Introdução
O aparecimento do novo coronavírus determinou alterações cruciais no cotidiano das sociedades no mundo, configurando uma pandemia de escala global segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Surgido inicialmente em pacientes relacionados a um mercado de animais na cidade de Wuhan, China, em dezembro de 2019, um novo tipo de coronavírus foi identificado e rapidamente propagou-se por todos os continentes, causando a pandemia de COVID-191.
Até o dia 05 de julho de 2021, foram confirmados no mundo 183.560.151 casos de COVID-19, com 3.978.581 óbitos. Na região das Américas, o número de casos é de 72.930979, sendo que o Brasil concentra 18.742.025 casos e 523.587 óbitos2.
Essa realidade afetou sobremaneira as ações de cuidado direcionadas a diversos grupos específicos. No entanto, ainda há evidências iniciais avaliando impactos em mulheres gestantes e as dinâmicas assistenciais ao parto e nascimento no contexto da COVID-19, bem como acerca do risco de contaminação relativo às práticas obstétricas em indivíduos suspeitos3.
Nesse cenário, pesquisas anteriores sobre efeitos de outros tipos de coronavírus na gravidez evidenciaram sofrimento fetal e parto prematuro em alguns casos,3 sendo que as informações disponíveis até o momento denotam que a transmissão placentário-fetal é rara4)(5.
Neste contexto, a gestão de espaços de saúde por enfermeiros mostra-se importante fator para enfrentamento da pandemia de COVID-19, através de readequação de unidades para pacientes com a doença, liderança de equipes de cuidados críticos, gestão de riscos, construção de fluxos de atendimento e de protocolos clínicos, ações de treinamento e novos dimensionamento das equipes de enfermagem6.
Assim, há necessidade de desenvolvimento de mecanismos para enfrentamento das novas realidades de saúde por meio de estratégias de gestão direcionadas. Entre as metas estão diminuir o risco de contaminação paciente-paciente, paciente-acompanhante e paciente-equipe de saúde, promover cuidados adequados e de qualidade para diminuir morbidade e mortalidade inerentes, e coordenar as tecnologias de saúde adequadas para monitoramento e enfrentamento7, em que o enfermeiro merece destaque pelo seu protagonismo.
Ademais, é importante conhecer as potencialidades de coordenação em saúde no âmbito obstétrico relacionadas ao aspecto hospitalar para promoção de políticas de saúde pública, direcionadas a essa realidade assistencial, assim como fomentar novas estratégias para enfrentamento futuro de pandemias ou situações similares.
Assim, objetivou-se relatar uma experiência de enfermagem em gestão de centro obstétrico diante da pandemia de COVID-19.
Método
O estudo constitui relato de experiência acerca da gestão da atenção em saúde em centro obstétrico no Ceará. Este é um dos estados do Nordeste do Brasil, com número de casos de COVID-19 de 885.303 casos confirmados e 22.590 óbitos por COVID-19 até 26 de junho de 20218.
A instituição hospitalar é referência para 55 municípios de cinco regiões de saúde do norte cearense e está localizada em município polo da respectiva região. O centro obstétrico possui em sua configuração estrutural uma clínica obstétrica com 23 leitos, um Centro de Parto Normal (CPN) com cinco leitos, uma emergência obstétrica e um centro cirúrgico específico que se encontrava temporariamente fechado antes da pandemia.
Para elaboração do relato considerou-se período de 17 de março de 2020 a 18 de maio de 2021. Os relatos foram analisados e organizados através de análise de conteúdo temática. Primeiramente, foram descritos em Microsoft Word® a experiência, sendo em seguida identificados núcleos de sentido e significado relevantes com a temática. Em seguida construiu-se categorias a partir dos temas identificados9. Foi identificada a seguinte categoria: Enfrentamento da COVID-19 em centro obstétrico.
Enfrentamento da COVID-19 em centro obstétrico
A rede de saúde materno-infantil brasileira configurada no Programa Rede Cegonha, vem nos últimos anos sendo implementada em todo território nacional como iniciativa modelo destinada a diminuir os altos índices de morbimortalidade materna e infantil através de ações no pré-natal, parto e puerpério10, no entanto com a significativa possibilidade de piora das demandas obstétricas com a pandemia de COVID-19 novos desafios se desenham.
