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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.37 no.1 Montevideo jun. 2021  Epub 28-Mayo-2021

https://doi.org/10.5935/2079-312x.20210007 

Article

AS RELAÇÕES IDENTITÁRIAS DO POVO APINAYÉ: UM ESTUDO A PARTIR DOS ANTROPÔNIMOS

LAS RELACIONES DE IDENTIDAD DEL PUEBLO APINAYÉ: UN ESTUDIO DESDE LOS ANTROPÓNIMOS

THE IDENTITY RELATIONS OF THE APINAYÉ PEOPLE: A STUDY FROM THE ANTHROPOMINES

Paulo Hernandes Gonçalves da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-0871-2593

Francisco Edviges Albuquerque2 
http://orcid.org/0000-0002-0004-1887

1Instituto Federal do Tocantins paulohg@ifto.edu.br

2Universidade Federal do Tocantins fedviges@uol.com.br


Resumo

Este artigo aborda as relações identitárias dos Apinayé, habitantes do estado do Tocantins. Promove um estudo dos antropônimos, considerados como importantes elementos da identidade dos povos indígenas. Note-se que a língua faz a vez de traço identitário de um povo com vistas a conferir-lhe um espaço simbólico de identificação, como no caso dos nomes próprios de pessoas que carregam tantas simbologias e cosmologias. Objetiva compreender o processo de formação e designação dos antropônimos para esse povo. A metodologia adotada consistiu na revisão bibliográfica de autores que refletem sobre a temática e principalmente pela discussão das relações entre sujeito, língua e identidade. Os resultados alcançados remetem à valorização da língua materna, por meio dos conhecimentos da Antroponímia, para a compreensão da identidade e da cultura dos povos indígenas.

Palavras-chave: Antroponímia; Ciências do Léxico; Cultura; Identidade; Indígenas Apinayé

Resumen

Este artículo aborda las relaciones de identidad de los Apinayé, habitantes del estado de Tocantins. Promueve el estudio de los antropónimos, considerados como elementos importantes de la identidad de los pueblos indígenas. Cabe señalar que el lenguaje actúa como la identidad de un pueblo para darle un espacio simbólico de identificación, como en el caso de los nombres propios de personas que portan tantas simbologías y cosmologías. Tiene como objetivo comprender el proceso de formación y designación de antropónimos para estas personas. La metodología adoptada consistió en una revisión bibliográfica de autores que reflexionaron sobre el tema y principalmente sobre las relaciones entre tema, lengua e identidad. Los resultados obtenidos se refieren a la valorización de la lengua materna, a través del conocimiento de la Antroponimia, para la comprensión de la identidad y cultura de los pueblos indígenas.

Palabras clave: Antroponimia; Ciencias del léxico; Cultura; Identidad; Indios Apinayé

Abstract

This article deals with the identity relations of the Apinayé, inhabitants of the state of Tocantins. It promotes a study of the anthroponyms, considered as important elements of the identity of the indigenous peoples. It should be noted that the language is instead the trait of a people's identity in order to give it a symbolic space of identification, as in the case of the proper names of people who carry so many symbologies and cosmologies. It aims to understand the process of formation and designation of anthroponyms for this people. The methodology adopted consisted of the bibliographical review of authors who reflect on the subject and mainly by the discussion of the relations between subject, language and identity. The results obtained refer to the valorization of the mother tongue, through the knowledge of Antroponimia, to understand the identity and culture of indigenous peoples.

Keywords: Anthroponymy; Sciences of the Lexicon; Culture; Identity; Indigenous Apinayé

1. Considerações iniciais

A língua é um bem comum a todos. Configura-se como uma determinante territorial, social e cultural de um povo. Nenhuma outra característica distingue tão bem o homem dos outros animais como o domínio da linguagem. Ela tem sido o eixo central do desenvolvimento social e cultural da humanidade (Le Page 1980).

E, portanto, ao se falar de relações identitárias de uma determinada comunidade, objetivou-se abordá-las sobre as prerrogativas linguísticas, e que neste caso específico são os aspectos lexicais envolvidos nos antropônimos dos Apinayé.

Esclareça-se que o povo Apinayé, pertencente ao tronco Macro-Jê e à família linguística Jê, o que segundo Rodrigues (2002), tem relevância na etnografia brasileira, uma vez que os estudos sobre as línguas relacionadas ao tronco Macro-Jê tiveram início com as observações feitas por Carl Friedrich Philipp von Martius (1863), estudioso que contribuiu para a Linguística do Brasil, por meio de seu glossário que inaugurou uma linha de pensamento que descreve a formação da identidade nacional.

Quanto à população das comunidades, segundo o Zoneamento Ecológico e Econômico do Tocantins - Seplan (2016), é de 2.266 Índios indígenas, divididos por 29 aldeias. Nos aspectos geográficos, habitam uma área de transição entre o cerrado e a região amazônica, se relacionando com a sociedade de seu entorno, não livre de conflitos.

Caracterizado o povo, vale acrescentar que, nos aspectos sociolinguísticos e culturais, é a propriedade humana de categorizar e nomear os seres e os objetos que o cercam, à medida que o universo do qual é parte integrante e determinante precisa ser conhecido e estruturado. Assim, conforme estabelecido por Biderman (1998), é a partir do ato de nomear que se gera o léxico das línguas naturais, que vai se processando através de atos sucessivos de cognição da realidade e de categorização da experiência cristalizada em signos linguísticos, configurando-se como a identidade sociolinguística de um povo.

