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Revista de la Facultad de Derecho

versión impresa ISSN 0797-8316versión On-line ISSN 2301-0665

Rev. Fac. Der.  no.46 Montevideo jun. 2019  Epub 04-Jun-2019

https://doi.org/10.22187/rfd2019n46a5 

Doctrina

O tráfico internacional de pessoas para os fins de exploração sexual: uma análise à luz do caso concreto, no Brasil

El tráfico internacional de personas con fines de explotación sexual: un análisis a la luz del caso concreto, en Brasil

International Trafficking in Persons for the Purposes of Sexual Exploitation: Analysis in the Light of the Concrete Case in Brazil

Fernando Tadeu Marques1 
http://orcid.org/0000-0001-7983-2237

Suzana Caldas Lopes de Faria2 
http://orcid.org/0000-0002-8638-4097

1Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,Brasil.Contato: fernandotmarques@hotmail.com

2UniversidadePresbiteriana Mackenzie,Brasil.Contato: suzanacaldaslf@gmail.com


Resumo:

O presente artigo tem como objetivo avaliar as mudanças históricas ocorridas acerca da prática do tráfico de pessoas, por meio da análise dos tipos penais já existentes, bem como dos acordos internacionais dos quais o Brasil seja parte. Este estudo teve como metodologia de pesquisa, além de uma análise bibliográfica da lei 13.344/2016, estudos de casos, em ênfase a Operação Salve Jorge, uma vez que a exposição do caso concreto torna palpável a análise do caráter comum das vítimas e dos aliciadores, tornando possível entender os motivos que levam estas a se submeterem ao tráfico. Teve-se por resultado que a maioria das vítimas, se subordinam ao fato criminoso, acreditando na oportunidade de uma nova forma de emprego, aceitando as propostas oferecidas em busca de melhores condições econômicas, fato que explica, para a ocorrência da maior parte dos fluxos do tráfico de pessoas partirem de países com as piores condições econômicas, com destino a os país de melhores condições econômicas.

Palavras-chave: tráfico de pessoas; Lei 13.344/16; Operação Salve Jorge; Brasil; análise de caso

Resumen:

El presente artículo tiene como objetivo evaluar los cambios históricos ocurridos en las prácticas del tráfico de personas, por medio del análisis de los tipos penales ya existentes, así como de los acuerdos internacionales de los cuales Brasil es parte. Este estudio tuvo como metodología de investigación, además de un análisis bibliográfico de la ley 13.344/2016, estudios de casos, con énfasis en la Operación Salve Jorge, una vez que la exposición del caso concreto hace palpable el análisis del carácter común de las víctimas y de los reclutadores, haciendo posible entender los motivos que las llevan a someterse al tráfico. La mayoría de las víctimas, se subordinan al hecho delictivo, creyendo en la oportunidad de una nueva forma de empleo, aceptando las propuestas ofrecidas en busca de mejores condiciones económicas, hecho que explica, para la ocurrencia de la mayor parte de los flujos de la trata de personas, la partida de países con las peores condiciones económicas con destino a los países de mejores condiciones económicas.

Palabras clave: tráfico de personas; Ley 13.344/16; Operación Salve Jorge; Brasil; análisis de caso

Abstract:

This article aims to evaluate the historical changes that have occurred in the practice of trafficking in persons, by analyzing the existing criminal types, as well as the international agreements to which Brazil is a party. This study had as a research methodology, in addition to a bibliographical analysis of law 13344/2016, case studies, with emphasis on Operation Salve Jorge, since the exposition of the concrete case makes palpable the analysis of the common character of the victims and of the enticers, making it possible to understand the reasons that lead them to submit to trafficking. As a result, most of the victims are subordinated to the criminal act, believing in the opportunity of a new form of employment, accepting the proposals offered in search of better economic conditions, a fact that explains, for the occurrence of most of the flows of trafficking in persons from countries with the worst economic conditions, destined to countries with better economic conditions.

Keywords: Trafficking in Persons; Law 13.344/16; Operation Salve Jorge; Brazil; Case Analysis

Introdução

O tráfico de pessoas é uma prática que se remonta desde a Antiguidade, o Brasil, foi destino de uma diversidade de vítimas nos primórdios da descoberta até o século XIX, por meio do tráfico negreiro, que movimentou durante anos, a economia dos colonizadores.

