Introdução
Em virtude do aumento da taxa de encarceramento feminino no país, em 2016 o Brasil ocupou o 4º lugar no ranking mundial com a maior população prisional feminina do mundo. Atualmente, o país encontra-se com um total de 36.929 mulheres custodiadas nos sistema prisional brasileiro, de modo que o principal motivo do aprisionamento de mulheres é o tráfico de drogas e algumas iniciam suas penas já grávidas. No estado de Mato Grosso esse crime condiz com 75% da reclusão feminina1.
O mundo do tráfico é o meio de maior acesso das mulheres para se obtiver autonomia financeira, introduzir-se na sociedade e permanecer no lar junto a criação dos filhos2. Por outro lado, estudo brasileiro1 correlaciona as causas que motivam as mulheres a ingressar-se na rede do tráfico ainda jovens, principalmente pelo contato com familiares ou companheiros amorosos ativos no crime.
Logo, a permanência no cárcere é caracterizada por um período traumático marcado por diversas dificuldades e necessidades, principalmente quando vivenciado por mulheres em fase gestacional, fatores estes que ampliam as vulnerabilidades a quais estão expostas e consequentemente influenciam negativamente no desenvolvimento da criança3.
Além do mais, as gestantes privadas de liberdade são asseguradas pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher - PNAISM o direito ao acompanhamento adequado do pré-natal, parto, puerpério e puericultura até os dois anos de vida da criança, no entanto, analisou-se que essas ações não são contempladas no ambiente prisional, possibilitando uma assistência fragilizada com profissionais inaptos para acolher a díade mãe-filho, escassez de humanização observado em agressões verbais e psicológicas, como também a falta de diálogo entre o sistema carcerário e familiares dessas mulheres4.
Em conformidade com Barbosa e Duarte5, as mulheres vivem as mudanças fisiológicas que ocorrem na gestação, contudo, o período de encarceramento pode ser acompanhado por mudanças psíquicas como angustia, ansiedade, medo, depressão, isolamento social e consequente ruptura nos laços familiares e afetivos, e em alguns casos pode levar ao suicídio. Dessa forma, faz-se necessário expandir sua rede de apoio para promover e estimular o vínculo materno e proporcionar um cuidado ampliado a saúde mental, física e social da mulher, garantir que o ambiente proporcione apoio integral dos familiares, comunidade prisional e os profissionais responsáveis pela ressocialização e segurança dessas gestantes, de forma que resulte em uma gestação saudável6.
Mediante o exposto, é imprescindível conhecer as particularidades da experiência de gestantes durante o aprisionamento a fim de ampliar as reflexões acerca dos complexos fatores que permeiam essa condição e dessa forma colaborar com a efetivação de seus direitos (mesmo respaldadas por lei), e assim resultar uma qualidade de vida melhor para a mãe e o bebê que nascerá no cárcere. Com isso, este estudo tem como objetivo relatar a experiência de mulheres inseridas no tráfico de drogas, durante a gestação vivenciada na detenção.
Métodos
Este estudo trata-se de uma pesquisa de campo de caráter exploratório, cuja realização deu-se em uma cadeia pública feminina localizada no médio norte de Mato Grosso, Brasil. As participantes que integraram a amostra atenderam a todos os critérios de inclusão e exclusão. Sendo inclusas todas as mulheres em regime de detenção provisória ou condenadas e que estivessem gestantes de 12 a 36 semanas. Excluíram-se aquelas que não possuíam confirmação laboratorial ou de imagem de gestação.
A coleta de dados ocorreu entre janeiro e novembro de 2019 através de entrevistas áudio gravadas, utilizando roteiro com questões fechadas que abordaram os aspectos socioeconômicos e questões abertas sobre a percepção das gestantes perante o processo de maternidade no ambiente prisional. Cada entrevista teve duração média de 30 minutos em ambiente privado. Durante a coleta de dados, definiu-se o tamanho amostral ao identificar exaustividade das informações de interesse, tal como proposto pela saturação teórica.