A identidade dos antropônimos é, para Oliveira (2001), vislumbrada na cosmologia e valores, bem como os sentimentos, a fé, as crenças e diversos outros fatores vigentes nas diversas comunidades, apresentando-se como reflexo da convivência humana. Essa interação acontece e se justifica nos próprios tratados lexicais onomásticos, que correspondem à área de estudo do nome próprio, consoante a Dick (1992), em que a Onomástica subdivide-se em duas áreas: Antroponímia - trata do nome individual de pessoas, sobrenomes de família e alcunhas - e Toponímia - estudo dos nomes próprios de lugares. Tanto uma como a outra tem interesse pela palavra em seu uso no campo da denominação, ou seja, quando o vocábulo faz uma migração para o campo onomástico.

Quanto à abordagem da pesquisa nas Ciências do Léxico, houve uma preocupação com a sistemática Socioantroponomástica, pois conforme Seide (2016), este artigo enfoca os antropônimos de forma contextualizada com o seu uso no meio social. Logo, nesta abordagem, o fato antroponímico foi visto no viés utilizados pela Sociolinguística, em sentido amplo, face à sua interação com identidade e sociedade.

A relevância desta pesquisa está nos aspectos intrínsecos do povo indígena Apinayé, com a finalidade fundamentada na revisão de literatura e na demonstração da caracterização histórica, da organização social e dos elementos culturais e linguísticos do povo, que permeiam sua identidade e seus antropônimos.

Portanto, mesmo ocorrendo numa sistematização mais resumida, nesta pesquisa, a produção científica do conhecimento se justifica por evidenciar os seus traços culturais e linguísticos.

A priori, é necessário conhecer a sua história, a sua língua, cosmovisão e organização sociocultural, para que se possa permitir a manutenção e em alguns casos a própria revitalização de uma língua. Logo, nota-se as ponderações de Silva e Albuquerque (2017a: 07), ao afirmar que “as experiências culturais constroem-se a partir das representações que um determinado grupo social faz do mundo”.

Nem todas as circunstâncias sociais e relações identitárias do povo Apinayé poderão ser tratadas no âmbito deste artigo, porém o estudo sobre os antropônimos destes indígenas demonstrou ambiência comum nas questões de identidade, cultura e língua, conforme estabelece os apontamentos de Bakhtin (1988), nos quais a sociolinguística estuda a língua em seu uso autêntico nos contextos, baseado nas relações entre a estrutura, os aspectos sociais e culturais da produção linguística, e por isso, serão evidenciados elementos da constituição dos nomes próprios humanos, que caracterizam e contextualizam a realidade do referido povo.

2. O nome próprio de pessoas como marcador identitário de um indivíduo

A língua mostra uma visão de mundo, e é nesse limiar que se faz necessário compreender sobre a identida de, a linguagem e a cultura, observando as realizações lexicais apresentadas dentro de um contexto histórico e regional (Fiorin 1997). Assim, a relação do léxico com os elementos culturais e de identidade traça o caminho do conhecimento, da história e dos diversos aspectos da cultura de um povo. Por isso, a importância do estudo do léxico nesse âmbito, consoante a Biderman (2001), que acredita ser o léxico toda a experiência acumulada pelo povo durante sua existência, conforma cita a autora:

O Léxico de qualquer língua constitui um vasto universo de limites imprecisos e indefinidos. Abrange todo o universo conceptual dessa língua. Qualquer sistema léxico é a somatória de toda experiência acumulada de uma sociedade e do acervo de sua cultura através das idades. Os membros dessa sociedade funcionam como sujeitos-agentes, no processo de perpetuação e re-elaboração contínua do Léxico de sua língua. Nesse processo em desenvolvimento, o Léxico, se expande, se altera, e, às vezes, se contrai. As mudanças sociais e culturais acarretam alterações nos usos vocabulares; daí resulta que unidades ou setores completos do Léxico podem ser marginalizados, entrar em desuso e vir a desaparecer. Inversamente, porém, podem ser ressuscitados termos que voltam à circulação, geralmente com novas conotações. Enfim, novos vocábulos, ou novas significações de vocábulos já existentes, surgem para enriquecer o Léxico (Biderman 2001: 178).

Similarmente, segundo Calvet (2002), investigar o léxico de uma língua é questionar a cultura de seus falantes, pois o sistema linguístico é o resultado das obtenções culturais e da identidade de um povo. Ao se fazer o estudo dos antropônimos e da identidade de um povo tem-se em mente que cada cultura tem suas próprias formas de classificar o mundo, refletido em cada indivíduo, consoante ao que se tem observado no conhecimento produzido por Dick (1992), Carvalhinhos (2002), Seide (2016), Guérios (1973), Martins (1991) e Giraldin (2011).

Vale destacar que o processo identitário caracterizado nas teorias foucaultianas, conforme Silva e Albuquerque (2018a: 8), evidenciam que “o indivíduo é ao mesmo e único tempo o efeito e o instrumento do poder, uma vez que não ocorre apenas uma relação com o outro, mas também uma relação dos sujeitos consigo mesmos”.

Sobre a questão do processo de identidade e sua relação com os antropônimos, Woodward (2009) demonstra a construção de sistemas classificatórios, com possibilidade culturalmente de propiciar o sentido ao mundo social e construir significados ao ser humano. Há, entre os membros de um grupo, um certo grau de con senso sobre como classificar as coisas a fim de manter alguma ordem social.

O estudo da Antroponímia, conforme embasamentos de Dick (1992), exerce o papel de registros do cotidiano, revelado em atitudes e posturas sociais, específicas dos grupos humanos, pois os nomes das pessoas - antropônimos - remetem desde questões sentimentais até as mais complexas concepções sociológicas, culturais, religiosas, linguísticas, dentre outras. Com esta prerrogativa, o léxico antroponímico passa a ser compreendido como um indicador línguo-cultural, no qual a língua retrata a visão de mundo de um povo e evidencia a inter-relação que se estabelece entre o linguístico e o mundo biossocial.

