Introdução
O fenômeno social intitulado como violência obstétrica refere-se à apropriação ou invasão do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres. Representado através da patologização e medicalização dos eventos naturais, a mesma pode ocorrer em todas as fases do ciclo gravídico-puerperal, como também em situações de abortamento, e na maioria das vezes, pode resultar na perda da autonomia do público feminino em relação aos seus corpos e sexualidade. 1,2,3
Sabe-se que as práticas obstétricas violentas podem ser influenciadas por diversos fatores a saber da formação precária dos profissionais e de dificuldades estruturais e desordens nos serviços. Movidas pelo desejo de contribuírem para o desenvolvimento adequado dos seus filhos, estas mulheres podem se sujeitar a condutas inapropriadas dos profissionais de saúde envolvidos no processo, ampliando a subjugação e baixo protagonismo na gestação, parto e puerpério, ocasionando a violência obstétrica. 2
Entende-se que a violência obstétrica ancora-se em acontecimentos históricos e políticos do cuidado à mulher, que outrora era desempenhado exclusivamente no domicilio e por mulheres da comunidade e, especificamente, a partir do século XX, modifica-se para uma assistência obstétrica hospitalar com grande avanço tecnológico e permeada por inúmeras práticas intervencionistas que implicaram e ainda implicam diretamente no processo de humanização do gestar, parir e nascer, resultando muitas vezes em violência obstétrica. (3
Embora considerado com um problema de grande magnitude, a violência obstétrica permanece sendo desconhecida por parte das mulheres, que ao adentrarem nos serviços de saúde são submetidas à práticas desrespeitosas e humilhantes, com cerceamento dos seus direitos sexuais e reprodutivos, baixa ou nenhuma qualidade nas informações prestadas pelos profissionais de saúde, o que as leva a se submeter as hierarquias de poder e saber pela confiança depositada na equipe e, muitas vezes, naturalizar a violência sofrida durante a assistência. 4,5
Neste contexto, estudo desenvolvido com 276 mulheres apontou que 12,5 % das mulheres reconheceram ter sofrido práticas desrespeitosas durante o ciclo gravídico-puerperal, no entanto, as autoras chamam a atenção para o fato de que violações dos direitos das mulheres durante a análise dos questionários foram identificadas, porém não foram caracterizadas como violência obstétrica pelas participantes. Ademais, pesquisa realizada com mulheres no puerpério identificou que a maioria das entrevistadas não sabiam definir a violência obstétrica e que muitas não tinham ouvido o termo previamente. Tal fato aponta o desconhecimento das mulheres sobre a problemática bem como seus direitos sexuais e reprodutivos. (6
Assim, a violência obstétrica se torna cada vez mais institucionalizada, naturalizada e invisibilizada, de modo a ampliar as múltiplas vulnerabilidades às mulheres que vivenciam o ciclo gravídico-puerperal, além de desenvolver sentimentos de incapacidade, inferioridade e desvalia que interferiram na forma de gestar, parir e nascer.7,8) Nesse sentido, esse fenômeno social enquanto questão urgente, que afeta mundialmente inúmeras mulheres, deve ser considerada como um potente indicador de resultados desiguais e negativos durante a assistência materno-infantil, permeado pelas práticas de desumanização, desrespeito, abuso e maus-tratos nos campos da saúde sexual e reprodutiva e dos direitos humanos. 9
Ademais, tais violências ocorrem por motivos econômicos, sociais, culturais e geracionais, acarretando ampliação das vulnerabilidades e redução nos direitos assegurados por lei às mulheres, tornando-as corpos reprodutivos, que podem ser dominados, controlados e abusados. 5
Nessa linha de pensamento, definiu-se a seguinte questão norteadora: Quais as representações sociais de mulheres no ciclo gravídico-puerperal, atendidas em uma maternidade filantrópica sobre violência obstétrica?
O estudo torna-se relevante por permitir a compreensão das representações sociais de mulheres no ciclo gravídico-puerperal sobre violência obstétrica e por contribuir para a elaboração de estratégias capazes de mitigar a problemática atual, presente no cenário obstétrico. Deste modo, objetivou-se com a pesquisa: traçar as características biopsicossociais de mulheres no ciclo gravídico-puerperal e analisar as representações sociais de mulheres no ciclo gravídico-puerperal sobre violência obstétrica.