Apesar de ter se iniciado como uma forma de obter mão de obra, com o passar das décadas, o tráfico, passou a ter o intuito da exploração sexual, mudando, conseqüentemente, o perfil das vítimas.

Mediante as mudanças constantes no tipo e no objetivo de tal ato criminoso, os países, inclusive o Brasil, precisaram buscar formas de coibir a empreitada criminosa, através da legislação pátria e de acordos internacionais, como o Protocolo de Palermo. As formas de sanção se iniciaram com o Protocolo de Paris em 1904, primeira manifestação de proteção às vítimas e punição aos aliciadores, todavia era muito desigual, uma vez que pretendia proteger, somente as chamadas escravas brancas, considerando corriqueiro o tráfico negreiro.

Na atualidade, no Brasil, a legislação pertinente ao tráfico de pessoas, é a Lei nº 13.344/16, tal vem dispor sobre a prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas, e sobre as medidas de atenção às vítimas. A referida Lei procura se basear e se sustentar em 3 pilares: a prevenção; repressão da prática; e proteção da vítima.

Em concordância com tudo que foi estudado, este presente trabalho apresentará o contexto histórico de proteção às vitimas do tráfico, a legislação atual de combate e prevenção, bem como a Operação Salve Jorge, caso demonstrativo da problemática do tráfico internacional no país. Ademais, busca-se elencar neste, as diversas formas que permitem e garantem a aceitação das vítimas aceitem às propostas oferecidas pelos agentes criminosos.

Do contexto histórico á atualidade

O tráfico de pessoas é, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Protocolo de Palermo, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre a outra para fins de exploração. Dispõe a (OIT, 2006) em comentário ao tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual:

As raízes problema encontram-se muito mais nas forças que permitem a existência da demanda pela exploração de seres humanos do que nas características das vítimas. Essa demanda vem de três diferentes grupos: os traficantes ―que são atraídos pela perspectiva de lucros milionários―, os empregadores inescrupulosos que querem tirar proveito de mão-de-obra aviltada e, por fim, os consumidores do trabalho produzido pelas vítimas.(OIT, 2006).

Em concordância:

A verdade é que o que chamamos de tráfico de pessoas não passa de prostituição globalizada. A indústria do sexo explora o transporte de garotas e mulheres por todo o país, lançando-as à prostituição nos locais onde suas vítimas têm menores condições de resistir e onde há maior demanda para elas. De fato, como já explicitado, praticamente inexiste tráfico de pessoas para qualquer outro fim que não seja a prostituição. Por isso, na essência, o denominado tráfico é somente uma face da prostituição, que está tão globalizada quanto qualquer outra atividade econômica na atualidade. (Nucci, 2015).

Como aludido, a prática do tráfico de seres humanos não é um fenômeno recente, de forma que, existe desde a Antiguidade Clássica, tendo início na Grécia e se expandindo até Roma. Nos primórdios, o tráfico de pessoas era uma prática adotada com o intuito de obter mão de obra, através da escravidão.

Durante o período renascentista, entre os séculos XIV e XVII, o tráfico de seres humanos começou a adquirir um caráter de prática comercial, na qual a predominância era o tráfico negreiro. Esta tinha o objetivo de suprir a necessidade de mão de obra nas colônias, de forma que, a população era apartada, mediante o uso de força, do seu país de origem.

As sociedades da época movimentaram o comércio através do tráfico de pessoas, de forma que, com o passar dos anos, a prática permanecia a mesma, possuindo apenas uma mudança no seu objetivo.