O processo gradual de formação identitária de um indivíduo, começa ainda na infância quando a criança firma o convívio com outras pessoas, com quem interage. No ambiente familiar, ela tem as primeiras matrizes de socialização. Depois, ao participar de outros espaços sociais, como festas, igrejas, clubes e feiras - no caso da criança não-indígena - e da participação em festas, rituais, mata, rios, veredas e estradas - no caso da criança indígena - os elementos apreendidos resultam numa diversidade étnica e cultural (Albuquerque 2007).

A educação formal também se configura no processo, pois para Ferreiro e Teberosky (1989), quando as crianças começam a frequentar a instituição escolar, e entram em contato com a escrita de seus nomes, com uso de materiais escolares pessoais e coletivos, com a compreensão de reproduções gráficas de pinturas, da retratação da natureza à sua volta, da experiência matemática mais simples, passam a construir internamente condições para descobrir a base alfabética da escrita com compreensão e significado. Assim, apreende-se na consideração de Silva (2008), o entendimento de que escrita e leitura do nome próprio é extremamente importante para as crianças. Elas passam a perceber o nome como o primeiro indício de formação da sua identidade e, principalmente, que as diferencia dos outros indivíduos.

Para Ferreiro e Teberosky (1989), os antropônimos são tidos como a primeira forma de escrita dotada de estabilidade, como protótipo e base para toda escrita posterior, em muitos casos, cumpre uma atenção no processo do ser e de aceitar o ser do próximo. Por isso, vale a consideração de que o nome próprio é uma palavra que apresenta forte conteúdo significativo, emocional e de inclusão, sendo o primeiro sinal de identidade e reconhecimento infantil de si e do outro.

Carvalhinhos (2007) vê os antropônimos como elementos comuns, porém, destaca que fora das pesquisas acadêmicas, a importância do antropônimo é pouco percebida. O nome próprio registra atitudes e posturas sociais de um povo, suas crenças, profissões e origem. Nesta perspectiva, a autora exemplifica as motivações dos nomes próprios por questões de fé ou pela tendência da massa da população brasileira de designar nomes aos filhos conforme os personagens (herói ou heroína) da novela exibida com relevante audiência.

Para Martins (1991), o nome próprio, mesmo não sendo um destino, ele tem em sua constituição a posse de desejos e da trama simbólica traçada em torno de cada sujeito. O antropônimo é, por conseguinte, a própria expressividade da existência da intersubjetividade e do inconsciente, pois se configura como a mensagem e o mensageiro de mitos que são transmitidos de geração em geração, bem como em seu entorno concretiza-se associações múltiplas ao universo do sujeito.

Com isso, Rabinovich et. al. (1993) destaca que o nome revela tanto o universo relacional dos pais, quanto o contexto situacional onde a criança adquire a sua personalidade; neste sentido, a análise do nome poderia ser um instrumento auxiliar na compreensão da trama de significações implicadas nos contextos de identidade individual.

Estas proposições são corroboradas por Carvalhinhos (2002), pois a identidade faz parte de cada indivíduo, ela diferencia as pessoas, começando pelo seu antropônimo. E mesmo existindo várias pessoas com nomes iguais, o nome é único para cada indivíduo que o detém. As diferenças, portanto, estão nas características físicas, no modo de agir, de pensar, e principalmente, na história pessoal de cada indivíduo.

3. As relações entre os antropônimos e a identidade dos grupos étnicos

Para Silva e Albuquerque (2017b: 164), a partir da Constituição Federal de 1988 muitas prerrogativas aos indígenas, tais como “o direito às terras ocupadas por estes povos e à diferença linguística” foram importantes para assegurar a autonomia e fortalecer essas comunidades.

Acerca da autonomia, para Carvalhinhos (2002), o nome de pessoa é um potencial para conhecimento não apenas da língua, mas principalmente, possibilita apreender a cultura, religião e até ideologia do povo que o criou em dado período, já que a língua mantém intactos nos nomes de pessoas as partículas mínimas de significação (semas), preservando os já mencionados aspectos ideológicos, de fé ou apenas contando a história da denominação humana como vimos; aspectos que são passíveis de reconstituição por meio da ciência onomástica.

Nesse limiar de cosmologia a que estão inseridos os povos indígenas, o uso dos antropônimos permite a construção da identidade individual, pois o nome é carregado de simbolismo, que intencionais ou aleatórios, homenageiam e perpetuam o ser. Por isso, é comum entre os indígenas, encontrarmos nomes próprios com significados profundos e ligados a sentimentos (alma, vida, alegria, felicidade e elementos da natureza), consoante ao estabelecido por Gava (2012).

Nas comunidades de povos indígenas, os antropônimos sempre estão influenciados pela herança sociocultural ocorrida de forma diacrônica e passada de geração para geração, no respeito do mais novo aos mais velhos. E nesta perspectiva, Rowland (2008) esclarece que a existência de uma classificação ou designação regular dos nomes próprios numa população constituem indícios garantidos do caráter socialmente significativo das práticas de nomeação, ou seja, o ato de nomear é um ato social.

No tocante à escolha dos nomes, segundo Aldrin (2007), quando se trata de comunidades tradicionais, o processo pode significar a construção de identidades étnicas para a criança que é nominada. Assim, utiliza o exemplo, de uma comunidade de imigrantes suecos, em que pode ocorrer um nome tipicamente da origem, ou um nome que é típico de outra cultura, ou um nome que é comum a ambas as culturas, ou um nome que não é comum a nenhuma delas. No exemplo, a autora enfatiza que os pais estabelecem uma base pela qual a criança se perceberá no meio social - sueca, estrangeira, mista ou sem pertencimento.

