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Enfermería: Cuidados Humanizados

versión impresa ISSN 1688-8375versión On-line ISSN 2393-6606

Enfermería (Montevideo) vol.13 no.1 Montevideo  2024  Epub 01-Jun-2024

https://doi.org/10.22235/ech.v13i1.3799 

Artigos originais

Práticas de cuidar realizadas por enfermeiros da atenção básica no território: um estudo em Boa Vista, Roraima

Prácticas asistenciales realizadas por las enfermeras de atención primaria en el territorio: un estudio en Boa Vista, Roraima

Áurea de Souza Coutinho Marinho1 
http://orcid.org/0000-0003-1573-9863

Paulo Sérgio da Silva2 
http://orcid.org/0000-0003-2746-2531

1 Universidade Federal de Roraima, Brasil

2 Universidade Federal de Roraima, Brasil, pssilva2008@gmail.com


Resumo:

Objetivo:

Identificar as práticas de cuidar realizadas por enfermeiros da atenção básica no território.

Método:

Estudo exploratório-descritivo com abordagem qualitativa realizado em dez unidades básicas de saúde situadas na cidade de Boa Vista, Roraima, Brasil. O grupo social foi constituído por oito enfermeiros do quadro efetivo do funcionalismo municipal. A produção dos dados ocorreu durante dezembro de 2022 a fevereiro de 2023 mediada por entrevistas semiestruturadas. Os arquivos em áudio totalizaram aproximadamente uma hora, foram transcritos manualmente e analisados segundo o referencial teórico de Bardin.

Resultados:

As práticas de cuidar foram organizadas em duas categorias temáticas centrais, a saber: práticas de educação em saúde realizadas por enfermeiros no território e vacinação como prática de cuidar realizada por enfermeiros no território.

Conclusão:

A educação em saúde foi decodificada como prática de cuidar pelos enfermeiros a partir de ações com grupos prioritários presentes no território orientada por rodas de conversas, palestras educativas e campanhas educacionais sobre infecções sexualmente transmissíveis, saúde mental e uso de drogas. A vacinação foi decodificada a partir da busca ativa de crianças no território, campanhas nas escolas e aplicação de vacinas contra a COVID-19 no território.

Palavras-chave: enfermagem de atenção primária; enfermagem domiciliar; cuidados de enfermagem; atenção primária à saúde; território sociocultural.

Resumen:

Objetivo:

Identificar las prácticas asistenciales realizadas por enfermeras de atención primaria en el territorio.

Método:

Estudio exploratorio-descriptivo con énfasis cualitativo realizado en diez unidades básicas de salud localizadas en la ciudad de Boa Vista, Roraima, Brasil. El grupo social estuvo formado por ocho enfermeras de la administración pública municipal. La producción de datos se realizó entre diciembre de 2022 y febrero de 2023, mediada por entrevistas semiestructuradas. Los archivos de audio totalizaron aproximadamente una hora y veinte minutos, fueron transcritos manualmente y analizados según el marco teórico de Bardin.

Resultados:

Las prácticas de cuidados se organizaron en dos categorías temáticas centrales, concretamente: prácticas de educación en salud producidos por enfermeras en el territorio y la vacunación como práctica de cuidado realizada por enfermeros en el territorio.

Conclusión:

La educación en salud fue decodificada como una práctica de cuidado por parte de las enfermeras a partir de acciones con grupos prioritarios presentes en el territorio guiadas por mesas redondas, charlas educativas y campañas educativas sobre infecciones de transmisión sexual, salud mental y consumo de drogas. La vacunación fue decodificada a través de la búsqueda activa de niños en el territorio, campañas en escuelas y la vacunación contra el COVID-19 en el territorio.

Palabras clave: enfermería de atención primaria; cuidados de enfermería en el hogar; atención de enfermería; atención primaria de salud; territorio sociocultural.

Abstract:

Objective:

Identify care practices produced by primary care nurses in the territory.

