Introdução
Com a globalização e os avanços científicos, as instituições e serviços de saúde se deparam com usuários cada vez mais exigentes e, para garantir a qualidade da assistência prestada, precisam de trabalhadores mais qualificados com habilidades diferenciadas, que possam atender as demandas do mercado de trabalho. Paralelamente, no contexto nacional, existe a necessidade da formação de trabalhadores da área da saúde, especialmente do enfermeiro, a fim de que este possa assumir novas responsabilidades atreladas a comportamentos de liderança, além das competências essenciais para o alcance dos objetivos organizacionais em seu ambiente de trabalho.1
Neste contexto, o termo competência refere-se a um conjunto básico de conhecimento, habilidade e atitude onde o profissional pode desenvolver seu trabalho de forma efetiva em relação aos desafios exigidos. (2 Já a liderança é uma habilidade que envolve as relações interpessoais, sendo os elementos essenciais ao exercício da liderança a comunicação eficaz, bem como a tomada de decisões e o gerenciamento responsável e efetivo da equipe. (3
Na área da saúde, destaca-se a equipe de enfermagem como a maior categoria profissional, representando de 60 % a 89 % da força de trabalho de saúde. (4 Assim, atribui-se a importância de o enfermeiro, responsável por liderar essa equipe, manter-se em constante aperfeiçoamento no que tange ao desenvolvimento das competências relacionadas à liderança. (5
No Brasil, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais de Enfermagem, no decorrer da formação do enfermeiro, é imprescindível o desenvolvimento de atributos essenciais à profissão e que estão inteiramente associados ao papel de líder que são: visão gerencial, tomada de decisão em tempo real, habilidades de comunicação, planejamento das ações assistenciais e gerenciais, educação permanente, capacidade de resolução de problemas, estabilidade emocional e bom relacionamento interpessoal para a implementação de uma assistência dinâmica e ativa. O desempenho e as habilidades dos enfermeiros como líderes dependem de sua maneira de agir promovendo boas relações interpessoais nas organizações em que atuam. (3,6
Recentemente, o papel da liderança na Enfermagem foi destaque a nível mundial. O relatório The State of the World’s Nursing 2020, da Organização Mundial de Saúde em parceria com o Conselho Internacional de Enfermagem (International Council of Nursing, ICN), salientou a importância de investimentos em políticas públicas que valorizem a profissão, que é a maior força de trabalho em saúde, levando em consideração que os enfermeiros atuam como protagonistas das ações de saúde e, historicamente, estão sempre na linha de frente no combate às epidemias e pandemias que ameaçam a saúde da população. Os dados apresentados neste documento, demonstram a necessidade de ações que visam fortalecer a liderança da enfermagem em sua prática profissional, proporcionando à sociedade mais qualidade na assistência prestada. (7
Diante do exposto, considera-se de suma importância identificar os instrumentos que as instituições de saúde adotam para identificar as competências essenciais de liderança dos enfermeiros, considerando que as competências explicitadas nos instrumentos são reflexos das necessidades organizacionais, gerenciais e assistenciais dos serviços de enfermagem.
Assim, o objetivo deste estudo foi identificar na instrumentos para avaliação das competências necessárias à liderança em enfermagem.
Método
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, a qual sintetiza e avalia os estudos publicados de diferentes metodologias, de forma ordenada, contribuindo para o aprofundamento do tema. (8-9
Esta revisão integrativa percorreu seis etapas padronizadas para este tipo de estudo: I) identificação do tema e elaboração da pergunta norteadora; II) estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão dos estudos selecionados; III) extração dos dados dos estudos selecionados; IV) avaliação crítica dos estudos selecionados; V) interpretação dos resultados e VI) apresentação da síntese do conhecimento. (8
Para a elaboração da pergunta de pesquisa, utilizou o anagrama PICo, no qual P se refere a população do estudo, I: intervenção ou exposição, Co: Contexto. (10 Deste modo, a questão norteadora desta revisão foi: “Quais os instrumentos disponíveis na literatura que identificam as competências necessárias à liderança em enfermagem?”.