Ainda para Aldrin (2007), o nome representa um sinal para os outros sobre quem a criança é, em termos de identidade étnica e de filiação a um determinado grupo social. Por isso, a herança cultural prevalece, pois uma criança ao nascer, direciona os pais a escolher o nome, na maioria dos casos, com a força da tradição e do costume étnico, o que evidencia que a preocupação com a herança cultural encontra-se carregada de intencionalidade.

Outro ponto, constatado por Lima (2007), trata da repetição dos nomes próprios dos antepassados que se configura como uma evocação da memória que se quer preservar. Os laços de identificação com um passado partilhado pelo grupo têm peso significativo no processo de formação das futuras gerações, porque são formas relevantes para a preservação da coesão da família e da identidade do grupo, e por outro, lado, denotam uma maneira de diferenciação com os outros grupos com os quais possuem contato. Nesse sentido, vislumbra-se a Antroponímia, a família e a religiosidade como manifestações e estratégias de identidade.

Braga (2006) enfatiza a existência de um princípio de classificação que determina as identidades pessoais. O referido princípio culmina numa relevante característica das sociedades humanas, que atravessa culturas e tempos: a necessidade de nomear e representar os sujeitos, bem como estabelecer sentidos e significados a esses sujeitos. Com base no mesmo pressuposto, o psicólogo Carlos Rodrigues Brandão aborda a origem da ideia de pessoa, conforme os princípios definidos pelo antropólogo francês Marcel Mauss (1929):

  • 1) como uma categoria de nominação e diferenciação de outros seres do mundo, a idéia de pessoa não é inata ao espírito humano, ela é uma produção social; 2) como outras construções simbólicas da cultura dos povos, a idéia de pessoa tem uma história própria, dentro da história social da humanidade; 3) em uma mesma época essa idéia difere de uma sociedade para a outra, podendo não existir sequer em algumas (Brandão 1986: 16).

As influências da comunidade e do próprio indivíduo são fatores preponderantes na formação de uma identidade dos povos. Por isso, a Antroponímia considera as condições sociais que norteiam a escolha do nome, sendo o indivíduo influenciado a escolher determinado nome a partir do meio em que vive, pelas ascendências de sua comunidade e inclusive por questões ideológicas estabelecidas em dados períodos, como a religiosidade e o conservadorismo. Portanto, caso a espiritualidade defina a seleção antroponímica, pode se ter uma gama significativa de nomes bíblicos entre o seu povo. E na ocorrência de uma comunidade conservadora, observa-se o uso de nomes das gerações anteriores sendo repetidos (Vescovi 2014).

Esta preocupação com a identidade antroponímica é abordada pelo historiador Márcio André Braga (2006), levando em consideração os apontamentos do antropólogo alemão Fredrik Barth (1998), que evidencia as diversas fronteiras existentes nos limiares dos grupos étnicos, como no caso dos povos indígenas:

Entretanto, para Barth, o principal critério para a determinação de um grupo étnico é a identificação por parte de seus membros e por outros como constituinte de uma categoria diferenciada na relação com outras do mesmo tipo. Assim, podemos dizer que a identidade étnica se estabelece pela autoatribuição de signos manifestos, de ordem fenotípica, social, cultural ou outra qualquer, que também sejam reconhecidos por outros como capazes de estabelecer uma diferenciação diante dos outros e os portadores desses signos (Braga 2006: 180).

Por sua vez, ao fazer explanação sobre o processo de nominação, Guérios (1973) cita que o nome é inseparável da coisa e do indivíduo assim designado, ou seja, o nome faz corpo com o sujeito. E por isso, esses povos têm o sumo cuidado com rituais de batizados e de nominação de suas crianças, para que se configure o respeito que lhe é necessário, atribuindo-lhe um valor verdadeiramente mágico. É o próprio Guérios (1973) quem aborda algumas artimanhas dos povos primitivos quanto à relevância do nome, na perspectiva, inclusive, da autoproteção: “e para preservação dos malefícios possíveis, surpresas desagradáveis, senão funestas, os selvagens ocultam os seus nomes aos estranhos, e quando não o fazem, é porque declararam um pseudônimo”.

Quanto à cosmologia o sistema antroponímico dos indígenas brasileiros, o filólogo brasileiro Mansur Guérios (1973) apresentou constatações acerca de nomes, prenomes e sobrenomes desses povos, conforme se observa nas considerações de Eckert e Röhrig:

Assim como ocorria com indígenas de outras regiões e com os povos primitivos, havia a utilização tão somente de um nome (ou prenome), e o uso do sobrenome era-lhes desconhecido. O autor apresenta uma compilação de nomes indígenas de diferentes tribos com base em registros históricos de diversos pesquisadores. Os pontos em comum, mesmo pertencente a tribos várias, referem-se à motivação do nome, que dificilmente é usado como mera etiqueta de identificação, tal como ocorre com a maioria dos nomes atribuídos aos brasileiros na atualidade (Eckert e Röhrig 2016: 175-176).

Ainda abordando a antroponímia indígena, vê-se que línguas indígenas oriundas dos troncos Tupi e Macro-jê deram origem a palavras que foram incorporadas à língua portuguesa e que são hoje comumente utilizadas, o que não foi diferente com os nomes próprios, construindo assim a identidade nacional, pois em síntese, as línguas indígenas brasileiras possuem extrema relevância cultural e científica (acadêmica), considerando-se que nela se enraíza a cultura, a história, o percurso geográfico, a cosmovisão e a identidade étnica (Martins 1991).