O Tráfico de pessoas no século XIX, ganhou uma nova configuração, superando a questão da escravidão, e passando para a finalidade da exploração sexual, de forma que, o termo tráfico, ganhou um novo significado, remetendo à troca de mulheres com o intuito de prostituição.Acerca deste fenômeno Rodrigues disserta:

Apesar do intuito principal do tráfico negreiro não ser a prostituição, muitas negras, ao chegarem no Brasil, foram exploradas sexualmente, tanto por seus senhores, como obrigadas a se prostituírem.De forma que, mesmo após a abolição da escravidão, algumas ex-escravas negras ainda eram encontradas na prostituição. (Rodrigues, 2012)

No final do mesmo século, iniciaram-se as campanhas relacionadas com o tráfico das chamas escravas brancas. Vários países apresentavam discursos relacionados à prostituição que podem ser englobados na mesma discussão, visto que, neste momento, as duas práticas estavam totalmente interligadas.

A partir do século XIX, após a abolição da escravidão negreira, a preocupação passou a ser com o tráfico de escravas brancas, com o fim de exploração sexual. O crime de lenocínio não era previsto no Código Criminal do Império, mas foi inserido no Código Penal de 1890, por conta da intensa migração. (Rodrigues, 2012)

As primeiras manifestações internacionais referentes ao tráfico de pessoas, apenas se iniciaram em 1895, em Paris, com uma Conferência Internacional, que foi seguida de várias outras.

Todavia, o primeiro acordo que visou reprimir a prática foi estabelecido apenas em 1904, em decorrência da Conferência de Paris, nomeado de Protocolo de Paris, ressalta-se, que este, visava o tráfico de escravas brancas, de forma discriminatória, uma vez que, considerava habitual o tráfico de negros.

As políticas internacionais relativas ao tráfico de pessoas foram crescendo, de forma que, no ano de 2000 foi concebido, pela Organização das Nações Unidas, o Protocolo de Palermo. Através deste, foi estabelecido um acordo global, no qual os Estados partes desenvolveriam ações para combater e prevenir o tráfico internacional de pessoas.

O Protocolo de Palermo foi ratificado pelo Brasil através do Decreto nº 5.017/2004, e foi a partir deste que o assunto do tráfico internacional de pessoas passou a ter maior visibilidade e a ser mais discutido no país.

Posteriormente, o tráfico de pessoas deixou de integrar o capítulo de crimes sexuais do Código Penal Brasileiro, o qual apenas abrangia a questão do tráfico para fins de exploração sexual.

Dessa forma, a prática passou a integrar o capítulo de crimes contra a liberdade do indivíduo no Código Penal Brasileiro, se tornando um tipo mais abrangente.

O novo tipo penal trouxe em seu bojo, causas agravantes e causas de aumento de pena, aplicadas caso venha ocorrer a retirada da pessoa do seu país de origem, e quando há a presença de crianças, adolescentes ou idosos.

No ano de 2005, a DAC/MRE, Divisão de Assistência Consular do Ministério das Relações Exteriores, passou a compilar dados referentes ao tráfico de pessoas, sendo registrados, entre 2005 e 2013, cerca de 382 casos de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. (UNODC, 2013).

Ainda no campo quantitativo, o relatório global da ONU aponta 5800 vítimas detectadas na América do Sul entre 2012 e 2014, sendo mais da metade, recrutadas para fins de exploração sexual. (Ministério Público Federal) (MPF, 2017).

A partir da ratificação do Protocolo de Palermo pelo Brasil, o país passou a promover várias iniciativas, que tiveram como objetivo principal combater a prática do tráfico de pessoas no país.

Desta forma, no ano de 2008, através do Decreto nº 6.347/2008, foi firmado o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP).

Dispõe o artigo 1º, do referido Decreto:

Art. 1º Fica aprovado o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - PNETP, com o objetivo de prevenir e reprimir o tráfico de pessoas, responsabilizar os seus autores e garantir atenção às vítimas, nos termos da legislação em vigor e dos instrumentos internacionais de direitos humanos, conforme Anexo a este Decreto.

No ano de 2013, foram implementadas duas campanhas internacionais que buscavam reprimir o tráfico de pessoas, sendo elas a Campanha Coração Azul e uma campanha informacional.

A Organização Mundial do Turismo (OMT), juntamente com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) anunciaram planos para a campanha de informação pública, a qual foi expedida ainda em 2013. A campanha visou a informação dos turistas para que estes, ajudassem na redução da demanda por tráfico de pessoas, artefatos culturais, fauna e flora.