Os dados coletados foram transcritos na íntegra, organizados de forma sistematizada, por meio de um sistema de numeração e de classificação, com codificação do tipo alfanumérica, onde a consoante “M” refere-se a mulher, seguida de número arábico que compôs o conjunto para determinar a sequência de realização das entrevistas. E foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo, seguindo três etapas: pré-análise, exploração do material, tratamento e interpretação dos resultados7. A partir disso, foram definidas duas categorias: “Vivência anterior ao cárcere” e “O gestar e parir no cárcere”.
O estudo respeitou todos os aspectos éticos em pesquisa com seres humanos de acordo com a resolução 466/2012, sendo avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade do Estado de Mato Grosso, sob CAAE: 50417815.8.0000.5166 e parecer de aprovação n. 1.457.621. Todas as participantes aceitaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Esse estudo tem como apoio a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT), Edital PPSUS 003/2017, processo número 285300/2018.
Resultados
Participaram do estudo 05 reeducandas grávidas de 12 a 36 semanas, na faixa etária de 18 a 24 anos, a maioria se autodeclarou parda, com ensino fundamental incompleto, solteiras, com dois filhos, sem renda fixa e histórica de abuso e violência anterior ao cárcere. O tempo de reclusão variou-se de seis meses a quatro anos, de modo que a concepção ocorreu no pré-cárcere e a maioria delas vivenciam a gestação na prisão pela primeira vez. Ainda assim, foi confirmado por todas as gestantes do presente estudo que a gravidez atual não foi planejada.
Categoria 1 - Vivência anterior ao cárcere
Inicialmente, o estudo observou que a inserção das mulheres na criminalidade está ligada a diversas situações que influenciaram sua introdução no mundo do crime, dentre elas encontram-se o abandono familiar na infância, desamparo financeiro, histórico de abuso, violência intrafamiliar ou pela influência amorosa e/ou afetiva de parceiros que estejam envolvidos em atividades criminosas.
A forte presença das substâncias psicoativas na vida da mulher privada de liberdade originou-se de relacionamentos afetivos e sem amparo familiar, principalmente devido à ausência do vínculo materno e a aprovação individual por parte da família.
(...) Eu fazia, eu vendi meu corpo pra poder fumar droga. (M1)
(...) Porque eu não tinha costume com tráfico, com nada, eu só tinha costume porque eu vivia com ele (ex-marido) (...). (M2)
(...) de todas as vezes que eu tentei me corrigir (abandonar as drogas) e nunca me deram oportunidade, só via os meus defeitos. (M4)
Em primeiro lugar, cabe pontuar que no Brasil, o número de mulheres que fazem uso de substâncias licita e ilícitas aumenta exponencialmente. Embora, as relações entre o uso de drogas, criminalidade, prostituição e cárcere são complexas e a ordem de seu desencadeamento os mais variados. Para o usuário, os momentos de insuficiência financeira, a prostituição facilita o acesso às substâncias psicoativas8. Prova disso, os pesquisadores afirmam que ao mesmo tempo, sob seu efeito de uso, há uma maior ampliação aos riscos ambientais, promiscuidade, que associado a ausência de comportamentos protetivos nos atos sexuais e compartilhamento de injetáveis, contribuem para uma possibilidade mais acentuada de infecções/adoecimento, gravidez, além do envolvimento com comportamentos delituosos9.
Da mesma forma, os estudos corroboram com esse achado ao especificar que para as mulheres, as relações afetivas exercem papel central de sua inserção no crime. E esse primeiro contato com as substâncias psicoativas ocorre a partir de seus parceiros, e ao conviverem no mundo do tráfico, atuam como cúmplices e comparsas de negócios, inclusive atuam como “mulas” nas visitas íntimas10.
Portanto, o tráfico de drogas é o delito mais cometido pelas mulheres representado por 62 % das condenações femininas. Como também, foi analisado que a associação das mulheres com a criminalidade está ligada ao poder e status social em que leva a independência financeira11.
Acresce que a falta de oportunidade que essas mulheres têm para se inserir no mercado de trabalho, associada a baixa escolaridade e dependência química são condições que predispõe a mulher ao mundo do crime, que nos últimos anos mostrou-se um aumento significativo na taxa de aprisionamento feminino no país.