Os critérios de inclusão foram estudos primários, sem limite de tempo de publicação, que abordassem instrumentos avaliativos para identificar as competências de liderança de enfermeiros, disponíveis na íntegra nos idiomas português, inglês e espanhol.
A coleta de dados foi realizada no mês de outubro de 2021, utilizando-se as seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Scopus. A estratégia de busca, assim como os descritores utilizados estão demonstrados na Tabela 1.
Foram excluídos os estudos secundários, cartas ao editor, duplicatas, anais, textos de opinião e reflexão, teses e dissertações, trabalhos de conclusão de curso, manuais, relatórios, livros, capítulos de livro e textos incompletos. A avaliação crítica dos artigos selecionados foi baseada nos critérios de inclusão e exclusão.
Os dados dos estudos foram extraídos com o auxílio de um instrumento elaborado pelas autoras, com informações referentes ao país de publicação, autores, ano, periódico, objetivo e principais resultados.
A apresentação dos estudos incluídos nesta revisão foi realizada de forma descritiva, por meio de tabelas e quadros. A análise e discussão foram sintetizadas de forma narrativa.
Para classificação dos níveis de evidência dos estudos incluídos, foi utilizada a pirâmide de sete níveis, sendo: nível 1 (mais forte), as evidências provenientes de revisão sistemática ou metanálise de ensaios clínicos randomizados; nível 2, evidências derivadas de ensaios clínicos randomizados bem delineados; nível 3, evidências obtidas de ensaios clínicos bem delineados sem randomização; nível 4, evidências provenientes de estudos de coorte e de caso-controle bem delineados; nível 5, evidências originárias de revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; nível 6, evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo; e nível 7 (mais fraco), evidências oriundas de opinião de especialistas. (11
Por se tratar de um estudo que avaliou dados secundários, não foi necessária a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. Porém, esse estudo seguiu todos os preceitos éticos em pesquisa, referenciando os estudos selecionados.
Resultados
A estratégia de busca identificou inicialmente 1.135 estudos nas bases de dados. Deste, 749 eram duplicados, restando 386 para a leitura de títulos e resumos. Após a etapa de leitura de títulos e resumos, 370 foram excluídos por não atender aos critérios de inclusão como: não estar disponibilizados na íntegra, estar redigidos em outros idiomas diferentes do inglês, português ou espanhol, utilizar outros instrumentos que não avaliassem as competências para liderança de enfermeiros. Dos 16 estudos que restaram, seis foram excluídos por não atenderem ao objetivo da pesquisa. Deste modo, foram selecionados 10 estudos que compõem a presente revisão. O processo de busca e seleção está representado por meio do fluxograma preconizado pelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), (12 evidenciado na Figura 1.
A maioria dos estudos referiam-se a publicações internacionais. (13-20 O período de publicação ficou compreendido entre 2008 a 2020. O ano que teve um maior número de publicações voltadas à temática foi o de 2019, totalizando três estudos. (14-16
Em relação ao idioma, todos estudos foram publicados em inglês. Quanto ao país de origem, um foi da Irlanda, (14 dois dos Estados Unidos da América, (15,21 um do Reino Unido, (18 um do Irã, (19 um do Brasil, (22 dois da Suécia, (13,20 um da Espanha17 e um da Finlândia. (16
Os cargos gerenciais eram assumidos por profissionais que não tinham experiências anteriores na área da gestão e ou especialização na mesma. As investigações em todos os estudos ocorreram com base nas experiências profissionais de enfermeiros e da equipe de enfermagem, a partir da elaboração ou aplicação de um instrumento com o objetivo de identificar as competências essenciais à liderança em enfermagem.
Foram identificados os seguintes instrumentos nessa revisão: Ambulance Nurse Competence (ANC);13 Clinical Leadership Needs Analysis (CLeeNA) Instrument;14 Kuopio University Hospital Transformational Leadership Scale (KUHTLS);16 Cotter Preceptor Selection Instrument (CPSI);21 Leadership Practives Inventory (LPI);22 Advanced Practice Nursing Competency Assessment Instrument (APNCAI);17 Multisource Feedback (MSF);18) Performace Evaluation Tool;19 Leadership and Management Inventory20 e um instrumento cujo título não foi informado pelos autores, constituído por construtos para capacitar em comportamentos de comunicação de líderes em enfermagem.15
A caracterização dos estudos, assim como os objetivos e principais resultados estão apresentados no Tabela 2 T2a T2b T2c.