Diante da problemática da pandemia, as instituições de saúde vêm enfrentando grande desafio, com mudanças nas rotinas hospitalares, aumento expressivo no número de internações decorrentes de agravos respiratórios e comprometimentos profissionais como transtornos mentais decorrentes do enfrentamento do isolamento e do risco infecioso11.
Para estruturação das ações de enfrentamento diante da pandemia do novo coronavírus necessitou-se transformar a configuração de atendimento do serviço com objetivo de proporcionar separação dos ambientes e isolamento de casos suspeitos e/ou confirmados de COVID-19. Diante disso, foi desenhado fluxograma para direcionamento de pacientes com histórico de síndrome gripal e selecionado ambiente privativo para acolhimento e assistência aos casos suspeitos e confirmados de COVID-19.
O desenho do fluxograma de atendimento foi realizado após acordo por videoconferência entre diretoria do hospital, gestores da qualidade e processos assistenciais, serviço de controle e infecção hospitalar, coordenações médica e de enfermagem do serviço de obstetrícia, para definição de consensos e orientações iniciais de atendimento e assistência obstétrica. Foram oito momentos de discussão, definição de fluxos de atendimento e A partir destas reuniões, desenhou-se o seguinte fluxo (Figura 1):
Diante desse contexto, o planejamento na gestão de processos de saúde é parte fundamental para atingir objetivos concretos no processo gerencial e intervir nas necessidades de saúde na perspectiva do Planejamento Estratégico Situacional (PES), da análise estratégica e processamento de problemas de saúde12.
A enfermagem deve possuir capacidade gestora para determinação de atividades estratégicas direcionadas a readequação dos ambientes hospitalares, construção de fluxos operacionais e protocolos com metas e ações, desenvolvimento de treinamentos baseados nas últimas evidencias científicas, dimensionamento dos profissionais da equipe de enfermagem e de saúde, além de mudanças nos processos de enfermagem para o cuidado de qualidade e seguro6.
Sendo assim, reimaginou-se as configurações estruturais e de ambiência no centro obstétrico, com delimitação de setores COVID e não-COVID para direcionamento de ações e isolamento correto. O CPN que possui quartos privativos pré-parto, parto e pós-parto (PPP), passou a receber pacientes sintomáticos leves e realocou-se as pacientes em trabalho de parto ativo não sintomáticas para outro ambiente privativo, porém na modalidade não PPP. A figura 2 mostra
a nova configuração estrutural do centro obstétrico do hospital (Figura 2):
As pacientes com sinais de gravidade transferidos para UTI COVID passaram a ser avaliadas diariamente pelo médico obstetra que conjuntamente aos médicos intensivistas e clínicos realizam o tratamento direcionado a cada paciente. A resolução da gestação dependerá do comprometimento respiratório, estabilidade hemodinâmica e repercussões fetais, que determinará o momento da intervenção obstétrica por cesariana.
Nesta perspectiva, estudo conduzido acerca do parto e nascimento de gestantes com COVID-19 evidenciou risco similar para mulheres grávidas em comparação com outros grupos, a partir da experiência com outras epidemias como de SARS e MERS. Ressalta-se que o parto é determinado por razões maternas e fetais, e realizado por equipe interprofissional composta por obstetras, neonatologistas, anestesiologistas, enfermeiras e serviços de apoio13.
O estudo também elencou que as principais ações neste momento envolvem o controle de infecção, otimização de oxigenação materna, medidas adequadas de anestesia, entrega segura do neonato, respeitando o máximo de 30 minutos para realização de cesariana de emergência com segurança, rápida indução e intubação traqueal em casos de hipossaturação13.
Para gerir esse fluxo, o enfermeiro gestor do setor empreendeu a definição de ações juntamente à coordenação médica para definição de linhas de cuidado assim como construção de protocolos assistenciais para atendimento de casos suspeitos e confirmados de gestantes. Os enfermeiros foram treinados para identificação, avaliação de gravidade, encaminhamento e ações de curto, médio e longo prazo às gestantes e mulheres em trabalho de parto.