Method:

Exploratory-descriptive study with a qualitative approach carried out in ten basic health units located in the city of Boa Vista, Roraima, Brazil. The social group was made up of eight nurses from the municipal workforce. Data production took place between December 2022 and February 2023, mediated by semi-structured interviews. The audio files totaled approximately one hour, were transcribed manually and analyzed according to Bardin’s theoretical framework.

Results:

The care practices were organized in two central thematic categories, named: health education practices produced by nurses in the territory and vaccination as a care practice carried out by nurses in the territory.

Conclusion:

Health education was decoded as a care practice by nurses based on actions with priority groups present in the territory guided by conversation circles, educational lectures and educational campaigns on sexually transmitted infections, mental health and drug use. Vaccination was decoded based on the active search for children in the territory, campaigns in schools and the application of vaccines against COVID-19 in the territory.

Keywords: primary care nursing; home health nursing; nursing care; primary health care; sociocultural territory

Introdução

A opção em investigar o território na perspectiva dos enfermeiros atuantes na Atenção Básica (AB), invariavelmente, convoca a identificação de práticas no campo da saúde pública. Isso porque cotidianamente estes profissionais são atravessados por necessidades individuais de saúde, convocados a pensarem em estratégias coletivas de cuidar, realizam análises técnicas das áreas sob sua responsabilidade, enfrentam dilemas éticos, humanos e existenciais nos territórios que atuam.

A palavra de ordem território carrega consigo significados que transcendem os limites geográficos de um dado lugar e pode ser ampliado para compreensões sobre as pessoas. Nesse sentido, o processo de territorialização possibilita não só o entendimento dos modos de viver dos grupos sociais, mas também a percepção de suas necessidades em saúde, sendo também considerada uma técnica de gestão que designa propor intervenções a partir de experiências reais vivenciadas por enfermeiros nos territórios do cuidado.1

Por apresentar um importante caráter social, a territorialização fortalece a inserção dos enfermeiros nos espaços comunitários, de tal forma a possibilitar leituras epidemiológicas dos contextos das pessoas e construir com elas ações em saúde nos territórios em que habitam. Logo, observa-se a importância de discutir no âmbito da AB o território e a territorialização como lugar de valorização da vida e instrumento de organização das práticas assistenciais.2

Diante destas contextualizações, o território emerge como elemento fundamental para a saúde, pois nele estão contidas dinâmicas específicas de viver, perfis epidemiológicos, demográficos e movimentos políticos. O território significa natureza e sociedade; economia e cultura; ideia e matéria; identidades e representações; apropriação, dominação e controle; descontinuidades; conexões e redes; domínio e subordinação; degradação e proteção ambiental; terra, formas espaciais, relações de poder, diversidade e unidade.3

Orientados por estes conceitos que estabelecem relações existentes entre território e territorialização; é importante destacar as características regionais e o valor destes fenômenos (trans)culturais circulantes na cidade de Boa Vista, capital do Estado de Roraima, situada no extremo Norte do Brasil. Esta região em particular, tem como divisas nacionais os Estados do Amazonas e Pará, e internacionais as fronteiras da República Cooperativa da Guiana e República Bolivariana da Venezuela.4

Aqui, cabe sublinhar as situações de natureza social e cultural contidos no território que impactam subjetivamente as ações de cuidar produzidas por enfermeiros atuantes na AB. Nesse sentido, é preciso pensar nas memórias históricas que dizem respeito a um estado novo, implantado por diversos miscigenados, dos quais oitenta por cento das pessoas que estiveram desde a sua criação migraram da região Sul, Sudeste, Norte e Nordeste do Brasil, o que (re)afirma a presença de enfermeiros formados em vários lugares do Brasil. Além disso, coloca-se em relevo o atual e permanente processo de migração dos países circunvizinhos, que está a desenhar novos territórios existenciais e uma nova geografia da saúde na região.5