Método
Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, norteado pela Teoria das Representações Sociais (TRS) que permite a compreensão do conjunto de concepções do sujeito, grupo ou sociedade sobre um determinado tema, assunto, acontecimento, e condutas representativas dentro do seu cotidiano. 10
A pesquisa contou com a participação de 40 mulheres, dentre elas 29 gestantes e 11 puérperas, atendidas em uma maternidade filantrópica localizada em Minas Gerais, no Brasil. Como critérios de inclusão das gestantes considerou-se: ser maior de 18 anos e ter realizado consultas de pré-natal. Foram excluídas gestantes com transtorno mental e/ou algum déficit cognitivo que dificultasse a compreensão da pesquisa e mulheres em situação de abortamento.
No que se refere às puérperas, foram selecionadas àquelas com idade maior de 18 anos e as que não possuíssem complicações no pós-parto imediato e como critérios de exclusão: puérperas com pós-parto patológico, as que tiveram natimorto ou perda fetal, as que pariram em casa ou em via pública e as que possuíam transtorno mental e/ou algum déficit cognitivo que dificultasse a compreensão da pesquisa.
As técnicas utilizadas para a coleta de dados foram um roteiro de entrevista semiestruturada, envolvendo perguntas abertas relacionadas à temática pesquisada e a técnica de associação livre de palavras (TALP), que permitiu aos indivíduos pesquisados o fornecimento de informações relacionados à processos mentais, através da explicitação de palavras originadas por meio de dois estímulos, respectivamente: “assistência recebida dos profissionais de saúde durante a(s) sua(s) gravidez(es)” e “assistência recebida dos profissionais de saúde durante o(s) seu(s) parto(s)”.
Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), procedeu-se à aproximação e fornecimento de todas as informações do estudo às participantes vinculadas à instituição e o aceite através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo a coleta realizada entre os meses de setembro de 2021 e abril de 2022, de forma presencial em uma sala do serviço, até que houvesse saturação teórica dos dados. Destaca-se que para a definição do quantitativo das participantes utilizou-se o critério de amostragem aléatória simples.
Todas as entrevistas foram gravadas em aparelho digital, com duração média de 15 minutos. Salienta-se que foi dado às participantes a opção da pesquisa no formato remoto, através das plataformas Google Meet, Skype ou Zoom, porém, nenhuma delas optou por essa modalidade. A transcrição ocorreu no processador de texto Microsoft Word, sendo analisadas pela técnica de conteúdo temática proposta por Bardin, que descreve o conteúdo das mensagens e os indicadores coletados, através da observação das comunicações. 11
Para a realização da TALP, as participantes foram orientadas sobre o tempo máximo para a resposta como sendo de dois minutos para cada estímulo e a não realizarem construções verbais elaboradas. No total, foram obtidas 171 evocações referentes ao primeiro estímulo e 136 evocações decorrentes do segundo estímulo.
O processamento e a análise dos dados se deu por meio do software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Iramuteq), que objetiva analisar termos evocados espontaneamente à cabeça a partir de um estímulo indutor e ao ser processado, possibilita ao pesquisador identificar co-ocorrências e conexidade entre as palavras. Destaca-se que a utilização do software neste estudo, resultou na construção de duas Árvores de Similitudes. 12
Para manter o anonimato das participantes foi apresentado uma lista com nome de flores, permitindo que escolhessem um que as representasse, conforme preceitos éticos das resoluções nº 466/2012 e nº 510/2016. 13,14
Resultados
Participaram da pesquisa 40 mulheres no ciclo gravídico-puerperal. No que se relaciona à caracterização biopsicossocial, a análise foi processada pela estatística descritiva simples. Das participantes, 17 (42,5 %) encontraram-se no período reprodutivo, de 24 a 29 anos, consideradas adultas jovens, sendo que 31 (77,5 %) intitularam-se pardas e 26 (65 %) católicas. Com relação a situação conjugal, evidencia-se que 25 (62,5 %) das mulheres estão em união estável ou casada. Em relação ao grau de escolaridade, destaca-se que apenas 10 (25 %) possuíam ensino médio, logo, parcela importante deste grupo está abaixo do ensino médio; além disso, a renda familiar das mulheres permanece baixa, em que 26 (65 %) referiram receber de 1 a 3 salários-mínimos, ocupando na sua maioria 13 (32,5 %) a função de dona do lar.