4. A compreensão da formação dos antropônimos para o povo Apinayé

Abordar a realidade de um povo indígena específico não é a pretensão da pesquisa, mas sim trazer a compreensão dos fatos a que nos propusemos, sobre a Antroponímia e as relações identitárias envolvidas com os povos Apinayé. Tem-se um artigo justificado no processo linguístico em que o léxico é o patrimônio social da comunidade por excelência, conforme estabelece Biderman (2001), dada a relevância social, até porque essa língua vive a condição de língua minoritária frente ao português.

É relevante enfatizar que esta pesquisa ocorreu em sua natureza estritamente bibliográfica, a partir dos pressupostos das indagações ao longo dos anos por pesquisadores como Giraldin (2011), Da Matta (1976), Nimuendajú (1956), Albuquerque (2007), Gonçalves (1992) e Guérios (1973), dentre outros, que se propuseram a produzir conhecimento científico sobre os povos Apinayé, sendo este artigo uma compilação acerca da temática, que poderá ser útil a outros pesquisadores que se interessarem por aspectos sociolinguísticos desse povo primitivo.

Os Apinayé são responsáveis por uma complexa organização social, composta por vários sistemas que se configuram por metades (dualidades destacadas na figura 1 que segue) e rituais, conforme nos orienta Rodrigues (1986), de forma, que apesar de viverem em situação de contato com os não-indigenas, com interferência no modo de vida das comunidades, eles viabilizam mecanismos que permitem a preservação de suas formas de vida, que se manifestam em atividades culturais próprias do grupo, além da língua materna que se mantém ativa.

Figura 1 As metades para o povo Apinayé - Fonte: Albuquerque (2012: 48) 

Com visão esclarecedora da figura 1, Albuquerque (2007) enfatiza que os Apinayé, de ambos os sexos, pertencem a uma das metades Kooti e Koore, consoante ao que estabele Da Matta (1976), uma vez que essas metades seriam a expressão de um dualismo diametral, uma vez que há um princípio de simetria entre os elementos classificados por este sistema: leste/oeste; sol/lua; dia/noite; verão/inverno. Propício também esclarecer que o povo Apinayé ver o sol e a lua como as duas entidades que criaram o universo e os seres humanos.

A citada estrutura segue uma orientação cosmológica constituída desde a criação do mundo, expressa nos mitos de origem, que são reproduzidos e vividos em processos contínuos de rituais e cerimônias, como no caso dos batismos e nominação das crianças. A organização cosmológica orienta a vida pessoal, social, política e espiritual dos indivíduos das comunidades indígenas, na medida em que são definidos os valores a serem observados (Fonseca 2007).

Nesta perspectiva, Jekupé (2009) demonstra que a análise da sociedade a partir das cosmologias, traz a percepção de que para os povos indígenas coexistem maneiras distintas de pensar e de viver, pois nos territórios em que habitem, como no caso dos Apinayé, existem conceitos e explicações que não servem para reduzir a complexidade destes enquanto humanos, entretanto são fundamentais para demonstrar como pensam e ordenam o mundo, a partir de sua cosmovisão. Assim, são severamente marcados por funções de subgrupos ou metades, que no processo de articulação, permitem a existência do grupo, quer seja, cultural e etnicamente distinto de outros.

4.1. Os graus de parentescos para os Apinayé

Os Apinayé contrapõem às pressões externas e aos conflitos internos tentando buscar um equilíbrio entre as transformações sociais da atualidade e os seus conhecimentos ancestrais, como na preservação de tradições ligadas à concepção cosmológica. Logo, o sistema de parentesco permanece vigente, apesar dos casamentos mistos dentre etnias distintas, porém a língua, configura-se como um dos traços culturais mais evidentemente conservados por esse povo (Albuquerque 2007).

A estrutura familiar é algo relevante no processo identitário de um povo. Ladeira (1982) realizou trabalho minucioso sobre a troca de nomes e cônjuges entre os Timbira. Segundo ela, duas questões são fundamentais para o estabelecimento da sociedade Timbira: com quem casar e com quem trocar nomes. Entre os Timbira, as pessoas são parentes quando trocam de nomes ou quando se originam de um mesmo segmento residencial. A união de segmentos residenciais é estabelecida pela nominação ou pelo casamento, que definirão os graus de parentesco, consoante ao observado na Figura 2:

Figura 2 Tipos de família mais ocorrentes - Fonte: Sarti (1992: 71) com adaptações 

Para os Apinayé, conforme figura 2 a seguir, os dois grupos com mais ocorrências na vida cotidiana são a família nuclear (composta por maridos, mulheres e filhos), bem como a família extensa uxorilocal (composta por um casal, os maridos e os filhos de suas filhas). E a este respeito, Da Matta (1976) esclarece que apesar de haver casas sem famílias extensas, não há casa sem que haja pelo menos uma família nuclear. A família nuclear é a unidade básica de reprodução e produção entre os Apinayé e, por isso, tem direito de usufruto sobre uma parte da terra, normalmente preparada e cultivada pelo marido e pela mulher, visando, sobretudo, aos seus filhos. E com estas prerrogativas, por conseguinte, homens e mulheres solteiros não têm o direito de construir casas para si próprios.

Na análise da figura 2, atente-se que o sinal de igualdade significa relação de casamento (=); o traço com ligações representa a consanguinidade (͆); o traço vertical significa relação de descendência (|); o triângulo (∆) representa o homem e o círculo (Ο), a mulher, segundo Sarti (1992). Desta forma, a família nuclear, é composta pelo marido, esposa, filho e filha. Por sua vez, a família uxorilocal, possui marido, esposa, filho e filha com seu esposo. Tendo, portanto, nestas relações os parentescos consanguíneos e afins.