Com estes debates, coloca-se em relevo as dimensões políticas que posicionam os enfermeiros brasileiros, sobretudo na região de Roraima como potentes protagonistas nos territórios adscritos as unidades básicas de saúde (UBS). Dentre suas atribuições de valor específico destacam-se a elaboração de plano de cuidados interprofissionais e colaborativos com a equipe de saúde, centrado nas singularidades das pessoas presentes no território; realização do acolhimento com escuta qualificada, continuidade das ações de saúde orientado por rotinas, protocolos e fluxos assistenciais relacionados a sua área de competência na UBS.6,7

De outra forma, a atuação do enfermeiro no território também perpassa pelas práticas de busca ativa, consultas domiciliares, coordenação de equipe multiprofissional e agentes comunitários de saúde, registros de ações e atividades vinculadas a educação e promoção da saúde, prevenção de doenças e agravos, proteção e recuperação, além de criar estratégias de abordagem familiar e social.8) Isso porque ao encontrar com as pessoas, famílias e as comunidades o enfermeiro da UBS, atua como administrador, produtor de práticas preventivas, promocionais, assistenciais e controlador social, o que contribui para o bom funcionamento da dinâmica de saúde no território.9

A estas importantes contextualizações temáticas, cabe a inclusão da ideia do território adscrito a UBS como lugar de efetivação de práticas de cuidar orientados por uma dimensão epidemiológica. Neste ponto, o Relatório Anual de Vigilância Epidemiológica publicado em 2023 pela Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde do Estado de Roraima, aponta que a capital Boa Vista teve a maior taxa de detecção do HIV em gestantes equivalente a 11,97 (por 1000/nascidos vivos) no ano de 2021 e de 14,89 (por 1000/nascidos vivos) no ano de 2022. Quanto a sífilis em gestante, foram notificados 448 casos no ano de 2021 e 466 casos no ano de 2022, representando um aumento de 4 % no número de notificações de um ano para outro. Os casos de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), totalizaram 2.255 casos em 2021 e 2.193 em 2022. Os agravos mais expressivos foram a síndrome do corrimento cervical em mulheres, Candidíase e afeções inflamatórias da vagina e da vulva.10

Com base nas acepções socioculturais e epidemiológicos que influenciam as práticas do cuidar no território, é reconhecido aqui a necessidade de enfermeiros capazes de integrar múltiplos papéis no âmbito da AB. Dentre eles destacam-se a gestão, assistência, controle social e educação em saúde como pilares elementares da produção de cuidado em saúde resolutiva no território.11) Face aos temas postos, emerge a seguinte questão norteadora deste estudo: quais são as práticas de cuidar produzidas no território por enfermeiros da atenção básica? Nas linhas deste questionamento, apresenta-se o seguinte objetivo: identificar as práticas de cuidar produzidas por enfermeiros da atenção básica no território.

Método

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo com abordagem qualitativa. Do ponto de vista paradigmático esta perspectiva metodológica pode ser definida como uma abordagem sistemática e subjetiva para descrever ou compreender experiências de vida e dar-lhes sentido. É utilizada para diversos fins: obter uma compreensão global de um fenómeno ou situação; estudar a profundidade, riqueza e complexidade dos fenômenos; compreender experiências humanas, processos ou cultura de grupo e como estes são vivenciados pelas pessoas que os moldam.12

O estudo foi desenvolvido na rede básica do município de Boa Vista, capital do estado de Roraima, localizado no extremo norte do Brasil. A rede básica é composta por oito macro áreas que possuem um total de trinta e quatro UBS. Desta totalidade, o estudo selecionou por conveniência dez unidades geograficamente acessíveis situadas na macro área cinco e seis. O total de serviços foi definido pela saturação dos dados fornecidos pelos participantes selecionados para as entrevistas.