No que se refere ao histórico obstétrico, 15 (52 %) possuíam idade gestacional entre 37 a 41 semanas, 28 (70 %) não haviam planejado a gravidez, 17 (42,5 %) haviam sido admitidas em trabalho de parto, 35 (87,5 %) estavam acompanhadas e 7 (17,5 %) possuíam histórico de adoecimento mental antes da gravidez, parto e/ou resguardo.
Diante da caracterização biopsicossocial apresentada, observa-se que a violência obstétrica pode atingir as mulheres de forma diferenciada, quando relacionada às questões de idade, cor/etnia, classe social, estado civil, grau de escolaridade, presença de acompanhante e história obstétrica. Portanto, mulheres jovens, negras, solteiras, de baixo nível sócio econômico e com baixa escolaridade são mais propensas a vivenciarem abusos, desrespeitos e maus tratos nos serviços de atenção à saúde.
Ressalta-se ainda que após a construção da caracterização biopsicossocial procedeu-se a análise das entrevistas que permitiu a construção de duas categorias: (Des)conhecimento de mulheres no ciclo gravídico-puerperal sobre violência obstétrica e Naturalização da violência obstétrica entre mulheres no ciclo gravídico-puerperal.
Entende-se que, o pouco conhecimento das mulheres sobre os seus direitos sexuais e reprodutivos aliados à questões sociais, corroboram com a imposição e aceitação de normas e valores atribuídos pelos profissionais de saúde durante as práticas assistenciais, que resulta na chamada violência obstétrica, que pode ser representada como atos de cunho sexual, verbal e de abandono, desvelados através do tratamento grosseiro e desagradável, repreensões, gritos, ameaças e humilhações, conforme descrito abaixo:
Médicos que abusam, que mexem com a paciente (Áster).
Entendo que seja quando as enfermeiras são grossas com a gente (Flor de amendoeira).
Não ficar dando assistência, socorro (Hortênsia).
Violência obstétrica é quando o paciente pede ajuda e o profissional não ajuda ela na hora que tá ali precisando (Begônia).
Além disso, a violência obstétrica é representada pelas mulheres por práticas baseadas em decisões puramente pessoais dos profissionais de saúde e sem nenhuma evidência científica, como a episiotomia, a manobra de Kristeller, os toques vaginais repetitivos e a utilização de ocitocina para acelerar o trabalho de parto bem como ações não consentidas pelas usuárias, como revelado a seguir:
Violência obstétrica no meu caso e pelo que eu entendo, é quando cê tá em trabalho de parto, vem a enfermeira subir em cima pra poder forçar o bebê a sair. Querer tirar o bebê antes da hora (Dália).
Já ouvi falar que eles aplicam o soro sem informar a pessoa para estimular as contrações (Botão-de-ouro).
Corte, empurrar muito o bebê na hora do parto. Que eu já li mesmo foi mais ou menos isso (Cravina).
Fui tocada várias vezes (Lavanda).
Fui tocada de 5 a 6 vezes desde que cheguei (Copo-de-leite).
No caso de ignorar o consentimento pra certas coisas (...). Não tem o seu consentimento e as pessoas fazem, no caso a “obstetra” faz (Lótus).
Você passar por procedimentos que não deu autorização (Lírio).
As falas remetem a um cuidado desrespeitoso e violento que diminui o protagonismo feminino e desconstrói a expectativa das mulheres por uma assistência de qualidade, o que pode ser ampliado para aquelas que desconhecem completamente o fenômeno , como apontado a seguir:
Nunca ouvi falar (Mimosa).
Não tenho noção do que seja (Flor de maio).
Saber assim... definitivamente não! Tem vários tipos de violências, mas a obstétrica eu não sei definir o que é mesmo não (Hibisco)
Já vi falar mais pela televisão, não na minha região (Áster).