Sobre a ocorrência de graus de parentesco por consanguinidade ou afinidade (rituais), valem as considerações de Giraldin (2011) que seguem. Inclusive acerca das relações de aproximação entre indígenas e não-indígenas, nota-se a diferença nas relações consanguíneas, que ocorrem por possuírem descendência familiar com o mesmo sangue, já as relações entre os parentes afins são por respeito e consideração, uma vez que não possuem o mesmo sangue:

É interessante observar que eles se referem aos rituais de transmissão e confirmação de nomes, traduzindo-os como “batizados” e, como decorrência, os termos “madrinha”, “padrinho” e “afilhado” para referirem-se à relação entre arranjador de nomes e nominado. Segundo informações que encontrei com as pessoas mais velhas, os nomes kupẽ eram adquiridos nos rituais de batizado cristão que eram realizados pelos padres na aldeia, ou na igreja da cidade. Num passado mais recente, os Apinajé procuravam estabelecer a relação de compadrio com pessoas não-índias, como uma forma de estabelecer alianças fora da esfera da aldeia. Desta forma, os nomes pessoais aportuguesados eram adquiridos nestes batizados. Mas estes nomes kupẽ não eram transmitidos, seja da maneira tradicional Apinajé, seja na forma tradicional brasileira. Mais recentemente, a relação de compadrio estabelecida através do “batizado” cristão está ocorrendo mais entre os próprios Apinajé e menos com os não-índios. Desta forma, os nomes kupẽ estão sendo apropriados pelos próprios pais da criança ou pelos futuros padrinhos de batismo cristão - que ocupam, assim, uma posição idêntica ao de arranjador de nomes (Giraldin 2011: 227).

Ao se apreender os argumentos do pesquisador britânico Stephen Hugh-Jones (1973), considerado o antropólogo da civilização amazônica, nota-se que uma das características mais convenientes e expressivas das sociedades sul-americanas é que elas não veem seu parentesco, casamento e organização social isolados de uma ordem religiosa e cosmológica mais ampla, pois para ele é por meio dos rituais que o sistema mitológico contrai significado como força ativa e princípio organizador da vida cotidiana.

Nesta perspectiva cosmológica, o sistema social dos indígenas e sua estruturação familiar acontecem criando significados para a comunidade, que ao longo do tempo foi solidificando sua identidade e demonstrando a sua concepção indígena acerca dos processos da história, e por isso criam as suas próprias noções de tempo, formando a sua consciência história e mítica até mesmo de sua organização social,

A estrutura de organização social para os Apinayé passa pela formatação familiar, que se apresentam como um todo nas aldeias. Assim, as atividades são divididas por sexo, enquanto os homens ficam com a caça e a pesca, as mulheres destinam-se as tarefas dos afazeres domésticos, produção de artesanatos e da educação de seus filhos, conforme se observou em Da Matta (1976). E por isso, a construção da sua identidade se dá pela coletividade às quais estão ligados e aos lugares que eles habitam; isso se configura como uma interrogação sobre o significado da presença humana no mundo e no cosmos, bem como compreender a natureza, a sociedade e as paisagens por meio das quais essas entidades se exprimem (Claval 2001).

4.2. A transmissão de nomes e o processo de nominação entre os Apinayé

Inicialmente, cabe a estratégia de falar sobre a origem do nome Apinayé ou Apinajé, que não se configura como a autodenominação do grupo, porém é atualmente a forma com os quais se designam e são designados pelos demais grupos Timbira e por seus vizinhos regionais. Note que segundo Nimuendajú (1956: 38), nos vocábulos Timbira Oriental, o sufixo “yê/jê” assinala a ideia de coletividade. O autor fornece ainda outras designações para o grupo, todas elas derivadas do termo “hôt” ou “hôto” entre os Timbira Orientais, que significa “canto” e se refere ao território tradicional dos Apinayé localizado no “canto” formado pelo Araguaia e Tocantins, região conhecida como Bico do Papagaio no estado do Tocantins.

Para se abordar como ocorrem o processo de transmissão ou doação dos nomes para o povo Apinayé, é importante destacar que o sistema seguido tem muitas peculiaridades com toda a sistemática Timbira. É o próprio Nimuendajú (1956) que apresenta uma relevante descrição do sistema de nominação Apinayé, em que os nomes são transmitidos com base em cada uma das metades, que possuem um repertório finito de nomes, transmitido de geração a geração. De maneira simplificada, observa-se que o nome é uma reunião de quatro ou mais palavras, cada qual com significados independentes. Para o referido autor, as palavras parecem perder a referência linguística quando utilizadas como nomes de pessoas, uma vez que os antropônimos são vistos como títulos e papéis sociais. Tem-se a ocorrência de nomes “grandes” e “pequenos”. Os “grandes” parecem ter a função de ligar o sujeito à metade, investindo-o de um papel cerimonial junto ao seu povo (Gonçalves 1992).