Já a Campanha Coração Azul, lançada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes, objetivava a visibilidade ao tema do tráfico de pessoas e o oferecimento à sociedade de informações sobre os riscos desse crime e seu impacto nas vidas das pessoas traficadas.

A mobilização para o combate à grave violação, que é o comércio de seres humanos, é marcada pelo Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, celebrado em 30 de julho e criado pela Assembléia Geral da ONU.

Em homenagem ao dia mundial de enfrentamento do tráfico de pessoas e simbolizando a adesão à Campanha Coração Azul, entre os dias 24 e 30 de julho o prédio da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, é iluminado em azul (a ação ocorre também em outras unidades do MPF).

Foi apenas após a lei nº 13.344/16, conhecida como Marco Legal do Tráfico de Pessoas e que define com mais precisão as modalidades de tráfico inovando a proteção e assistência às vítimas, que entrou em vigor em novembro de 2016, que o dia mundial de enfrentamento ao tráfico de pessoas foi oficializado e, então, comemorado pelo Brasil pela primeira vez em 30 de julho de 2017.

Ainda no ano de 2016, o Balanço da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos através do registro das denúncias encaminhadas pelo disque 100, recebeu mais de 133 mil denúncias de violação contra os direitos humanos. Foram, ainda, identificados no módulo “outras violações”, 106 casos de tráfico de pessoas (Ministério Público Federal) (MPF, 2017).

Atualmente, encontram-se no Brasil, 78 ações penais em curso na primeira instância da Justiça Federal, 29 processos tramitando nos tribunais regionais federais, por conta de apresentação de recurso, 97 inquéritos policiais e 21 procedimentos investigatórios conduzidos pelo próprio Ministério Público Federal, todos em decorrência do tráfico de pessoas. (Ministério Público Federal) (MPF, 2017)

No plano econômico o tráfico impulsiona a economia, Segundo o Conselho Nacional de Justiça, tal prática movimenta anualmente 32 bilhões de dólares em todo o Mundo, desse valor, 85% provém da exploração sexual. (Conselho Nacional de Justiça) (CNJ, 2014).

O número de vítimas não diminui e, também, não para de crescer, tendo em vista a pobreza, os desastres naturais e o alto custo de produtos alimentícios, que impõem a essa população uma condição de miséria e vulnerabilidade, buscando melhores condições, geralmente simuladas pelos agentes da conduta.

Explana SrgjanKerim, ex-presidente da Assembleia Geral da ONU:

Todos temos um papel a desempenhar na luta contra este crime. Não só os Estados-membros, o sistema das Nações Unidas e as outras organizações internacionais, mas também, o setor privado, a sociedade civil, os meios de comunicação social e os órgãos responsáveis pela aplicação das leis. (Centro regional de informações das Nações Unidas) (CRINU, 2008).

Assim, em concordância com Kerim, torna-se notório que apenas os tratados e meios legislativos, são insuficientes no combate do tráfico internacional de pessoas, e para o combate efetivo deste, deve também a sociedade civil se mobilizar, por meio de denúncias que podem ser realizadas de modo anonimato pelo disque 100.

Análise da lei nº 13.344/2016

Tratando-se de regulamentação a respeito do crime de tráfico de seres humanos, o Brasil só passou a ter respaldo jurídico para essa prática e,consequentemente, puni-la a partir de 1940 com o artigo 231 do Código Penal.

Dispunha o tipo penal:

Art.231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha a exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro.

Pena - reclusão, de três a oito anos.

Porém, a prática trazida pelo Código Penal tratava apenas da questão do tráfico de mulheres, e não da questão do tráfico de pessoas em geral.

A alteração deste tipo se deu apenas em 2005 com a lei 11.106/2005 que modificou o nome, passando a constar como tráfico internacional de pessoas, englobando não só o sexo feminino, mas também o masculino, além de acrescentar mais um verbo, o “intermediar”. A inserção de mais um verbo proporcionou maior amplitude ao tipo penal, expandindo a possibilidade de adequação de uma conduta à descrita no artigo.

O mesmo artigo sofreu mudança posterior, no ano de 2009, pela Lei nº 12.015 de forma que foi inserido um elemento no tipo, que era a prática para fins de exploração sexual. Ademais, o verbo “intermediar” inserido na modificação anterior, passou a constar no §1º, juntamente com outros verbos que remetem à tal conduta.