O grupo social envolvido neste estudo foi constituído por quinze enfermeiros atuantes na AB dos quais oito aceitaram participar da produção dos dados. A seleção dos participantes obedeceu aos seguintes critérios de inclusão: enfermeiro(a) atuante na UBS há no mínimo seis meses, realizar visitas domiciliares mensais no território da sua unidade atestado por relatório de atividades da unidade e compor o quadro efetivo do funcionalismo municipal de Boa Vista. Foram excluídos enfermeiros(as) estrangeiros(as), profissionais afastados das atividades laborais por motivos médicos e férias. Tais critérios são justificados para garantir a seleção de participantes conhecedores das realidades regionais, territoriais e micro territoriais em que atuam, sobretudo na programação de ações de acordo com a necessidade da comunidade cuidada e alinhadas com os princípios e diretrizes do sistema de saúde brasileiro.

A coleta de dados foi realizada por uma entrevistadora, credenciada como estudante de enfermagem, gênero feminino e que foi treinada de forma teórica e prática quanto ao manejo de entrevistas qualitativas do tipo semiestruturada. Especificamente, a produção dos dados ocorreu durante os meses de dezembro de 2022 a fevereiro de 2023.

Primeiramente, foi feito um convite pessoal aos participantes da pesquisa e esclarecimento de emergentes dúvidas sobre a investigação. Em seguida, a entrevista foi agendada para data adequada ao entrevistado-entrevistadora em locais reservados da UBS o que incluiu consultórios de enfermagem, salas médicas e espaços de reuniões. Vencida esta etapa, os participantes foram informados quanto aos objetivos do estudo e posteriormente assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Termo de Autorização de Gravação de Voz (TAGV), demonstrando anuência em participar das entrevistas.

Ao longo das entrevistas não houve interrupções durante o processo de produção de dados registrados por meio do aplicativo “Gravador” disponível no aparelho celular do tipo smartphone. Os arquivos em áudio totalizaram aproximadamente uma hora e foram disponibilizados em formato .mp3 para transcrição e análise.

Os dados produzidos foram analisados manualmente por um enfermeiro, doutor, responsável pela investigação e com expertise no referencial teórico-analítico de Bardin. Este tipo de análise é dividido em três etapas cronológica, a saber: pré-análise, tratamento dos dados obtidos e interpretação. Percorrido todos os três polos cronológicos da análise de conteúdo nas entrevistas transcritas, os depoimentos ilustrativos foram apresentados de forma descritiva em duas categorias. No conjunto das técnicas de análise de conteúdo, a análise por categorias é amplamente utilizada. Funciona por operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos.13) Orientados pela questão e o objetivo do estudo foram identificadas especificamente duas categorias temáticas, intituladas: “Práticas de educação em saúde produzidas por enfermeiros no território” e “Vacinação como prática de cuidar realizada por enfermeiros no território”.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética mediante o número de Certificado de Apresentação e Apreciação Ética 45126221.4.0000.5302. Toda pesquisa cumpriu as normas e diretrizes das Resoluções do Conselho Nacional de Saúde nº 466/2012 e n° 510/2016. Por fim, o anonimato nos depoimentos ilustrativos dos enfermeiros foi mantido a partir do uso de siglas correspondentes ao grupo profissional que atuam (E), seguida de um número ordinal crescente de acordo com a realização das entrevistas.

Resultados

As práticas de cuidar produzidas por enfermeiros da AB foram organizadas em duas categorias temáticas analíticas que versam sobre o protagonismo do enfermeiro na educação em saúde e a vacinação no território. No que diz respeito a primeira categoria temática emergente, voltada especificamente para educação em saúde, foram identificadas unidades de registros que versam sobre a compreensão do território como área de abrangência da unidade de saúde onde são implementadas ações de educação em saúde, orientada por rodas de conversa, encontros com os grupos prioritários, palestras, campanhas educacionais sobre IST, saúde mental e uso de drogas. Tudo isso pode ser evidenciado nos depoimentos ilustrativos dispostos na primeira categoria a seguir:

Categoria 1: Práticas de educação em saúde realizadas por enfermeiros no território