Nota-se que, o desconhecimento ou baixo conhecimento das mulheres no ciclo gravídico-puerperal sobre a violência obstétrica pode impactar nas suas representações sobre este objeto, fazendo-as muitas vezes naturalizá-las, especialmente quando estão diante de procedimentos no momento da gestação e parto, como demonstrado abaixo:
Eu não fui orientada e não sabia como seria (Clívia).
Daqui do hospital ninguém me orientou não, mas em casa minha mãe já tinha me falado como seria e como ia acontecer (Íris).
Percebo que alguns profissionais não tem interesse em dizer se a gente não perguntar (Perpétua).
Os médicos só avaliam e saem (Gailárdia).
Tais representações sociais demonstram a importância de se operar com as boas práticas na atenção ao parto e nascimento, com a educação permanente dos profissionais de saúde, com o conhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos por parte das mulheres, de forma a oportunizar que novas simbologias possam surgir no decorrer das experiências do ciclo gravídico-puerperal, mitigando o fenômeno da violência obstétrica, como ilustrado na Figura 1.
Os termos mais evocados “boa”, “atenção”, “cuidados”, “ajuda” e “orientação” demonstram, por outro lado, práticas assistenciais positivas, o que leva a crer na necessidade de capacitação profissional, desde a entrada da gestante no serviço de saúde até a sua alta, estendendo a qualificação e humanização ao ambiente domiciliar.
Além disso, as evocações “respeito” e “paciência”, representadas na Figura 2 , revelam componentes da humanização imprescindíveis no cuidado durante o ciclo gravídico-puerperal, fundamentais para a mitigação de qualquer ato violento contra as mulheres. Ressalta-se que o “respeito” permeia qualquer relação, especialmente a inter-relação profissional de saúde e usuária e a “paciência” denota a importância do cuidado atencioso, respeitoso e voltado às reais necessidades de cada mulher que vivencia o ciclo gravídico-puerperal, elementos importantes durante o desenvolvimento de ações voltadas às boas práticas na atenção ao gestar, parir e nascer.
Apersar da existência de relatos de práticas medicalizadas, intervencionistas e desconfortáveis observa-se que as mulheres avaliam positivamente a assistência recebida. Isso porque, apesar da violência obstétrica ser um problema antigo e recorrente, as condutas violentas são vistas como comuns, corriqueiras e que devem ser realizadas durante a assistência. Então, ainda que enfrentem práticas de violência obstétrica, as mesmas são vistas como secundárias, necessárias e inerentes ao cuidado.
Nesse sentido, percebe-se que as mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal, embora com pouco conhecimento e naturalizando algumas ações assistenciais típicas de violência obstétrica, desvelam gradativamente as simbologias sobre o fenômeno, denotando a urgência por educação em saúde como forma de empoderá-las, torná-las cidadãs de direitos e com poder de escolha.
Por conseguinte, ressalta-se que as práticas obstétricas violentas, muitas vezes, são difíceis de serem identificadas pelas mulheres envolvidas, em virtude de serem compreendidas e legitimadas como indispensáveis, colaborando para a naturalização da violência obstétrica.
Discussão
Os resultados deste estudo evidenciam as representações sociais de mulheres no ciclo gravídico-puerperal sobre a violência obstétrica, demonstrando que o conhecimento insuficiente, por parte de algumas mulheres, sobre este fenômeno amplia as vulnerabilidades femininas, usurpa os direitos sexuais e reprodutivos assegurados por lei e garantidos através dos movimentos feministas e contribui para a ocorrência de violências que acometem o físico, o emocional, o social e o inter-relacional das usuárias.