Dispunha o tipo penal:

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2º A pena é aumentada da metade se:

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

Outra alteração sofrida na regulamentação da prática do tráfico de pessoas, e também a última, aconteceu com a promulgação da Lei 13.344, datada em 06 de outubro de 2016, a qual dispõe sobre a prevenção e a repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção à vítima.

Acerca da nova legislação BrunoMagalhães e Rafaela Alba (Magalhães e Alba, 2017). dissertam:

No mesmo sentido da Convenção de Palermo, a Lei nº 13.344/16 foi editada com três eixos de tutela: prevenção, repressão e proteção da vítima, numa estrutura legislativa que apenas tinha sido anteriormente observada na edição da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), que igualmente visou atender um compromisso internacional.

A fim de promover o atendimento às vítimas, a prevenção e repressão à prática, a legislação citada, realizou diversas modificações no Código Penal Brasileiro e no Código de Processo Penal, como exemplo, a revogação do artigo 231, do Código Penal, já antes abordado, que tratava do tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual.

A partir da revogação do antigo artigo 231, a lei estabeleceu um novo tipo penal, o artigo 149-A, do Código Penal, que recebeu o nome de Tráfico de Pessoas, não tendo como elemento subjetivo a finalidade de exploração sexual, o que restringia o enquadramento no tipo.

Dispõe o tipo penal:

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV - adoção ilegal; ou

V - exploração sexual.

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de um terço até a metade se:

I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;

II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;

III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou

IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.

§ 2º A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.

O novo tipo penal acabou pois, com as discussões acerca do consentimento da vítima, uma vez que este, engloba em sua redação, a questão da grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, ao retirar a pessoa do seu local de origem, visto que, o consentimento, majoritariamente, parte de uma enganação, uma fraude.Além disso, o novo tipo altera o bem jurídico tutelado, que antes era a liberdade sexual e passa a ser a liberdade individual.

O dispositivo, Lei 13.344/2016, é resultado de um projeto de lei da CPI do Tráfico de Pessoas, que funcionou no Senado entre os anos de 2011 e 2012. Ressalta-se que o objetivo do referido projeto era equiparar a Lei ao Protocolo de Palermo, o qual foi ratificado pelo Brasil.

Também conhecida como Marco Legal do Tráfico de Pessoas, a Lei entrou em vigor em 21 de novembro de 2016, definindo com mais objetividade as modalidades de tráfico e garantindo maior proteção e assistência às vítimas.

Para Vivian Santarém, defensora pública federal e coordenadora do Grupo de Trabalho e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Defensoria Pública da União, “a lei criou um artigo único sobre tráfico de pessoas que prevê diversas finalidades de exploração: sexual, do trabalho escravo, remoção de órgãos e tecidos, adoção ilegal”. (Pozzebom, 2016).

Ao se tratar das condições anteriores à lei diz-se que, para que fosse possível a concretização de uma acusação, eram necessárias diversas interpretações, remissões a tratados internacionais e comparação de tipos penais.

A questão mais benéfica trazida pela lei foi à proteção da vítima, uma vez que, se possibilita uma política completa de assistência a esta.

Afirma Luiza Frischeisen, subprocuradora geral da república e coordenadora da 2ª Câmara Criminal do MPF que "a nova lei traz um conjunto de normas, não só normas penais, tal se preocupa com a proteção da vítima, com as condições de investigação, bem como de conseguir apreender o produto e bloquear o dinheiro usado para o tráfico".

Emenda-se que após a promulgação da lei, tornou-se possível a acusação pelo crime de forma mais rígida e organizada, através de um sistema, facilitando a atuação do Poder Judiciário e da Justiça em sim, e ampliando o tipo.

A ampliação do tipo se dá, a partir pelo fato do tipo não punir apenas o tráfico de pessoas com a finalidade de exploração sexual, mas também, de todos outras modalidades de tráficos.