O território é a área de abrangência pela qual eu sou responsável, lá fazemos muitas palestras, a gente faz educação em saúde de acordo com o tipo de população que se encontra nele (E1). Na minha concepção o território é a área em que eu atuo, levando em consideração a relação educacional com a população. Daí, fazemos palestras para levar informações à população e campanhas educacionais (E2). O território é uma área delimitada para o qual são atribuídas as nossas atividades, tem uma comunidade sob a nossa responsabilidade que merece informação em saúde. Por isso, temos campanhas todo mês que abordam assuntos como saúde mental, saúde da mulher, álcool e drogas (E3).

O território é um lugar que utilizamos para organizar os serviços de saúde, principalmente a educação em saúde no cuidado com as mulheres. Assim, nós conseguimos realizar as palestras, rodas de conversa, orientações individuais com as gestantes (E4). A nossa unidade tem seu território de atuação pré-determinado, tudo o que acontece dentro dessa área, todos os cuidados, assim como as escolas que estão dentro, a gente responde por ela. Então, fazemos campanhas educacionais todos os meses de acordo com o tema proposto, como o janeiro branco (conscientização da saúde mental), por exemplo, aí fazemos palestras abordando os temas (E5).

O território serve para gente saber onde vamos atuar. A questão do território também ajuda muito para que eu não invada uma outra área e nem deixe que pessoas que sejam da minha área estejam indo para outra área; hoje fazemos muita educação em saúde com campanhas e palestras educativas (E6).

As nossas práticas no território, no meu ponto de vista, são educacionais desenvolvidas na área de abrangência onde eu, como enfermeiro, sou responsável, os temas são abordados em cada mês juntamente com as campanhas, onde damos suporte e acompanhamento as famílias (E7).

O território é uma ferramenta utilizada para definir a abrangência de atuação e essa é a nossa área de responsabilidade sanitária. Nele fazemos campanhas na escola para prevenção de ISTs, (...) palestras educativas de acordo com os grupos prioritários, rodas de conversa com temas específicos (E8).

Na segunda categoria temática emergente os enfermeiros atuantes na AB identificaram a imunização como uma prática de cuidar estratégica destinada à vigilância, promoção da saúde e prevenção de doenças no território. As unidades de registros sinalizam ações estratégicas de imunização no território, campanhas de vacinação nas escolas presentes no território e busca ativa de crianças para vacinação. Esses achados podem ser evidenciados nos depoimentos representativos apresentados na segunda categoria disposta a seguir:

Categoria 2: Vacinação como prática de cuidar realizada por enfermeiros no território

Não temos demanda na unidade, daí vamos para o território, as necessidades maiores são para vacina. Faço as orientações necessárias para as famílias e imunização de manhã e de tarde com todas as vacinas, incluindo a de COVID-19 (E1). Temos uma certa resistência para vacinação aqui na unidade. Por isso, fazemos busca ativa, principalmente a oferta de vacinação nas escolas do território (E2).

A vacinação é primordial, aqui fazemos campanhas periódicas nas escolas do nosso território, próximas a nossa unidade. Isso é promoção da saúde e prevenção de doenças (E3). Fazemos a busca ativa de pessoas não vacinadas na área, vacinação, preenchimento da caderneta vacinal das crianças e orientações gerais (E4).

O cuidado que temos que ter é com o estado vacinal das famílias do nosso território, saber quantas pessoas residem na mesma casa, se tem pessoa em situação de atraso vacinal, se estão vacinadas, em caso positivo, lembrar das próximas vacinas (E5). Faço busca ativas de crianças para vacinação no território. Cuidado no território também é isso prevenir doenças a partir da avaliação vacinação dos membros da família, vacinação é fundamental (E6). Temos muitas crianças menores de 2 anos, em que o nosso foco é o acompanhamento das vacinas, estar ali cobrando os pais. Temos escolas para fazer ação de vacinação e alguns atendimentos de educação em saúde (E7). Hoje uma prática que fazemos no território é a vacinação. Imunização da gripe, da COVID-19, campanhas de vacinação e verificação do cartão vacinal das crianças (E8).