Nessa direção, a realização de práticas assistenciais no ciclo gravídico-puerperal sem respaldo científico não são identificadas e definidas pelas mulheres como condutas desrespeitosas. Estudos demonstram que a concepção cultural do processo gestar e parir é permeada de dor e intervenções, práticas estas que não são classificadas como violência obstétrica pela maioria das mulheres. 15
Nota-se ainda que as mulheres jovens, com baixa escolaridade, situação de renda familiar precária e de cor parda, tendem a ser as mais afetadas por práticas assistenciais violentas em virtude das desigualdades existentes, demonstrando a importância de mitigação deste tipo de violência em todos os cenários de assistência à mulher, especialmente naqueles em que existe uma dificuldade de acesso e qualidade no cuidado à saúde. 16,17
Nesse sentido, percebe-se que a violência obstétrica está relacionada às questões de gênero, de desigualdade social e de modelos assistenciais que prezam por intervenções desnecessárias e desrespeitosas com afastamento na relação entre profissional e mulher a ser cuidada. De igual modo, pode-se inferir que a naturalização de condutas assistenciais violentas associa-se às dimensões morais, conservadoras e do mito do amor maternal, cultuadas por diferentes religiões, especialmente aquelas ligadas ao catolicismo, momento em que as mulheres eram comparadas a Virgem Maria e, portanto, deveriam sujeitar-se ao sofrimento em benefício dos filhos, algo questionável nos dias atuais. 18
No tocante à situação conjugal, desvela-se que a maioria das mulheres permanece em união estável ou casada. Sabe-se que a presença e participação ativa de uma parceria durante a gestação e parto, pode ser considerada como um fator positivo para coibir práticas violentas e reduzir a insegurança das mulheres, o que deve ser constantemente estimulado pelos profissionais de saúde. 8) Além disso, o cumprimento da Lei Federal n.º 11.108 de 2005, conhecida como Lei do acompanhante também é elemento imprescindível para coibir a violência obstétrica dentro dos serviços de saúde. 10
No que diz respeito ao perfil biológico, grande parte das mulheres apresenta gestação a termo, sem ter planejado. Este dado aponta a necessidade dos serviços de saúde, em especial a atenção primária, de identificar fatores de risco que podem ampliar as situações de vulnerabilidade, a exemplo do aborto inseguro, do adoecimento mental e da violência obstétrica. 15,16,17,18,19 Destaca-se que dentre os fatores que resultam em internação hospitalar, houve o predomínio do trabalho de parto como causa principal, momento representado por grande descarga emocional e física por partes das mulheres e considerada com uma fase de maior propensão às práticas caracterizadas como violência obstétrica. 15
Considerando a dimensão psicológica, aponta-se que as mulheres não relataram transtornos ou adoecimento mental antes da gravidez, parto e/ou resguardo. Mesmo diante dos achados, entende-se que o período gravídico-puerperal representa um momento de fragilidade emocional, pois, além das alterações biopsicossociais, o momento demanda adaptações à nova vida, podendo colocar a mulher em vulnerabilidade mental e em situações de violência obstétrica , mesmo diante de vivências ou experiências anteriores positivas na gestação, parto e puerpério. 10
Nesse contexto, estudos sinalizam que quanto maior a vulnerabilidade da mulher, mais agressivo, violento e humilhante tende a ser o cuidado oferecido a ela, além do mais, o não reconhecimento e a naturalização da violência obstétrica pelo público feminino, é um problema de grande complexidade que demanda intervenção imediata. 20,21
Pesquisas realizadas no Paquistão revelaram que a violência obstétrica se manifestou através de comunicação ineficaz, falta de cuidados de suporte, perda de autonomia, falta de recursos, abuso físico, verbal e discriminação, sendo as primigestas e pobres as mais maltratadas pelos serviços de saúde. Evidenciou-se ainda que a inexistência de educação sobre preparação para o parto e cuidados pós-natais e falta de apoio emocional por parte da rede familiar contribuiu para a ampliação da violência obstétrica. 22
A partir de estudos realizados na América Latina e no norte da Europa observou-se, também, a ocorrência de práticas de violência obstétrica, muitas vezes, demarcada por condutas, tais como: limitar o movimento e a escolha da posição para parir; manter as parturientes sob jejum prolongado; realizar episiotomia e manobra de Kristeller, ambas proscritas; não permitir a privacidade e desqualificar verbalmente o poder e autonomia das mulheres. 23,24