Pode-se ressaltar, ainda, como questões significativas trazidas pelo novo texto legal, a implementação de medidas socioeducativas e de conscientização a respeito do assunto, bem como a inovação da ideia de uma formação conjunta, envolvendo os Ministérios Públicos de diferentes países em combate ao tráfico de pessoas.

Apresentados os pontos positivos, pode ser levantado e abordado um ponto negativo em relação à lei, uma vez que esta não trata da questão da vulnerabilidade da vítima, e, quando faz referência à tal, não trata da questão do consentimento. Acerca desta defasagem em Pozzebomdisserta:

Apesar do avanço considerável, na opinião de Vivian, a nova lei falha na questão da vulnerabilidade. Os vulneráveis social e economicamente -negros, moradores da periferia, pessoas com baixa escolaridade e baixa renda- são os mais aliciados. Segundo o Protocolo de Palermo, mesmo que a pessoa aceite ser submetida à situação de tráfico, o consentimento é irrelevante por ela ter sido aliciada numa situação vulnerável. Ou seja, pelo protocolo, o caso se enquadra como tráfico (Pozzebom, 2016).

Há de se enfatizar também para as discussões práticas, que tangenciam a nova legislação, no que diz respeito a eficácia desta e os meios implementados para encontrar as possíveis vítimas e, os possíveis suspeitos do crime de tráfico de pessoas.

Análise do Caso Concreto:

O continente sul americano é território propício para a presença da prática do tráfico internacional de pessoas, sendo origem e destino, uma vez que possui uma diversidade de problemas sociais, e um vasto território que dificulta o combate. Acerca da problemática exposta, delimitando a discussão ao Brasil, a Organização Mundial do Trabalho aponta para as possíveis justificativas da ocorrência dos atos crimniosos no país:

A participação do Brasil nas redes internacionais do tráfico de pessoas é favorecida pelo baixo custo operacional, pela existência de boas redes de comunicação, de bancos e casas de câmbio e de portos e aeroportos, pelas facilidades de ingresso em vários países sem a formalidade de visto consular, pela tradição hospitaleira com turistas e pela miscigenação racial. (OIT, 2006).

Em enfase ao Brasil como destino e origem de pessoas traficadas, Taís Rodrigues de Camargo (2012) disserta:

O Brasil é fonte e destino de pessoas traficadas. Brasileiras escravas sexuais podem ser encontradas em países de fronteira como Venezuela, Suriname, Guiana Francesa, etc., bem como podem encontrar aqui muitos bolivianos no trabalho escravo, em especial na indústria têxtil, em grandes centros, como São Paulo.

O exemplo de um caso concreto no Brasil, pode se citar a operação Salve Jorge que ocorreu no Amazonas em 29/07/2016, na qual a Polícia Federal impediu que uma organização criminosa, acusada de envolver-se com tráfico internacional de pessoas, levasse um grupo de dançarinos para a Coréia do Sul.

A incitação da referida operação ocorreu um dia antes do Dia Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, de forma que a intermediação feita com os dançarinos era feita em nome de uma agência chamada de Brasil Amazon Shows andProductions.

Segundo a Polícia Federal:

Os anúncios dos recrutamentos dos jovens foram veiculados em redes sociais utilizando o nome da Polícia Federal como órgão validador dos contratos de trabalhos e vistos, a fim de ludibriar os dançarinos dando a aparência de legalidade.

No curso das investigações, verificou-se a participação de nacionais coreanos no financiamento do projeto criminoso. Ainda, constatou-se que a maioria dos integrantes do grupo já estiveram no exterior, tanto na Coréia do Sul, como em países do leste europeu, agencian do dançarinos (G1, 2016).

A época foram cumpridos cinco mandados de busca e apreensão e cinco mandados de condução coercitiva, expedidos pela 4º Vara da Seção Judiciária do Estado da Amazonas, as investigações apontaram que o grupo que almejava levar os jovens amazonenses, pagaria pelas passagens aéreas, visto, alimentação, moradia e salário de 3 mil reais, conforme noticia, o Atual Amazonas, veículo de imprensa do local onde ocorreu o ilícito.(O Atual Amazonas) (OAA, 2016).