Discussão

As discussões dos achados apontaram para diálogos práticos sobre o protagonismo do enfermeiro no território compreendido como uma área delimitada onde são realizadas ações de cuidar com a comunidade sob a responsabilidade da UBS. Problematiza-se a ênfase no processo de territorialização do cuidado em seus termos estritamente interventivos sustentados em duas dimensões centrais: educação em saúde e vacinação. Tal ponderação é trazida à baila, pois o Sistema Único de Saúde, ao valorizar processos sociais e os diversificados modos que a população concebe o processo saúde-doença, estabelece uma espécie de distanciamento das dimensões estritamente biofisiológicas e intervencionistas a serem realizadas no território.

O desafio, portanto, de identificar práticas de cuidado no território, sobretudo na ótica de enfermeiros permanece, não discordando, evidentemente, de que a díade educar-vacinar são estratégias importantes do ponto de vista da saúde pública para as pessoas e os territórios em que residem. Especificamente sobre a educação em saúde, salienta-se que os enfermeiros devem estar atentos para uma comunicação de qualidade durante os atendimentos, garantindo que o usuário compreenda os cuidados necessários e possa segui-los em casa. Para isso, é preciso utilizar uma linguagem clara e compreensível.14

Na perspectiva da educação em saúde implementada por enfermeiros da AB no território as práticas e conteúdos temáticos identificados foram palestras, campanhas educacionais e rodas de conversa com temas direcionados para o controle de ISTs, saúde mental e uso de drogas. A expansão das análises da primeira categoria proporciona uma discussão detalhada de como as ações educativas protagonizadas no território pelos enfermeiros, majoritariamente reproduzem uma representação antiga de educar em saúde, alicerçados em métodos tradicionais, tecnicistas e reduzidos ao simples repasse de informações por meio de palestras e campanhas.15

Destaca-se que as palestras educativas foram frequentemente utilizadas na AB, essa prática fornece informações relevantes sobre cuidados de saúde, sendo necessário um planejamento prévio, preparação de roteiro e material, aprofundamento dos temas.16) Outro aspecto, diz respeito as campanhas promovidas pelo Ministério da Saúde que consiste em uma prática muito comum, onde são utilizadas para educação em saúde meios de comunicação para o incentivo e conscientização do autocuidado pela população no território.17

Em contraste com estes achados, observa-se a ênfase no papel educador do enfermeiro no território mediado por rodas de conversas, compreendida como uma abordagem ampliada para melhorar o comportamento de busca de cuidados, sobretudo em mulheres.18 Por assim dizer, essa prática concebe a educação (popular) em saúde interativa que tem potencial transformador, o que permite ao indivíduo cuidar de sua saúde de forma crítica e reflexiva. Nesta modalidade, as práticas educativas adotadas pelos enfermeiros baseiam-se na construção de conhecimentos individuais e coletivos, levando em consideração o território de trabalho e a situação de saúde dos indivíduos. Isso incentiva a reflexão dos usuários, enfatizando que eles também têm responsabilidade sobre sua saúde.9,19

As rodas de conversa são compreendidos como métodos educativos integrativos que permitem potentes encontros dialógicos e a ressignificação de sentido, saberes, explorando as experiências dos participantes. Essa metodologia se baseia na horizontalização das relações de poder, transformando os sujeitos em atores históricos e sociais críticos e reflexivos.19

Em suma, é crucial reconhecer a necessidade de ir além das estratégias tradicionais de educação em saúde na AB, representado nos achados pela predileção por palestras; rumo a abordagens educacionais com aderência sociopolítica as peculiaridades de cada território. Embora a adoção por palestras pelos enfermeiros seja importante, é preciso ampliar o leque de possibilidades e explorar métodos inovadores, dialógicos, colaborativos, integradores e participativos, tais como as rodas de conversa, presentes em dois depoimentos.