No que tange ao continente africano, a violência obstétrica apresenta altas taxas devido aos partos instrumentais realizados nos hospitais com desrespeito e abusos às mulheres, demonstrando que este fenômeno é global e repercute na saúde física e mental destas usuárias dentro do sistema de saúde. 25
Observa-se então que a problemática tem sido recorrente mundialmente na assistência a saúde destinadas às mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal, sendo representada por violência verbal, através de comentários contrangedores, ofensivos e humilhantes por parte dos profissionais de saúde; como violência física, a exemplo da realização de episiotomia, manobra de Kristeller e o uso do fórceps para a retirada do bebê, e psicológica, manifestada por negligência, abandono, chantagens e ameaças. 19,20
Percebe-se que, em algumas situações, há uma naturalização de condutas desrespeitosas realizadas pelos profissionais de saúde em virtude do desconhecimento das mulheres sobre seus direitos e as formas de enfrentamento da violência obstétrica. 26 A ausência de informações e o medo de falar e/ou se contrapor às práticas violentas aliados à falta de reconhecimento da sua individualidade e potencialidade, faz com que as mulheres se tornem vulneráveis a procedimentos desumanos, perpetuando a violência obstétrica.(8,16,17,26
Diante disso, evidencia-se que a violência obstétrica está intrinsecamente relacionada à violência de gênero e ao desconhecimento das mulheres sobre os seus direitos sexuais e reprodutivos que as fazem naturalizar e aceitar as práticas violentas recebidas. Logo, para se ter uma assistência humanizada, torna-se fundamental a formação e o aperfeiçoamento do profissional através da inclusão de práticas baseadas em evidências científicas e que considerem os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. 21,22,23,24,25,26,27
Ademais, um pré-natal realizado por profissionais que adotem condutas humanizada, baseadas em ações direcionadas para a individualidade de cada mulher, levando informações e independência, corrobora com a diminuição e até mesmo a extinção da violência obstétrica. Além disso, a educação em saúde torna-se indispensável para a população, uma vez que, a informação é uma poderosa ferramenta no combate à práticas violentas. 16
Conclusões
A caracterização biopsicossocial das pesquisadas foi representada por mulheres, majoritariamente, com faixa etária de 24 a 29 anos, pardas, católicas, em união estável ou casadas, do lar, em baixo nível de escolaridade e com renda familiar entre 1 a 3 salários mínimos. Quanto à sistuação obstétrica, destacaram-se aquelas com gestação a termo planejada, admitidas em trabalho de parto, acompanhadas e com baixo histórico de adoecimento mental antes da gravidez, parto e/ou resguardo.
Observou-se, a partir do estudo, que as representações sociais de mulheres no ciclo gravídico-puerperal sobre violência obstétrica traduzem-se em negligência, repreensões, grosserias, ameaças, humilhações e abuso de poder, ancorada nas questões de gênero, no contexto socioeconômico, político, cultural e familiar em que as mulheres encontram-se inseridas, resultando em diminuição da sua autonomia, empoderamento e protagonismo.
Neste contexto, a temática é pouco reconhecida e muitas vezes naturalizada nos serviços de saúde, sendo importante as estratégias para sua mitigação, através da educação em saúde, ampliando o conhecimento das mulheres e, especialmente, o cumprimento dos seus direitos sexuais e reprodutivos. Ademais, entender as representações sociais sobre a temática a partir das usuárias do serviço é uma importante ferramenta que auxiliará no desenvolvimento de práticas que as empodere e as faça reconhecer seus direitos legais, o que consequentemente resultará na melhoria da assistência à saúde.
Deste modo, espera-se que o estudo fomente na adoção de práticas que promovam a valorização feminina como sujeito ativo do ciclo gravídico-puerperal através da aquisição de conhecimentos sobre a temática como também do reconhecimento das práticas de violência obstétrica e que os profissionais sejam desafiados a realizarem um cuidado respeitoso e que devolva o protagonismo feminino.
Por fim, considera-se como limitação deste estudo, a dificuldade de entendimento da TALP por mulheres com menos escolaridade, embora tenha ocorrido exercícios com outros estímulos não pertencentes à pesquisa para que compreendessem a técnica. Contudo, isto não impediu atingir os objetivos propostos em virtude da excelência dos dados nas entrevistas.