente, acionando o domínio da experiência educacional, de modo que criou um nome para ser usado na posição do seu prenome, por meio da metonímia mais específica CONDIÇÃO POR PRENOME, contudo manteve seu prenome que passou a ocupar a posição de um segundo prenome na sua construção antroponímica "faceboquiana".
No tocante aos seus sobrenomes, ela manteve os dois nomes de família, materno e paterno, e elaborou mais um nome ocupando a posição de um terceiro sobrenome, sendo esse último gerado por meio da metonímia CURSO POR SOBRENOME, sendo essas duas metonímias não convencionais e mais específicas ancoradas pela metonímia convencional e mais geral PARTE/TODO.
No que concerne às metonímias não convencionais, o seu uso predominante se deu por mulheres e vários foram os domínios experienciais acionados para a criação desses antropônimos de perfis do Facebook.
6.3. Antroponímia, emoção, identidade e tempos líquidos
No que concerne aos resultados do estudo, podemos dizer que emoções aparecem, claramente, expressas, no corpus, em fórmulas antroponímicas como PRENOME (Juninho) + SOBRENOME e PRENOME (Arizinho) + SOBRENOME, o que afirmamos, considerando o apelo emotivo do diminutivo, já expresso por diferentes autores como Lapa (1968), no seu clássico Estilística da Língua Portuguesa.
Deixando de lado casos como esses já bastante debatidos na literatura acerca da linguagem, optamos por tecer considerações sobre a fórmula antroponímica: PRENOME + SOBRENOME (esquizos)4.
Selecionamos essa fórmula, porque, através de comentários feitos pela usuária do Facebook em uma postagem, conseguimos saber que a empatia foi a emoção que gerou a criação e uso desse nome por ela, nessa rede social, isto porque ela afirma, um desses comentários, que deixaria de usar seu sobrenome Esquizos, o qual recebeu duras críticas, mas que permaneceria o seu protesto pela inclusão de pessoas com doenças mentais na sociedade, considerada, por ela, rotuladora, ressentida, capitalista e excludente; também, pudemos tomar conhecimento da empatia como emoção geradora dessa construção antroponímica, quando, em outro comentário, ela assegura que a luta pela inclusão de pessoas com doenças mentais deveria ser de todos.
Feitas essas breves considerações sobre a presença da emoção na geração de construções antrponímicas criativas em perfis do Facebook, obsevamos que as identidades fluidas e em movimento, também, têm presença efetiva no corpus, tendo sido ali verificada uma série de identidades alternativas e temporárias. Assim sendo, nesse curto tempo, certas pessoas mudaram uma, ou duas, ou ainda reiteradas vezes os seus respectivos nomes de perfil.
Entre uma consulta e outra aos perfis do Facebook, detectamos uma mudança no uso do nome de uma usuária dessa rede, de modo que, antes, ela empregava o PRENOME + SOBRENOME + REIKIANA e, depois, passou a usar PRENOME + HOLÍSTICA. No caso em tela, ainda que seja preservado o padrão de organização metonímico, ocorreu uma mudança de enquadramento. Assim, inicialmente, ela usava o seu prenome e um dos seus sobrenomes civis e, no lugar do seu segundo sobrenome, ela empregava o modificador reikiana, elaborado pela metonímia PROFISSÃO/OCUPAÇÃO POR SOBRENOME, que, por sua parte, se associa à metonímia mais geral PARTE/TODO. Com a mudança, ela manteve o seu prenome, mas suprimiu seus sobrenomes e, no seu lugar, usou o modificador holística; então, houve, também, um processo metonímico, mas agora, por meio da metonímia mais geral TODO/PARTE; isto considerando que reikiana se relaciona à ocupação realizada pela usuária do perfil e que holística se refere à sua visão dos fenômenos da vida, por meio do seu entendimento integral desses fenômenos, levando em conta, tanto os seus aspectos psíquicos, quanto os seus elementos biológicos, vendo-os como totalidades e não partes isoladas da vida hominal.
Outro caso de mudança se deu, quando uma usuária dessa rede social deixou de usar CONDIÇÃO POR PRENOME (caloura) + PRENOME + SOBRENOME1 + SOBRENOME2 + CURSO POR SOBRENOME (TRAMED) para utilizar o seu nome civil constituído de PRENOME + SOBRENOME 1 + SOBRENOME 2. Aqui, é preciso observar que se deixa de experienciar a condição de caloura ao fim do primeiro semestre de um curso universitário. Então, essa condição, por ser comemorada e, ao mesmo tempo, efêmera, gerou tanto a criação daquela primeira construção antroponímica, como o fato da mesma ter sido deixada de lado, tão rapidamente, porque não faria mais sentido empregá-la.