Ainda sobre o sistema de nominação desse povo, tem-se a conclusão de Gonçalves (1992), que entre os Apinayé os nomes têm função classificatória configurada na sua própria organização social, como se observa a seguir, em que outros membros familiares são envolvidos na referida nominação:

A relação ritualizada entre nominador e nominado é contrastada com a relação cordial entre o filho e o genitor. Parece que estas relações opostas querem sinalizar uma não-identificação entre o pai e o nominador (idealmente o tio materno). Faz-se, portanto, uma identificação social com o nominador e uma identificação pessoal e afetiva com o pai. Por uma dupla identificação, produz-se uma diferença. A esfera pública, social, é representada na figura do nominador. O nominado passa a ser uma réplica do nominador. Mesmo nome, mesmas atribuições. Uma relação mediada pelo social, ritualizada. Estabelecida pela lei. O arranjador é quem vai buscar o nome. Ao fazê-lo, projeta o nominado para fora de seu núcleo familiar, ao mesmo tempo que insere o nominador no interior deste núcleo. É neste sentido que os nomes classificam. Na verdade, nominam classificando. Inserem indivíduos num campo social (Gonçalves 1992: 59-60)

Em continuidade, observa-se que o processo de transmissão dos nomes pessoais Apinayé envolve pelo menos três indivíduos: o primeiro é o nominado, isto é, aquela pessoa que receberá o nome pessoal; o segundo é o epônimo, ou seja, aquela pessoa que dispõe do nome a ser transmitido; por sua vez, o terceiro é o nominador, que é muito conhecido nos pressupostos teóricos como arranjador de nomes, configurando como aquele responsável por buscar o nome pessoal com um epônimo. Dada a relevância do seu papel, o nominador será considerado o pai social do nominado, incumbindo-lhe, por conseguinte, responsabilidade social sobre o nominado. Note-se que esse encargo tem persistência por toda a vida do nominador ou do nominado (Giraldin 2011).

A consecução das teorias acerca dos antropônimos, no qual o nome tem em torno de si e do sujeito a quem nomeia aspectos de uma identidade coletiva, fica evidenciada nas considerações que seguem, demonstrando as perspectivas junto ao povo Apinayé, e ainda no que diz respeito ao arcabouço cultural dos nomes que utilizam:

Os nomes pessoais são os principais elementos presentes no discurso das pessoas Apinajé que indicam a formação de uma identidade coletivamente incorporada, bem como servem como elemento de conservação de memória da pessoa e da coletividade. Essa aparente contradição entre nomes pessoais e memória coletiva se explica. Embora uma pessoa possua nomes (que são partes de fato de um conjunto de nomes associados), esses provêm de um estoque de nomes que são propriedades das metades cerimoniais. Eles são, portanto, coletivos e partes de um estoque limitado, ainda que esse conjunto seja dinâmico. Os nomes pessoais são classificados em nomes bonitos (hixi mex) e nomes comuns (hixi kaak). O conjunto de nomes bonitos é limitado e foram aprendidos no passado com um menino-morcego. Os nomes comuns são derivações dos nomes bonitos, acrescentados de sufixos que indicam apelidos que foram atribuídos às pessoas que, ao longo do tempo, portaram aquele nome (Giraldin 2011: 225).

Os sistemas de nominação Timbira, os quais se incluem os Apinayé, Krahô, Canela e Krikati, são do tipo antropológico “centrípeto”, conforme estabelece Gonçalves (1992), ou seja, num regime sociocosmológico indígena, o modo de reprodução social se dá pela transmissão vertical e/ou horizontal de bens e atributos, jamais num esquema de predação familiarizante (concepção centrífuga).

Assim, os estudos sobre a onomástica dos grupos fizeram emergir um sistema, nos termos propostos por Viveiros de Castro (1986: 334), “centrípeto” ou “dialético”, na medida em que os nomes originam-se de dentro da sociedade, designam relações sociais e apresentam uma função puramente classificatória; em oposição aos sistemas “canibais” ou “exonímicos”, nos quais os nomes vêm de fora (mortos, deuses, espíritos) e enfatizam a história pessoal e a individualização.

Sobre o processo antroponímico, Da Matta (1976) apresentou a caracterização da nominação na produção da sociedade indígena, o que tanto para os Apinayé quanto para os Krahô têm demonstrado que a nominação nestes grupos não é somente um modo pelo qual a sociedade “etiqueta” os seus membros, atribuindo a cada qual uma posição dentro de uma sua estruturação jurídica, familiar ou cerimonial.

O processo dinâmico da língua faz com que ocorra para os indígenas, em virtude do contato com os não-indígenas, a influência e o surgimento de novos nomes para os seus indivíduos, entretanto, prevalece ainda muito resistente o seu sistema tradicional, como se observa nas considerações que sucedem:

Atualmente, os Apinajé se utilizam tanto do seu estoque de nomes tradicionais, quanto de nomes “aportuguesados”. O estoque de nomes tradicionais, muito embora finito, não é estático. Eles conservam os vários nomes ‘bonitos’ (hixi mex), como Katàm, Waxme, Amnhi, Kôkô, Ire, Irepxi, Kunuka, Tamkàk, entre outros. A este conjunto de nomes, acrescentam-se os apelidos dados a uma determinada pessoa. Assim um nome bonito, transforma-se em um nome “comum”, sendo incorporado ao acervo de nomes pessoais, sendo que a pessoa portadora deste apelido o transmite da mesma forma que um nome não comum. Além deste sistema onomástico tradicional, os Apinajé também se utilizam de nomes e sobrenomes kupẽ (não-indígenas). O acervo de nomes kupẽ é extremamente variado, como acontece em nosso próprio sistema onomástico. Eles estão sempre atentos para os novos nomes que surgem, os quais são aprendidos e depois colocados nas crianças recém nascidas (Giraldin 2011: 226).