Discussão
A análise dos dez estudos demonstrou que a utilização de diferentes instrumentos avaliativos é importante para identificação de competências necessárias à liderança de enfermeiros. Essas ferramentas podem ser divididas em três grandes grupos sendo direcionadas ao “assistir, ao comportamento do líder e a gestão do cuidado”. (6)
Dentro desta classificação, obtiveram-se nesta revisão quatro instrumentos classificados na categoria “gestão do cuidado”: Ambulance Nurse Competence - ANC scale; Clinical Leadership Needs Analysis - CLeeNA Instrument; Advanced Practice Nursing Competency Assessment Instrument - APNCAI; Leadership and Management Inventory e seis constituíram a categoria “comportamento do líder”: Kuopio University Hospital Transformational Leadership Scale - KUHTLS; Cotter Preceptor Selection Instrument - CPSI; Multisource Feedback - MSF; Performace Evaluation Tool; Leadership Practives Inventory - LPI e um instrumento cujos autores não informaram o título.
A gestão do cuidado faz parte do processo de liderança, e é uma das atribuições do enfermeiro. O planejamento, assim como a organização do cuidado, deve ter por objetivo a realização de melhores práticas de cuidado nos serviços de saúde, com ações que favoreçam uma assistência integral e de qualidade, por meio da previsão e provisão de recursos essenciais para assistência. (23)
Entre as competências necessárias para a gestão do cuidado destaca-se: ensino, habilidades organizacionais, informação atualizada, prontidão para análise e tomada de decisão, organização e delegação de funções, gestão do cuidado e do tempo, bem como a priorização das atividades e o gerenciamento financeiro. (24)
As competências mais relevantes deste grupo, observadas na presente revisão, foram: a tomada de decisão, a gestão do cuidado, ter a informação e ser estratégico. (14)
Essas competências são evidenciadas no estudo sobre o Clinical Leadership Needs Analysis (CLeeNA) Instrument. (14) Os resultados demonstraram que as competências de maior importância para os enfermeiros líderes, participantes deste estudo, foram as relacionadas à tecnologia, finanças e gerenciamento de serviços. Com a globalização, muitas ferramentas e instrumentos tecnológicos são utilizados pelo enfermeiro líder e contribuem no processo de gestão, otimizando a organização do trabalho.
Além disso, conhecimentos e habilidades na gestão financeira são cada vez mais necessários aos enfermeiros que vem conquistando espaço nas instâncias superiores dos serviços de saúde. (25)
O enfermeiro líder deve viabilizar as melhores condições de cuidado aos pacientes e garantir o máximo desempenho dos profissionais. Essas condições podem ser observadas na Ambulance Nurse Competence Scale (ANC), (13) que dentre os itens avaliados contém o cuidado centrado no paciente, trabalho em equipe e colaboração, requisitos fundamentais para os enfermeiros dos serviços pré-hospitalares que precisam de ação rápida e efetiva.