Esse caso merece atenção uma vez que, demostra o combate nacional ao tráfico internacional de pessoas no Brasil, evidenciando para a problemática ora discutida nesse presente estudo, no caso concreto, as vítimas foram iludidas com melhores condições de vida, existindo a cooperação entre a empresa brasileira AmazonShows andProductions e nacionais coreanos e europeus. A Polícia Federal vislumbra os agenciadores como uma organização criminosa. Ademais, essa é a operação mais recente de combate ao tráfico internacional de pessoas no país. Atualmente, os suspeitos estão sendo ouvidos pelas autoridades competentes.

Como visto no referido caso e na maioria dos inquéritos realizados a respeito de tráfico de pessoas, grande parte dos traficantes, são os próprios donos de casas de shows, bares ou casos de jogos, que se ligam a outros comércios ilícitos. Majoritariamente as vítimas buscam melhores condições de vida, o juiz da 11ª Vara Federal de Fortaleza, Estado do Ceará, Danilo Fontes Sampaio Cunha, em uma de suas sentenças, assim fundamentou sobre o assunto:

Cremos que o passo inicial é perceber a verdadeira situação das mulheres envolvidas, ou seja, percebê-las como vítimas da miséria,da ganância, de nossa própria cultura, das esperanças desfeitas e dos sonhos nunca realizados, exploradas em suas ilusões de uma vida melhor e vilipendiadas no corpo e no espírito, destroçadas em sua dignidade e auto-estima, no que pese tentarem demonstrar,muitas vezes com uma desfaçatez histriônica, um certo alheamento dos fatos, convencidas que foram estarem realizando atividades conscientes e com vontade livre.(Cunha, 2004)

O mesmo juiz em sua sentença, defendeu a integração social, como meio de combate ao tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual:

Na verdade, cremos que a única prevenção possível seja a prevenção social, qual seja, a ampliação do acesso à educação e saúde, aumento do acesso da mulher ao mercado de trabalho, maior controle e vigilância nas regiões de fronteira, com imediato treinamento das autoridades encarregadas da expedição de passaportes para prestarem esclarecimentos em entrevistas pessoais com mulheres suspeitas de futura prostituição. Disseminação, por meio de todas as formas de mídia, de informações que auxiliem a prevenir o tráfico e permita que as pessoas denunciem sua prática, bem como cartilhas informativas distribuídas por ocasião da expedição de passaportes ou mesmo impressão de como realizar tais denúncias nos próprios documentos de viagem e/ou passaportes são outras medidas simples de prevenção. (Sampaio, 2004)

Ainda em âmbito judicial, o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015, por meio da sua Segunda Turma, por unanimidade, deferiu a Extradição 1377 de relatoria da ministra Cármen Lúcia, atualmente presidente do STF (STF, 2015). O cidadão espanhol Enrique Perez Gomez foi condenado em seu país por tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual e ainda responderá a outra ação penal na Espanha por tráfico de pessoas e facilitação à prostituição.

A Justiça Federal do Brasil, em suas Metas do Plano Estratégico de 2018, tem por uma de suas metas identificar e julgar, até 31/12 do ano corrente, 70% das ações penais vinculadas aos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, à exploração sexual e ao trabalho escravo, distribuídas até 31/12/2015. (Justiça Federal do Brasil) (JFB, 2018).

No que tange as vítimas brasileiras a Organização Internacional do trabalho, descreve estas:

No Brasil, o tráfico para fins sexuais é, predominantemente, de mulheres e adolescentes, afrodescendentes, com idade entre 15 e 25 anos. As mulheres são oriundas de classes populares, apresentam baixa escolaridade, habitam em espaços urbanos periféricos com carência de saneamento, transporte (dentre outros bens sociais comunitários) moram com algum familiar, têm filhos e exercem atividades laborais de baixa exigência. Muitas já tiveram passagem pela prostituição. (OIT, 2006).