Mais uma mudança ocorreu, por uma usuária deixar de empregar seu PRENOME + ESTADO DE ESPÍRITO (paz de espírito) para utilizar umz PARTE DO PRENOME + PARTE DO PRENOME (Fabi Ane). Nos dois casos, o Modelo Cognitivo Idealizado Metonímico estrutura as expressões metonímicas da antroponímia. Contudo, enquanto o segundo uso foi concebido como membro da categoria metonímia convencional, o primeiro foi tido como parte da categoria metonímica não convencional. Não é possível identificar a razão dessa mudança, mas, certamente, ela se inscreve nos tempos em que as identidades podem ser fluidas e temporárias.
Também, foi bem rápida a mudança que ocorreu no perfil da usuária que, inicialmente, usava uma construção antroponímica constituída por PARTE DO PRENOME DA ESPOSA (Jak) + PARTE DO PRENOME DO ESPOSO (Dre) e passou a usar PRENOME DA ESPOSA + PRENOME DO ESPOSO (Jaqueline André); efêmera, da mesma maneira, foi a mudança que a levou a empregar PRENOME DA ESPOSA (Jaqueline) + DE + PRENOME DO ESPOSO (André) e, ainda, aquela que a fez utilizar PRENOME (Jaqueline) + SOBRENOME. É possível que toda essa mudança em um curto lapso de tempo seja influenciada pela modernidade líquida em que vivemos, embora, nos seus três primeiros nomes, ela tenha colocado em foco o casal, em que ela é, apenas, uma parte e, como fundo, o seu todo como uma individualidade complexa; apenas, com a última mudança, ela própria tenha se colocado em foco. Assim sendo, nos três primeiros caos, trata-se apenas de uma mudança de enquadramento; esse caso demonstra, assim, a interconexão existente entre emoção, linguagem e cognição.
Exposto o nosso entendimento sobre a terceira categoria elaborada para a realização do estudo, passamos a expor algumas ideias para findar o artigo.
7. Considerações finais
Como vimos, na metonímia, um domínio de experiência é, parcialmente, compreendido em termos desse mesmo domínio experiencial, tratando de uma operação intradomínio; o fenômeno metonímico é conceptual, fractal, fundamentado nas nossas experiências, sistemático e recorrente no nosso dia a dia, porque é parte da estruturação do nosso modo de pensar e de agir no mundo.
Sobre a primeira categoria estudada, as metonímias convencionais, aquelas incrustadas no nosso sistema conceptual e na nossa linguagem, usadas inconsciente e automaticamente, no nosso cotidiano, entendemos que, na antroponímia usada no Facebook, são mecanismos atrelados à estrutura da linguagem, gerada pela própria linguagem. Sobre a segunda categoria, metonímias não convencionais, aquelas usadas conscientemente, para efeitos de sentidos inéditos, em um dado contexto de uso, compreendemos que são responsáveis por elaborarem criações antroponímicas incomuns, no espaço dessa rede, e são criadas, devido ao nosso conhecimento de mundo mais amplo do que aquele de que dispomos sobre a estrutura da nossa linguagem e usado para criar antropônimos no seio da primeira categoria, mesmo assim, em última instância, essas metonímias não convencionais acham-se ancoradas por uma metonímia mais geral, conceptual e convencional PARTE/TODO.
Além disso, nas construções antroponímicas, essas categorias não se acham estaques e isoladas, mas se encontram em interação umas com as outras, mesclando-se e gerando nomes em esferas sociais contemporâneas das redes sociais, aqui, em particular, do Facebook. Ademais, no tocante à terceira categoria - Antroponímia, emoção, identidade e tempos líquidos - entendemos que as construções antroponímicas criativas são emergências da linguagem, geradas por diferentes emoções e várias, por influência da modernidade líquida, efêmeras no tempo. Enfim, as pessoas criam identidades temporárias, mas, no geral, rapidamente voltam a usar seu nome civil, dependendo do tamanho da escala, voltam ao seu prenome, ou ao seu prenome unido a um dos seus sobrenome ou todos. Além disso, o fenômeno da identidade líquida ocorre, no corpus, acontecendo, basicamente, no perfil de mulheres.
Enfim, o corpus estudado, embora restrito, pôde oferecer indícios sobre como funciona a inter-relação entre comportamentos sociais, emoção, elaboração e uso de uma antroponímia criativa no Facebook.