Ainda por cima, a ruptura nos laços familiares foi associada a detenção feminina no sistema carcerário brasileiro, devido ao abandono ocorrido na infância, abuso e violência em alguma fase da vida e a fragmentação com o suporte social que possuíam antes do encarceramento.
Eu num sei, mas assim... eu penso um pouco que foi o abandono da minha mãe, que eu fui abandonada com seis mês que eu nasci, cresci sem ela (...). (M1)
Eu acho que a minha vinda pra cá tem muito a ver com meu relacionamento familiar, por me sentir mal amada (...), por não ser um orgulho pra minha família (...). (M4)
(...) eu creio que ele (pai) já chegou de abusar de mim dentro de casa, num tem?! Aí eu sai de casa com dez anos e vivo na rua sozinha (...). (M3)
Conforme mencionado pelos autores, os motivos que induzem as mulheres ao mundo do crime estão ligados direta e indiretamente a desestruturação familiar e amorosa, falta de acesso à educação e ao alto índice de desemprego no país como fatores influentes na criminalidade feminina4)(6.
Os estudiosos apontam que há inúmeras diferenças do ingresso de mulheres na criminalidade. Dentre eles, enfatiza-se o histórico familiar de abandono na infância que é caracterizado como fator propulsor para a marginalidade. Além do desamparo familiar, encontra-se o desamparo financeiro que torna a mulher a única responsável pelo lar ainda cedo, largando os estudos e adquirindo um emprego mal remunerado. Ao longo da sua vida adulta a possibilidade de reproduzir os mesmos fatos é quase uma regra entre as mulheres, tornando-as mães ainda jovens e sucessivas vezes mesmo que não desejassem essa situação, elas acabam sendo as únicas provedoras do sustento dos filhos12.
Dessa forma, um estudo sul americano corrobora com esse achado ao evidenciar que o motivo que impulsiona as mulheres para a marginalidade e consequente abuso de substancias, está associado ao período de infância e adolescência em que retrata um lar fragilizado com a falta de afeto familiar e a vivência constante de agressividade por homens na posição de pai, irmão ou companheiro1)(13.
Além do mais, vivendo sem o suporte familiar e expostas as vulnerabilidades como mulheres em situação de rua elas podem vivenciar violência física e sexual, dificuldade financeiros somados a sexualidade e início precoce de relacionamentos afetivos, essas mulheres sofrem influência das relações amorosas que estabeleceram na participação em crimes.
(...) por causa do pai dos meus dois primeiros filhos. Ele vendia droga e eu morava junto com ele (...). (M2)
(...) Deus me livre, o problema só foi isso, é que eu escolhi a pessoa errada pra mim viver, foi esse o problema né! (M3)
Nesse sentido, a pesquisa conduzida por Silva et al.14 aponta que os companheiros desempenham papel fundamental na participação feminina em atividades direcionadas ao crime e ao uso abusivo de substancias psicoativas, fato este observado com as participantes do nosso estudo, sendo assim, essas mulheres buscam preservar seus relacionamentos amorosos.
Além disso, a submissão da mulher ao companheiro e/ou traficante também é destacado na pesquisa, onde ela é responsável por preparar a comida, manter as relações sexuais e mediar acordos com os líderes de outras comunidades sobre armas e entorpecentes, para assim conquistar a confiança e ocupar um cargo de destaque entre os homens do crime11.
Outra questão abordada nos artigos é que a maior parte dos envolvimentos femininos com o crime ocorre principalmente porque a mulher tem medo de sofrer agressões de seu cônjuge ou por outro tipo de dependência que determina a desigualdade de gêneros13. Logo, revelou-se que algumas mulheres não conseguem afastar-se das atividades criminosas por falta de opção e por não terem uma perspectiva de vida fora do crime14.
Categoria 2 - O gestar e parir no cárcere
A princípio, viver a gestação no cárcere não é algo idealizado pelas mulheres, a grande maioria concebe seus filhos antes de serem aprisionadas, sem planejamento familiar, e presumindo que seus crimes não resultariam em encarceramento.