A educação em saúde é enriquecida com a incorporação de grupos de discussão, oficinas práticas e atividades de educação popular em saúde; de tal modo que estas práticas abram passagem para debates no campo da saúde coletiva sobre territórios sustentáveis e saudáveis. Dessa forma, há que se considerar a incorporação nas práticas de educação popular em saúde de temas, bem como o aumento de atividades, capazes de fortalecer a promoção da saúde no território.

Outro aspecto identificado nesta investigação diz respeito a imunização como prática de cuidar realizadas pelo enfermeiro no território circunscrito a UBS. A imunização no contexto da AB é considerada a principal estratégia para prevenir doenças, promover e proteger a saúde da população. Nas UBS e no território, a vacinação de rotina deve ser realizada seguindo as normas do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e o calendário estabelecido pelo Ministério da Saúde. É crucial que profissionais de saúde, gestores municipais e estaduais das áreas de AB e Vigilância em Saúde estejam integrados e desenvolvam estratégias adequadas às necessidades do território.20

De acordo com um levantamento situacional nos dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), foi observada uma baixa adesão às vacinas, especialmente aquelas incluídas no calendário vacinal infantil, mesmo com sua ampla disponibilidade nas UBS.21,22,23)

No Brasil há a disponibilização gratuita de 15 vacinas para serem administradas antes dos dez anos de idade. No entanto, muitas mães têm dúvidas, resistem à vacinação, são influenciadas por mitos em relação à vacinação e a falta de conhecimento dificulta a adesão de algumas vacinas. É crucial garantir que as crianças estejam com seu calendário de vacinação em dia, o que depende inteiramente dos pais e responsáveis e, para isso, é fundamental mantê-los informados e conscientes sobre a importância e os benefícios da imunização infantil.24 Para isso, os enfermeiros entrevistados realizam orientações sobre vacinas para as famílias, análises de cartão vacinal, busca ativa de pessoas não vacinadas ou com vacinas em atraso, campanhas periódicas de vacinação no território.

Diante dessa situação, foi necessário implementar estratégias já comprovadas nos serviços da AB, como a busca ativa, ação vacinal em escolas do território, orientações sobre imunização e a vacinação domiciliar, a fim de aumentar a cobertura vacinal e garantir a imunização para todos, conforme diretrizes do Ministério da Saúde.21,22,23) Baseado nisso, é reconhecido a atuação do enfermeiro da AB no interior das casas e das escolas onde são realizadas orientações sobre os benefícios da imunização e promoção da saúde por meio de ações de vacinação.

Por fim, é fundamental destacar o papel da enfermagem na pandemia de COVID-19, destacando-se especialmente pelo envolvimento de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem na implementação da imunização em larga escala nos diversos territórios de Boa Vista, Roraima. Essa equipe foi e é responsável por impulsionar os mecanismos de vacinação da AB, contribuindo para estabelecer uma conexão sólida entre os usuários e a imunização contra a COVID-19 nos territórios.25

Assim, a imunização desempenha um papel de extrema importância na AB, especialmente em um contexto pós-COVID-19. Ao garantir altas taxas de cobertura vacinal e um acesso equitativo às vacinas, é fortalecida a proteção coletiva, redução da mortalidade e prevenção de uma ampla gama de doenças infecciosas. Sim, a vacinação é uma poderosa estratégia de cuidar que contribui para a promoção da saúde pública e produção de territórios saudáveis.

Limitação de estudo

À luz do texto, há que se considerar como limitações de natureza metodológica a produção dos achados qualitativos em duas macroáreas e a participação por conveniência de oito enfermeiros. Entretanto, há que se considerar dentro de um conjunto de relações estabelecidas entre coletadora-participantes, sujeito e objeto, um nexo sobre concepções de cuidar que possibilitou emergir e captar aquilo que é realizado como práticas no território em dois pilares: educação em saúde e vacinação.