No instrumento Leadership and Management Inventory(20) a tomada de decisão foi a competência considerada mais importante na avaliação do enfermeiro líder. A tomada de decisão requer instrumentalização de ferramentas gerenciais e teorias administrativas que possam facilitar e apoiar nas decisões do enfermeiro líder alcançando efetividade nos resultados de suas decisões. (26)
A categoria das competências de “comportamento do líder” abrange as dimensões da atitude que o enfermeiro deve possuir como pontualidade, preparação, motivação, habilidades sociais, colaboração, entusiasmo, apoio aos liderados, entre outras. (18)
Dentre essas competências, as habilidades sociais se destacam, pois constituem-se em um atributo avaliativo de um comportamento ou conjunto de comportamentos bem-sucedidos, visto que são importantes para exercer a liderança, por contribuir com o desenvolvimento profissional aliando a gestão do cuidado às práticas assistenciais. (27)
A habilidade social de comunicação é essencial ao enfermeiro no desenvolvimento do cuidado e no processo de liderança. A comunicação consiste em compreensibilidade, escuta ativa, abertura, feedback, empatia, linguagem não-verbal, paralinguagem e cooperação. (15)
Dentre as formas de comunicação, a escrita é a mais utilizada no processo de gestão do cuidado, seguida da comunicação oral, usada de forma estratégica para uma rápida transmissão da mensagem para informar, orientar e realizar o planejando de ações, as quais são indispensáveis para a resolução de conflitos. (28)
Destaca-se que o instrumento denominado Leadership Practives Inventory (LPI) (22) apresentou a dimensão “Capacite os outros a agir” como a mais relevante dentre as competências comportamentais de habilidades sociais que o enfermeiro líder deve possuir.
Nesta perspectiva, o enfermeiro deve proporcionar a sua equipe oportunidades que a torne capaz de desempenhar o cuidado de forma efetiva, por meio de ações de educação permanente, exemplos práticos durante o manejo diário do paciente/família, além de incentivar e permitir o trabalho em equipe conquistando a colaboração de todos. (22, 29)
O Cotter Preceptor Selection Instrument (CPSI) (21) e o Performace Evaluation Tool(19) também abordaram que as principais competências para o enfermeiro líder são aquelas norteadas na área comportamental, sendo estas as habilidades de colaboração e interpessoais, respectivamente.
Portanto, as habilidades sociais e interpessoais, assim como a colaboração constituem, um conjunto de comportamentos que possuem um potencial elevado de produzir consequências reforçadoras para o indivíduo e para os demais membros da equipe de enfermagem. (30)
Outra competência considerada relevante e destacada nos artigos avaliados foi a capacidade em liderar a equipe, observada nos estudos de Sapountzi-Krepia et al., (13) que utilizou a Kuopio University Hospital Transformational Leadership Scale (KUHTLS); e no trabalho de Lakshminarayana et al., (18) por meio do instrumento Multisource Feedback - MSF. A capacidade de liderar consiste em uma das principais competências a serem desenvolvidas por enfermeiros, pois é considerada inerente à prática profissional.
Assim, cabe ao líder estimular a criatividade dos liderados e permitir que os mesmos participem dos processos decisórios e se adaptem em cada situação que lhes é imposta, para que se alcance a qualificação dos serviços de enfermagem. (31)
Destaca-se que a gestão do cuidado e a liderança em enfermagem são fundamentais no exercício profissional do enfermeiro, mediante ações de planejamento e organização de modo a garantir a sua continuidade e dar sustentabilidade as políticas e orientações estratégicas da instituição. (6)
A relevância desta revisão consiste em demonstrar que, por meio do uso de um instrumento avaliativo, os gestores podem identificar as competências necessárias à liderança de enfermagem que devem ser buscadas e desenvolvidas na prática profissional do enfermeiro. Isso demonstra a responsabilidade dos gestores em desenvolver estratégias em prol do crescimento pessoal e profissional das lideranças que atuam em seu staff, bem como da equipe de enfermagem para atender as principais demandas dos liderados.
Este estudo apresentou como limitação a carência de estudos que se utilizem de instrumentos para avaliar a competência gerencial do enfermeiro não só a nível hospitalar, mas também na Atenção Primária em Saúde e em outros níveis de atenção à saúde, para que essas habilidades possam ser equiparadas e articuladas conforme as necessidades dos serviços.
Conclusão
Esta revisão integrativa da literatura identificou dez instrumentos para avaliar as competências essenciais à liderança em enfermagem.
A comunicação foi identificada como uma das principais competências alinhada ao papel de gestor. A tomada de decisão, a habilidade social, o gerenciamento da equipe, a informação atualizada e a gestão estratégica e financeira são elementos de suma importância no exercício gerencial e assistencial do enfermeiro, para que se estabeleça uma relação harmônica entre os líderes e os liderados no processo de trabalho.