Eu não planejei, aconteceu (...). (M1)
(...) Não foi planejada. Tava de resguardo, eu não menstruava, tava dando mama, depois eu tirei o mama (...) aí nisso (gravidez). (M3)
(...) eu num queria nem tá grávida num lugar desse, preferia tá lá com a minha (filha) mais nova em casa. (M4)
A princípio, foi conduzida uma pesquisa e evidenciado que 90 % das mulheres quando iniciaram a privação de liberdade já estavam grávidas 15. No entanto, o estudo de Bispo et al. (16 contradiz esse achado e revela que 66,7 % das mulheres encarceradas engravidaram dentro do sistema prisional, sendo 33,3 % durante a visita intima e os outros 33,3 % engravidaram ao longo do processo de aprisionamento na delegacia em resultado de abusos e violências praticados nesse ambiente.
Na opinião de Fochi et al.17, as mulheres se sentem espantadas e apreensivas ao se depararem com a gestação no ambiente prisional, porém relatam aceitá-la mesmo com dificuldades. No entanto, mesmo as mulheres que não estão em situação de aprisionamento não planejam a gravidez, fato este apontado em pesquisa realizada na região norte (BR) onde 60,5 % das mulheres referiram não ter planejado a gestação18.
Tal relação pode estar associada ao fato de que a ausência educacional na infância ou a baixa escolaridade acarreta na carência de conhecimentos e impõe ainda obstáculos no planejamento familiar, de maneira que favorece a comportamentos de riscos como a rotatividade de parceiros e o não usam de preservativos durante as relações sexuais, que podem resultar em IST’s, gestação não desejada e até abortos14)(19.
Logo, o não planejamento dessas gestações especificamente no cárcere, desencadeia uma serie de impactos negativos a saúde do binômio, relacionados a ausência de assistência à saúde materna, acompanhamento do pré-natal, orientações obstétricas e a oferta de alimentação adequada. Todos esses fatores podem intensificar a ocorrência das alterações emocionais durante o período gestacional principalmente se vivenciado durante a reclusão20.
O ambiente prisional acarreta inúmeros prejuízos a saúde mental e física da mulher privada de liberdade, principalmente quando esta vivência o processo gestacional dentro desse espaço. Ser mãe no cárcere torna-se uma experiência dolorosa e negativa para toda mulher, uma vez que, separar-se de seus filhos causa um sofrimento terrível e impacta nos alicerces familiares.
Eu já sofri quando tiraram meus filhos de mim e eu não quero passar por isso de novo, porque é uma dor que a gente não explica (...) é uma dor de mãe, separar de um filho (choro). (M1)
(...) Vai fazer três meses que eu não vejo eles. Eu nunca me separei dos meus filhos pra nada, é muito difícil (...) você grávida e você longe de dois filhos pequenos. (M2)
Ah, esperar meu filho (nascimento), ter aqui, voltar pra cá e eles levar meu filho (...) nem sei se eu vou resistir. (M3)
Por meio desta pesquisa, também foi identificado que a expectativa social da maternidade muitas vezes não é atendida pelas mulheres, devido às limitações emocionais, estruturais e funcionais que as instituições penais oferecem, e consequentemente ocorre um impacto negativo no vínculo familiar. Desse modo, o estudo descreve que o período de separação da mãe com seu filho no ambiente carcerário impactam significativamente no desenvolvimento psicossocial da criança, principalmente nos primeiros anos de vida21.
Mediante a sensibilidade materna perante a restrição carcerária, os sentimentos de confusão, pavor e insegurança foram apontados em estudo realizado no Rio Grande do Sul (BR), onde comprova que a separação dos filhos enfraquece o processo da maternidade e o estabelecimento dos laços afetivos. Nesse sentido, as representações emocionais provocadas com a chegada do bebê no ambiente prisional ocasionam conflito pelo desejo de permanecer junto ao filho mesmo em ambiente hostil, e o medo da separação e rompimento/perda do vínculo maternal22.
No entanto, o estudo de Amaral et al.23 comprova que a convivência com os filhos mesmo em situação de aprisionamento é considerada uma importante conquista para a mãe, com o intuito de estabelecer e consolidar o vínculo materno, ainda que por tempo pré-determinado. Mesmo havendo descrição clara na lei de que a substituição da prisão preventiva pela domiciliar é garantida para as gestantes e mães com filhos menores de 12 anos, a separação dos filhos que nasceram antes do cárcere não é contemplada.