Do ponto de vista analítico social, esses achados fazem emergir problemas investigativos que perpassam por compreensões do território adscrito a UBS em que atua os enfermeiros da atenção básica. Nesse sentido, como se explicaria, por exemplo, as práticas de cuidar direcionadas aos migrantes presentes nos territórios? Como se explicaria, ainda, a coexistência no território do cuidado de diferentes culturas

Conclusão

Com a certeza de que existem muitas outras indagações sobre as práticas protagonizadas por enfermeiros da AB no território que merecem ser investigadas, realiza-se aqui uma breve pausa científica com dois achados centrais: educar e vacinar fazem parte do cotidiano do cuidar no extremo norte do Brasil. A educação em saúde como prática de cuidar foi decodificada a partir de ações com grupos prioritários presentes no território orientado por rodas de conversas, palestras educativas, e campanhas educacionais sobre os seguintes temas IST’s, saúde mental e uso de drogas. Do ponto de vista da vacinação, foi identificado ações de vacinação no território para a COVID-19, campanhas de vacinação nas escolas e busca ativa de crianças para vacinação.

A busca de fundamentos para investigar o cuidado no território protagonizado pelo enfermeiro da AB junto as pessoas, famílias, grupos sociais e comunidades; careceu neste estudo de uma ampliação para dimensões existenciais, subjetivas, singulares, ecológicas, e multidimensionais que atravessam o processo de adoecimento. O território foi objetivamente identificado como área programática de atuação profissional e execução de ações intervencionistas convocando emergentes reflexões e estudos mais arejados e ampliados do ponto de vista social.

Este estudo apresenta contribuições para área da Enfermagem ao se debruçar sobre o território da AB como lugar de enfermeiros protagonizarem o seu saber-fazer. Deste modo, as evidências qualitativas aqui postas entrelaçam educação em saúde e vacinação como práticas fundamentais a serem consideradas no território e no processo de territorialização. Portanto, é esperado que este estudo auxilie enfermeiros, gestores e conselheiros de saúde implicados com modos e modelos de atenção e gestão em saúde na melhoria da qualidade das ações realizadas nos territórios. Além disso, os achados sobre as práticas de cuidar realizadas por enfermeiros no território indiretamente toca em elementos políticos de saúde, sobretudo por mobilizar nos serviços primários, na própria rede básica e nos documentos orientadores de práticas ações que acontecem na realidade social do extremo norte do Brasil.

Com base nessas acepções, as identificações postas abrem passagem para emergentes investigações sobre o território, territorialização e práticas de cuidar-cuidado protagonizado por enfermeiros que considerem dimensões teóricas, filosóficas e epistemológicas das ciências sociais. Assim, espera-se que este estudo suscite emergentes possibilidades sobre as práticas de cuidar e o cotidiano de assistir-gerir-educar-investigar o território na AB. 

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Disponiblidade de dados: O conjunto de dados que embasa os resultados deste estudo não está disponível

Como citar: Marinho A de SC, Silva OS da. Práticas de cuidar realizadas por enfermeiros da atenção básica no território: um estudo em Boa Vista, Roraima. Enfermería: Cuidados Humanizados. 2024;13(1):e3799. doi: 10.22235/ech.v13i1.3799

Contribuição de autores (Taxonomia CRediT): 1. Conceitualização; 2. Curadoria de dados; 3. Análise formal; 4. Aquisição de financiamento; 5. Pesquisa; 6. Metodologia; 7. Administração do projeto; 8. Recursos; 9. Software; 10. Supervisão; 11. Validação; 12. Visualização; 13. Redação: esboço original; 14. Redação: revisão e edição. A. D. S. C. M. contribuiu em 1, 2, 3, 4, 5, 6, 8, 12, 13, 14; P. S. D. S. em 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14

Editora científica responsável: Dra. Natalie Figueredo

Recebido: 06 de Dezembro de 2023; Aceito: 02 de Maio de 2024

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