Ainda se tratando das vítimas, são inúmeras as razões pelas quais estas são convencidas a aceitarem as propostas dos aliciadores, como registrado pela OIT. As razões mais comuns são o desejo por renda maior ou status, fuga da opressão ou da estigmatização, desejo de aventuras, busca por estabilidade emocional, turbulência política, falta de recursos econômicos ou oportunidades no exterior. (OIT, 2006)

Uma vez aliciadas, as vítimas podem ter a intenção de voltarem para o seu país ou região de origem, mas, muitas vezes, são submetidas à privação do passaporte, ao desconhecimento da língua local do país em que se encontram, ao monitoramento dos agentes que na maioria das vezes faz uso de violência de várias formas ou receio de prejuízo à familiares. (OIT, 2006).

Consideraçõesfinais:

O tráfico de pessoas é uma prática, atualmente prevista no artigo 149-A do Código Penal Brasileiro, que consiste no aliciamento e outras formas de recrutamento de pessoas, mediante violência ou outro meio de coagir a vítima, com a finalidade de exploração sexual, tráfico de órgãos, adoção ilegal, condições análogas à escravidão ou qualquer outro tipo de servidão.

Esta prática, que permeia a maioria dos países desde a Antiguidade vem sendo combatida através de meios legislativos que buscam principalmente um atendimento especial às vítimas dessa ação criminosa.

Além da questão econômica que impulsiona os aliciadores, há uma questão econômica por parte da própria vítima, que ao buscar condições melhores em outros países, acaba por aceitar condições e propostas dos agentes criminosos, revestida majoritariamente de ilusões fraudulentas.

Apesar de ser uma questão que remonta aos tempos antigos, a mais recente forma de combate ao tráfico de pessoas, foi a promulgação da Lei nº 13.344/16, que provavelmente, não será a última com o mesmo objetivo, visto que a problemática do tráfico ainda se faz presente, ademais o direito é um sistema dinâmico, que através de fatos contrários a ordem pública, cria-se normas para coibir tais.

Há de se enfatizar, que a nova legislação, além de buscar combater a causa, tem por finalidade dar maior assistência às vítimas visando a recuperação destas, após o trauma.

Quando se analisa a operação Salve Jorge é perceptível que o problema do trafico internacional é complexo dada a cooperação entre os países para a prática de tal delito, em tal caso, ficou demonstrado o pacto entre a empresa BrazilAmazon Shows andProductions e nacionais da Coreia, bem como dos agenciadores europeus, fato que evidencia para a necessidade de cooperação jurídica internacional entre os países, tendo em vista que trata-se de um crime que transcende as fronteiras do Brasil.

Diante do exposto, pode-se perceber que os fluxos que permeiam o tráfico de pessoas em todo o Mundo geralmente seguem uma regra, como por exemplo, a maioria que segue de um país com condições financeiras menos favoráveis para um com condições mais favoráveis e, conseqüentemente, mais oportunidades.

Dessa forma, percebe-se que a problemática do tráfico para fins sexuais, não pode ser resolvido apenas com a criação de novos tipos penais, ou ratificação de acordos internacionais, uma vez que há uma diversidade de problemas de cunho social que intensificam a problemática do combate. Ademais a sociedade deve se mobilizar a fim de estabelecer uma conscientização maior dos danos causados, utilizando, sempre que possível, os meios de comunicação e canais de denúncia, e certamente, reconhecer a vítima continua a ser vítima, mesmo quando se tem o consentimento desta

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Nota: Fernando Tadeu Marques: Professor, Advogado Criminalista. Doutorando em Filosofia do Direito e Mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista pela Escola Paulista de Direito em Direito Público. Especialista pela Faculdade Anchieta em Docência no Ensino Superior. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista. Exerce atividade docente como professor no Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie em Campinas na disciplina Direito Penal e Criminologia; leciona na Escola Paulista de Direito (EPD) a disciplina Direito Penal Médico no Curso de Pós-graduação de Direito Médico e Hospitalar. Integra como pesquisador na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) oGrupo de Pesquisa Conflitos armados, massacres e genocídios na era contemporânea, e na Universidade Presbiteriana Mackenzie, EstudosSocioambientais e a responsabilidade criminal. Suzana Caldas Lopes de Faria: Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Campus Campinas-SP. Estagiária na Procuradoria da Fazenda Nacional

Nota: A contribuição de todos os autores na realização deste trabalho foi equivalente

Recebido: 17 de Fevereiro de 2018; Aceito: 18 de Agosto de 2018

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