Segundo, a Lei de Execução Penal n.° 11.942/2009 declara que a mulher tem o direito de permanecer com seu filho até seis meses de idade, no entanto, no Brasil apenas 55 instituições penais dispõem de estrutura adequada para atender a essa necessidade24.
Em resumo, podemos notar que o contexto prisional enfraquece os vínculos familiares e afetivos, no momento que a mulher perde o direito de executar os cuidados maternos e só após o cumprimento de sua pena acaba por reencontrá-los. Nessa perspectiva, o processo de separação da mãe e bebê deve ser feito gradualmente para não ocorrer danos emocionais na mãe e nem na criança. Sendo assim, as gestantes encarceradas passam a respeitar e acatar as regras da instituição, no intuito de construir uma nova vida e retornar aos cuidados com os filhos4.
Todavia, em decorrência dos cuidados oriundos do pré-natal, o cárcere pode beneficiar a qualidade de vida da mulher encarcerada, como por exemplo, cessar o uso de substancias psicoativas, durante o período de privação de liberdade. Fato este considerado na nossa pesquisa, já que todas as integrantes realizaram todas as ações previstas para o pré-natal, situação essa observada no cartão das gestantes e conferidas com os serviços de saúde que prestaram o atendimento.
(...) eu me envolvi com drogas, eu era dependente químico (...) aqui dentro eu aprendi a conviver sem ela, não tem?! (M1)
Depois que eu descobri que eu tava grávida (...) coloquei na cabeça que eu não ia mais colocar droga por causa do meu neném (...). (M2)
(...) queria ter feito isso nas outras vezes que eu tava grávida, mas eu não consegui, infelizmente (lamentação) (...). (M3)
Em conformidade, com vários autores que usufruem o mesmo pensamento, o uso de substancias psicoativas, durante o período gestacional é enfatizado por muitas mulheres, e seu consumo frequente é capaz de potencializar os riscos neonatais, como o baixo peso ao nascer, prematuridade, abortos, má formações fetais e déficits cognitivos. Não só as mulheres se tornam suscetíveis ao uso e abuso de substancias, como também não conseguem parar ou diminuir sua utilização. Além disso, um dos estudos confirmou quais são as substancias mais utilizadas pelas mulheres durante a gestação, destacando-se o álcool, tabaco, maconha, cocaína e o crack25.
Sendo assim, em alguns aspectos o ambiente prisional pode ser um condicionante de melhoria da qualidade de vida do binômio, pela dificuldade de acesso as substancias psicoativas. Uma vez que, efetivar a implantação das políticas públicas contra o fumo dentro do ambiente carcerário, evidentemente, reduzirá os riscos associados as doenças. Nesse sentido, o abandono das drogas e a perspectiva após o nascimento dos filhos proporciona segurança e esperança em cumprir a pena e retomar aos cuidados com os filhos, assim como salientado na fala de M226.
Não somente, mas também as mulheres tornam-se livres da influência dessas substancias e enxergam um contexto positivo onde planejam um futuro melhor para seus filhos com maiores oportunidades e em uma perspectiva esperançosa e otimista.
(...) Quero fazer de tudo, mudar de vida pra eu poder cuidar dele... Primeira coisa arrumar um serviço e cuidar da minha filha (...) Ah, a vida que eu não tive... uma mãe, um lugar, um pai e ter uma casa, um cantinho que ele se sente protegido (...) Eu quero mudar de vida. (M1)
Eu desejo que eu seja uma mãe melhor, (...) que eu possa dar um futuro pra eles e fazer tudo diferente. (M4)
Ah, espero que a vida dele seja diferente, bem diferente da minha, porque eu dei muito trabalho (...). (M5)
Em estudo com30, a mãe privada de liberdade está motivada em sair da prisão, procurando inserir-se em trabalhos/atividades que auxiliam a reduzir o tempo de seu aprisionamento como, serviços de cozinha, limpeza e manuais (crochê e artesanatos), com o intuito de distrair-se do fato de estarem afastadas de seus filhos.