Diante do contexto de reestruturação do serviço, com instituição de triagem para averiguação de sintomas gripais na admissão e internamento, observou-se apreensão por parte da equipe e muitas dúvidas na condução dos primeiros casos, principalmente em relação ao uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e seguimento clínico das pacientes, que diminuiu com os treinamentos, acompanhamento da gestão de forma presencial de todos os casos e videoconferências, a fim de apoiar os profissionais na execução do cuidado, seguindo as orientações sanitárias e evidências científicas vigentes14.
Em relação aos atendimentos ambulatoriais de pré-natal, não sofreram alterações substanciais, pois a rotina foi mantida mediante controle do distanciamento seguro na sala de espera de um metro entre as pacientes, utilização de máscara e realização de acolhimento para avaliação da presença de sintomas previamente ao atendimento.
Com vistas à alta segura das pacientes, foram obedecidos critérios que envolvem principalmente a estabilização do quadro clínico materno, fornecimento de medicações para tratamento como antibióticos, orientações de isolamento social e higiene/etiqueta respiratória, além de fornecimento de cartilha de orientações sobre aleitamento materno no contexto da pandemia, cuidados com ferida cirúrgica e com o recém-nascido, entre outros.
A pandemia trouxe questionamentos aos profissionais de saúde acerca, por exemplo, ao aleitamento materno e transmissibilidade ao neonato. Revisão sistemática efetuada acerca do aleitamento por mulheres positivas para COVID-19 não demonstrou presença do vírus SARS-CoV-3 no leite ou nos tecidos placentários e orofaringe dos recém-nascidos, mas ressalta que ainda é necessário maiores evidências e estudos para sua consolidação15.
Neste contexto, para avaliar as condições de saúde de gestante com diagnóstico confirmado de COVID-19 na pós-alta, instituiu-se com o apoio da equipe do serviço social a comunicação direta com o município de origem sobre a alta e as necessidades de manutenção do isolamento, seguimento e vigilância das pacientes.
No pós-alta implementou-se uma pesquisa via telefônica para acompanhamento de gestantes com diagnóstico confirmado de COVID, a fim de avaliar o seguimento da assistência da rede de saúde e orientar retorno se necessário a unidade hospitalar, visando manter a segurança da gestante e do feto.
Nesta perspectiva, há ainda necessidade de mudanças nas práticas de saúde, desenvolvimento de capacitações profissionais com foco em novas rotinas assistenciais e treinamentos nos recentes modelos de cuidado para garantir assistência obstétrica de qualidade a mulher, recém-nascido e família15.
Ainda há desafios no desenvolvimento das atividades de gestão no centro obstétrico no enfrentamento da COVID-19, devido aos fluxogramas ainda pouco testados, bem como evidências científicas em constante mudança sobre o manejo em parto e nascimento no contexto pandêmico.
O estudo pode contribuir no desenvolvimento de processos de planejamento e gestão em área obstétrica, assim como de planos assistenciais iniciais para gestantes e puérperas com suspeita do novo coronavírus, proporcionando reflexões acerca da gestão e das atividades baseadas em evidências como mecanismos eficientes nas práticas de saúde.
Considerações finais
Os modelos de enfrentamento desenvolvidos na experiência, denotam a gravidade da pandemia no contexto de saúde, especialmente na perspectiva da saúde materno-infantil em um país com alta mortalidade materna e infantil como Brasil.
Além disso, evidencia-se que as modificações efetuadas na rede assistencial materna devem ser as principais realizações neste momento da emergência em saúde para o gestor em saúde, assumindo a coordenação das equipes de saúde, construção dos fluxos de atendimento e modelos de atuação profissional para evitar contaminação no desenvolvimento das atividades de saúde.
O relato especifica a necessidade de mudança de modelos obstétricos ligados a estruturação de unidades, modificações nos fluxos de atendimento e nas práticas de assistência e gestão em saúde, para assumir novas conjunturas e proporcionar qualidade no cuidado a mulheres e recém-nascidos.
Considera-se também salutar o apoio as equipes de saúde em relação ao funcionamento do serviço destinado a pacientes com COVID, sendo que a proximidade com a gestão oportuniza o desenvolvimento de equipes de alta performance em cuidados obstétricos