Na análise dos sobrenomes desse povo, Giraldin (2011) destaca as narrativas que tratam da ocorrência de duas situações distintas quanto às famílias: os Laranja e os Xavito. O surgimento do sobrenome - Laranja - se dar em função de um cidadão esclarecido, não indígena e alfabetizado de nome Cipriano Laranja, que fugindo do recrutamento do exército, possivelmente à época da Cabanagem (Pará) ou Balaiada (Maranhão), mais especificamente na primeira metade do século, chamado pelos informantes como “revoltosa”, fez opção em fixar residência nas terras indígenas com o apoio do cacique da aldeia Cocal, que destes laços sociáveis, acabou por casar com uma indígena e promover a sucessão dos sobrenomes em seus descendentes até os dias atuais. Por sua vez, o sobrenome - Xavito - tem duas explicações: ou se deu pela transformação do sobrenome Xavier, conforme se constata na família de Pedro Xavier (nascido no início do século XX e já falecido) ou ainda pela transformação dos nomes São Vítor ou San Vítor para Xavito nas falas dos indígenas, considerando os batizados cristãos realizados pelo Frei Francisco do Monte São Vítor no município de Tocantinópolis/TO.

Os antropônimos funcionam como mecanismo de recrutamento para um conjunto de grupos cerimoniais e servem para atribuir, aos seus portadores, papéis sociais importantes. Sob a perspectiva estrutural, os estudiosos estão inclinados a acreditar que a nominação exerce influência numa série de outras instituições, uma vez que é através da nominação que diversos indivíduos situados em gerações diferentes ficam unidos num mesmo grupo social e por obrigações de reciprocidade (Da Matta 1976).

Como se pode perceber, o léxico, aqui tratado mais exclusivamente com a Antroponímia, é produto da nomeação da realidade pelo indivíduo na tarefa de apreender, estruturar e apropriar-se do universo que o cerca, concatenando com sua cultura, suas normas sociais, suas tradições, sua visão de mundo e suas experiências (Isquerdo e Romano 2012). Por conseguinte, a sistemática de nominação dos povos indígenas Apinayé tem uma metodologia muito específica, aliando a estruturação familiar aos aspectos cosmológicos e sociais (dualidades), que são fatores característicos para os nomes que doam aos indivíduos do seu grupo.

5. Considerações finais

O arcabouço de conteúdos deste artigo, levaram à compreensão de que a língua é uma instituição social, pelo fato de estar voltada aos fenômenos dos grupos sociais, por meio da interação verbal e outras relações que se fizerem necessárias. No caso específico da Antroponímia, a língua reverte-se para o processo de troca entre os indivíduos e a sociedade, que se determinam reciprocamente (Bauman 1998).

O antropônimo configura-se com um dos primeiros fatores de formação de identidade de um povo, pois quando o nome de uma criança é colocado em uso, cumpre-se a prerrogativa de que o seu nome além de um marcador identitário individual, também carrega as marcas de todos os seus ancestrais e experiências do grupo. A observação com os povos Apinayé demonstrou a força cosmológica para a continuidade e sobrevivência do povo, bem como para um processo onomástico carregado de simbologias entre os envolvidos no processo de nominação.

Quanto às comunidades étnicas de um modo geral, no seu modo existencial, são viabilizados mecanismos que permitem a preservação de suas formas de vida, que se manifestam em atividades culturais próprias do grupo, além da língua materna que se mantém preservada. Com esta prerrogativa, o léxico antroponímico para os Apinayé incide como um indicador línguo-cultural que retrata a relação entre a estrutura familiar e a metade (divisão social) a qual faz parte.

Os estudos de Giraldin (2011) trouxeram a conclusão de que duas prerrogativas são fundamentais para o estabelecimento das famílias para o povo Apinayé: com quem casar e com quem trocar nomes. Esta duas preocupações encaminham para a ocorrência de dois grupos domésticos mais corriqueiros: o nuclear (composta por marido, mulher e filhos); e o uxorilocal (composta por um casal, os maridos e os filhos de suas filhas).

Concluiu-se que os antropônimos são elementos identitários, pois segundo Silva e Albuquerque (2018b: 48) “os valores intrínsecos da identidade são constituídos por diversos modos de percepções, resultando em experiências e interpretações únicas, pois integram paisagens, sentimentos, possibilidades e manifestações”.

Por conseguinte, conclui-se que o sistema de nominação Apinayé, com toda a sua cosmologia e representação identitária, permanece ainda muito resistente, apesar do contato com os não-indígenas e da influência e do surgimento de novos nomes para os seus indivíduos. Vale, portanto, a premissa, de que o nome e o seu aspecto cosmológico é patrimônio cultural do povo Apinayé.

NOTA:

Paulo Hernandes Gonçalves da Silva: escrita do resumo, bem como das palavras-chaves. Da mesma forma, a elaboração das seções 2, 3 e 4, e ainda a organização das considerações iniciais, considerações finais e das referências bibliográficas.

Francisco Edviges Albuquerque: revisão de todo o artigo, que desenvolveu também a função de orientador e corretor.

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NOTA:Paulo Hernandes Gonçalves da Silva: escrita do resumo, bem como das palavras-chaves. Da mesma forma, a elaboração das seções 2, 3 e 4, e ainda a organização das considerações iniciais, considerações finais e das referências bibliográficas. Francisco Edviges Albuquerque: revisão de todo o artigo, que desenvolveu também a função de orientador e corretor.

Nota de aceptación: Este texto ha sido aceptado para publicación por el único Director-Editor de la revista, Adolfo Elizaincín, quien ha actuado de acuerdo a lo establecido en la “Declaración de comportamiento ético" de la revista Lingüística (https://www.mundoalfal.org/sites/default/files/revista/Declaracion_comp_etico.pdf), primer párrafo del capítulo “Obligaciones del Director-Editor". A esta declaración deben adherir, explícitamente, el Director-Editor, los árbitros y los autores.

Recebido: 31 de Janeiro de 2019; Aceito: 05 de Agosto de 2019

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