Outro fator importante para essas mulheres é a obtenção de uma fonte de renda após o período de ressocialização, achado este semelhante ao nosso estudo afirmado na fala de M1, pois, o trabalho é uma forma de assegurar que os indivíduos não retornem ao mundo da criminalidade, e consigam manter contempladas suas necessidades mínimas de vida, como moradia, alimentação e segurança27.
Ainda assim, a experiência de aprisionamento durante o período gestacional pode ser encarada como uma oportunidade de aprendizado e valorização da vida. Similarmente aos resultados do presente estudo, Fochi et al.17 referem que a partir desse momento a mulher encarcerada passa a reconhecer e aceitar as mudanças pessoais, de tal forma que, planeja um futuro mais satisfatório para sua vida.
Contudo, esse anseio por transformação, associa o ser mãe com o valor da maternidade e estabelece a formação dos vínculos independente da condição em que a mãe se encontra. Ainda que, a condição de vida e as poucas expectativas em possuir um futuro diferente estejam presentes entre essas mulheres, o desejo em garantir dignidade aos filhos se sobressai.
Eu faço muitos planos pra fora assim! (...) Não tem como eu esquecer que eu to com uma criança na barriga. Eu faço muitos planos, sou uma mãe muito presente, uma mãe assim que nunca abandonei meus filho por nada... (M2)
(...)Só quero que meu filho esteja bem né?! Que ele decide o futuro dele, só não quero que ele esteja nesse lugar. (M3)
(...) O que eu não tive eu quero dar pra ele, uma escola, ter brinquedo, essas coisas tudinho que eu não tive eu quero dar pra ele. (M5)
Nota-se, a relação positiva da mãe com o filho dentro do cárcere sendo marcada por El amor incondicional e cuidado com a criança que será concebida. Logo, a mulher na sua função de mãe quer transmitir ao filho segurança, conforto e carinho, além dos cuidados básicos voltados a alimentação e higiene21.
No entanto, mesmo que a assistência pré-natal no ambiente prisional atenda a todos os cuidados como consultas, orientações e exames, as gestantes necessitam um cuidado ampliado e humanizado, com profissionais qualificados para atendê-las, pois essa fase é vivenciada com angustia e constrangimento, sendo este o acontecimento mais significativo e marcante na vida de toda mulher.
Já basta passar a gestação, vontade de comer as coisas, fazer pré-natal tudo algemado, dá vergonha, né?! (...) (M4)
A gravidez tem que ter um acompanhamento, pelo que eu fiquei sabendo eles levam pra fazer ultrassom, pré-natal, né?! (...) (M5)
Certamente, as dificuldades vivenciadas pelas gestantes encarceradas perpassam pela desvinculação amorosa e familiar, com exacerbação de sentimentos de abandono, associado a vivência em ambientes superlotados, insalubres, permeado pela violência verbal, psicológica, discriminatória e de maus-tratos de diferentes ordens. Não só o cárcere pode provocar mudanças psíquicas na mulher como ansiedade pelo trabalho de parto, depressão e estresse, como também podem despertar as mudanças fisiológicas características do período gestacional3.
Observa-se que nos ambientes privados de liberdade, a acessibilidade e acolhimento aos serviços como pré-natal, parto e puerpério, encontram-se muito distante ao preconizado pelas políticas de saúde à atenção a mulher gestante. Como já identificado em outro artigo, no Brasil apenas 35 % das mulheres encarceradas tiveram o pré-natal adequado, todavia, pesquisa realizada na região nordeste (BR), afirmou que 77,8 % das mulheres em situação de prisão não realizaram nem as consultas mínimas do pré-natal preconizadas15.
Ainda assim, foi analisado em uma penitenciaria feminina de Indiana nos Estados Unidos, que as mulheres participantes da pesquisa referiram ter sofrido com o pré-natal inadequado e de baixa qualidade, ausência de amparo familiar e falta de apoio da instituição prisional, ao longo da gestação e no trabalho de parto28.
Tais fragilidades identificadas durante o pré-natal, concluem em uma assistência dividida cujos cuidados e orientações incorretas colaboraram para a ausência de empoderamento da mulher e seu preparo para o parto. Dessa forma, a gestante encarcerada cria uma perspectiva negativa em relação ao trabalho do parto, uma vez que, ter o filho na prisão consiste em uma experiência desagradável e limitante.
É o parto que me desespera. Que nem agora eu tava lá deitada e assim, eu começo pensar e eu sou muito nervosa, não consigo me controlar, aí eu fico nervosa, começa a me dar falta de ar, a pressão sobe, tudo isso. (M2)
É diferente, ah, é estranho você ter seu filho aqui, tá tendo uma gestação aqui dentro, você num tem alegria de você tá indo lá ouvir o coração, vê o ultrassom. Não tenho alegria, eu vou sem ter alegria nenhuma. (M3)
Ah, o parto vai ser triste, né?! Ninguém quer ter um filho na cadeia, né?! (...) (M5)
Primeiramente, como observado nas narrativas fica evidente que o ato de ser mãe é marcado pela dor do parto. Embora, a realização do parto durante o período de aprisionamento reflete na mãe uma figura protetora que cuida do seu filho, a mesma sofre antecipadamente com sua separação futura, dessa forma a preocupação com o momento do nascimento é marcada por medo e tristeza29.
Em seguida, vale ressaltar que o estudo acrescenta que a mãe aprisionada/reclusa carrega dentro de si uma identidade sociocultural que foi implantada e influenciada dentro do ambiente familiar, onde contribuiu para moldar seu desempenho maternal30.
Por isso, o período de privação de liberdade é bastante delicado e submete a mulher aos sentimentos de tristeza e aflição, que quando somadas as vulnerabilidades do ciclo gravídico puerperal, potencializam ainda mais essa situação. Prova disso, as instituições carcerárias não estão preparadas para acolher o binômio mãe-bebê, requerendo maior atenção integral, acolhimento e cuidados especializados no sentido de fortalecer as redes de cuidado e o vínculo profissional-cliente devem ser menos técnico e mais humanista, com foco na manutenção de um forte elo21. Assim é importante relatar que, a oportunização de espaços adequados, realização de ações preventivas e/ou educativas, e projetos terapêuticos eficazes que conduzam a desfechos gestacionais mais favoráveis, possam dirimir essas lacunas e sentimentos negativos, e ressignificar o momento do parto e amamentação no convívio do ambiente prisional.
Conclusão
As gestantes foram presas por tráfico de drogas, motivadas por fatores socioeconômicos e fragilidades nas dinâmicas familiares, bem como por influência de seus parceiros afetivos e relatos prévios de violência e prostituição. O gestar e parir no cárcere são permeados pelo sofrimento advindo da separação dos outros filhos, bem como a ansiedade de separação do bebê, que irá nascer no cárcere. Por outro lado, descrevem que a prisão desempenhou papel positivo ao possibilitar a cessão do uso de substâncias psicoativas, trazendo melhorias no desenvolvimento da gestação.
Estar grávida no ambiente carcerário constitui em ter acesso à assistência técnica pré-natal, com atendimento as necessidades físicas mínimas, porém sem acolhimento, humanização e orientações de saúde, o que culmina em experiências negativas sobre o parto e período puerperal. Identifica-se de imediato, a imposição de um olhar reflexivo a respeito da realidade das mães e bebês em condições de aprisionamento, a indispensabilidade de efetivar as políticas públicas já existentes e reformular aquelas que não funcionam efetivamente nas instituições penais.
A limitação do estudo se refere a dificuldade de diagnóstico precoce da gestação, em decorrência da falta de exames na admissão ao cárcere, resultando em uma amostra pequena. Adicionalmente, trata-se de um estudo pioneiro no estado, sendo fundamental a ampliação do conhecimento sobre a realidade da gestação nas prisões mato-grossenses.
Conclui-se ser necessária a incorporação de práticas humanizadas no cuidado às mulheres que vivenciam a maternidade em situação de prisão, visto que as mesmas constituem um grupo populacional mais vulnerável em consequência das alterações intrínsecas da gestação. O fortalecimento e oportunização do vínculo ainda no cárcere poderão contribuir de forma benéfica para as mudanças no processo de ressocialização e fortalecimento familiar.